A prisão grega



Já estavam naquele hotel há quase dois meses, logo acabariam as férias e Regulus lamentava muito pouco por isso. Já não aguentava mais a falsa sensação de calmaria em que estavam imersos, seus pais fazendo de conta que nada de extraordinário acontecia no Reino Unido. Agiam como se eles fossem imunes a tudo isso, ou ainda, como se devessem deixar o serviço sujo à famílias menos nobres, como a de Mulciber. Ele havia lido no Profeta Diário que o pai de Mulciber passara quase cinco dias preso em Azkaban antes de ser solto por falta de provas de seu envolvimento no sequestro do filho do ministro. Isso o deixou  verde de inveja, Regulus gostaria de ler o nome do pai no jornal, ele gostaria de que seu pai estivesse lutando por um mundo melhor. Mas ele estava tomando banho de sol em vez disso, manter seus filhos como prisioneiros naquela maldita e ensolarada ilha.


Não havia muito o que fazer na ilha. Os outros hóspedes eram, em sua maioria, pessoas idosas ou casais em lua de mel, de modo que não demorou para que Regulus se acostumasse a sair perambulando sozinho pela ilha, lançando feitiços aqui e ali pelo simples prazer de poder lançar feitiços sem se preocupar em ser expulso da escola. Era uma experiência ímpar. Ele quase não encontrava com o irmão, que passava horas trancado no quarto fazendo bastante barulho.


Regulus notou que Sirius recebia cartas de James quase que diariamente e passava escrevendo a maior parte do tempo em que não estava no quarto ou então carregando um pesado livro sobre Transfiguração em nível muito avançado, livro este que toda vez que Regulus tentava xeretar o que o irmão estava estudando, se autotransformava em um livro sobre pássaros, muito barulhento – desencadeando um “cai fora!” bastante mal-humorado de Sirius. Então Regulus se afastava, dando os ombros, “não tinha mesmo tempo para perder com seu irmão e aquele livro idiota”.


Após caminhar por algumas horas na orla da praia, ele se sentou em uma grande rocha e ficou admirando o mar de um azul tão profundo, quase violeta como eram... os olhos de Rachel? Ele sacudiu a cabeça. A última pessoa em que ele gostaria de pensar naquele momento era Rachel Broadmore. A insuportável, arrogante e bela Rachel Broadmore. Ele deslizou sobre a pedra e caiu com os pés descalços na água morna. Era muito agradável deixar a areia branca e fina passar entre seus dedos. Mas a imagem de Rachel havia contaminado seus pensamentos como uma melodia ruim que por mais que tentasse pensar em outra coisa, não conseguia. Num desespero adolescente, implorou para a própria cabeça:


- Pense em um trasgo montanhês, pense na professora McGonagall, no Sírius beijando a Florence, em qualquer coisa, mas tire essa garota insuportável dos meus pensamentos!


A memória de Sirius beijando Florence o distraiu por alguns momentos, principalmente pela lembrança dos comentários maldosos dos amigos a respeito da cena. Mas olhar para o mar lembrava Rachel, não importava o que fizesse para esquecer. Irritado com sua própria memória, voltou para o hotel.


Ele ainda não havia conseguido bolar algo para impressionar Rosier e isso o estava deixando aflito. Não havia nada que não fosse ilegal nos livros sobre magia negra que ele havia trazido de casa e nada que fosse inocente iria dar um bom resultado. Para que iriam querer no grupo de Comensais da Morte uma pessoa que sabia traduzir um livro de qualquer língua para o inglês com um toque de varinha? Ou que soubesse fazer levitar uma bola de neve por um tempo recorde? Nada do que eles praticavam no clube de duelos iria funcionar, tampouco.


Ele entrou pelo saguão sem olhar para os lados. Era um lugar suntuoso de decoração pesada e bastante clara, quase ofuscante. Próximo das janelas altas com vista para o mar haviam mesas redondas cobertas com toalhas rendadas, local de passagem obrigatória para quem queria subir as escadas para os quartos. Não se demorou, pois já sabia o que iria encontrar ali: casais de idosos tomando chá e contando em voz alta feitos de juventude que ele duvidava serem verdadeiros. O avô, inclusive, era o campeão em contar vantagens, o que divertia muito seu pai e sua avó que sabiam das versões verdadeiras dos fatos. Ele ouviu a voz estrondosa do avô e apressou o passo para evitar de ser envolvido em uma das suas histórias sem fim. Soltou um suspiro aliviado ao perceber que tinha sido vitorioso em passar por eles sem ser notado e subiu as escadas apressado.


Seu quarto era o último do corredor ensolarado, depois do quarto dos pais, dos avós e de Sirius. Ele passava pela porta do irmão quando ouviu um som muito estranho que lembrava um latido. Parecia que estavam maltratando um cão lá dentro. “Será que Sirius pegou um cachorro para transfigurar e o feitiço saiu pela metade?” resolveu bater na porta. Bateu duas vezes e não foi atendido, mas o barulho sessou. Ele franziu a testa. Bateu na porta mais uma vez e aguardou. O irmão respondeu sem abrir a porta:


- Quem é?


- Sou eu, Sir. Tudo bem aí?


- Tudo certo. Porquê? – ele respondeu, abrindo uma fresta da porta, onde enfiou o rosto.


- Eu achei ter ouvido um latido vindo do seu quarto... mas acho que me enganei... – Regulus respondeu, espiando para dentro do quarto do irmão, que não tinha nada de extraordinário além da bagunça habitual.


- Um latido? Hahahahahahahah! Quanta imaginação! Você tomou muito sol na cabeça hoje! – ele respondeu, abrindo a porta para não deixar dúvidas de que não havia nada de errado por ali.


Regulus franziu as sobrancelhas. Tinha certeza de que ouvira um latido...


- O que você acha de uma partida de xadrez de bruxo, Sir? A gente podia fazer alguma coisa junto pra matar o tempo...


- Talvez mais tarde. – respondeu Sirius com um ar maníaco no rosto, uma empolgação quase doentia – agora preciso escrever para James. É urgente.


- Está bem. Tenho mesmo umas coisas para fazer antes de jantar...


- Contar seus cartões de sapos de chocolate?


- Não enche, Sir! – respondeu, dando as costas para o irmão.


Regulus entrou em seu quarto e foi até a varanda. Sirius tinha o dom de irritá-lo com poucas palavras, tratava-o como se fosse um bebê. Regulus sentia muita vontade de enfrentar Sirius, mostrar a ele o quanto sabia, o quanto já havia crescido, que não colecionava mais cartões de sapos de chocolate... Mas não podia, isso iria chamar a atenção de todos para o grau de conhecimento que ele havia adquirido aquele ano e tudo o que mais precisava esconder era seu envolvimento com o clube. Pelo menos até ser aceito por Rosier no outro clube. Estava perdido em seus pensamentos quando ouviu batidas na porta.


- Filho? Você está aí?


A voz de seu pai o fez estremecer. Era inquietante como a voz do seu pai conseguia tocá-lo tão profundamente. Assim como seu olhar! Regulus deu um salto, eufórico e correu abrir a porta para o pai:


- Pai, você pode me ensinar a ser um legilimens como você?


Orion desfez o sorriso que carregava no rosto e perguntou, já entrando no quarto e fechando a porta atrás de si:


- Porque você quer aprender a arte de compartilhar memórias com os outros?


Regulus desviou o olhar, estrategicamente. Não podia contar ao pai. Procurou refúgio no mar, no azul-violeta que envolvia toda a ilha e encarou o pai:


- Por causa das garotas.


Ele sabia que a imagem de Rachel e várias lembranças que ele tinha dela estavam claras como a luz do dia naquela ilha e que seu pai ficaria bastante satisfeito com o que estava vendo. Orion, obviamente, sorriu ao ver Rachel Broadmore.


- Quem é a bela dona deste olhar enigmático?


- Rachel Boradmore.


- A filha do jogador de quadribol?


- Essa mesmo.


- E vocês...?


- Não há nada entre a gente, ela apenas gosta de me perturbar.


- Bem, isso não vem ao caso... Vou lhe ensinar a arte da legilimência e oclumência, assim como eu aprendi de meu pai.


- Está certo, pai. Quando começamos?


Orion o estudou por alguns segundos. A ansiedade de Regulus em se tornar um legilimens era um indicativo de que aquela não era a hora certa para isso. Orion sabia que tal poder sobre a mente dos outros não podia ser usado levianamente e seu filho ainda era muito imaturo. Além disso, ele pretendia ensinar a Sirius e Regulus ao mesmo tempo, e essa também não era a hora de Sirius se tornar um bom oclumente. Orion gozava de uma posição confortável devido ao acesso que tinha às memórias dos filhos, isso lhe dava segurança. Pois, desta forma, embora Sirius estivesse se mostrando intolerante e um tanto afastado da família, ele ainda conseguia exercer seu poder de pai sobre ele.


- Vou ensiná-los em breve, talvez no próximo verão. É preciso treino para isso e mesmo as férias de inverno são curtas demais para que vocês aprendam a sutileza da obtenção de informações não consentidas... Você ainda está muito novo para certos tipos de experiências. – prometeu o pai, olhando em seus olhos intensamente.


Regulus ficou na dúvida, após a resposta do pai, se ele havia ou não acessado suas lembranças acerca do novo clube, já que aquelas eram informações não consentidas. De qualquer forma, ele não poderia fazer nada. Sabia que não adiantava insistir ou lamentar, pois o pai não mudaria de ideia.


- Próximo verão, então? Estamos combinados? – tentou disfarçar sua frustração com um sorriso.


Orion sorriu.


- Provavelmente. Onde está seu irmão?


- No quarto dele, suponho. Estava lá agorinha mesmo, acho que com um cachorro...


- Um cachorro? – o pai franziu as sobrancelhas – interessante... – então se dirigiu ao quarto de Sirius.


Regulus permaneceu à porta de seu quarto, observando o pai. Orion parou em frente à porta do quarto ao lado e bateu.


- Filho?


Ouviu-se um barulho de coisas caindo do lado de dentro, depois Sirius abriu a porta para o pai.


- Que foi, pai?


Sirius estava sem camisa, com o cabelo desgrenhado e sorria para o pai.


- Filho, acho que os donos do hotel não vão aprovar suas esculturas na mobília... – Orion comentou, seu bigode levantando-se num sorriso largo, ao mesmo tempo que pegava a varinha e acenava para dentro do quarto.


Regulus se aproximou a tempo de ver uma revista com fotos de líderes de torcida de esportes trouxa voando pelo ar. Os três acompanharam a revista sem piscar até foi recolocada magicamente sobre a mesa de cabeceira, produzindo um som surdo que fez os três Black fecharem os olhos momentaneamente. Então Orion voltou-se para os filhos:


- Esta noite, depois do jantar, gostaria de dar uma volta com vocês na orla. Tem uma baía aqui perto bastante interessante, achei que os dois gostariam de um pouco de diversão... Levem suas varinhas, vamos duelar. - Orion sorria e os filhos sorriram de volta. – Bem, até mais tarde.


Ele disse e seguiu para seu quarto, onde Walburga o aguardava para um passeio. Regulus deu dois passos em direção ao seu quarto quando Sirius o chamou de volta:


- Hei, e aquele xadrez de bruxo? Vamos jogar?


Regulus se virou em olhou para ele. O irmão sorria. Era estranho ver Sirius de bom humor depois de tanto tempo. Mais estranho ainda que ele estivesse de bom humor naquela ilha isolada do mundo e ensolarada demais. Regulus entrou no quarto de Sirius e se sentou na cama, enquanto observava o irmão pegar o xadrez de bruxo de dentro da mala. Então ele se sentou também e posicionou o tabuleiro entre os dois.


- Eu jogo com as pretas. – anunciou Sirius.


Regulus sorriu. Enfiou a mão no bolso e tirou uma peça branca.


- E eu com minha própria rainha.


Sirius franziu a testa, achou estranho e divertido ao mesmo tempo saber que o irmão carregava consigo uma peça de xadrez.


- Está certo. Então vamos lá. Você começa.


Regulus sorriu. O que quer que fosse que estivesse acontecendo com Sirius, rendeu aos irmãos partidas divertidas de xadrez de bruxo até o anoitecer. Quase tão empolgante quanto os momentos que passavam juntos quando ainda eram dois meninos e nada sabiam do mundo.

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