A HISTÓRIA DE TONI E HELGA

A HISTÓRIA DE TONI E HELGA



A savana parecia se estender até o fim do horizonte. Olhando de onde ele estava parecia não haver mais nada além dela. Animais ferozes foram espantados e os animais mágicos mortos. Homens muito mais ferozes do que as feras ocupavam esse terreno agora. Homens excitados a espera do derramamento de sangue.

Há duzentos anos essa savana eram verdes pastos onde trouxas orgulhosos e alguns bruxos vigiavam seus búfalos. Testráslios comiam as reses mortas e só quem havia visto a morte de perto conseguia avistar as estranhas montarias. A posse do gado era sinônimo de orgulho e riqueza. Então os homens brancos trouxas trouxeram seu maldito gado contaminado. Em poucos anos os rebanhos africanos foram afetados pelas pestes trazidas pelos europeus. Os animais morreram, os testráslios partiram para sempre e bruxos da velha geração diziam que os deuses castigaram os trouxas africanos por não se empenhar na defesa de sua terra. Os animais selvagens tomaram a savana. Feras mágicas também se instalaram naquelas plagas, já que não havia mais os testráslios para espantá-los e os feiticeiros que criavam animais mágicos partiram para as cidades que o homem branco trouxa ergueu. Sem o gado, africanos trouxas morreram de fome e perderam sua riqueza e seu orgulho. A África tornou-se o que é hoje. Um inferno para os seus próprios habitantes, excetuando-se uma minoria trouxa e bruxa que explora a riqueza do solo e a miséria da população.

Toni M’Bea, mesmo aos vinte anos de idade, já sabia que a maioria das coisas boas e ruins do mundo são obra do ser humano. Bruxos ou trouxas. Ele ainda não era um homem religioso, mas sempre acreditou no livre arbítrio. E já havia notado, mesmo sendo um idiota arrogante na época, que homens e mulheres usam o livre arbítrio para ferrar com o mundo e consigo mesmo. Antonius Olimpicus Obote M’Bea, por exemplo, escolheu o caminho da degradação, do dinheiro fácil e das companhias poucos recomendáveis.

Há três anos atrás ele era a maior promessa surgida no quadribol do continente africano. Mas, sua venerável família bruxa havia impedido sua carreira de prosperar, pois não achavam o quadribol digno de um M’Bea. Impedido de atuar nas ligas profissionais por causa da onipotência das pessoas do seu clã, partira para ganhar o dinheiro das “competições independentes”.




- O que são essas competições independentes? – perguntou Gina.

Todos ouviam com muita atenção a história do bruxo africano. Mesmo Andy e Amanda que haviam voltado de um tour a sós pela propriedade, ambos muito corados e com os cabelos molhados, como Harry havia reparado.

- Eu nunca ouvi falar nisso – disse Harry.

- Bruxos decentes não costumam ouvir falar das “competições”, ou das “ligas independentes”, como elas também são chamadas – respondeu Toni muito sério.

- Eu já ouvi falar – discordou Draco, ainda brincando com o charuto e recebendo olhares desaprovadores de Vera Ivanova.

- O que apenas confirma o que eu disse – respondeu-lhe Toni, agora com um sorriso zombeteiro nos lábios.

As risadas que se seguiram ao comentário quebraram um pouco a tensão. Mesmo Draco havia achado graça. Ele sabia que os Malfoys (o que incluía ele próprio) não eram pessoas decentes e diversões sangrentas sempre alegraram a vida tediosa de muitos dos seus parentes ricos.

- Uma vez eu vi Fred e Jorge dizendo que iam jogar nessas “ligas” para levantar dinheiro para as “Gemialidades Weasleys”. Papai ficou tão bravo que quase deu uma surra neles, mesmo os dois já sendo adolescentes – recordou-se Rony – Mas ele não quis me dizer do que se tratava.

- Como funcionário do ministério, seu pai deve ter ouvido falar nas “competições”. É bem possível que o Sr. Weasley tenha participado de batidas para impedir que elas se realizassem. Embora não sejam muito comuns na Inglaterra – ponderou Toni.

- Mas, afinal, alguém pode me dizer o que são essas tais “competições independentes”? – questionou Toledo impaciente.

- Posso? – perguntou Draco para o africano. Como esse assentiu, o ex-sonserino explicou: - Imagine, minha cara Toledo, uma competição esportiva bruxa sem regras. Por exemplo, uma corrida de vassouras em que você pode azarar os demais oponentes.

- Ou uma competição de duelos onde você pode reduzir o adversário a pó – disse Vera de maneira sombria, depois acrescentou: - Essas competições eram comuns na Bulgária anos atrás. Mesmo hoje, talvez elas ainda ocorram, apesar do ministério da magia reprimi-las.

- Ou ainda um jogo de quadribol onde vale tudo. Desde derrubar os oponentes da vassoura, até furar os seus olhos – completou Toni M’Bea, de maneira absolutamente sombria.

- Céus! – exclamou Hermione – Mas quem pagaria para ver uma monstruosidade dessas?

- É – concordou Harry indignado – Isso seria um completo absurdo.

- Potter, Granger, vocês são as pessoas mais doces do mundo, não é mesmo? – zombou Malfoy na sua voz arrastada – Eu ainda não entendo como vocês derrotaram “você-sabe-quem” sendo assim tão bonzinhos.

- Há pessoas que pagam para ver essas coisas? – perguntou Rony abismado. Os mais jovens, à exceção de Malfoy, também estavam chocados.

- Quantidades absurdas de galeões – explicou Draco, agora muito sério.

- Ou dólares bruxos americanos – completou Vitor Krum – Rublos de ouro do leste europeu.

- Ou objetos mágicos valiosos. Objetos trouxas também são usados para pagamento – relatou Vera.

- E pessoas são oferecidas como prêmio – disse Helga, que até então se mantinha em silêncio. Estava visivelmente tensa e segurava no braço do marido – Geralmente mulheres que se tornam escravas dos vencedores são vendidas para bruxos sem escrúpulos.




Toni M’Bea estava estranhamente tenso naquela tarde. Na véspera, ele e sua amiga americana brigaram com uns turistas e destruíram um bar trouxa em Nairóbi sem usar um pingo de magia. Normalmente aventuras como aquela faziam com que ele se sentisse relaxado no dia seguinte, principalmente após beber e fumar uma quantidade industrial de substâncias ilegais do mundo trouxa. E se entregara a outros tantos prazeres com a sua parceira, tão maluca e irresponsável quanto ele. Seria engraçado se sua família soubesse que andava dormindo com uma norte-americana branca, que um ano mais velha do que ele já havia corrido o mundo atrás de diversão do tipo que suas tias e primas certamente não aprovariam.

Provavelmente foi na África que Mary Stone Shapiro havia se transformando em Vamp Shapiro, a mais implacável jogadora de quadribol das “competições independentes”. Bonita e malvada em igual proporção. Constava que havia ido para o Continente Negro com um velho trouxa rico e que matara o sujeito para ficar com tudo que ele possuía. Outros diziam que ela havia simplesmente roubado parte do patrimônio da família rica que tinha nos Estados Unidos e resolvera correr o mundo fazendo maldades e curtindo a vida da maneira mais perversa possível. Embora houvesse uma importante família bruxa na América de nome Shapiro, esta negava com veemência qualquer ligação com a garota cruel do quadribol independente.

- Humm... acho que precisamos repetir a noite de ontem – disse a garota de maneira sedutora no ouvido de Toni. Ela percebera a tensão do seu amante e tentava animá-lo.

- Só que sem a parte da briga e das drogas – disse Toni M’Bea, a cabeça zunindo, os olhos mirando a extensão imensa da savana. Os ricaços começavam a chegar. Os aros do peculiar jogo de quadribol começavam a ser fixados. Tapetes voadores imponentes, vassouras de passeio caras e automóveis mágicos se desenhavam também no horizonte.

Ali iria ocorrer uma forma perversa de quadribol disputada por duplas. Não havia pomo de ouro, apenas goles e balaços. Ganhava a partida quem após meia hora de jogo conseguisse fazer mais gols. Ou sobreviver, uma vez que nessa modalidade valia, literalmente, tudo. Azarar a dupla adversária, enfeitiçar os balaços, usar os punhos e os cotovelos. Raramente a partida chegava a mais de vinte minutos e no final uma das pessoas (ou as duas) acabava vítima de algum feitiço particularmente doloroso, quando não mortífero. Toni e Mary vinham arrasando naquilo que era chamado o “Circuito da Savana”.

Essa modalidade de quadribol fazia mais sucesso nos últimos anos do que a corrida de vassouras, e como exigia um espaço bem menor para ser disputada, era ótima para ser praticada longe das autoridades. Não que estas estivessem muito preocupadas em vasculhar a savana africana. Nos últimos anos os europeus vinham para o Continente Negro em busca da emoção desse esporte que unia a paixão pelo quadribol ao gosto pelo sangue. Além das fortunas que se pagavam às duplas suficientemente loucas para se submeter ao esporte insano, as apostas movimentavam fortunas que um bruxo honesto não conseguiria acumular nem trabalhando várias vidas inteiras.

Nesses três anos de vida clandestina Toni havia juntado mais dinheiro do que receberia no quadribol profissional. Sempre prometia a si próprio que largaria essa vida em breve, mas aí apareciam novos torneios. E desde que conhecera a sua atual parceira há um ano, os prêmios vinham aumentando. Pagavam apenas para que eles competissem. Acontece que eles também ganhavam sempre, por isso todos queriam derrotá-los. Em um ano ganharam todas as competições na África, na América Latina e na Ásia, onde em alguns países elas eram legais. E pessoas apostavam neles, pagando-lhes gordas comissões. Toni costumava dizer que poderia comprar um país do tamanho de Botswana apenas com dinheiro das apostas do último torneio.

Dinheiro sujo, drogas, sexo, violência. Toni tinha certeza que essa vida o levaria para a autodestruição, mas a maioria do tempo ele não ligava. Morreria jovem e rico.

- Duzentos mil dólares americanos bruxos de prêmio – dizia o seu empresário francês, um sujeito metido até o pescoço com tudo o que havia de mais sórdido do mundo mágico – E uma garota branca – acrescentou com um sorriso maldoso.

- Não entendi – retrucou Toni distraído. Estava realmente muito aéreo. Até havia entendido que haveria uma moça como prêmio. Mulheres se atiravam sobre os jogadores, mas não eram “o” prêmio, eram apenas mulheres ricas e vazias querendo um pouco de diversão.

- Ele quer dizer que ganharemos uma garota, além do dinheiro – disse Mary com simplicidade – Garotas brancas valem uma fortuna na África. Mas, você pode brincar com ela um pouco – acrescentou com um sorriso sacana – Você sabe que eu não sou ciumenta.

Depois Toni não saberia dizer se foi o fato de descobrir que as pessoas davam outras pessoas de presente ou se foram os excessos da noite anterior, mas o seu estômago começou a revirar nesse momento. Ele sentiu uma náusea que não poderia ser simplesmente expelida, até porque ela não se localizava apenas no estômago.

- Ah, Toni, não me olhe com essa cara – cutucou-o Mary – Você não sabia desses “bônus”? Na Ásia também é comum.

Toni havia estudado a história dos trouxas e sabia que no passado os europeus levavam africanos para a América para trabalhar em plantações e minas de ouro e prata. Inclusive sabia que bruxos africanos inescrupulosos haviam contribuído com esse comércio abjeto de pessoas. Sabia também que a escravidão de seres humanos era proibida pelo Estatuto Internacional de Magia, bem como pela quase totalidade dos governos trouxas. Um bruxo poderia ser condenado à prisão perpétua e em alguns países à morte por participar disso. Entretanto a lei parecia não ter valor no Circuito da Savana.

- Considere isso uma vingança pelo que os brancos fizeram com os negros no passado – insistiu Mary, um sorriso sádico dançando nos lábios.




- Eles ofereciam pessoas como prêmios? – perguntou Hermione chocada.

- Sim, eles ofereciam – concordou Toni, retomando o semblante sombrio.

- Caramba! Nem eu sabia disso – disse Malfoy – Meus parentes que participavam dessas diversões “inocentes” nunca me contaram sobre essa parte.

- Não acho que seja algo para as pessoas se orgulharem – opinou Harry.

- Mas, que tipo de gente participa de uma coisa horrível como essa? – perguntou Toledo.

- Todo tipo de gente – respondeu o carrancudo Vitor Krum – Pelo menos o tipo de gente com dinheiro para bancar o evento.

- Inclusive gente teoricamente decente e responsável – explicou Vera – Anos atrás houve um escândalo em alguns países da Europa Central, pois políticos e empresários bruxos participavam dessas competições. A coisa foi abafada, é claro, mas os políticos tiveram que sair de cena.

- Os governos não gostam muito de falar sobre o assunto, pois eles acham que se houvesse divulgação atrairia ainda mais gente – disse Toni.

- Anh... Toni – disse Gina de maneira indecisa – Você sabia que escravos faziam parte dos prêmios?

Todos encararam o batedor africano. Ele sabia que a história poderia decepcionar os amigos, que sempre o acharam um exemplo de bruxo.

- Na verdade não – respondeu e teve a impressão que todos ficaram aliviados com a sua resposta – Mas, só por que eu era burro demais para perceber que aquele negócio era sujo e não tinha limites para a sujeira. Eu não sabia da escravidão, mas sabia das atrocidades que ocorriam naqueles torneios e participei ativamente delas. Não há desculpa para isso.




Imobilizada por algum tipo de feitiço, uma garota bonita trouxa foi conduzida pelo empresário à tribuna onde as figuras imponentes de vários países, ricas e inescrupulosas se preparavam para assistir ao torneio. Nesse momento, normalmente sua mente clareava e a excitação da competição atiçava seu corpo e seu espírito. Ele se tornava apenas o “Big Toni”, o violento e implacável companheiro de Vamp Shapiro, pronto para derrubar os oponentes da vassoura e rir da desgraça deles. Menos naquele dia. Quando era criança e freqüentava a escola bruxa para a elite africana, ouvia os relatos sobre a captura de escravos feitas pelos trouxas. Sempre se imaginava no lugar daquelas pessoas que eram arrancados de sua terra e levadas para longe. O gado humano.

Agiu de repente sem pensar. Talvez as substâncias ingeridas na noite anterior ainda não tivessem se dissipado, talvez a humanidade que ele ainda possuía tenha falado mais alto. Num instante estava ao lado de Vamp Shapiro, que dizia obscenidades no seu ouvido, zombando dos demais participantes e prevendo novas diversões à noite. No instante seguinte ele voava com sua vassoura possante, azarando vários bruxos que se encontravam nas tribunas e arrastando a assustada garota branca, livrando-a do feitiço de imobilidade, segurando-a quando a menina se agarrou a ele sobre a vassoura, trêmula, mas colada ao seu corpo. Shapiro ainda o perseguiria por vários quilômetros, lançando feitiços, dos quais Toni se desviava habilmente e gritando impropérios, prometendo que iria matá-lo de várias formas.

Horas mais tarde, quando havia conseguido enfim despistá-la, ele descansava numa clareira. Um feitiço de ilusão havia sido invocado.

- Você fala inglês? – perguntou para a garota, que estava encolhida num canto e até então não havia dito uma palavra. Ela acenou positivamente com a cabeça.

- Você está ferido – disse finalmente a menina. Falava com um sotaque estranho, mas Toni o reconheceu. Sul-africana descendente de holandeses, ele pensou. Africâner. A elite branca e freqüentemente racista da África do Sul. No passado eles escravizaram e exploraram os trouxas nativos. Agora uma descendente era oferecida como prêmio. Ironia cruel.

A adrenalina jorrava de tal forma que M’Bea não havia percebido que seu braço esquerdo sangrava e que sua veste estava rasgada na altura do ombro, igualmente com manchas de sangue. Duas azarações o haviam acertado e ele nem havia sentido.

- Você me quer só para você? – perguntou a garota de maneira direta. Garota corajosa, pensou o africano. Poderia até gostar dela. Foi o último pensamento que teve antes de apagar. A dor finalmente se fazendo presente.

Horas depois ele acordou com um pano úmido sobre a sua testa. Os ferimentos cobertos por folhas que tinham efeito cicatrizante. A garota havia rasgado um pedaço de suas próprias vestes e improvisado uma compressa. Toni ardera em febre por várias horas. Os ferimentos perigosamente infeccionados só não causaram a sua morte por terem apenas arranhado a pele. Mesmo assim poderia estar morto se a menina não tivesse limpado as feridas e não tivesse providenciado compressas de água fria para baixar a sua temperatura.

- Frigius! – disse o africano, apontando a varinha para a sua própria fronte. Isso manteria a febre sob controle até que ele pudesse obter alguma ajuda.

- Você tem muito dinheiro – disse a jovem, apontando para a bolsa do rapaz, que jazia abandonada a alguns metros dele – Embora eu nunca tenha visto essas moedas estranhas antes e aquele dinheiro vermelho com uns retratos que se mexem.

- São galeões de ouro ingleses. As notas vermelhas com “fotos que se mexem” são dólares bruxos norte-americanos. Mas, havia também muito dinheiro trouxa na bolsa. Há uma pequena fortuna aí. Você poderia viver confortavelmente por muitos anos.

- Vocês mataram meus pais e toda a minha família – disse a garota de maneira fria, ignorando os comentários do africano.

- Eu não matei os seus pais, garota! Eu nunca matei ninguém fora da arena do quadribol – replicou o rapaz negro.

- Você... Você é como eles, não é?

- Se você quer saber se sou um bruxo, sim, eu sou, mas certamente não sou como “eles”, seja lá de quem você estiver falando.

- Por que você me salvou? Você poderia ter me conquistado como prêmio. Ouvi aquele homem horrível dizer isso.

- E poderia perder e você estaria nessa hora nas mãos de algum bruxo sádico.

- Por que você me salvou? – perguntou de novo a garota.

- Porque estava na hora de voltar a ser um ser humano – respondeu Toni M’Bea de maneira enigmática.




- Caracas! – exclamou Rony.

- Faço minha as sua preciosa observação, Weasley – brincou Draco, mas também estava abismado com a história.

- Por que a garota não fugiu com o dinheiro? – perguntou Andy.

- Talvez ela não tivesse ou não soubesse para onde ir no meio da floresta, não é mesmo? – conjecturou a namorada do brasileiro.

- Muito pouco provável, Amanda – disse M’Bea – A garota era filha de caçadores. Ela conseguiu encontrar água e sabia que plantas utilizar no meio da floresta para conter a hemorragia e as infecções. Ela certamente saberia se guiar na floresta. Estávamos a menos de um dia de caminhada de uma cidade. Dali poderia usar o dinheiro e se arrumar na vida.

- Por que ela não fez isso então? – quis saber Vitor Krum

- Porque quando uma pessoa é ferida e machucada, ela aprende a diferenciar as pessoas boas das pessoas más – explicou Helga – Porque quando alguém salva a sua vida, arriscando a própria vida, você não pode simplesmente deixar essa pessoa morrer, ainda que seja um jovem arrogante. E algumas pessoas, mesmo feridas, são capazes de perceber quando encontram o amor da sua vida – acrescentou com os olhos brilhando e uma lágrima correndo por sua face.

- Você era a garota! – constatou Gina abismada.




Nos meses seguintes, Toni M’Bea definitivamente voltou a fazer parte da espécie humana. Denunciou à Federação Internacional dos Bruxos a ocorrência daquelas competições absurdas de quadribol na savana africana. Elas foram reprimidas, embora o batedor tenha a impressão que apenas se transferiram para outros lugares. Um tio de Toni costumava dizer que na luta contra o mal, nós obtemos apenas vitórias parciais. Pelo menos o comércio humano foi prejudicado, embora ele ainda exista clandestinamente, praticado por trouxas e bruxos. O prestígio que sua denúncia obteve nos altos escalões dos governos africanos deram-lhe uma súbita notoriedade, que possibilitou o seu retorno ao mundo do quadribol profissional e nem a sua poderosa família pôde impedir, até porque parecia haver alguns M’Beas envolvidos nas “ligas independentes” e esses não queriam que o seu membro ilustre espalhasse por aí essa informação. Mudou-se para os Estados Unidos, onde durante várias temporadas tornou-se o principal batedor da liga de quadribol daquele país. Ouvira informações esparsas sobre a sua antiga companheira Shapiro. Anos depois ela também jogaria no quadribol profissional, embora preservasse a fama de crueldade. Felizmente nunca mais haviam se cruzado, pois sempre acontecia de jogarem em países diferentes.

Era uma tarde de verão em Nova Iorque. Toni esperava pela moça bonita que saía de uma aula do curso de enfermagem de uma universidade conceituada. A garota morava sozinha e o africano pagava os seus estudos com os polpudos ganhos do quadribol. Quando viu o gigantesco rapaz negro, despediu-se de suas amigas, com quem conversava animadamente caminhando pelo campus.

- Ora, ora, o meu generoso patrocinador – brincou a moça, dando um beijo no rosto do rapaz. Ele era tão alto que ela teve que ficar na ponta dos pés para isso.

- Minha aluna exemplar – brincou. Não conseguia ficar confortável na presença da jovem. Mesmo anos depois da fuga deles da África e de tê-la trazido para a América. Ficaram amigos, mas pouco se viam, falando-se quase que apenas por cartas.

- Não sei como agradecer a você, Toni. Daqui um ano eu me formo.

- Que legal – disse ele, tentando passar uma alegria que não sentia – Você poderá ganhar seu próprio dinheiro e esquecer que um dia conheceu o mundo bruxo.

- Eu nunca vou esquecer de um “certo” bruxo. Você sabe disso.

Ambos se sentaram num banco de um dos belos jardins que adornavam o campi universitário.

- Escute...

- Não, você me escute! – disse a moça contrariada – Se você não gosta de mim, eu posso compreender. Se você tiver alguma garota, eu vou torcer para que você seja feliz com ela. Do contrário, você está sendo um idiota. Eu amo você, Toni M’Bea. Eu gostaria de passar a minha vida inteira ao seu lado. Você salvou a minha vida e eu salvei a sua. Isso faz de nós um bom time, não? – tentou brincar a jovem, mas os seus olhos estavam brilhando.

Ele passara os últimos anos dizendo para a garota e para si mesmo que não era digno dela. Tentando inutilmente manter apenas uma amizade fraterna. Mas falhara miseravelmente. Ele a amava. E ali, naquele jardim ensolarado, o batedor mais famoso do mundo, tomou a decisão mais corajosa da sua vida desde que salvara a menina da escravidão naquela longínqua savana africana. Ele a beijou pela primeira vez de verdade. Não aqueles beijos de amigos que tinham trocado anteriormente. Um grande beijo. E se arrependeu de não ter sido assim tão corajoso antes. Principalmente porque descobriu, maravilhado, que o beijo era correspondido.

- Você me quer só para você? – Helga repetiu a mesma pergunta que anos trás, numa clareira africana, ficara sem resposta.

- Pode apostar – respondeu Toni M’Bea, beijando-a novamente.


- Nossa! – suspirou Amanda.

- Caracas! – exclamou Rony novamente.

- Que lindo! – disse Toledo à beira das lágrimas.

- Bem, o final é mais ou menos feliz, eu acho – brincou Helga, mas visivelmente emocionada – Doze anos de casados, três filhos, amigos maravilhosos, sobreviventes de uma guerra.
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- Que história! – dizia Gina para Harry enquanto passeavam pela propriedade – O rapaz usava a varinha para aquecer os arredores, uma vez que mesmo sendo verão, uma brisa suave soprava um pouco fria naquele momento.

- Mas isso prova uma coisa – falou Harry muito sério.

- O que? – perguntou a ruiva.

- Hermione, que é muito melhor do que eu com as palavras, poderia tecer algum comentário muito esperto sobre a história de Toni e Helga. Eu só posso dizer uma coisa.

- E que coisa seria? – a curiosidade agora era evidente na jovem.

- Algo sobre o amor. E como as pessoas que amam superam os obstáculos, eu acho.

- E perdoam as idiotices do passado – completou a garota.

- E continuam amando... Eu não posso viver sem você, Gina – desabafou Harry – Eu nunca pude.

- E você não viverá – respondeu a garota, abraçando-se ao moreno e beijando-o como não fazia há muito tempo. E o melhor de tudo foi a maneira como ele correspondeu ao beijo. A brisa fria foi esquecida e de repente havia muito calor em volta.






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