Não Quero Ouvir



Capítulo XXXVIII


Não Quero Ouvir


 


            Mas, como tudo estava muito perfeito, senti a ponta de uma varinha encostar no meu pescoço e um forte arrepio percorreu meu corpo.


 


            Harry moveu lentamente a cabeça e sussurrou alguma coisa tossindo logo em seguida. Uma lágrimas involuntária correu meu rosto pousando no concreto.


 


- Eu estava esperando você. - Aquela voz.


 


            A voz aveludada que eu esperava ouvir virou aquela mesma voz que dizia que era um comensal, que acusava Harry de tudo aquilo que aconteceu conosco. Eu duvidei dele e ele teve coragem.


 


- Larga a varinha. - Ordenou pressionando minha nuca com mais força.


 


- Draco, vamos-


 


- LARGA A PORCARIA DA VARINHA! - Disse todas as palavras em alto e bom som, pausando para tomar fôlego nos intervalos.


 


            Joguei a varinha longe e ergui as duas mãos perto da cabeça.


 


 - Por que não pegar o namoradinho de Londres para ter a mulher mais cobiçada tanto no mundo das trevas, como no faz de conta que você vive? - As palavras ficaram cada vez mais perto, eu passei de desesperada para furiosa. - Eu não posso contar um épico se nada acontecer, não é Hermione? - Seu sarcasmo estava ultrajante.


 


- Cala a boca. - Soltei entre os dentes fechando os punhos e abaixando os braços.


 


            Ele riu, andou um pouco e me deixou livre da varinha pro alguns segundos. Virei-me para ele com olhos de ressaca, sem vida e sem emoção. Eu queria demonstrar raiva, rancor ódio, mas estava presa a uma imagem de antigamente: ele falando que me amava, falando que eu era tudo para ele, que era a melhor coisa que tinha lhe acontecido em sua vida.


 


- Você está muito arisca, Hermione. - Andou um pouco até uma poltrona rasgada que tinha em um canto. Sentou-se com uma das pernas no braço do móvel e ficou brincando com sua varinha.


 


            Tinha conservado sua aparência como da última vez que o vi, mas reparei que estava mais cansado, debilitado e talvez, mais magro. Só Deus sabe o que aconteceu com ele.


 


- Eu fiquei realmente surpreso quando vi que você não correu instantaneamente atrás do Potter.


 


- Eu fui impedida. - Ficou sério e me olhou. - Você sabe, como ninguém, que eu daria minha vida por ele.


 


- Mentira. - Soltou rapidamente.


 


 - Fale, Malfoy, o que você quer? Chamar atenção? Conseguiu, até Dumbledore está atrás de você. - Levantou-se. - Todos os Auror, todos os bruxos do Ministério. Todos estão atrás de um moleque mimado que não consegue fazer nada sem seu querido papaizinho.


 


            Ele fechou os punhos e se aproximou de mim bruscamente, parando centímetros do meu corpo. Sua respiração gelada no meu pescoço e seus olhos cinzas nos meus me deixaram um pouco desorientada.


 


- Por que não acabamos logo com isso? - Sugeri fracamente, quase em um sussurro. - Eu já acertei minhas contas com quem merecia, eu já vinguei a morte dos meus pais. Você não tem nada a ver com isso, você é uma reação da raiva dos seus pais. Pare de levar as coisas ao pé da letra...


 


- Eu não estou levando nada ao pé da letra. - Soltou entre os dentes.


 


- Sua rivalidade com o Harry, - Olhei discretamente para ele que tentava achar os sentidos. - sua estúpida briga com ele por causa de um amor que você sabia desde o começo que nunca seria completamente seu.


 


            Não sei se o feri completamente, ou ele ficou refletindo esse lado da vida, mas não disse nada, deixou que eu falasse, sem nenhum movimento, interrupção ou suspiro da parte dele.


 


- Todos estão atrás de você e do Harry, quando descobrirem que eu e Ron fugimos, eles também virão atrás de nós. Você sabe que está perdido se continuar com isso, você só quer ficar livre, não é? Na sua casa você poderá ficar seguro, quem sabe, mudando de país você consiga ficar longe disso por um tempo, e todos esquecerem quando você voltar? Tudo é possível, Draco.


 


            Ele me olhou longamente e ficou ereto, apertando a varinha com uma das mãos.


 


- Você – Começou molhando os finos lábios. -  não quer eu vá preso, não é?


 


- Não. - Deixei uma lágrimas escorrer.


 


- Por que?


 


- Porque eu vejo futuro em você.


 


            Meu Merlim, Hermione, não sei se você está mentindo descaradamente ou está falando a mais pura verdade!


 


- Francamente... - Soltou o ar que foi até a cadeira onde Harry estava.


 


            Meu coração ficou na boca.


 


- Olha, - Comecei já receosa. - se você fosse daquele jeito que eu gostava todos os momentos dos seus dias, com todas as pessoas e não só com uma que você achou 'bonita' um dia desses, quem sabe você não se sinta melhor? - De costas para mim, apenas virou o pescoço lentamente, olhando de canto de olho. - Eu não sei como você está sentindo, eu nunca perguntei a nenhum comensal como ele estaria se sentindo depois de ter feito uma matança, mas eu tenho quase certeza que não é a melhor sensação do mundo...


 


- Por que está me dizendo essas coisas?


 


- Eu acredito em você.


 


            Ele suspirou.


 


- Mas eu não acredito em mim. - Apertou a varinha no ombro ferido de Harry e o fez urrar.


 


- Pare! - Implorei chorando.


 


- VOCÊ CHORA POR ELE! - Apertou mais um pouco. - VOCÊ IMPLORA POR ELE! - Começou a sangrar. - VOCÊ VIVE POR ELE, HERMIONE! SE ELE MORRER, TALVEZ VOCÊ VIVA POR MIM!


 


            Como uma faca com duas lâminas, fui atingida no interior do meu coração. Por que eu estava passando por isso agora?! Será que não basta tudo que eu sofri? Será que não consigo ficar um minuto sem me ferir?!


 


- A VIDA DELE É MAIS VALIOSA DO QUE A SUA? - Perguntou virando para mim, vermelho de tanto fazer força para gritar. - A VIDA DELE É MAIS VALIOSA DO QUE A MINHA?!


 


            Voltou a machucá-lo, dando um soco em seu rosto.


 


- PARE! NÃO QUERO OUVIR! - Caí nos joelhos, chorando horrores.


 


- VOCÊ NÃO QUER OUVIR A VERDADE?!


 


- PARE! POR FAVOR...


 


- SE ELE VIVESSE POR VOCÊ, ELE NÃO TERIA TE ABANDONADO POR TANTO TEMPO! ELE NÃO TERIA TE MACHUCADO DURANTE ESSE ANO! EU SEMPRE TE CONSOLAVA! EU SEMPRE DEIXAVA SEU DIA MAIS FELIZ! - Me levantou pela gola da minha camiseta, me deixando quase sem ar. Uma mistura de medo, choro e sufocamento. - Eu nunca te magoei como ele te magoava...


 


            Soltou-me brutalmente no chão. Eu fiquei estendida por alguns segundos, chorando e chorando, sentindo meu corpo tremer e minha vontade de viver se esvair.


 


- Ele não te ama como eu te amei...


 


- Você- - Sussurrei tentando me erguer. - você-


 


- ELE É HARRY POTTER! O ESCOLHIDO! O GRANDE ESCOLHIDO PARA MORRER!


 


            Apoiei uma das mãos no chão e senti minha varinha debaixo dela. De repente, comecei a ver tudo acontecer bem devagar. Draco ergueu sua varinha para Harry, Ron acordou aos poucos. O olhar calejado de Harry se levantou para o loiro e logo uma luz verde começou a sair da ponta da varinha.


 


            Ao contrário da cena, tudo que eu fazia era rápido de mais. Ergui minha varinha para sua mão e o desarmei. Quando a varinha pulou de sua mão, Draco moveu-se rápido e normalmente.


 


            Não acreditava naquilo que estava vendo.


 


            Por milésimos de segundo, Harry estaria morto. Ron sacou sua varinha e pressionou contra o pescoço de Malfoy, jogado no chão. Piscando algumas vezes, me levantei rapidamente e fui ao lado do loiro olhando aquele ser com ódio e repulsa. Ele tentava se mover, mas a cada milimetro movido, Ron apertava ainda mais a varinha.


 


- Você está apenas uma palavra da morte, Malfoy. - Soltou o ruivo com extremo ódio.


 


- Eu não quero ouvir mais nada. - Sussurrei enquanto ele me olhava.


 


- Então, não escute.


 


            Naquele exato momento, passou uma rápida rasteira em Ron e ele foi ao chão, desarmado. Não consegui pegar minha varinha a tempo, então, ele me puxou pelos cabelos empurrando a varinha que roubara de mim em meu peito, contra meu coração. Ficou atrás de mim, sussurrando coisas inaudíveis no meu ouvido, encarando Ron se levantar a procura de alguma arma.


 


- PARADO! Ou eu mato ela. - Ele obedeceu.


 


            Vou parar de descrever o que eu estava sentindo. Cada pessoa que está lendo isso, tem certeza que está aflita como eu, esperando o que vai acontecer logo depois.


 


- Nunca pensei que faria isso com você. - Sussurrou para mim.


 


- Larga essa varinha, Malfoy! - Ordenou Ron levantando-se lentamente.


 


 - Quem você pensa que é para mandar em mim, seu verme?


 


- Um ser humano acima de você.


 


            Pressionou a varinha contra meu peito mais forte, e Ron deu um passo.


 


 - Qual parte do 'parado' você não entendeu, topera?


 


            Deu alguns passos e me puxou com ele.


 


- Malfoy, largue-a agora. - Mais alguns até a sua poltrona. - Se você a matar, com certeza estará morto logo depois.


 


- Você sabe que não é bem assim que funciona, Weasley. - Me jogou naquela poltrona e a enfeitiçou para prender meus dois pulsos e meus pés.


 


- Todo o Ministério deve estar vindo para cá, eles são cães farejadores, descobrirão seu cheiro antes que consiga fazer qualquer coisa.


 


- Antes dele chegar, o Potter vai estar morto.


 


- Isso se eu permitir.


 


            Malfoy deu uma forte risada e deu alguns passos perto do ruivo.


 


 - Duvido que você impeça, afinal, você só é a parte 'cômica' da história. - O ruivo apertou os punhos. - Você- - Apertou seu punho e empunhou a varinha. - vai matá-lo. Imperius!


 


            Ele não fez isso.


 


            Ron sentiu como seu corpo estivesse duro. Minhas lágrimas se cessaram e o desespero começou a tomar conta do meu corpo. Ele se abaixou e pegou uma varinha que estava jogada no chão, provavelmente a sua. Duro, com o olhar de pânico mas sem nenhuma ação própria, caminhou até a cadeira de Harry.


 


- PARE, DRACO! PARE! POR FAVOR! PARE! - Implorei gritando, tentando me mexer na cadeira, pulando e gritando.


 


            Parando exatamente na frente de Harry, o moreno ergueu seu rosto desesperado para o amigo. Com os lábios colados, impedindo que ele fale, começou a gemer e se mexer na cadeira.


 


- DRACO! PENSE NO QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, POR FAVOR! O QUE VOCÊ VAI GANHAR COM ISSO?! POR QUE VOCÊ QUER TANTO MATÁ-LO?!


 


            Ele não dizia nada, ficava com um sorriso de canto de boca, encarando a cena com o maior prazer.


 


- EU ESTOU TE IMPLORANDO!


 


            Ron ergueu a varinha até sua testa.


 


- DRACO! - Gritava e chorava mais do que nunca. - POR FAVOR! EU FAÇO TUDO QUE VOCÊ QUISER!


 


            Ele olhou instantaneamente para mim e Ron ficou imóvel.


 


- Tudo... - Meus olhos não tinham mais forças para chorar.


 


            Eu tenho certeza que Draco ficou tentado em matá-lo, mas mandou que Ron abaixasse a varinha e logo depois, retirou-lhe o feitiço deixando o ruivo desacordado. Harry gemia de raiva, queria se soltar, queria acabar com a raça daquele loiro desgraçado, mas não conseguia.


 


            Lentamente, senti a poltrona me soltar. Senti o sangue novo correr pelas minhas veias, mas não tinha vontade nenhuma de viver. Eu tinha praticamente ganhado essa guerra, mas tinha perdido a batalha, e isso estava me matando.


 


- Por que você é assim? - Soltei passando a mão nos meus punhos e suspirando de tando chorar. - Por que você quer ver o sofrimento dos outros?


 


- Meu sangue pede isso.


 


- Seu sangue não pede nada. - Levantei-me. - Quanto mais você quer matar, menos coragem você tem. Você não teve coragem de matar o Harry, mandou que o seu melhor amigo fizesse isso, e ainda não conseguiu finalizar.


 


- Você me impediu.


 


- Dane-se, se fosse um comensal de verdade, tinha me matado e depois acabava com os dois.


 


            Sim, eu tinha pirado.


 


            A atenção de Draco tinha virado completamente para mim.


 


- Você sempre teve todas as oportunidades nas mãos, mas não conseguiu aproveitá-las.


 


- Do que está falando?! - Perguntou com um ponto de interrogação no rosto.


 


- Se o seu sangue pedisse, enquanto eu dormia do seu lado, você teria me matado. - Comecei a dar passos na sua direção. - Se o seu sangue pedisse, você tinha colocado veneno no meu suco. Se o seu sangue pedisse, eu não estaria aqui, te ameaçando. - Cheguei bem perto.


 


- Você está falando da boca para fora. - Disse entre os dentes.


 


- Nunca fui tão sincera.


 


            Seus olhos cinzas penetraram nos meus.


 


- Quero que você saiba que- - Suspirei abrindo um pequeno sorriso de canto de boca. - eu não sou a mesma que você pegou naquele corredor. - Sussurrei bem perto do seu ouvido, sentindo aquele perfume de vilão. - Não sou aquela que você sabia que estava lá quando você quisesse.


 


            Molhei os lábios e suspirei sensualmente.


 


- Eu mudei, Malfoy e você- - Encarei novamente. - caiu direitinho.


 


            Revirou os olhos e caiu no chão. Sorri ao ver a face de Tonks na minha frente e corri para abraçá-la, voltando a chorar.


 


***


 


            Quando Draco começou prestar atenção em mim e somente em mim, ele perdeu a noção de espaço, som e ambiente. Não percebeu a entrada dos Auror no local, muito menos percebeu que eu tinha mudado da água para o vinho, da desesperada para a séria e sarcástica.


 


            Eu vi Tonks quando a poltrona aliviava meus pulsos e logo entendi que tinha que atacar o quanto antes, sem varinha, sem feitiço, sem armas algumas, apenas com as palavras, fazendo ele ficar desarmado, ficar na retaguarda. Eu sabia que aquela era a última vez que eu veria Draco Malfoy -  e esperava que fosse.


 


            A metamórfica me acalmou durante uns dez minutos, pois eu não parava de chorar. Ron, depois de tomar uma poção estimulante, acordou desesperado também, três Auror tiveram que segurar em seus braços e pernas já que estava muito agitado. Não acreditava que tivesse sido vítima de uma maldição, chorava feito uma criança, as vezes até chamava sua mãe.


 


            Fiquei com medo por ele, parecia que ia enlouquecer. Harry foi solto aos poucos, aquele feitiço que Draco o colocara era completamente difícil de ser desfeito. Como não conseguia colocar os pés no chão por estava fraco e debilitado, levitaram seu corpo até  superfície, depois, aparatou até o Hospital.


 


            Eu não fui consultada dessa atitude, mas não liguei, estava tão perturbada que não queria conversar com ninguém. Lá fora, Molly, Arthur, Dumbledore, Minerva, Hagrid, mais algumas pessoas que eu não queria ver. Molly foi me dar um abrço, mas Tonks a impediu falando que só depois que eu me recuperasse um pouco.


 


            Deixei todos ali e segui andando por aquele beco até as ruas de Londres.


 


            É, eu estou vendo aquelas luzes de novo. Sentada naquela cadeira, vendo Ron quase matar Harry, tudo passou por mim: desde o que eu perderia se morresse naquele episódio até a dor de viver sem um dos dois para me acompanhar.


 


            Será que, no mundo, existe pessoa mais azarada como eu? Será que agora eu possa viver, pelo menos, um verão em paz?


 


            Não posso negar que depois que eu aceitei estudar em Hogwarts, minha vida pacata virou de cabeças para o ar. Monstros, bruxos do mal, comensais, assassinos, criaturas, cobras gigantes, sereias famintas e tudo mais de ruim que me aconteceu foi apenas a reação de aceitar o ingresso nessa nova vida.


 


            Se eu não aceitasse o convite feito por Dumbledore, talvez tudo isso estaria tão calmo e pacato.


 


            Sinceramente, estaria sem graça.


 


            Abracei os próprios braços, tentei limpar o rosto das gotículas de sangue que saíram do meu nariz em algum episódio e as marcas de terra e sujeira da minha roupa. Lá fora, sou como qualquer pessoa, como qualquer menina prestes a fazer dezoito anos, decidida e confiante, bonita e um pouco inteligente. Aqui, dentro desse novo mundo, sou especial, nascida trouxa e inteligente de mais para uma garota de quase dezoito anos, nada decidida e pouco corajosa, bonita e namorada do bruxo mais importante do mundo.


 


            Dane-se.


 


            Todos nós estamos praticamente bem. Sim, eu e Ron quase demos nossa cabeça em uma bandeja para salvar o irresponsável do meu namorado, mas estamos bem, não estamos?! Se não fizermos isso mais vezes, a vida pode cair na rotina.


 


            Daqui para frente é assim: Viva a vida intensamente. Não sabemos se amanhã estaremos vivos ou não. Fazemos planos idiotas e automáticos como 'amanhã irei lavar o carro', 'amanhã irei visitar minha mãe'. Ninguém sabe se de noite seu carro pode chegar a explodir ou sua mãe morrer dormindo. Vivemos de certezas e não de suposições então, acredite que você é capaz de fazer as melhores coisas  para melhorar seu dia, sem pensar no amanhã.

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