O Segredo



Capítulo XXXIII


O Segredo


 


            Eu precisava ser acordada antes de ser devorada pelos meus sonhos. Minha cabeça estava cheia de pensamentos, eles se juntaram e formaram um sonho contínuo que nunca acabava. Era sufocante mas ao mesmo tempo, me confortava e afagava minha angústia.


 


            Se eu estivesse morta, eu, talvez, tinha reencarnado em alguém ou estava olhando tudo de lá de cima. Por que estou presa? Grudada com os pés no chão?


 


            Respirar um ar puro, sentir minhas costas se movimentarem, correr por um campo sem fim em uma linda tarde.


 


            Pensamentos fúteis como um final de semana com as amigas e o outro na casa de praia com meus pais. Horas sentada naquela biblioteca aprendendo, aprendendo e aprendendo. Conversando sobre as coisas mais macabras com as melhores pessoas do mundo.


 


            Qual é o sentido da vida se não é viver para morrer?


 


            Um leve ruído me despertou, tirando meus pensamentos pesados. Meus olhos pareciam carregados, não queriam abrir de jeito nenhum. Sentia que meu braço esquerdo estava mais quente que o direito e meu dedão estava gelado. Abri as narinas querendo o máximo de ar e senti um cano passando pela minha laringe, faringe e tudo mais que compunha o tubo respiratório.


 


            Esse é o sentido da vida?


 


            Molhei os lábios totalmente secos e ressecados com um pouco de saliva que tinha na boca e senti uma mão apertar a minha. Meus dedos se contrariam lentamente com a pressão que exercera e logo pude sentir minhas terminações livres. Movi a cabeça e meus olhos finalmente abriram. Um grande clarão e um vulto preto bem no centro me deixaram alguns segundos a focalizar a imagem perfeitamente.


 


            Lá estavam aqueles óculos tortos me olhando com mero e lindo sorriso no rosto, com os olhos lacrimejados e a incrível vontade de me agarrar e me beijar naquele local que ainda não tinha identificado.


 


            Sim, o real sentido da vida.


 


            Minha boca abriu mais nenhuma palavra saiu. Olhei dos lados sem mexer a cabeça e reconheci algumas coisas, como aparelhos respiratórios, desfibrilhadores, eletrocardiogramas, chapas da minha cabeça em mesas de luz.


 


- Mione? - A voz bateu fundo e doeu muito.


 


            Meu tímpano vibrou com uma intensidade imensa, como se ele nunca tivesse sido usado. Aquele cano que passava pelo meu sistema respiratório estava me deixando sufocada.


 


- Harry... - Soltei tão fracamente que nem eu ouvi minha voz.


 


- Não fale, estou aqui com você, não se preocupe.


 


            Cada palavra era como uma faca que entrava na minha cabeça. Cada vez que eu respirava, aquele balão enchia de ar, o bip do meu coração ficava mais acelerado e meus olhos doíam com a luz. Apertei seus dedos e logo senti um dos braços imobilizados.


 


- Ela acordou! - Disse uma enfermeira com um sorriso de orelha a orelha. - Como você está se sentindo, querida? - Perguntou empurrando Harry de lado.


 


- Eu-


 


- Não fale, é melhor assim. - Pegou alguma coisa na cabeceira do lado da cama e injetou no soro. - Tônico para os músculos. Vou avisar o doutor. - Saiu com um sorriso e fechou a porta.


 


            Senti todos os meus músculos entrarem em combustão. As queimaduras internas fizeram minhas pernas terem espasmos e meu pescoço torcer sem a minha vontade.


 


            Com a queimação, veio o alívio e a dose alta de adrenalina no sangue, me obrigou a tirar o tubo de dentro das minhas vias. Uma sensação totalmente desagradável.


 


- Você não deveria ter feito isso. - Condenou Harry.


 


            Respirei três vezes melhor, senti até uma gota de suor escorrer pela minha nuca. Tive uma crise de tosse, ele me ajudou a sentar e bater levemente nas minhas costas até ver pequenas gotas de sangue salpicarem no lençol azul bem claro.


 


            Olhei assustado e ele logo chamou a enfermeira novamente.


 


- É melhor tossir, não engula nada. - Ordenou me dando uma pequena vasinha de inox.


 


- Onde estou? - Sentou-se ao meu lado segurando a minha mão.


 


- Hospital St. Mungus. - Analisando o quarto, a coloração das minhas mãos e o cansaço no seu rosto, previ que não tinha sido meus melhores momentos aqui.


 


- Há quantos dias estou assim? - Mais uma tosse e uma escarrada de sangue, me deixando complemente assustada. - Isso é normal?


 


- Duas semanas. - Meus olhos cresceram. - Você se lembra daquela noite?


 


- Claro. - Soltei com os olhos lacrimejados. - E como todos estão?


 


- Bem, bem, muito bem. Estão esperando por você lá no castelo. - Disse num mero sorriso.


 


            Limpei a boca que escorria sangue e deixei o objeto sujo em um canto, voltando a me deixar.


 


- E você? Como está?


 


- Um pouco cansado. Esse sofá não é muito confortável. - Riu lentamente.


 


- Você ficou esse tempo todo comigo?


 


- Sua tia revesava durante o horário das aulas. - Me assustei.


 


- Vocês contaram a ela?


 


- Moody jogou as últimas cinco edições do Profeta Diário nas mãos dela. - Suspirei sentindo o ar queimar.


 


            Queria saber como estava todos, mas estava sentindo o efeito daquela poção passar aos poucos.


 


- E quanto tempo eu ficarei mais aqui?


 


- Alguns dias.


 


- Pra quem ficou duas semanas, alguns dias não são nada... - Disse um pouco emburrada.


 


- E você nem quer saber o que aconteceu com você?


 


            A vontade de tossir veio e eu prendi, corajosamente.


 


- Nem tinha passado pela minha cabeça lhe fazer essa pergunta. - Sorriu. - Mas, já que perguntou, o aconteceu comigo?


 


            Eu tenho certeza que ele se arrependerá de ter feito aquela pergunta.


 


- Você fraturou o braço direito, deve escoriações por todo o corpo, sua testa vai ficar um pouco inchada e- - Pausou, - hemorragia inteira e sangue nos pulmões ... Por muito pouco-- Sua voz começou a ficar mais fraca.


 


            É, eu realmente me ferrei.


 


- Estavam pensando em te transferir para um hospital trouxa, já que o caso era muito grave e nem os curandeiros poderiam fazer milagre... Mas Dumbledore garantiu que você ia sair viva dessa. - Deixei uma lágrima cair sentindo como meu rosto estava gelado. - Você estava vivendo uma sobre-vida esses dias, meu medo de cada noite era dormir e ser acordado com alguma coisa apitando rapidamente...


 


            Senti um forte enjoo, imaginando as cenas mais fortes e as mesmas dores de antes. Aquele pequeno vasilhame não foi suficiente para segurar um refluxo banhado em sangue.


 


***


 


            Eu passei péssimas noites.


 


            Tive febre, hemorragias, vômitos e muita falta de ar. Vários médicos me atenderam, deram poções fortíssimas e me deixou muito debilitada. Com quase uma semana de sufoco, veio a notícia que amanhã eu iria voltar para minha vida normal.


 


            O curandeiro tinha acertado na mão e feito uma poção que reconstituiu todos os meus tecidos internos, deixando todos quase novos. Recomendou que eu tomasse de duas em duas horas mas o gosto daquilo ficava longe de qualquer outra poção.


 


            O tratamento passou a ser direto na veia, me deixando com várias marcas pelas mãos e pelos braços. Existia uma pomada que tirava qualquer hematoma, seja grande ou pequeno. Pedi que Harry comprasse três grandes bisnagas para não faltar.


 


- O Harry poderia estar aqui, não? - Questionei pela quarta vez.


 


- Hermione, Harry ficou com você quase três semanas, sem dormir, sem se alimentar direito...! Quando soube que você ia voltar pra casa, capotou instantaneamente no dormitório. Segundou o ruivo, está dormindo desde ontem à tarde.


 


            Tonks estava incumbida de me levar até Hogwarts. Pegou a minha mala e saiu do quarto junto com Lupin.


 


- E você sabe das recomendações do médico! Nada de exercícios muito violentos e nada de aventuras novamente, ou pelo menos até você melhorar essa coloração.


 


- Eu sei, eu sei... - Bufei indo até o elevador com eles.


 


- Só falta mais um mês de aula, pense que logo, logo você está fora daquele lugar...


 


            Era isso que me assustava mais do que nunca, afinal, depois de Hogwarts, a vida continua sem nenhuma muleta para me escorar. Teria que ser adulta, independente, crescida, decida...! Tudo que não sou até hoje. Suspirei quando saí daquele hospital olhando o sol pela primeira vez, cara a cara, depois de tanto tempo. Já coloquei meus óculos e enfiei as mãos no bolso a caminho de um beco mais vazio.


 


            Iriamos aparatar até Hogsmeade e de lá, iriamos para Hogwarts em carruagens. Eu não sabia se a aparatação me deixaria com enjoos, ou alguma vontade de voltar correndo para aquele hospital, o que eu mais sabia e queria era voltar para Hogwarts.


 


***


 


            Logo, a primeira pessoa que vejo quando chego a Hogwarts, é Hagrid que me cumprimentou brevemente, me livrando de abraços de urso. Brincou, dizendo que agora era pra valer. Entrei no castelo quase de noite e logo parti para a sala de Dumbledore. Tonks e Lupin se despediram antes de eu entrar na sala do bruxo, dizendo que iam fazer visitas regulares, e depois que terminar as aulas, era para eu ir para a Ordem antes de qualquer lugar.


 


            Agradeci por tudo que fizeram por mim esses dias e subi a escada de caracol. O velho bruxo estava sentado em sua mesa, olhando alguns papéis, segurando seu óculos em frente os olhos. Ao ouvir a porta se abrir, ergueu seu olhar para mim e largou tudo para me acompanhar com o olhar até eu me sentar a sua frente.


 


- Como se sente? - Perguntou quebrando o silêncio.


 


- Bem melhor. - Disse torcendo os dedos.


 


- Ótimo! A última vez que fiquei no St. Mungos, me obrigaram a ficar três meses para curar uma urticária... - Suspirou. - Eu tenho certeza que a senhorita tem uma batalhão de perguntas para fazer, mas, deixei-me entender alguns fatos.


 


            Droga.


 


- Por que a senhorita não contou a ninguém sobre seus pais? Mandou um falso documento para McGonagall e fingiu que tudo estava bem durante esse tempo?


 


- Eu não queria que todos passassem a mão na minha cabeça. - Respondi rapidamente. - Mas, eu não enganei o senhor, não é? - Sorri depois de pensar um pouco.


 


- Quando o documento chegou em minhas mãos, eu sabia que algo de muito estranho estava acontecendo. Hermione, eu sei de tudo que passa no Ministério, não preciso que as pessoas me contem. Logo, eu soube dos seus pais e respeitei seu silêncio.


 


- Se o senhor sabia, por que se fez de desentendido para o Ministro? - Ergui uma sobrancelha.


 


- Se eu falasse que eu sabia, ele ia me culpar, a senhorita ia me culpar, e principalmente, Harry ia me culpar. - Consenti com a cabeça. - E quanto ao colar, por que escondeu de todos?


 


- Tonks, Lupin e Moody me disseram que se eu contasse à alguém, eu estaria muito encrencada. - Deu uma pequena risada.


 


- Eu notei que a senhorita mudou muito esse ano que passou. Se envolveu em brigas, suas notas caíram, sempre estava metida em alguma confusão e os professores comentaram o seu desinteresse, creio que não tenha sido por causa dos seus pais.


 


            Fiquei apenas o olhando.


 


- Toda vez que eu tentava me aproximar da senhorita, eu sentia que você se afastava, não queria deixar sua mente livre. Eu nunca consegui uma plena visão dos seus pensamentos como eu consigo com qualquer pessoa. Eu encontrava uma barreira, uma vontade de fugir. Quando entrava na cabeça da senhorita, encontrava solidão, uma forma diferente de pensar. - Meus olhos começaram a se estreitar. - Um confronto de idéias.


 


- Sabe, professor- - Parei no mesmo momento. Ele já deve saber. - Eu posso ir para meu quarto, não estou me sentindo muito bem.


 


- Oh, claro, só tenho que lhe avisar que a senhorita está de detenção até o final do ano com a professora McGonagall.


 


- Ok, entendi, obrigada. - Levantei-me.


 


- Quando quiser conversar, estou a sua disposição.


 


- Perfeito.


 


            Saí da sala tão pensativa que quase não vi um degrau e tropecei.


 


***


 


            Girei a chave dentro da velha maçaneta e acendi a luz antes de entrar completamente no quarto. Deixei minha mala perto da porta e olhei em todos os cantos a procura de alguma planta, flor, objeto ou qualquer coisa me colocaria em apuros outra vez.


 


            Reconhecendo o espaço, abri um leve sorriso, fechei a porta e deitei na cama encarando o teto. Eu nem acreditava que eu poderia deitar a cabeça no travesseiro sem quase nenhuma preocupação. Era quase surreal. Sem fantasmas, sem dores, sem lamentações. Uma cena que eu esperava como se fosse a última coisa que eu ia fazer na minha vida.


 


            Queria viver meu sonho e deixar esse pesadelo de lado, estou conseguindo. Deixei o pessimismo de lado e comecei a procurar o otimismo nas pequenas coisas.


 


            Bichento pulou do meu lado da cama e deitou sua cabeça em cima da minha barriga. Acariciei suas orelhas e seu pelo sedoso. Bocejei sentindo um pouco de sono mas logo levantei, disposta a sair correndo e ir até qualquer lugar onde eu possa reencontrar minhas amigas, Ron, Tony, Harry. Qualquer pessoa que anime um pouco esse finalzinho do meu dia.


 


            Olhei no meu relógio e calculei mentalmente aonde eles poderiam estar. Me despedi de Bichento e saí do quarto, descendo as escadas rapidamente.


 


            Poucos alunos nos corredores, e ainda assim, era vítima de olhares, comentários. Estava pouco me lixando para eles, eu queria mesmo estar na boca de todos, era só uma questão de tempo para que todos esquecerem. Peguei o caminho mais óbvio para a sala comunal da Grifinória. Ao entrar, fui cumprimentada por alguns, outros me abraçaram e disseram que estavam muito felizes pela minha volta.


 


            Foi quase impossível chegar até as escadas, e quando cheguei ouvi gritos estralados familiares e alguém pular quase em cima de mim.


 


- Vai com calma, Gina! - Pediu outra voz.


 


- Que bom que você está bem! - Disse Gina com uma voz chorosa ainda no meu pescoço.


 


- Estou feliz em ver você também, Gina, só que eu não consigo- - Ela me largou e eu senti o ar novamente. - Olá, Ron! - Me abraçou também.


 


- Dez quilos mais magra! - Disse no meu ouvido.


 


- É isso que uma mulher quer ouvir...! - Ironizei rindo logo depois.


 


- E como você veio pra cá? Como você está se sentindo?


 


- Ah, eu vim- - Parei no mesmo momento quando encarei Harry descendo as escadas para ver o que estava acontecendo. Senti minhas bochechas ficarem da cor daquelas gravatas e logo depois encarei o chão cheia de vergonha.


 


            Desceu as escadas e ficou me olhando e acariciando meu rosto. Meus olhos nos seus e logo depois, mirava a sua boca, seus lábios, seu cheiro. Nem liguei para as cinqüenta pessoas que estavam nos olhando e assobiando. Juntei a sua testa na minha e grudei seus lábios nos meus. A galera foi ao delírio, posso garantir.


 


            Seu beijo foi o beijo mais gostoso que tive na minha vida inteira. Senti purpurina dourada cair sobre nós, senti uma aura cor de rosa em volta da nossa cabeça. Ele era louco, inconseqüente! E assim mesmo, eu o amava mais do que tudo nesse mundo.


 


***


 


- Você perdeu várias coisas legais, Hermione! - Soltou Ron com a boca cheia, durante o jantar.


 


- Como o quê, boca cheia? - Brinquei dando a última colherada naquele sorvete.


 


- Nós tivemos uma atividade extra na aula de Herbologia, Hagrid nos levou até as estufas de um cara que tem uma loja em Hogsmeade, uma coisa fantástica...


 


- Esperava que você ia me deixar atualizada pelas fofocas que aconteceram nesses últimas tempos.


 


- Isso é serviço da Gina. - Riu.


 


- Tony e Sarah estão mais firmes do que nunca, - Começou a soltar Gina. - meu irmão e a Luna foram- -


 


- Não precisa contar tudo, Ginevra! - Disse irritado.


 


- Ela é sua melhor amiga, ela tem direito de saber. - Questionou enquanto eu observava atenta a cena. - Meu irmão e a Luna foram pegos no meio do corredor quase arrancando a roupa, isso no meio da noite! - Eu ri, até Harry não conteve o riso.


 


- E a senhorita, Ginny? - Perguntei interessada.


 


- Estou muito bem, obrigada.


 


- Conta também, Gina! Conta! - Olhei para Ron que protestava com a boca cheia, novamente. - Ela foi pega fora do castelo com o Córner, sabe-se lá fazendo o que! - Suas orelhas ficaram escarlate.


 


            E continuamos a rir. Sentia falta daquilo, me sentia no meu sexto ano, quando só nos interessava as fofocas e os acontecimentos mais quentes que rolavam dentro daquela escola.


 


***


 


            Subi as escadas sendo acompanhada por Harry. Era apenas quinta-feira e amanhã eu teria aula normalmente, mas ele queria ficar comigo até eu pegar no sono. Ao entrar no quarto, ele fechou a porta com um dos pés e me agarrou me beijando. Minha respiração foi a mil e senti uma pequena dor do lado direito que me separei lentamente e respirando fundo.


 


- Vai com calma, cowboy. - Disse rindo e indo até a cama. - Eu ainda estou de recuperação.


 


- Eu estou calmo. - Riu.


 


- Percebo...! - Deitei e ele deitou-se ao meu lado. Ficou brincando com meus dedos me observando calmamente enquanto eu divagava sobre o nada. - Bom, senhor Harry Potter, - Sentei na cama. - o senhor me deve algumas explicações. - Sentou-se também. - Aparentemente tudo acabou, tudo está no lugar e quase ninguém morreu, então, como senhor sabe o meu real motivo para estar desse jeito, quero que o senhor me conte o seu segredo.


 


            Harry ergueu uma sobrancelha e depois deu uma gargalhada.


 


- Não estou brincando! - Disse fingindo estar abalada.


 


- Hermione, não é tão simples assim... - Levantei-me e cruzei os braços.


 


- Por que não? Fez um voto perpétuo? - Negou com a cabeça. - Então, conte! Nós já estamos juntos mesmo, e também, o que mais pode acontecer conosco esse ano? - Harry mingou seu sorriso e suspirei calmamente.


 


- Soube que Draco Malfoy saiu da escola?


 


- Por que esse assunto agora? - Levantou-se e encarou a janela com as mãos no bolso.


 


- Na mesma noite em que caímos naquela floresta. Segundo Dumbledore, foi ele que colocou a flor no seu quarto, e foi ele que enfeitiçou todos nós. - Meu corpo tremeu. - Dumbledore disse que escolheu todos nós para acabar com mágoas passadas, a intensão de Lúcio e Narcisa eram apenas eu e você, mas parece que eles pegou suas dores, querendo vingar-se daqueles que viraram as costas para você quando você estava com ele, e fez com que você terminasse tudo.


 


            Harry vomitou informação importante em mim e eu queria vomitá-la de volta.


 


- Ele ainda sentia alguma coisa por você...


 


- Ou nunca se conformou em ser passado para trás. - Eu acreditava mais nessa teoria. - E o que ele tem a ver com o 'segredo'?


 


            Eu sabia que o moreno daria voltas e voltas até encontrar algum caminho que me faça desistir.


 


- Eu sempre achei que atraia o perigo e feria as pessoas ao meu lado... - Irá começar a filosofar. - Eu não queria que com você fosse igual.


 


- Mas não é motivo para se afastar tanto de mim, Harry, afinal, somos amigos acima de tudo, se alguém quisesse fazer mal a você, fariam a nós, eu e Ron, também.


 


- Mas eu nunca me perdoaria, Hermione! - Esbravejou.


 


- Mas estamos todos bem, Harry! Por favor, me conte por que não podia ficar comigo antes... - Quase supliquei.


 


            Nunca pensei que seria tão difícil ouvir a verdade, afinal, eu queria aquela resposta a cada dia que respirava Harry Potter.


 


            Harry suspirou, olhou dos lados, chutou levemente uma almofada no chão e sentou-se na cama apoiando-se nos joelhos.


 


- No Natal, eu acabei vendo de mais...


 


 


            Esperava a briga estourar. Esse silêncio me deixava ainda mais apreensiva. Todos se calaram, nada mais aconteceu. Lupin passou por lá e nem deve ter me visto, estava preocupado com várias coisas melhores do que a vida social de três adolescentes. 


 


            Fiquei ali tempo suficiente. Como não vi mais ninguém, subi as escadas a procura de alguém. Ao entrar no quarto, Harry escondeu algo de mim no mesmo momento. Estava com a cabeça tão avoada que nem quis questioná-lo, enfiou uma coisa no bolso e tentou disfarçar procurando algo em seu malão. Estava com uma expressão estranha, seu peito subia e descia constantes vezes.


 


- E o Ron? – Foi a única coisa que perguntei, a única coisa que queria saber. Não me respondeu, e com razão, creio eu.


 


- Hermione, me deixa um pouco sozinho. - Fiquei muda.


 


- Esse problemas temos que resolver os dois juntos, Harry.


 


- Eu sei disso. - Virou-se para mim e depois foi até a porta a abrindo. - Se me der licença... - Me tratou de um jeito muito estranho, muito diferente de antes.


 


 


- Eu tinha roubado a chave do futuro das coisas da Tonks enquanto você dormia. Eu fiquei extremamente curioso para saber o que esperava pela gente no futuro, queria saber quantos filhos teríamos, se eu me daria bem no meu emprego e você também, essas coisas idiotas que qualquer pessoa pensaria quando tem o poder de prever o futuro tão certo como eu tive. - Encarava o chão enquanto eu me sentava ao seu lado muito atenta às suas palavras. - Eu não ia abrir, depois do que aconteceu naquela noite, eu decidi não abrir, mas de repente, Ron entrou sem ninguém avisar, nos viu e ameaçou contar para Gina, eu tive medo - - Seus olhos encheram de lágrimas. - Eu tive medo que o nosso futuro seja diferente daquilo que eu imaginei que seria.


 


            Minhas mãos começaram a suar e então, ele tirou do bolso de dentro da jaqueta, um mini livro que ao tocar da varinha, se transformou naquele porta retrato refletor.


 


- Eu fiz uma cópia da chave e guardei nas coisas na Tonks e fiquei com a original.


 


            Tirou a chave de dentro do mesmo bolso me deixando completamente confusa.


 


- E o que você viu? - Perguntei quase gaguejando.


 


- Eu fiquei olhando desde quando nós voltaríamos para Hogwarts, até os dias de hoje.


 


- Então, aquele dia que você saiu correndo dizendo que tinha alguma coisa na sala da McGonagall era-


 


- Ele pode nos confundir, as vezes.


 


- E o que você tinha visto?


 


- Tinha visto sombras entrando na sala da professora, revirando tudo. Depois eu reconheci Malfoy, era a minha chance de pegá-lo... - Fechou os punhos.


 


- Mas você não o encontrou.


 


- Algo deu errado, algo interferiu antes de nós.


 


- Então, quer dizer- - Me levantei e fiquei o encarando com olhos serrados. - Que você não ficou comigo esse tempo todo, me maltratava, não queria saber de mim por causa de suposições idiotas?!


 


- Não eram suposições, a maioria das coisas que eu vi, aconteceu. Eu vi eu e você jogados na Floresta, eu vi quando seria o melhor momento para terminar com Gina, eu vi que eu seria enfeitiçado pela Meg.


 


- E você não impediu nenhum desses fatos?! - Quase gritei.


 


- Você impediria? Você não teria medo que se você interferisse nos fatos atuais, os fatos do futuro poderiam mudar?!


 


            Eu fiquei olhando aquele moreno na minha frente, sem conhecê-lo.


 


- E o que você viu para não ficar comigo?


 


            Ele engoliu seco.


 


- Fala, Harry!


 


            Ele suspirou e voltou a se sentar e pediu que eu sentasse ao seu lado.


 


- Logo de cara, eu vi eu e você naquela Floresta. Estava chovendo, frio, trovões, igual como aconteceu. Só que você não estaria conversando comigo, - - Meu semblante mudou. - se você não- - Sua voz ficou um pouco chorosa. - se o Ministro não falasse sobre a morte dos seus pais, se você não tivesse confessado tudo que fez, se Tonks e Lupin não estivessem soltos, nenhum dos dois- - vi lágrimas formando nos seus olhos. - nenhum dos dois estariam vivos para contar história.


 


            Minha mão foi instantaneamente em direção a boca e meus olhos ficaram do tamanho de duas ameixas.


 


- Eu vi nosso funeral, Hermione... Quer imagem pior do que essa? - Perguntou deixando as lágrimas correrem, com uma voz raivosa e entre os dentes.


 


            Levantei-me e meu coração começou a ficar mais acelerado.


 


- Eu vi todos chorando em volta de dois caixões, Dumbledore fazendo seu discurso em honra aos nossos nomes... Foi uma das piores visões que eu tive...


 


            Meus pensamentos ficaram nublados com falsas sensações, como a de estar totalmente errada em relação à real intenção de Harry. Minha mente estava pensando em tudo ao contrário, pensando se eu tivesse feito uma coisa errada, ou se eu tivesse corrigido apenas uma coisinha, eu não poderia estar aqui.


 


            Nem eu, nem ele.


 


- Foi por isso, Hermione, eu não queria ficar com você por que no futuro, eu estava com você e nós acabávamos mortos. Eu pensei que se eu ficasse o mais longe possível de você, os dois estariam vivos... - Voltei a me sentar ao seu lado e o consolei também chorando em silêncio.


 


- Meu santo Merlin, você deveria ter dito isso antes...


 


- Isso seria errado, Hermione, seria muito errado. - Enxugou as lágrimas por de baixo dos óculos e eu abracei contra meu peito. Ele me deu um abraço torto e comprimiu os olhos. - Toda vez que a gente se beijava, eu ficava me culpando, eu ficava machucado por dentro...


 


            Suspirei e acariciei seus cabelos.


 


- Eu tinha medo de te ferir, mas tinha mais medo dos dois acabar morrendo no final... Me perdoa por tudo que eu te fiz, me perdoa, por favor... - Chorou mais uma pouco e eu fiquei sem nenhuma palavra.


 


- Pára! Pára de chorar! - Pedi erguendo sua cabeça até a minha. - Vamos parar com isso! A chorona aqui sou eu, não você!- O abracei. - Estamos os dois bem, quase inteiros, vivos! Não precisamos ficar remoendo o passado, meu amor, está tudo bem... - Afaguei seus cabelos.


 


            Eu o consolei por mais dez minutos, depois, ficamos deitados por algumas horas e eu o convenci a dar uma volta pelo jardim. Tinha uma grande fogueira, o Corvinal tinha ganhado da Lufa-lufa, no dia anterior, e tinha alguns alunos que ainda estavam comemorando. Em uma das mãos, eu trazia aquele Porta-retrato, na outra, meus dedos entrelaçados com os de Harry.


 


            Ele estava se perguntando até agora o que eu iria fazer. Peguei a minha varinha, apontei para o livo, e o transformei em papel, simplesmente papel. Seus olhos cresceram mas não fez nada para impedir.


 


- Era um presente de Sirius, Harry, mas ele irá entender. - Joguei as folhas na grande fogueira e a chama ficou verde por alguns segundos e logo voltou a cor normal. 

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