DOMINGO



Hermione estava furiosa. Não que Draco Malfoy a tivesse ofendido. Ao contrário. Nunca pudera imaginar o ex-sonserino tão gentil e educado. Mas ele havia lhe contado as suas suspeitas acerca dos problemas do seu amigo Harry Potter e ela estava furiosa consigo mesma.

- Bem, Granger, posso estar enganado. Apenas conheço por experiência própria os sintomas. Mas não tenho formação médica como você. E sei que Potter não se abrirá comigo.

Era tão óbvio! Rony e Gina já tinham lhe falado sobre os problemas de Harry. Falta de apetite, falta de concentração. E aquele pesadelo terrível! Draco havia mencionado momentos fugazes de euforia. Tudo apontava para...

- Qual a sua real preocupação com Harry, afinal? – perguntou subitamente Hermione – É bem surpreendente essa história de inveja e essa sua afirmação de que Harry tinha a nós...

- Uma das frases mais sinceras e honestas que eu disse na minha vida foi que o mundo estava melhor com Harry Potter vivo e o Lorde das Trevas morto. Pena que ninguém acreditou que eu estava sendo sincero – afirmou Draco aborrecido – Pessoas simpáticas aos velhos Comensais da Morte acham que eu só faço jogo de cena e os que combateram o cara também acham. Não estou me queixando – disse antes que Hermione o interrompesse – Eu fui um imbecil e é justo que pague algum preço por isso.Mas, sinceramente acho que é muito triste Harry Potter também pagar algum preço. Eu não esqueci que ele podia ter arruinado a minha vida, mas não, ele bancou o cara decente, dizendo pra aquele júri, que estava louco pela minha pele, que não havia provas que eu algum dia tivesse sido um Comensal.

- O que era verdade, não? – questionou-o Hermione com uma ponta de desconfiança.

- Claro, Granger. Eu não tinha peito, entende?

- Bem, o que faz de você uma pessoa melhor do que você mesmo se julga.

- Obrigado – disse Draco com sinceridade – Tentei falar com seu amigo, mas é óbvio que ele não me ouviu. Tentei até ameaçá-lo discretamente.

- Isso realmente não dá bons resultados – disse Hermione de maneira sombria – Pelo pouco que li sobre o assunto, quanto mais a pessoa é pressionada, mas ela se refugia. Devemos tentar fazer com que Harry se abra. Só assim ele estará pronto para resolver o problema. Ou só quando ele tiver uma crise muito séria – disse a medibruxa com o semblante preocupado.

- Realmente não queria ver o Potter se afundar, Granger. Principalmente porque o time o qual eu presido depende dele.

- Harry é tão bom como falam mesmo?

Draco riu muito com a pergunta da jovem. Foi surpreendente ver o loiro rindo de maneira franca, sem estar tentando humilhar as pessoas. Era uma risada honesta, embora Hermione tivesse percebido depois de um momento que o bom humor do outro tivesse sido provocado pela crônica ignorância dela sobre o esporte mais popular dos bruxos.

- Desculpe, Granger – disse controlando-se – Você não acompanha quadribol, não é mesmo?

- Na verdade, não assisto uma partida desde que saí de Hogwarts. Eu só assistia aos jogos por causa de Harry, Rony e Gina.

- Imaginei que só o seu amigo ignorasse o próprio talento. Potter é o maior jogador de quadribol em atividade. Dentro de alguns anos, talvez ele se torne o maior jogador de quadribol de todos os tempos. Acho que é o único cara hoje que sabe jogar tanto de artilheiro como de apanhador com o mesmo talento. Tudo bem, tem o Krum que também é muito bom, tem aquela garota da Irlanda. Mas nenhum deles faz com a vassoura o que o seu amigo faz. Parece que ele nasceu montado em uma. É o jogador mais “excitante” do momento, como dizem os jornais esportivos. Tive sorte de contratá-lo pela quantia que ofereci.Só por que ele não liga para dinheiro. Australianos, italianos e espanhóis pagariam o que ele pedisse.

Hermione sorriu ao lembrar do primeiro ano deles em Hogwarts. Havia presenciado Harry, que nunca havia sequer visto uma vassoura de corrida, rasgar os céus atrás de Malfoy que o tinha provocado. Tornara-se o mais novo apanhador de Grifinória em um século.

- Sabe, Granger, Potter é ótimo jogador, rico, desejado pelas mulheres, qualquer outro sujeito seria feliz tendo a vida dele. Só vocês, os amigos, podem saber o que ele tem. Mas, se você quiser a minha opinião, acho que ele precisa de uma garota. Uma namorada apaixonada. Mas eu acho que todos precisamos disso, não é mesmo? – Draco olhou estranhamente para Hermione após a última frase. Aquilo era um conselho ou uma cantada? Era só o que faltava: ser cortejada por Draco Malfoy.

- Mas, eu tenho também uma proposta para lhe fazer – disse o loiro num tom de voz mais imparcial.

- Proposta?

- Exatamente. Todos os times de quadribol profissional serão obrigados a ter um medibruxo habilitado entre os seu quadros, responsável pela avaliação física e tratamento das contusões dos jogadores. Ninguém ainda os obriga a estarem presentes nas partidas, mas na Itália e na Espanha, onde os caras estão mais adiantados do que nós em termos de organização, os médicos ficam também no campo durante o jogo. A Liga Inglesa e o sindicato dos jogadores provavelmente vão exigir isso também por aqui.

- Você está me oferecendo o que eu estou pensando que está?

- Bem, talvez não seja um trabalho tão emocionante como o do setor de pesquisas do St. Mungus, mas certamente o salário é melhor. Não é o mesmo salário dos jogadores mas...

- Eu aceito.

- Você o quê?

- Aceito. Quando começo? Ah, e antes que eu me esqueça, no primeiro pagamento, por favor desconte os dez galeões que você perdeu dos seus amigos sonserinos. Minha vida amorosa continua não sendo da conta de ninguém – disse de maneira firme a garota, arrancando mais risadas de Draco Malfoy.

Aquela era realmente uma ótima garota.
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Dentre as várias coisas que o mundo mágico dizia de Toni M’Bea, o genial batedor africano, certamente a mais improvável seria o fato dele ser um homem bastante religioso. Não que seguisse uma religião institucional propriamente dita. Apenas era um homem que acreditava em Deus e se considerava cristão. Conhecia o suficiente do mundo para saber que existiam o bem e o mal e que os homens, bruxos ou trouxas, eram os principais responsáveis por eles. Por isso gostava de freqüentar igrejas, rezando para que Deus desse sabedoria aos homens e ajudasse seus amigos. Nunca pedia nada para si próprio, pois julgava isso o máximo do egoísmo. Rezava pela sua esposa, pelos filhos e até pela saúde dos hipogrifos que criava na sua terra natal, Uganda.

E ultimamente rezava bastante também para que o Criador desse paz ao seu amigo Harry Potter, que obviamente tinha algum problema, mas que era cabeçudo demais para pedir ajuda aos amigos. Sempre preferiu as igrejas católicas ou as anglicanas (afinal Deus era um só!), que eram calmas e as pessoas não tinham o hábito insuportável de ficar gritando como em algumas igrejas evangélicas.

Geralmente ia cedo à missa e só chamava alguma atenção pelo seu tamanho avantajado e pelas vestes africanas exuberantes que costumava usar. Bruxos não costumavam freqüentar igrejas, mas às vezes algum bruxo religioso como ele o abordava ao reconhecer o “Hipogrifo Africano” e lhe pedia discretamente um autógrafo. Infelizmente Helga, sua esposa, não compartilhava de sua religiosidade e ele não podia culpá-la. Não depois de tudo que ela havia passado sendo pouco mais do que uma criança. E era bastante boa mesmo sem possuir convicções religiosas. Suas ações faziam dela uma autêntica cristã, muito mais do que alguns hipócritas que freqüentam igrejas.

Ao fim da missa, cumprimentou educadamente algumas pessoas que sempre o viam naquela igreja anglicana quando não estava em viagem jogando quadribol. Helga esperava por ele à porta do automóvel que haviam comprado há pouco tempo. Ela gostava de dirigir e sempre saía cedo aos domingos para comprar algumas revistas e jornais trouxas, uma vez que eles haviam alugado uma casa relativamente longe do centro de Londres.

Estava radiante com roupas brancas leves de verão. Ele sabia que era um sujeito de sorte por ter uma esposa maravilhosa depois de tudo o que havia aprontado na sua juventude, quando havia sido decididamente idiota e desmiolado. Realmente não podia reclamar do “homem” lá encima.

Helga dirigiu até a entrada do Beco Diagonal. Depois de passarem pela estalagem, caminharam de mãos dadas até a sorveteria do Florean, em cima da qual moravam Rony e Harry. Como eram amigos, a porta encantada abriu-se para a sua passagem. Subiram as escadas e entraram no apartamento. Algo não estava certo, logo perceberam.

Uma das poltronas estava virada, como se alguém tivesse caído sobre ela. O mal cheiro que impregnava o carpete macio da sala não deixava dúvidas que alguém havia vomitado sobre ele. Silenciosamente ambos torceram (e Toni rezou) para que fosse apenas Rony com ressaca. A alternativa era bem mais sombria. Infelizmente Rony saía do quarto nesse momento, apenas de calção e com a cara bastante amassada de sono, mas parecendo muito bem disposto.

- Merda! – exclamaram Toni e Helga ao mesmo tempo.

- O mesmo para vocês – ia dizendo o ruivo de bom humor, quando viu a poltrona virada e sentiu o cheiro inconfundível no carpete – Merda! – repetiu também.

O barulho que veio do banheiro era inconfundível de alguém caindo e derrubando coisas. O casal e Rony correram até a porta, que Tony, sem paciência para conjurar feitiços abriu com um pontapé. O que viram não foi nada agradável. Harry estava caído e uma das mãos e o braço estavam cortados. O vidro de algum remédio que havia pegado havia se estilhaçado com a queda e o havia ferido. Mas fora isso, ele não estava nada bem. O corpo, seminu, tremia com convulsões.

- Afastem-se – disse Helga com muita autoridade. Na falta de Hermione, ela era a pessoa mais indicada para cuidar de ferimentos. Feitiços de cura são muito difíceis e só curandeiros experientes conseguem executá-los sem piorar mais ainda a situação da pessoa enferma. Felizmente a esposa de Toni era enfermeira diplomada. Embora fosse completamente trouxa, sabia muito bem cuidar de ferimentos. E, sobretudo, sabia muito bem reconhecer um dependente químico quando via um.
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- Não, mamãe, não é como seguir o circo, sabe? – dizia Hermione de maneira contrariada para a sua mãe.

Lá fora fazia um domingo realmente bonito e ela havia saído bem cedo do apartamento dos amigos, deixando um bilhete, dizendo que ia visitar os pais. Os Granger ficaram muito felizes e surpresos de receber a filha. Hermione não via muito os pais desde que havia se formado.Curiosamente, depois da guerra e de todos os riscos que enfrentaram, o pai e mãe da jovem haviam se tornado superprotetores e esperavam que ela fosse viver no mundo trouxa. Isso gerou muitos atritos.

Os Granger agiam como se ser bruxa fosse apenas uma mania de adolescente como montar uma banda de rock de garagem ou usar piercing na sobrancelha. Ela teve que lhes explicar, algumas vezes aos berros, que ela era uma bruxa. Que o mundo mágico era o seu mundo, gostassem ou não disso. E que não ia desistir dele agora que a guerra havia acabado e que ela corria menos riscos do que em qualquer momento desde que ficara amiga de Harry Potter.

Desde então os seus pais haviam desenvolvido uma certa ojeriza por tudo relacionado ao mundo mágico em geral e Harry Potter em particular, o que incluía um certo ruivo grandalhão que ousara se tornar namorado de sua amada filha. Os Granger foram as únicas pessoas na face da terra que não ficaram frustrados com o fim do relacionamento de Rony e Hermione. De alguma forma, julgavam que o namorado impedia a volta da filha ao “mundo normal”. Inclusive o relacionamento deles com a jovem havia melhorado após o rompimento. Até se conformaram quando ela passou a trabalhar no St. Mungus, que sabiam que era um hospital, portanto, de alguma forma, a filha tinha um emprego realmente responsável. Diferentemente do ex-namorado e do amigo (que diziam ser uma celebridade no mundo mágico) que praticavam algum esporte estranho com vassouras e sabe-se lá o que mais. Por isso quando a jovem relatou que ia desistir do emprego “responsável” para seguir um time de quadribol (“Quadri o quê?”, perguntara o pai. “Não é aquele jogo com vassouras que seus amigos jogam?”), seus pais não se conformaram. Sobretudo porque ficaria de novo perto de Harry Potter e do ruivo, pessoas que haviam virado a cabeçada da jovem, na opinião dos Granger.

- Pela última vez, é um emprego como outro qualquer! – dissera Hermione contrariada – Eu não vou sair voando de vassoura atrás de uma bola, ao contrário do que o papai falou. Os médicos ficam no chão. E eu nunca gostei de voar.

Foi nesse momento que a campainha tocou. Distraída, Hermione achou melhor continuar comendo sua sobremesa favorita (sem açúcar, afinal seus pais eram dentistas), contente com a interrupção da discussão. Momentos depois, visivelmente contrariado, seu pai voltava até a sala de jantar seguido por um constrangido Rony Weasley. Hermione nem mesmo se deixou surpreender pela visita inesperada. Deixando de lado a sobremesa, levantou-se rapidamente e encarando o ruivo perguntou:

- O que houve com o Harry?



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