Não é tão ruim quanto parece



Seus olhos se abriram lentamente, sentiu um formigamento em seu tronco.
Ignorou.
Olhou em volta, sem se mexer, alguma coisa lhe dizia que se tentasse se sentiria pior que já estava. Músculos doloridos, membros dormentes, e ainda aquele formigamento irritante.
Onde estava?
Seus olhos buscaram alguma coisa familiar, mas tudo que viu foi um teto baixo, sujo, uma iluminação precária, um cheiro de palha molhada, misturada a sangue.
Virou lenta e ligeiramente a cabeça, encontrou um rosto conhecido em seu ombro, que parecia mais abatido e casando que ela jamais vira.
Sem nem pensar, uma de suas mãos afagou o rosto dele com carinho, sentiu uma fisgada no ombro direito com o movimento, mas também o ignorou.
- Harry... – sussurrou. Descobriu que não tinha voz, talvez o tempo sem usá-la, a exposição incansável a chuva na noite passada lhe fizera algum mal a garganta.
A chuva.
Um vendaval de lembranças aflorou na mente dela.
A única coisa que se lembrava era de uma dor corrosiva que lhe atingira do ombro ao peito, e muito sangue. O resto era apenas bruma na memória cansada da garota.
Entendeu o porquê do formigamento e da dor no ombro.
Tirou as mãos de Harry e tocou seu próprio corpo, senti na ponta de seus dedos uma linha fina.
“Oh, Harry, agora eu também tenho uma cicatriz. E bem maior que a sua!”, foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu, quis rir, mas suas costelas doíam. Até que alguma coisa em seu cérebro fez “Clique!”, e ela voltou a tocar o próprio corpo.
Estava mesmo nua da cintura pra cima?
Com Harry dormindo, também nu da cintura pra cima, em seu ombro?
Suspirou aliviada quando seus dedos conseguiram alcançar o sutiã.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele se mexeu.
- Oh, Céus! Você acordou! – foi tudo que ele disse, assim que abriu os olhos, Hermione teve certeza que nunca o vira tão feliz. Ele a abraçou forte, fazendo-a gemer de dor. – Desculpe...
- O que... – a voz falhou, ela tentou de novo. – O que está acontecendo?
Ele não respondeu, apenas sorriu pra ela, voltando a abraçá-la.
- Harry... – ela chamou. – Está doendo...
- Está? – ele pareceu assustado, a soltou imediatamente, voltando a deitá-la. – Onde dói?
Ele olhou a cicatriz, fina, longa... Tocou-a levemente. Ela enrijeceu sob o toque, sobressaltada.
- O que foi? Está doendo? Muito?
- Não... – ela murmurou, sem pensar direito. – Onde está minha roupa?
Harry a olhou com dúvida, sem entender. Hermione estava com vergonha...
- Oh, meu Deus! – ele disse, de repente. – Me desculpe, Hermione...
O rapaz pegou sua capa a jogou por cima dela, que pareceu mais aliviada.
- Me desculpe... eu estive tão preocupado desde ontem que sequer notei...
Ela assentiu, sem olhá-lo.
Ele estava embaraçado. Se sentou, de costas pra ela, balançando a cabeça freneticamente.
Ficaram alguns minutos em silêncio, até que ela notou que havia alguma coisa errada.
Se levantou com sacrifício, sentindo várias fisgadas ao longo da cicatriz, apoiou seu queixo no ombro de Harry, afagando seus cabelos desalinhados por alguns instantes.
- Está tudo bem...?
- Eu tive tanto medo. – ele sibilou, fitando o velho lampião a sua frente. – Tanto medo de te perder...
Ela não lembrava o que tinha acontecido... Devia ter ficado inconsciente por um longo tempo, mas lembrou do sangue que vira escorrer de si no momento que fora atingida... E lembrava-se também do desespero de Harry ao vê-la desmaiada por causa da má alimentação que levara por uma semana.
Se por um desmaio ele quase morrera, imagine em vê-la sangrando daquela maneira.
- Oh, Harry...
- Achei que te perderia... Você sangrava, e eu não lembrava o que fazer... Eu fiquei desesperado, não conseguia pensar, não conseguia...
Ele apertou os olhos respirando fundo, Hermione apertou seus braços em volta dele.
- Eu te... – ela parou de falar, afrouxando o abraço. – Harry...
O corpo dela cedeu, voltando a deitar abruptamente, ela gritou de dor quando seu ombro se chocou com o chão.
- O que foi? O que você tem? – Harry virou-se pra ela, olhando para a garota, que fechara os olhos.
- Tontura... Me sinto fraca, Harry...
- Você perdeu muito sangue. Precisamos sair daqui. – ele olhou para o seu relógio, calculava que estava ali há mais ou menos cinco horas. Será que a batalha acabara? Será que havia alguém para socorrê-los? Será que alguém morrera?
Deixou todos esses pensamentos de lado e convocou seu patrono, mandando uma mensagem pra qualquer pessoa da ordem.
- Eles já vêm, meu anjo... – ele disse, tentado acalmá-la. - Vai ficar tudo bem...
Ele se encostou à parede, trazendo-a consigo, envolvendo-a com carinho entre seus braços.
- Eu sei que vai. – ela disse, em voz baixa. – Por que estou com você.

***


- Graças a Deus! – Harry falou, assim que viu Lupin terminar de descer as escadas do lugar que estavam, logo atrás dele veio Tonks e o Sr. Weasley.
- Como ela está? – Lupin perguntou, desconfortável, assim como o Sr. Weasley, por ter de ficar curvado em função do teto baixo.
- Dormiu de novo, está muito fraca... perdeu muito sangue.
- Posso ver bem isso! – Disse Tonks, olhando ao redor.
Em volta do lugar onde os dois estavam deitados, via-se sangue vívido espalhado. As roupas dos dois jogadas pelo chão tingidas de vermelho.
- Vamos levá-la logo.
- Cuidado como pegam, ela sente muito dor na cicatriz.
O Sr. Weasley e Lupin se aproximaram para tirá-la do colo de Harry, mas ele gritou assim que a tocaram.
- Trouxeram roupas pra ela? – ele perguntou.
Os dois homens trocaram olhares questionadores, depois olharam para garota que estava sob a capa preta de Harry.
- Claro que trouxemos! – disse Tonks, aparecendo de trás dos dois com um grande sobre-tudo de lã. – Sra. Weasley quis me dar uma mala, mas eu achei que isso seria o suficiente.
Tonks se aproximou de Hermione e foi puxando a capa, Harry segurou sua mão e pigarreou para os dois homens que, contrafeitos, viram-se.
Harry e Tonks a vestiram com cuidado, ouvindo gemidos e protestos vindos da garota.
- Vamos Arthur... – disse Lupin. Enquanto Lupin, com um feitiço, fez Hermione levitar, o Sr. Weasley conjurou uma maca, onde ela foi pousada com cuidado.
Eles deixaram o lugar, Harry ficou por ultimo.
Olhou para o velho porão, que protegera os dois da chuva... Um lugar onde ele, de alguma forma, presenciara um milagre, não conseguiu evitar um sorriso, pensou em Hermione, o que passara durante as horas que ficara ali com ela. Jamais esqueceria.
Acenou para o pequeno lampião, que se apagou deixando-o no escuro. Deu as costas e deixou o lugar.

***


- O que houve?
- Bom... Matamos uma dúzia comensais. – disse Lupin, do lado de fora da enfermaria junto com Harry.
- E perdemos... – Harry começou, sentindo-se já chocado com a notícia que viria a seguir.
- Apenas dois. Você não os conhecia. – disse Lupin. - Quim quebrou o nariz, mas vai ficar bem. Moody fraturou alguns ossos, mas Madame Pomfrey já cuidou dele. E Estúrgio... Espero que fique bem.
- Excelente! – o rapaz se levantou e passou a andar de um lado para o outro.
- Ela vai ficar bem, não se preocupe. – disse Lupin, depois de observá-lo por longos minutos.
- Eu sei que vai. – Harry disse, sem nem pensar. Mas parou de repente. – Como sabia que estava pensando em Hermione?
- Está escrito na sua testa Harry. – o outro respondeu com um sorriso cansado. – Você pode não saber, ou fingir não saber de algumas coisas, Harry. Mas acredite, há coisas que nós, adultos, vemos de longe...
- O quer dizer...?
- Potter? – chamou Madame Pomfrey, aparecendo na porta da enfermaria.
- Sim?
- Ela quer vê-lo.
Um sorriso radiante surgiu no rosto dele. Lupin riu e balançou a cabeça.
- Incrível... – murmurou, vendo o rapaz entrar correndo na enfermaria.


- E Rony? – ele perguntou, enquanto procurava Hermione pelas camas ocupadas.
- Já o liberei. Alguns arranhões e uma luxação. – disse a mulher, conduzindo-o até Hermione.
- Quim e Moody?
- Prontos para outra, não se preocupe. – ela respondeu. – Ah, aqui está.
Hermione parecia adormecida. Recostada a alguns travesseiros, com os cabelos espalhados pelos mesmos, emoldurando o rosto angelical dela.
- Tenho que dizer que você foi um herói... Se ela perdesse mais uma gota de sangue não teria mais volta.
Harry assentiu e se aproximou. Sentou-se a beirada da cama e a observou por algum tempo, pensando no que acabara de ouvir.
- Eu não sou o herói. – murmurou pra si mesmo.
- É claro que é. – Hermione disse, abrindo levemente os olhos. – Meu herói.
Ele sorriu, colocou a mão dela entre as suas.
- Como se sente?
- Bem... Dói um pouco, na área da cicatriz, mas eu posso suportar.
Ficaram em silêncio por alguns segundos.
- Por que você diz que não é o herói?
- Porque não fui eu quem fechou essa ferida. Eu estava desesperado demais, não conseguia sequer lembrar o meu nome, jamais lembraria algo tão complexo quanto feitiços cicatrizantes.
Ela pareceu intrigada e comovida.
- Havia mais alguem lá? Eu não vi...
- Não.
- Então...?
- Fawkes.
Ela piscou algumas vezes.
- Como?
- Fawkes apareceu.
- A fênix de Dumbledore...
- Sim.
- Mas...
Ela não continuou, olhou intrigada para Harry.
- Você tem certeza, Harry? Talvez estivesse meio atordoado e não tem certeza do que viu...
- Não! Eu não estou louco. Eu vi, ela apareceu, chorou algumas lágrimas que cicatrizaram seu corte. Fawkes te salvou, e não eu.
- Mas como ela...?
- Não faço idéia.
- Achei que ela... Sei lá. Tivesse sumido depois da morte de Dumbledore.
- Eu também. Mas Fênix nunca desaparecem para sempre, não é?
- Como ela soube que você precisava de ajuda? Ela já te curou uma vez...
- Não sei. Ela simplesmente apareceu, e logo se foi.
- Você disse alguma coisa em especial? Algo que possa tê-la feito aparecer para salvar minha vida?
- Não me lembro... – ele desviou o olhar do dela. – Eu fiquei fora de mim, completamente... Lembro de ter berrado com você, logo depois ela apareceu.
- Por que berrou comigo?
- Eu... – ele voltou a fitá-la. Lá estava ela, Hermione, com seu olhar aguçado, curioso. O instinto gritando por saber como tudo acontecera, explicar tudo. Ela esta ali, viva, conversando com ele. Hermione, simplesmente. – Não importa.
Não adiantaria falar do quanto ele sofreu, do medo que sentiu, ou das coisas que falou. Foi um momento de necessidade extrema, nervos a flor da pele, vida ou morte... Seu emocional quase explodiu de tanto que oscilou durante aquele momento. Nada foi pensado, Hermione era racional, não gostava de atos impensados. E Harry não queria que ela sentisse pena dele, compaixão, ou se sentisse grata por uma coisa que ele não fez. Só o fato de tê-la ali já era mais valoroso que qualquer recompensa que ele poderia receber.
- Descanse, meu anjo... – ele disse, com um sorriso fraco.
- Me desculpe Harry, mas quem está precisando descansar aqui é você. Sua cara está péssima.
Ele olhou para o vidro da janela, ao lado da cama, viu seu reflexo refletido. Sim, estava péssimo. Alguns cortes e arranhões pelo rosto e todo o resto do corpo, manchas de sangue por todos os lados, cansaço e o abatimento estampados na cara sem nenhuma vergonha.
- Não vou deixá-la...
- Por favor, Harry. – ela pediu. – Vá tomar um banho, e descansar, de nada vai adiantar você ficar aqui e me ver dormindo. Não quero ser responsável pelos olhares de aversão que as garotas irão te lançar se te virem nesse estado lamentável.
Ele riu, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha da garota.
- O pouco de auto-estima que me restava acabou de descer pelo ralo.
- E eu ainda nem comecei! – ela disse, arrancando uma gargalhada dele. Aquele som a confortou. Ouvir Harry rindo era o melhor som que ela poderia ouvir.
- Eu volto bem cedo. – ele disse, fitando-a.
- Eu tenho certeza. – ela sorriu ao ganhar um longo beijo na testa.
- Eu adoro você. – ele murmurou, se levantando.
- Hei... – ela segurou o braço dele, para que ele não fosse. – Que tal ir ao meu quarto e usar a minha banheira? Vai te fazer muito bem... Não chegue com essa cara aqui amanhã, que eu te risco da lista de amigos.
- Sim, Senhorita Exigente. Não se preocupe. – ele fingiu uma reverência. – Obrigado.
- Não há de que.

***


- Oi... – Rony cumprimentou, juntando-se aos outros dois na biblioteca.
- Hei... – murmuraram juntos.
- Ron, pode alcançar aquele livro, por favor? Meu ombro ainda dói. – Hermione pediu, apontando um velho livro do outro lado da mesa.
- Você é teimosa, Hermione! – Harry começou, mas foi interrompido.
- Olha só que fala! – ela disse, com escárnio.
- Harry tem razão, Mione, tem dois dias que você ganhou uma alta meio forçada, já que ficava infernizando a Madame Pomfrey, e está andando por aí como se nada tivesse acontecido.
- Não posso parar minha vida por isso, Ronald.
- Não estamos pedindo para parar. – disse Harry. – Só estamos pedindo para ir com mais calma.
Ela encarou Harry, e depois Rony, com a boca ligeiramente aberta de indignação.
- Estão os dois contra mim, é isso? – ela disse, levando-se, brava.
- Pelo contrário, Mione, estamos tão a seu favor que só fazemos isso para o seu bem. – disse Rony, tentando fazer a amiga tornar a se sentar, mas ela se negou.
- Eu não acredito nisso! Vocês, por um acaso, viram o tanto de trouxas inocente mortos naquele lugar? – ela perguntou, exasperada. – Vocês não pensaram que eu cruzaria meus braços esperando ficar totalmente recuperada para voltar ao trabalho, não é?
- Hermione... – Harry começou, mas ela não o deixou continuar.
- Não, Harry! Não quero ouvir o que você tem a me dizer, e nem você, Rony! – ela completou ao ver o ruivo abrir a boca para argumentar. – Resolvam o problema sozinhos então, já que minha presença incomoda tanto. Vou fazer uma ronda!
Ela saiu pisando duro da biblioteca.
- Ela detesta se sentir inútil – disse Rony, sentando-se. – Não poderíamos esperar outro comportamento vindo dela.
- Tem toda razão. – Harry murmurou, dando-se por vencido. – Ao trabalho, nós dois, então.

***


- Acordada? – Harry sussurrou no ouvido dela.
- Huhum... – ela resmungou em resposta.
Virou-se e viu o rosto de Harry sobre o seu, escuro assim como todo o resto do quarto.
- Ainda brava?
- Huhum... – ela voltou a resmungar, depois riu. – Não consigo me zangar com você dois sendo tão cuidadosos comigo.
- Ótimo. – Harry disse, tirando os tênis e entrando debaixo das cobertas dela. – Eu e Rony temos uns problemas para resolver amanhã, coisa do time de quadribol, não se importa de passar a tarde sozinha não é?
- Não, desde que a noite você esteja aqui pra dormir comigo. – ela respondeu, preguiçosa, enlaçando seu corpo quente das cobertas no corpo frio de Harry.
- Prometo que volto. – disse ele, afagando os cabelos dela. – Com novidades.
- Quadribol não me interessa muito. – ela murmurou, escondendo o rosto na curva do pescoço dele.
- Amanha vai interessar. – ele disse, rindo. – Boa noite, meu anjo.
- Boa noite, Harry.

***


Hermione sentiu um arrepio estranho ao se despedir dos garotos no almoço. Alguma coisa na excitação de Rony e no brilho dos olhos de Harry lhe dizia que eles não iam tratar de quadribol apenas.
Resolveu respirar fundo e relaxar, afinal, teria uma longa e provavelmente nada agradável reunião com Parker no fim da tarde, tinha que se preparar psicologicamente pra isso e, ainda, carregar as energias para acordar cedo no dia seguinte (Sábado!), para as aulas com Matt, que estavam ficando quase diárias. Sua cabeça e estômago - por conseqüência - rodavam agonizantes no fim de uma sessão de horas tendo a mente forçada e penetrada.
A professora de Runas adoentada e Hermione teria o último tempo do dia livre, o que lhe permitiriam encerrar a semana dois tempos mais cedo que o de costume.
Levou poucos minutos para chegar à sala da monitoria, cinco minutos antes do horário marcado e Parker não estava lá.
- Novidade! – murmurou venenosamente irônica. Espalhou todos seus relatórios pela mesa e se sentou abrindo um livro qualquer esquecido ali por alguém, para se distrair enquanto esperava seu colega.
- Hei, Granger! – ele cumprimentou, anormalmente sério, entrando na sala.
- Boa tarde, Parker. – cumprimentou em resposta, mortalmente desconfiada, observando-o atentamente.
Estava tenso, nervoso.
- Será que poderíamos ser rápidos? Tenho um compromisso em uma hora.
Ele estava sério, concentrado, sem fazer piadas maldosas e além de tudo isso, queria trabalhar?
- Está tudo bem? – a pergunta saiu sem ela conseguir frear e totalmente assustada.
Ele a encarou com dúvida, riu nervoso do tom usado por ela, e ficou surpreso ao ver um espanto nada característico no rosto sempre determinado da garota.
- Tudo ótimo. – respondeu com uma ponta de deboche. Estava realmente tenso. – E você? Como vai?
- Bem... – murmurou, incerta. – Eu acho.
Um riso trêmulo partiu dele. Trêmulo e rápido.
Começaram a discutir os relatórios feitos pelos dois, tentando encontrar a melhor forma de fundir-los em um único e definitivo. Quanto mais falavam, mais ela notava que não estava normal. Não tinha feito nenhuma piada até o momento.
- Trouxe umas anotações... – ele enfiou a mão na mochila que estava no chão e tirou alguns papéis, no meio de movimento de colocá-los na mesa, sua mão bateu forte no mogno bem envernizado, e uma faixa branca que envolvia sua mão esquerda começou a tingir-se de vermelho gradualmente.
- O que foi isso? – ela perguntou, estendendo a mão para tocar a dele.
- Não me toque! – ele disse, alto, se esquivando. – Está tudo bem!
- Não, não está! – ela gritou. – Você está sangrando. – Ela voltou a tentar tocá-lo e ele tornou a se esquivar. – Qual o problema? Não quer que eu te toque porque sou nascida trouxa? Porque tenho sangue ruim?
- NÃO! – ele berrou, se levantando, nervoso.
Eles se encararam por longos instantes, com uma careta, ele grunhiu de dor.
- Morra sangrando, então! – ela disse, voltando a escrever como se nada houvesse acontecido. Depois comentou numa voz acidamente baixa, para provocá-lo. – Igual ao Malfoy.
- O que você disse? – a voz dele não passava de um silvo tão afiado quanto guilhotina prestes a ser usada.
Ela ergueu a cabeça e o encarou com olhar gélido.
- Igual ao Malfoy. – repetiu em alto e bom som.
- Eu não sou igual a ele. – o rapaz sibilou.
- Então pare de se comportar como ele.
- Não fale sobre o que você não sabe.
- Eu sei do que estou falando, convivi com Malfoy por seis péssimos anos.
- PARE DE DIZER O NOME DELE! – rugiu ele, em cima dela.
Hermione sequer pestanejou.
- De quem? – fez-se de desentendida. Completou com zombaria. –
Do Malfoy?
Ele gritou alto, pegou a jarra de água sobre a mesa e a arremessou contra a parede.
O corte pareceu explodir sob as ataduras, pingando sangue.
Ela o observou arfar com dificuldade, de costas pra si.
- MALDIÇÃO! – berrou, segurando o punho da mão cortada com a mão sã.
Ela se irritou, levantou-se tão abruptamente que a cadeira que sentava caiu para trás.
- Me deixe ver isso. – ela disse, em seu tão conhecido tom mandão, tomando o pulso dele com força.
- NÃO! – ele puxou de volta, mas ela tornou a segurar com uma força descomunal, satisfeita em ver a pele em torno de seus dedos irem ficando levemente arroxeada.
- Não me conteste, Parker, pode se arrepender amargamente por isso. – ela sibilou, bem próxima a ele.
O rapaz sentiu a raiva emanar, quente, dela.
Apenas virou a cabeça, evitando fitá-la.
- Por que não foi à enfermaria ver isso?
- Ela faria perguntas.
Hermione se calou por uns instantes.
- Não matou ninguém, não é?- ela perguntou, antes de continuar tirando a faixa ensangüentada da mão dele.
- Não, Granger. – respondeu, enfadado.
- Ótimo. – tirou toda a faixa e viu um corte fundo na palma da mão dele, que ia de uma ponta a outra. – Não vou dizer que não estou curiosa para saber como conseguiu esse corte...
- Nem tente... – ele começou, mas ela continuou como se não tivesse ouvido a interrupção.
- Mas não vou perguntar porque sei que se o fizer, você não vai me deixar cuidar disso e eu me sentirei amargamente culpada em saber que amputaram uma das suas mãos por causa de uma infecção num corte mal cuidado.
Aconteceu a última coisa que ela imaginou que pudesse acontecer: ele riu.
Riu com vontade. Uma gargalhada.
- Que exagero, Granger!
- Oh, não, não é exagero, acredite em mim. Melhor se sentar.
Ele se sentou na mesma cadeira de antes, fazendo careta ao colocar a mão sobre a mesa, enquanto ela caçava alguma coisa em sua mochila. Tirou alguns vidros de lá.
- O que é isso? Primeiros socorros?
- Quase. Isso vai doer. – ela disse, derramando um liquido incolor no corte, ele gemeu. – Sou Monitora Chefe, essas crianças vivem achando que podem fazer o que lhes derem na cabeça com suas varinhas, são apenas algumas poções que podem ajudar em pequenos acidentes.
- Você leva mesmo esse negócio de ser monitora a sério, não é?
- Sim, Parker. – ela respondeu, monótona, mas ainda assim com um sorriso. – Gosto disso.
Ele não respondeu, apenas virou o rosto e gemeu outra vez quando outra poção escorreu pelo corte. Sentia as mãos ágeis e precisas dela sobre a sua, era mesmo a Granger?
- Por que está fazendo isso? – perguntou, de repente.
- Porque quando amputarem sua mão, pelo menos não vou sentir culpa sabendo que fiz o que estava ao meu alcance.
- Estou falando sério! – ele disse, rindo.
- Eu também! – ela respondeu, encarando-o por um momento. Ela parou o que estava fazendo por alguns segundos e o fitou. – O que te faz acreditar que não estou colocando uma poção que possa piorar a situação de seu corte?
Ele ergueu uma sobrancelha.
- Você não faria isso. – ele disse, sério. – É ética demais para um golpe baixo desses.
Ela sorriu.
- Por pior que te ache, ainda vejo algo de humano em você. – ela disse. – Por isso estou fazendo isso.
- Isso é um elogio?
- O maior e melhor que você vai receber, acredite.
- Obrigado, então.
- Por nada.
Ela voltou ao corte enquanto ele olhava em volta.
- Acho que merece uma explicação.
- Não quero nenhuma. Acredite: não me importo nem um pouco como conseguiu esse corte.
- Não o corte... – ele disse, baixo. – Malfoy.
Ela parou de novo e voltou a fitá-lo.
- Não precisa...
- Ele matou meus pais.
As mãos delas caíram na mesa, enquanto sua boca se abria inconscientemente. Seus pensamentos giraram, o acusara de ser como a pessoa que matara seus pais? Era muita crueldade.
- Eu sinto muito, eu... Oh, me desculpe, Parker, as coisas que eu disse, realmente, me perdoe...
- Está tudo bem. – ele disse, sorrindo. – Não se preocupe, eu não sou uma das melhores pessoas do mundo, reconheço que mereci...
- Não! Eu jamais... Se eu soubesse...
- Eu sei, Granger. – ele disse, acalmando-a.
- Eu lamento...
- Minha mãe era mestiça, meu pai se apaixonou por ela e casaram-se escondidos. Ia contra todas as regras da família, sabe... Tradição de Sonserinos e...
- Eu sei. – ela assentiu, deixando o corte de lado e sentando-se na mesa para ouvir a história dele.
- Foram morar num lugar longe, tiveram a mim e meu irmão. Faz uns cinco meses que uns comensais apareceram na nossa casa e matou minha mãe por ser mestiça e meu pai por ter traído o sangue... Ele era um dos poucos que restou de família nobre e puro sangue. O Malfoy pai matou o meu pai, e deixou para que Draco matasse minha mãe. Ele o fez.
Hermione ficou sem reação.
- Ele demorou, hesitou, mas o pai dele começou a berrar e falar umas coisas que eu não pude ouvir direito, estava mais preocupado em fugir com meu irmão.
- Onde está seu irmão?
- Escondido, uma tia conseguiu a ajuda de um grupo... Ordem da Fênix, eles arrumaram um lugar seguro para ele.
Hermione sorriu.
- Eles vão mantê-lo seguro por quanto tempo for necessário.
- Eu sei. – ele falou. – Preciso acreditar nisso. Ele é tudo que eu tenho.
Ela sentiu toda sua fortaleza desmoronar. Ele sofria tanto quanto Harry por causa dessa maldita guerra, mas ainda tinha seu irmão, e tinha de cuidar com todo zelo para que ninguém o atingisse.
- Eu realmente sinto muito, Parker. – ela disse. – Sei o que está sentindo porque Harry sofre pelos mesmos motivos... Eu o vejo sofrer há seis anos.
Ele se refez do momento por algum motivo.
- Falando no Potter, como anda... Vocês dois? – ele perguntou, ainda sério.
Ela estranhou a repentina troca de assunto.
- Como sempre.
Ele a olhou por um longo tempo. Hermione ficou sem graça e desviou o olhar do dele.
- Vou te contar uma coisa que não devia. – ele disse. – Mas acho que te devo isso, já que está contribuindo para que não amputem minha mão.
Ela riu.
- Qual é a grande informação? – ela perguntou, com graça.
- Chang está tramando contra vocês. Você e o Potter.
Hermione ficou séria de repente, a cor esvaiu-se de seu rosto.
- Como?
- Ela quer acabar com vocês... O namoro de vocês...
- Mas...
- Desde aquela tarde que ela e Potter... – ele a olhou, incerto. – Você sabe. – ela assentiu, preferindo não lembrar. – Ela quer fazer o mesmo, outra vez, quer pegá-lo num momento frágil de novo e fazer igual, porém, sob o efeito de uma tal poção que acelera a ovulação ou qualquer outra coisa do tipo... Não entendo dessas coisas de mulher.
- Eu sabia! Aquela vadia, vagabunda! – ela começou a bradar, andando de um lado para o outro. – Um filho do Harry, é isso que ela quer!
- Sim, Granger. Diga a ele pra tomar cuidado.
- Já disse. Mas vou reforçar. – ela parou de andar e o fitou. – Por que está me contando isso?
- Porque você ajudou a evitar que amputem minha mão.
- Estou falando sério. – ela disse.
- Eu também! – ele respondeu, rindo. – Sério, Granger, você não é tão ruim quanto parece.
Ela riu.
- Elogio?
- O pior que você pode vir a receber.
- Concordo inteiramente, mesmo assim, muito obrigada.
- Por nada.
Ela enfaixou a mão dele com o devido cuidado.
- Pronto. Cuidado com os movimentos, evite expor a água e logo vai cicatrizar. Se não, sinto muito, mas vai ter que procurar Madame Pomfrey.
Ele tentou mexer a mão, olhando para o curativo bem feito.
- Obrigado, Granger.
- Não há o que agradecer.
- Há sim. Obrigado pelo curativo, por agüentar minha explosão e por ouvir o que eu tinha a dizer. E, é claro, por evitar que eu fique sem mão.
- Não foi nada. Gosto de ajudar as pessoas. E eu agradeço também por ter confiado a mim tanto a sua mão, quanto o acidente com seus pais.
Ele assentiu, fitando-a de forma quase fraternal.
- Potter tem muita sorte. – comentou. – Mas... Temos que terminar esses relatórios, não?
- Sim, sim. Mas acho que tem um compromisso agora, não é?
- Sim, mas... – ele ponderou. – Era com Cho Chang.
- Era?
- Sim. Eu... Meio que ia ajudá-la a por o plano em prática.
- Ia?
- Não vou mais, prometo. – ela o olhou com desconfiança. – Como eu disse, Granger, você não é tão ruim quanto parece.


***

N/a: Só tenho duas coisas a dizer:

- Meus leitores são os melhores do mundo, e NINGUÉM pode mudar isso.

- A fic ganhou mais um capítulo, sem querer.

Amo vocês, espero comentários.

Beijooo.

Paulinha.

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