Tesouros



TESOURO



O local era mais frio do que esperava, mas Dumbledore, ao contrário, parecia não perceber a baixa temperatura, o vento gélido brincava com sua barba branca que trazia presa na altura do peito.


– Em breve, Harry – Dumbledore pôs a mão em seu ombro enquanto o guiava pelo terreno semi-coberto pela neve. – Sirius poderá perder a sua guarda. Scrimgeour tem posto em dúvida sua capacidade em criar alguém tão... necessitado de atenção. Ele sabe o que você fez no Ministério, e o que você já fez até hoje. Depois da fuga dos cinco comensais, não vejo o por quê dele perder a oportunidade de alegar preocupação com a sua segurança.


– Por quê? Por que está tão preocupado comigo?


– O que você acha de ter sua guarda transferida para o Ministério?


– Que ele tente! – Harry disse em tom de desfio. – Não vou receber ordens do Ministério...


– É justamente isso o que ele acha, para ele uma maneira eficaz de se livrar de um futuro problema é mantê-lo sob vigilância... somados ao interesse dos Antigos por você, por quem o Ministério nutre profunda intolerância... E seus planos estão dando certo, nem com o casamento Sirius irá conseguir provar ter condições, não quando está associado a lobisomens e tem um histórico próprio de transgressões que ganha até mesmo de vocês três – comentou.


– Isso tem alguma coisa a ver com a profecia?


– Ah, sim. Eles acreditam nessas bobagens. Profecias são ambíguas e evasivas, feitas para se adaptarem a qualquer época e situação. Mas desde que alguém acredite e esteja disposto a torná-la realidade... “Virá uma época em que o mal se espalhará” – Dumbledore recitou ironicamente. – O mal está sempre quebrando as barreiras que tentamos usar para contê-lo, conflitos, guerras,...


– Doenças... – Harry considerou. – Mas o que tem a ver comigo?


– Ela dizia que alguém pelo mal seria marcado e esta pessoa teria o poder de decidir o futuro...


– Um comensal? – especulou.


– Como eu disse, ambíguo. O Eleito. Eles precisam acreditar nisso e que os outros acreditem também, motivá-las, dar-lhes esperança, senão, teriam apenas caos. – Dumbledore parou para pegar um punhado de terra úmida entre os montes de neve.


– Ele não deveria estar se preocupando com Voldemort?


– Deveríamos nos unir e lutar contra nosso inimigo em comum, como sugeri diversas vezes, mas ele prefere esperar para ver se fracassarei em meus esforços, assim terá uma ameaça a menos para se preocupar, porque ele também me vê com uma. Ele é um estrategista, interessante não? – Dumbledore cheirou a terra depois a jogou fora e limpou as mãos.


– E se ele conseguir? Acha que vai me convencer em um mês de...


– Ah, claro que não, um mês é muito pouco, mesmo usando feitiços poderosos para controlar sua mente. Com certeza vai emitir um decreto aumentando a maior idade para dezoito ou talvez vinte anos... Mas isso não importa agora, assim que Sirius perder entrarei com um pedido para ser seu tutor, ainda tenho muitos amigos no Ministério, terei muitos votos ao meu favor.


– O Senhor?! Mesmo? – Harry perguntou surpreso.


– Por que a surpresa, é lógico que pedirei! – exclamou achando graça de seu espanto. – Há um povoado por aqui, um povo rústico, criadores de cabras, apegados a costumes antigos.


– Para que lado? – Harry olhou ao redor, estavam num vale e não tinha nenhum sinal de povoação por perto. Havia montanhas ao longe cobertas pela neve, mas tudo o mais por ali era deserto com a vegetação escassa e parcialmente coberta.


– Acho que estamos do lado errado, mesmo com a neve a terra deveria estar cheirando a esterco e urina e deveria haver cabras pastando em algum lugar... – Dumbledore observou. – Espere aqui.


Dumbledore aparatou. Harry olhou para o lugar onde havia desaparecido depois olhou em volta curioso, ele ainda não havia dito o que tinham vindo fazer ali.


– Como eu imaginei, do outro lado das montanhas, é lá que corre o rio – Dumbledore disse ao retornar. – Vem, há um lugar afastado o suficiente para aparatarmos sem sermos vistos.


– O que exatamente é essa horcruxe, Professor? Que tipo de objeto?


– Horcruxe? – perguntou distraidamente enquanto seguiam em direção ao conjunto de casas construídas no vale. Antes tinham parado para verificar o rio que surgia de dentro da montanha, algumas cabras pastavam por ali. – Não viemos em busca de horcruxes, viemos atrás de algo muito mais importante.


– O quê? – perguntou curioso após se recuperar do choque daquela informação, não imaginava o que poderia ser mais importante do que destruir as horcruxes e enfraquecer Voldemort.


– Você já leu a respeito das relíquias do Bretwalda(1)?

(1) “Um título saxônico que significava Governador da Grã-Bretanha.” (O Inimigo de Deus. CORNWELL, Bernard.)


– Não – Harry respondeu prontamente. Dumbledore lhe lançou um olhar pesaroso por sua ignorância.


– Não conte com ter os amigos ao seu lado pela eternidade, Harry. A Srta. Granger é uma jovem inteligente, mas embora goste de bancar a mãe de vocês dois hoje, um dia terá os próprios filhos... E espero que todos herdem sua mente brilhante... Mas como eu dizia... - Dumbledore continuou quando Harry abriu a boca para protestar. – Numa época em que a magia era atribuída a deuses, existiu um rei, um Bretwalda, que dizem, governou toda a terra, ao menos toda a terra que tinham conhecimento de existir. E isso graças aos presentes mágicos recebidos pelos deuses. Nunca perdeu uma batalha e se manteve soberano por mais de um século.


– Ele era um bruxo, então – Harry concluiu.


– Não se sabe. Mas creio que não, ou então teria sido equiparado a algo mais ou a um druída. Naquela época a magia era respeitada. Gostavam de acreditar que tudo poderia se resolvido com a queima das ervas corretas ou com um sacrifício em um lugar sagrado.


Chegaram à entrada do vilarejo. Dois esqueletos de algum animal, fincados em estacas, ladeavam a entrada, seus ossos chocalhavam com o vento, alguns deles jaziam no chão.


– Acreditam que isso espanta o mal – Dumbledore esclareceu. – Como eu disse, eles se apegam a costumes antigos, e um deles é sacrificar crianças, então fique perto de mim – lançou um rápido olhar para o anel em sua mão. – E seja obediente desta vez.


Pessoas agasalhadas com peles de animais passavam pela rua principal atarefadas com seus afazeres, nenhuma parou para olhar duas vezes para eles, ninguém estranhou a presença deles no local.


– Ninguém vai perguntar o que viemos fazer aqui? – Harry estranhou.


– Passamos pela proteção deles, acreditam que todo o mal fica contido do lado de fora. – Dumbledore cumprimentava as pessoas pelas quais passavam com sorrisos e acenos de cabeça. – E nós entramos.


– E o que viemos fazer aqui, Professor?


– Ah, claro. Então o rei dividiu as relíquias um dia antes de morrer entre alguns de seus inúmeros filhos, e ele teve muitos em mais de cem anos de vida. E o seu reino acabou com sua morte. Os filhos brigaram entre si, as terras foram invadidas por novos conquistadores e os tesouros se perderam. Alguns acreditam que foi a ambição pelos tesouros que destruiu o reino, outros, que as relíquias não deviam ter sido separadas, porque assim seu poder foi dividido e se tornou insuficiente.


– O Senhor acredita nisso?


– Eu sei, Harry, que os tesouros foram reunidos uma vez mais e com eles foi erguido um reino, mas com um objetivo diferente do de governar. Quatro pessoas, cada uma, portadora de uma das relíquias, então houve um desentendimento entre eles e após a saída de um dos quatro, resolveram torná-las inacessíveis à cobiça de pessoas inescrupulosas.


Harry ouvia incrédulo a história, parecia um conto de um livro infantil, pensou na horcruxe que tinham acabado de encontrar. Voldemort estava procurando o tesouro de Slytherin e Dumbledore relíquias da lenda sobre um reinado primitivo.

Entraram em um modesto estabelecimento que se diferenciava muito pouco das demais casas do local, todas construídas com a madeira extraída das árvores da montanha. O lugar tinha cheiro de mofo, havia um amontoado de capim úmido em um dos cantos, em uma parede prateleiras com ovos, carne salgada e outras coisas que Harry não conseguiu distinguir quando passaram.


Acompanhou Dumbledore até o balcão onde um homem trançava uma cesta de palha. Tinha os cabelos cor de um amarelo pálido e olhos claros e desbotados, como todos os demais moradores que tinham visto. Olhou para eles com curiosidade e falou numa língua que Harry não conseguiu entender, Dumbledore respondeu no mesmo idioma.

O dono do local indicou Harry estudando-o com curiosidade e perguntou algo que Dumbledore confirmou com um aceno, trocaram mais algumas palavras a seu respeito.


– Ele nunca viu alguém com cabelo tão escuro – Dumbledore explicou. – Intrigante não?


Harry passou a mão pelo cabelo, que deveria estar revolto após passarem por aquela ventania gelada, ficou olhando para ambos enquanto conversavam, depois, como não conseguia entender nada do que diziam foi observar as prateleiras.

Continham comida e algumas coisas de utilidade geral, nada que fosse interessante. Foi até a porta e ficou observando o movimento das pessoas carregando, limpando e conversando. Achou o ambiente muito agradável apesar dos esqueletos na entrada. Viu crianças brincando, pareciam normais e felizes, se perguntou se Dumbledore tinha inventado aquela história para deixá-lo impressionado.


Olhou para o interior da loja, os dois ainda conversavam no balcão, que agora tinha uma garrafa e dois copos parcialmente cheios. Encostou-se no umbral e ficou aguardando.


– Vamos – Dumbledore disse após algum tempo, vindo em sua direção. – Rústicos, mas inteligentes. Uma civilização notável, apesar dos costumes selvagens.


– O que vamos fazer agora?


– Ele me explicou como chegar ao local dos rituais, é lá que eu suspeito que encontraremos...


Uma senhora sorridente e amável os abordou enquanto se encaminhavam à saída, insistiu com Dumbledore apontando uma das residências que deveria lhe pertencer. Dumbledore retribuiu o sorriso galantemente enquanto lhe falava docemente. Beijou-lhe a mão. Antes de partirem ela ofereceu a Harry uma fruta de sua cesta, escolheu uma de cor amarelada e formato oval que Harry desconhecia, cheirava bem. Após uma rápida troca de olhar com o Diretor ele aceitou e agradeceu, Dumbledore traduziu o agradecimento e o guiou para fora.
Quando se afastaram o suficiente do povoado continuou com a narrativa.


– Então, eu acredito que neste lugar possa estar um...


Harry mordeu a fruta, a casca era levemente amarga, mas a polpa era muito doce.


– Cospe isso! Anda, cospe! – Dumbledore ordenou quando o percebeu o que tinha feito. – Será que não te ensinamos nada em Hogwarts? – Apontou a varinha para o pedaço da fruta que ele havia cuspido incinerando-o. – É óbvio que está enfeitiçada!


– Mas...pensei que não fossem bruxos. – Harry justificou-se confuso.


– Há vários níveis de magia, Harry. Não há necessidade de se formar como um bruxo para saber cozinhar ervas e outras pequenas coisas mais – Dumbledore o repreendeu. – Uma senhora adorável, mas tem sua própria crença, que não nos convém, aliás. Deve-se enxergar além das aparências, aprenda isso pelo menos.

 Dumbledore a retirou de suas mãos e a incinerou também.

– E quando eu disser para ficar perto, quero dizer ao meu lado, não posso te vigiar e extrair informações ao mesmo tempo.


– Eu sei me cuidar – murmurou ofendido.


– Eu sei que sabe. Estava me preocupando com essas pobres pessoas de cultura limitada. O que pensariam ao te ver reagindo a elas com magia? Que é um demônio ou um deus, quer que passem a fazer sacrifícios em seu nome também?


– Não! – Harry respondeu surpreso pela pergunta. Olhou para o povoado que ficava cada vez mais distante e após alguns minutos quebrou o silencio. – Desculpe, eu não tive a intenção...


– Tudo bem – Dumbledore olhou para ele. – Não me arrependi de ter te trazido, tua presença me conforta... Caminhar sozinho é muito chato.


– O senhor não pensava isso ano passado. – Harry deixou escapar. Ainda se sentia magoado pelas vezes em que tinha sido evitado e ignorado pelo Diretor.


– Ano passado eu não pude te dar a atenção que eu queria, não com Voldemort tentando invadir a sua mente. Eu estava tentando te proteger – Dumbledore explicou. – Desculpe se te chateei, agora eu percebo o quanto meu protecionismo em relação a você tem te afetado, você é um adolescente agora e dar motivos pra te deixar ainda mais revoltado não é uma atitude inteligente.


– Revoltado? – Harry o olhou de lado, o vento frio deixava sua pele corada, vestiu o gorro e calçou as luvas.


– Não tanto quanto eu fui, mas tenho te negligenciado este ano também, você precisa de incentivo e orientação adequados e é o que pretendo te oferecer a partir de hoje.


– O senhor ainda não me disse o que viemos procurar … – Harry o lembrou.


– É verdade... a trombeta. São quatro relíquias, dignas de um rei, uma coroa, uma espada, um cetro e... a trombeta.


– O senhor acredita que sejam mágicas? Presentes de deuses que não existem?


– O que sabemos nós, simples mortais? Não me importo se caíram do céu ou se nasceram em árvores, contanto que valham meu esforço. E estou velho e cansado, logo meu esforço é grande – Dumbledore fez com que parasse quando chegaram ao pé da montanha para procurar a trilha que a contornava. – Você já usou a espada, me diga então o que acha sobre ela.


– A espada de... Godric Gryffindor...?


– A coroa de Ravenclaw, o cetro de Slytherin, a trombeta de Hufflepuff... Na verdade, adquiridas ou herdadas por eles. Quem conseguir reuni-las novamente poderá se considerar um novo Bretwalda, não haverá poder que o sobreponha. E não podemos deixar que Voldemort o tenha.


– Eu pensei que o cetro fosse uma chave, para os tesouros de Slytherin...


– Não conheço outra utilidade que o cetro possa ter ou que tenham dado a ele, mas eu preciso do cetro, assim como preciso dos outros dois tesouros... – Dumbledore pulou um cercado na terra formado por crânios humanos e de animais, e que isolavam a entrada de uma caverna.


Harry parou observando aquela formação bizarra.


– O que foi? – Dumbledore se virou para ele e olhou para o chão. – Um desrespeito aos mortos, mas não há magia aqui, venha.


Harry sobrevoou por cima da cerca evitando fazer qualquer contato com eles. Dumbledore sorriu quando ele pousou ao seu lado.


O Diretor acendeu a varinha e entrou, Harry fez o mesmo. Era uma caverna natural que levava ao interior da montanha.


– Por que o senhor acha que está aqui? – Harry observou a caverna simples e escura, alguns morcegos se agitaram no teto quando ergueu a varinha para iluminá-lo.


– Ando analisando o passado dos fundadores de Hogwarts e percebi que Helga Hufflepuff gostava de estudar civilizações antigas, principalmente as não mágicas, e um local que seria desprezado pelos bruxos, temido e respeitado pelos trouxas, me parece um bom esconderijo.


– O Senhor acredita que ele sabe disso e que esteja procurando os outros tesouros também?


– Ninguém tem ideia do que ele realmente pretende, só espero que consiga chegar antes dele.


– E se ele já tiver conseguido algum? Como vai recuperá-lo? - Harry se perguntou se era esse o motivo dele estar usando Oclumência também, não querer que soubesse a respeito e alertasse a Ordem.


– Não faço ideia ainda, se ele tiver algum dos tesouros, estaremos com ainda mais problemas.


– Dumbledore o fez parar quando chegaram a uma bifurcação.


Um dos caminhos, o da direita, era de terra batida e o outro rochoso com algumas cristas de gelo nas paredes.


– Qual dos dois caminhos você acha que devemos seguir? – Dumbledore perguntou.


Harry se adiantou enquanto Dumbledore aguardava pacientemente e ergueu a varinha para iluminar melhor as passagens.


– Este Professor, o da direita. Há pegadas aqui.


– É verdade – Dumbledore concordou. – Vamos pegar o da esquerda – decidiu puxando-o em direção ao caminho rochoso.


– Mas, por quê? – Harry se deixou conduzir pelo caminho irregular.


– Você não vai querer ver o que tem lá – Dumbledore decidiu. Mas Harry não entendeu o motivo pra não querer, na verdade, ficou curioso.


A temperatura caía conforme se aproximavam do interior da montanha. Chegaram a uma galeria onde o gelo cobria as paredes e um lago natural parcialmente congelado ia da metade até a outra extremidade da gruta.


– Esta deve ser a nascente que alimenta o rio – Dumbledore comentou. Não havia muito o que ver ali, fez uma luz azulada que saia de sua varinha percorrer o local.


Harry ficou esperando para ver o que aconteceria mas não notou nada de diferente.


– Fique aqui, não vou demorar – Dumbledore pediu se dirigindo à saída. – Preciso olhar o outro caminho.


– Eu vou com o senhor - Harry se ofereceu.


– Fique aqui! – Dumbledore repetiu energicamente.


Harry parou obedientemente e se virou novamente para o lago enquanto ele saía. Olhou ao redor, tocou as paredes em busca de algum tipo de magia ou passagem secreta mas não encontrou nada. Sobrevoou o lago olhando os blocos de gelo boiando na superfície escura.


Observou as estalactites do teto, decoradas com gelo, ouviu um som vindo da água, lançou luz naquela direção, no final da gruta, mas não havia nada lá, ela terminava numa parede espessa de gelo, e a água semi congelada não era nada convidativa a qualquer animal.


Olhou para a entrada chateado, Dumbledore estava demorando, Harry se perguntou se o Diretor estaria se divertindo, porque ele não estava, naquele lugar gelado. Se sentiu tentado a sair, mas sabia que se o fizesse Dumbledore não mais o convidaria. Voltou pra margem e sentou numa pedra fria.


Ficou observando o gelo flutuando na água. Mais alguns pedaços se desprenderam do teto e se juntaram aos demais. Um dos blocos encostou na parede no final da gruta e a seguir sumiu, novamente o som enquanto o gelo era sugado para algum lugar do outro lado.


Harry ergueu a cabeça e ficou observando enquanto outro se encaminhava lentamente para o mesmo fim. Harry imaginou que por algum lugar ali embaixo a água saía para formar o rio, mas nenhuma claridade estava entrando, suspeitou que pudesse haver outra gruta por trás daquela parede. Voltou até lá.


Tocou a parede e não sentiu nada. Apontou a varinha e começou a fazer pequenos cortes no gelo, após algum tempo visualizou a parede rochosa, continuou quebrando determinado a encontrar uma passagem escondida pela espessa camada branca. Passou a mão pela rocha retirando algumas lascas de gelo presas no contorno de uma figura encrustada na pedra.


– Harry... – Dumbledore o chamou da entrada.


– Professor, tem alguma coisa aqui, na parede. – Harry ficou olhando enquanto o Diretor caminhava em direção ao lago, e não parou quando chegou à borda, continuou andando, a água solidificando aos seus pés, formando uma ponte de gelo. – Afaste-se – pediu a alguns metros de distância observando a parte do desenho que estava à mostra.


Dumbledore ergueu a varinha e o restante do gelo rachou e se dividiu em várias partes que se desprenderam e pousaram na superfície do lago expondo a figura de um animal. Harry enfiou as mãos no bolso, se contendo, e desceu de vagar até pousar em um dos blocos flutuantes.


– Um texugo... – Dumbledore comentou com um sorriso nos lábios. – Acredita que este era um animal sagrado de alguma civilização antiga? Eu não...


– Devemos quebrar a parede?


– Não... Isso poderia causar um desmoronamento. – lançou um rápido olhar para as estalactites pontiagudas do teto.


– Há uma passagem subterrânea. – Harry apontou.


– Bem observado, fique aqui, não demorarei. – Dumbledore pediu retirando o sobretudo. Harry concordou com um aceno. – Está sentindo alguma coisa? – perguntou a ele preocupado com sua obediência súbita. – Você chegou a engolir algum pedaço daquela fruta? – insistiu após sua negativa.


– Não... Está frio, Professor...


– Sábia decisão. – Dumbledore sorriu para ele antes de mergulhar.


Harry abaixou e retirou da água um pequeno pedaço de gelo que flutuava ao lado, o pressionou contra a cicatriz. A imagem de uma velha casa apareceu em sua mente, os degraus rangiam sob seus pés, olhou para baixo.
O logo refletia seu rosto pálido, fechou os olhos e assim ficou, por um bom tempo, até ouvir um som vindo da água novamente. Dumbledore emergiu e subiu na passarela de gelo. Harry levantou e atirou o gelo para longe.


– Muito bom para revigorar os ânimos! – com um movimento da varinha estava novamente seco.


– Achou? – Harry perguntou enquanto ele vestia novamente o sobretudo.


Dumbledore lhe passou o objeto ornamentado com relevos dourados.


– O rei o usava para convocar seu imbatível exército, “e eles se materializavam como fantasmas e surpreendiam o inimigo” – recitou. – Ainda existem fragmentos sobre essas canções de batalha escritas pelos poetas da época, exageros. – Dumbledore explicou enquanto se encaminhavam para a saída. – Não faça isso... – impediu Harry de levá-la aos lábios.


– Acha que pode aparecer alguma coisa?


– Acho que ficou exposta por muito tempo a todo o tipo de contaminação, logo não é prudente que a coloque na boca. – Dumbledore esclareceu e Harry lhe devolveu o objeto sorrindo.


– O que tem lá, Senhor? – perguntou quando passaram novamente pela bifurcação.


– Nada. – Dumbledore respondeu evasivamente. – Nada mesmo, estamos entrando na época do desgelo, os rituais são praticados no final da primavera – esclareceu após seu olhar descrente.


Voltaram para a luz do dia. Harry hesitou frente ao cercado de crânios e após trocar um breve olhar com o Diretor, usou a varinha para varre-los para dentro da gruta. Fez algumas pedras deslizarem até a abertura e algumas lascas da rocha se desprenderem para ajudar a cobrir a entrada.


Dumbledore ficou observando enquanto ele lacrava a passagem, apreciando o feito.


– E agora? Pra onde vamos? – perguntou entusiasmado quando terminou.


– Pra Hogwarts, claro.


– Mas... e as outras? – perguntou chocado. – Vamos procurar em outros lugares! O Senhor disse que queria minha ajuda para encontrá-las...


– Disse que precisava de ajuda hoje, para conseguir a localização deste lugar, eles não me diriam se não acreditassem que compartilho com eles da mesma crença. E você me ajudou muito mais, a encontrar a trompa... Estou muito grato a você por isso.


– Professor! Temos que achá-los antes de Voldemort! – reclamou. – Ele sabe sobre as horcruxes e já sabe que saímos, deve pensar que estamos procurando as outras, mas e se desconfiar do que estamos fazendo? Irá hoje mesmo atrás da coroa e do cetro, se já não os tiver...


– Se ele já sabe, então está na hora de voltarmos. Isso confirma que ele continua tendo informantes entre nós, como eu pensei... E não é um de seus comensais...


– Talvez seja. – Harry sugeriu.


– Draco Malfoy não...


– Snape! – Deu a resposta que lhe parecia óbvia.


Fechou a cara para o olhar reprovador do Diretor.


– Eu não quero voltar... Hermione acha que um historiador ou arqueólogo poderia dar alguma dica de onde encontrar o cetro. A trompa estava desprotegido de magia, qualquer um poderia têla encontrado, e neste caso estaria agora em algum museu.


– A magia pode se acabar com o tempo, ou talvez não tenha sido realmente usada para não atrair a atenção de bruxos experientes que pudessem percebê-la.


– Então podem estar em qualquer lugar, depois de tanto tempo... O senhor disse que iríamos para Londres – Harry o cobrou.


– Você está parecendo um ex-presidiário que vê pela primeira vez a luz do dia – reclamou Dumbledore.


– Mas tenho sido tratado como um... - queixou-se enquanto se afastavam por um caminho oposto ao do povoado.


– Não vai perdoar a mente cansada de um velho por um pequeno esquecimento à toa?


– Um esqu... – Harry pensou em reclamar mas desistiu, duvidava que tinham sido deixados naquela torre por tanto tempo por esquecimento.


– Quem sabe, se eu o levar ao Wallace Collection... – passou o braço pelos seus ombros e  aparataram.




O sol brilhava iluminando o chafariz da praça por onde tantas pessoas passavam. Da sacada do restaurante podiam avistar uma parte da Hertford House, sede da Coleção Wallace.

Dumbledore lia a previsão do tempo enquanto Harry desfolhava a página policial em busca de alguma notícia fora do comum.


– Você ainda não terminou, está sentindo alguma coisa? – Dumbledore reparou seu prato quase intocado.


– Não tenho sentido muita fome ultimamente – Harry comentou.


– Nós só iremos quando você terminar – Dubledore anunciou voltando a atenção para o jornal.


Harry se obrigou a comer logo, nunca tinha estado em um museu antes, muito menos à procura de tesouros.


Deixaram o restaurante voltando para a claridade solar onde pessoas bem vestidas andavam pela calçada e carros buzinavam nas ruas. Pareceu-lhe impossível que tivessem saído a pouco de uma caverna escura onde pessoas ofereciam sacrifícios em troca de uma vida simples.


Uma jovem os abordou em frente aos jardins de Manchester Square oferecendo miniaturas do local em globos de vidro, havia também, de outros pontos turísticos.


– Senhor , que tal uma lembrança para a sua esposa? – a vendedora ofereceu.


– Não há uma senhora a quem eu poderia ofertar esse belo souvenir, mas obrigado. – Dumbledore recusou.


– E você jovenzinho, não quer presentear a mamãe? – Harry olhou para os globos pensativo. – Ou a namorada? – a vendedora insistiu.


– Vou querer três – Harry contou o que tinha sobrado do dinheiro que Mione havia trocado em Gringotes e pagou por eles, um da Hertford House, um do Museu Britânico e outro do Museu de História Natural.


– Imagino que não sejam os três para a mesma garota – Dumbledore comentou curioso enquanto se afastavam da satisfeita vendedora.


– São para Mione, Gina e Raven. – Harry explicou.


– Deixe-me guardá-los para você – Dumbledore se ofereceu retirando a sacola de suas mãos e fazendo-a sumir no bolso interno do sobretudo.


– Lamento por não ter sido feliz na minha decisão de te deixar com os Dursley. Agora eu vejo o quanto seu lado emocional ficou vulnerável pela falta de uma figura materna...


– O quê? – Harry olhou para ele enquanto atravessavam a rua em direção ao prédio de três andares.


– Você sentiu muito a falta de uma mãe...


– Claro... Por que não sentiria... – Harry murmurou após alguns minutos pensativo.


– Isso te deixa propenso a pensar que todas as mulheres... – Dumbledore começou a discursar, mas Harry não estava prestando atenção, estava soletrando enquanto contava nos dedos.


Puxou o cordão de dentro das vestes e mandou uma mensagem a Rony e Mione.


– Você está me ouvindo? – Dumbledore pousou a mão em seu ombro.


– Senhor?


– Voltaremos a conversar sobre isso quando voltarmos a Hogwarts – abanou a cabeça em reprovação enquanto entravam no prédio.


Algumas poucas pessoas circulavam pelo local, se juntaram a um grupo de visitantes que era conduzido por um guia que dava explicações a respeito de cada objeto que paravam para analisar demoradamente.


Harry sinalizou para que se afastassem mas Dumbledore o ignorou, parecia muito interessado em ouvir sobre quem usara o conjunto de porcelana que o grupo observava.


– Isso aqui é muito chato – Harry reclamou minutos depois.


– Um pouco de cultura não irá te fazer mal – Dumbledore o repreendeu.


– Nunca conseguimos trazer nosso neto para esses passeios – um homem idoso que passeava com a esposa comentou com o Diretor. – Kevin está sempre ocupado com aquele aparelho barulhento nos ouvidos – reclamou.


– Os jovens de hoje são muito impacientes, não conseguem se comportar... – Dumbledore observou. – No meu tempo...


– Preciso ir ao banheiro – Harry anunciou se afastando deles apesar do olhar reprovador do Diretor. Deixou-o dialogando com o casal e subiu até o último andar.


Depois de um longo tempo Harry reencontrou o grupo subindo as escadas para o segundo nível enquanto ele descia. Dumbledore suspirou examinando seu rosto desapontado.


– Não tem nada aqui – Harry comunicou quando se aproximou. – Ninguém nesses quadros foi pintado usando uma coroa ou segurando um cetro. Não há nada dentro dos armários, das cômodas, embaixo das camas ou dos sofás...


– Deixaram que tocassem nos móveis? – Dumbledore estranhou.


– Não... – Harry disse despreocupadamente.


– É melhor irmos embora – Dumbledore aguardou que o restante do grupo subisse depois o guiou para fora. – Agora...


– Agora vamos ao Museu Britânico – Harry pediu.


– Eu já te trouxe até aqui, ainda não está satisfeito? – foram em direção a uma cabine telefônica na esquina do quarteirão.


– Com o quê? Não encontramos nada! – Harry olhou para o Professor desconfiado. – O Senhor não estava procurando, não é?


– Este é o lugar menos perigoso ao qual eu poderia te levar, e mesmo assim já estamos correndo riscos.


– Eu não me importo que seja perigoso, estamos perdendo tempo!


– Era para ser agradável e educativo, mas claro, não é nenhum show de rock...


– Isso foi um passeio? – Harry o olhou admirado, o Diretor o surpreendia sempre.


– Uma compensação...


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.