Chá gelado



Na manhã seguinte, Orion, a mulher e os filhos voltaram para Londres. Assim como durante a fatídica tarde em Bramshill, Sirius e Regulus mal conversaram até o final das férias de inverno. Sirius sentia raiva do irmão por chamar madame Leloush de traidora. Não entendia como o irmão podia defender os assassinos do pai de Simone e Sophie. Sentia falta de Simone e nem ao menos lhe era permitido mandar uma coruja a ela. O pai pedira que ele só fizesse isso depois de voltar a Hogwarts, para que Simone recebesse a carta quando estivesse a salvo em Beauxbatons. Seria mais seguro para ela. E para ele. Ele não sabia se o pai falava a verdade, mas na dúvida, era melhor não arriscar colocar a vida de Simone em risco. Afinal, eram poucos dias.


Três noites antes de voltar para escola, Sirius perdeu o sono e começou a andar de uma lado para o outro em seu quarto, segurando a foto de Simone nas mãos. Eram duas e quinze da madrugada. Na foto ela acenava alegremente para ele. Ele mesmo foi quem tirou a foto, no jardim da casa do avô, um dia antes de irem ao cinema. Um dia antes de terem se beijado. Beijou a foto de Simone, depois sentiu-se bobo por ter feito isso. Olhou ao redor como quem checa se havia alguém olhando. Era óbvio que não, ele estava sozinho ali. Olhou por cima do ombro e a porta continuava fechada. Percorreu os olhos pela parede e ficou inquieto: ainda haviam muitos espaços vazios ali. Ele ainda parecia muito com eles. Torceu o nariz e olhou mais uma vez ao redor. Então abriu as gavetas de sua cômoda e tirou de dentro tudo o que era da Grifinória, bem como todas as revistas trouxas que ele havia contrabandeado para dentro de casa.


Estava decidido: não poderia sobrar sequer um espaço livre que pudesse lembra-lo da casa onde estava. Ali era seu refúgio, seu quarto. Ele nada tinha a ver com os Black. Se pudesse, trocaria de sobrenome. Seria Sirius White, ou Sirius Red. Red era melhor, vermelho de raiva, vermelho de paixão, vermelho Grifinória. Este pensamento o animou um pouco e ele começou a colar tudo o que conseguia usando o feitiço que sua mãe havia ensinado. A vingança parecia ainda melhor usando o feitiço dela. Depois arrependeu-se: melhor seria usar uma cola trouxa bem melequenta e fazer muita sujeira na parede. Procurou em suas gavetas, mas o único tubo de cola que ele tinha havia secado. Derrotado em seus planos, largou-se de barriga para cima na cama ao lado da foto de Simone. Pegou a foto e sentiu-se muito angustiado ao ver que na imagem, ao fundo, aparecia o pai dela mexendo na cerca da casa. Ouviu sua barriga roncar.


Desde que deixaram Bramshill ele não se alimentava nem dormia direito, evitava a hora das refeições em família e o pouco dinheiro trouxa que havia sobrado de sua ida ao cinema ele já havia gasto com lanches e revistas, então já não lhe restava nada a fazer senão ficar no quarto em jejum. Mas a fome era muita, então foi até a cozinha tomar um chá.  Começou a mexer nos armários quando Kreacher chegou:


- Mestre Sirius deseja alguma coisa? – perguntou o elfo sonolento, mas com um brilho no olhar de animação pela oportunidade latente de ser útil e servir um de seus mestres.


- Kreacher! Você me assustou!


- Kreacher não tinha a intenção. – respondeu o elfo, fazendo uma reverência.


- Tudo bem. Vou fazer uma xícara de chá de camomila.


Imediatamente o elfo fez sua magia e subitamente surgiu uma chaleira já borbulhante no fogão, Sirius estava pegando uma xícara dentro do armário então ouviu o elfo limpar a garganta. Virou-se e já havia uma xícara sobre a mesa, com um pires e uma colherzinha, bem como algumas bolachas, pão fresco, torradas e três tipos de geleias para passar nelas, além de manteiga.


- Não precisava tudo isso, Kreacher. Eu só queria o chá. – ele disse estarrecido.


O elfo fez menção de guardar tudo, mas Sirius se adiantou:


- Não precisa guardar, já que você colocou na mesa, vou ver se como alguma coisa. – e serviu-se de uma fatia de pão e passava manteiga sobre ele quando resolveu perguntar – o que tem acontecido por aqui, Kreacher? Não tenho visto sua mãe ultimamente...


- Floffy está cuidando da arrumação dos quartos e do restante da casa. Não é de bom tom os mestres virem os elfos cuidando da limpeza. Isto deve ser feito quando eles não estão presentes no aposento. A mãe de Kreacher é muito eficiente em não se mostrar. Kreacher está aprendendo muito, está sim. – ele disse, afirmando com a cabeça.


- Sim, você está. – respondeu Sirius, franzindo a testa.


Então Orion chegou na cozinha. Imediatamente o elfo fez uma reverência:


- Meu mestre deseja alguma coisa?


- Não, Kreacher. Vá se deitar. Vou ficar com meu filho.


Sirius enfiou o restante da torrada na boca e levantou-se, arrastando a cadeira para trás. Orion observou o filho e falou, calmamente:


- Fique, Sirius, por favor.


Sirius se sentou novamente e abaixou a cabeça, as mãos sobre as pernas. Kreacher, que olhava de um Black para o outro, serviu duas xícaras de chá, fez uma reverência e se retirou, silenciosamente. Sirius sequer olhava para o pai. Estava profundamente desiludido, não conseguia compreender as atitudes do pai. Orion puxou conversa:


- Posso me sentar com você, Sirius?


Sirius ergueu os ombros:


- Tanto faz.


Orion puxou uma cadeira e sentou-se de frente para o seu filho, pegou a xícara de chá, aquecendo as mãos no calor da xícara:


- Eu sei que você está chateado comigo por causa da sua namorada, filho. Mas eu não podia deixa-lo falar com ela antes. Como lhe disse, não é seguro. Tenho acompanhado de longe a internação da mãe dela no hospital, infelizmente as notícias não são boas, não houve muito progresso. As meninas já voltaram para a escola e em três dias você estará de volta a Hogwarts e poderá mandar quantas cartas quiser. – o pai sorriu.


- Humpf. – foi a resposta de Sirius. Ele ainda olhava fixo para a xícara fumegante de chá, sem beber ou se mexer.


- Filho, entenda. Não podemos expor nossa família desta forma...


- Covarde. – Sirius murmurou.


- A questão não está entre ser covarde ou não. Muito pelo contrário – respondeu o pai, sem se abalar pelo insulto.


Sirius encarou o pai. Ele tinha raiva no olhar:


- Não é não. Você e o vovô ajudaram os Leloush a esconder o livro e depois apagaram a memória deles. Vocês sabiam o que estava acontecendo e não fizeram nada para ajudar.


Orion arregalou os olhos:


- Como você sabe disso?


- Eu e Regulus ouvimos sua conversa com o vovô e depois com madame Leloush...


Orion arregalou os olhos, assustado:


- Isso não é bom. Vou ter que apagar a memória de vocês também... – ele murmurou, tateando os bolsos a procura da varinha.


- É assim que o senhor resolve os problemas? Apagando nossas memórias? Covarde! – gritou com o pai.


Orion permaneceu impassível. Respirou fundo e disse:


- Eu não tinha como saber que eles iam matar o trouxa.


- Ah, agora ele é o trouxa. – desdenhou o filho.


- Filho, me escute. Eu não tenho problemas com trouxas. Na verdade namorei uma nascida-trouxa antes de casar com sua mãe. Não conte isso a ela. – apressou-se em pedir, serenamente, e após uma breve pausa para preparar uma fatia de pão com geleia de framboesa e dar uma mordida, ele continuou – a questão é que eu realmente não sei até que ponto esta política de segregação dos bruxos deve ser mantida. Viver escondendo-se não é agradável, eu compreendo Lord Voldemort, apoio sua causa. Embora não aprove métodos violentos... Infelizmente ao longo da História o que vemos é que grandes mudanças sempre acabam incitando a violência, é difícil se fazer uma revolução sem lutar. Eu não sei até que ponto eu e seu avô agimos certo ajudando os Leloush. Talvez o livro de registros pudesse conter alguma informação crucial para acelerar as mudanças. Mas seu avô temeu que fosse só uma ferramenta para os mais radicais perseguirem os nascidos-trouxas e tentou evitar um derramamento de sangue. Eu o apoiei. Apaguei a memória dos Leloush para protege-los. Achei que se não soubessem de nada, não haveria motivo para persegui-los. Mas os seguidores de Voldemort foram informados pelos funcionários do Ministério que o livro estaria com os Leloush...


- Você ouviu Bellatrix contar que participou da morte do senhor Leloush e não fez nada. – disse Sirius, exasperado.


- O que você queria que eu fizesse? Brigasse com sua prima por algo que eu nem tenho certeza se era o correto a se fazer? Contasse a ela que seu avô e eu fomos os traidores que ajudaram os Leloush? Você queria estar chorando a minha morte agora?


- Pobre madame Leloush... ela confiou em você – Sirius comentou com raiva.


- Eu a salvei, não salvei? A levei para o Saint Mungo’s, arriscando minha própria pele para isso. Eu não sabia o que iria encontrar quando fui à casa dos Leloush ...


Sirius abaixou os olhos. O pai tinha razão.


- Desculpe, pai... Mas Regulus é um idiota! Ele acha que Bellatrix agiu certo...


- Filho, não fale assim de seu irmão. Escute o que eu estou falando: nós ainda não sabemos se não teria sido melhor se Lord Voldemort tivesse tido acesso àqueles registros. Talvez isso acelerasse o processo da mudança. Queremos esta mudança. Regulus sente-se oprimido por não poder experimentar sua magia livremente, eu também me sinto assim. Mas não concordo com a violência usada contra os Leloush, não era necessária... na verdade, era improdutiva, uma vez que eles realmente já não sabiam de nada. Eu fiz o que fiz para proteger nossa família. Vocês são tudo o que existe de mais importante para mim. Confie em seu pai... sem ressentimentos? – Orion abriu os braços.


Sirius fez “sim” com a cabeça. Levantou-se e foi abraçar o pai. Sentindo o peito aquecido pelo carinho entre pai e filho, os dois tomaram o chá, agora gelado, juntos.

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Comentários (4)

  • Slytherin Solitária

    Meu sobrenome é Neves, acho que vou , mudar para Terra ou Vento,como o Sirius!

    2014-06-18
  • Slytherin Solitária

    "Sirius Red" e "Sirius White", por favor, me dá uma notícia triste para eu parar de rir!Ah e a nota é 5, viu?

    2014-06-18
  • Slytherin Solitária

    Olha eu aqui de novo!Adorei esse capítulo, porque marcou o começo da Revolta Siriense(1974  à 1996)!Mesmo o Sirius odiando sua família acho que ele sempre vai ter uma relação muito bacana com o pai(I ♥ ORION)Queria agradecer por visitar minha fangic.E pare fe falar mal dos comensais da morte, eu sou uma deles, com muito orgulho(dá oara entender que sou bem patriota com a minha casa pelo meu nome, não)Sua fic continua incrível. Bjs

    2014-06-18
  • Ivana R

    Legal seu comentário, John! Acho que o que levou Regulus a se tornar um comensal da morte é, na verdade, uma série de fatores, mas você tem razão quando diz que este dia foi importante em sua decisão.Ainda não escrevi todos os capítulos, mas já fiz o roteiro gela e o esboço da maior parte deles. Mas uma coisa interessante quando a gente está escrevendo é que, muitas vezes, o personagem "pede" que sigamos algum caminho que não era totalmente programado, então essa história pode mudar um pouquinho... mas, bem, como já prometi, não vou fugir do que a Jo programou para ele (mesmo que meu coração doa muito por isso).Espero que tenho gostado do chá gelado... eu ia sugerir pingar umas gotas de limão, mas achei que a vida do Sirius já está um bocado amarga por esses dias... 

    2013-08-12
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