Tempestade



                                                           Capítulo XXXI
                                                                         
   Tempestade





- Você não é obrigada a voltar a escola hoje, Hermione. - Disse Dumbledore já na Ordem, com Tonks, Lupin, Moody e Senhora e Senhor Weasley. - Amanhã, poderá partir no primeiro trem.

- Obrigada, senhor. - Disse sorrindo serenamente. - Sobre as deten-

- Lá conversaremos sobre suas punições, aproveite. - Sorriu e piscou aparatando no mesmo momento.

    Lupin suspirou alto, passou uma mão pelo ombro de Tonks que estava com os olhos lacrimejados, olhando por toda aquela casa mofada. Segurou em sua mão e deu um sorriso torto.

- Pisar aqui é tão bom, vocês nem imaginam...

- Eu imagino. - Sorri me aproximando dela.

    Ela, por um impulso, me agarrou deixando todas as lágrimas caírem sem nenhum pudor sobre sua face suja. Sentia a mão de Lupin sobre meu ombro e logo alguns passos mancos perto de mim. Melhor abraço que eu poderia ganhar naquela hora.

- E estamos bem. - Soltou a metamorfoga entre soluços.

- Você é uma criança, Ninfadora. - Disse Moody dando um sorriso de canto.

- Estou muito feliz para brigar com você, seu velho chato. - Disse rindo comigo. - Por um lado- - Olhou-me. - Azkaban é um belo lugar para pensar.

    Lupin deu uma risada gostosa.

- Bom, vamos tomar um banho.

    Tonks separou-se de mim limpando o rosto com as costas das mãos e sorriu largamente sendo acompanhada por Lupin lá para cima. Ficamos eu, Moody e os Wealsey. Molly tinha um grande sorriso de satisfação no rosto, Moody também queria sorrir, mas sua cara feia era predominante.

- Meg e Marcos serão condenados, não é mesmo?

- Claro que sim, ninguém sabe quando, mas vão. - Respondeu Arthur. - O Ministro está tentando segurar o máximo de reportagens sobre o assunto só que os jornalistas foram mais rápidos. - Pegou um jornal do bolso de trás da sua calça e me entregou.

    “FIM DO MISTÉRIO!”

- Não quero ler. - Joguei de novo em suas mãos. - Quero esquecer essa história.

- Você sabe que as pessoas não deixarão você esquecer, não é querida?

- Eu sei, senhora Weasley. - Sorri e fui até as escadas. - Vou descansar um pouco. - Subi os degraus com silêncio lá em baixo.

    Cheguei no quarto em que passei esses últimos momentos e me sentei na cama, de frente para a suja janela. Eu acho que a única coisa que está me perturbando é a questão de não ser expulsa de Hogwarts, apenas pegar algumas detenções. Como um assunto tão sério pode ser punido com essas coisas tão superficiais?

    Eu esperaria expulsão, banimento do mundo da bruxaria, principalmente por eu ser uma nascida trouxa. E nesse momento, minha mente paranóica começa a pensar nas mais terríveis conspirações. Por trás de tudo, há um plano muito bem feito.

    Dumbledore deve ser o cabeça de tudo. Ele deve ter ótimos motivos para me manter dentro daquela escola. Ele quer que eu faça mais alguma coisa, ele quer que eu siga os seus planos.

    Enfim, não vou agüentar ficar nessa casa, esperando pegar pó.

    Desci as escadas correndo, pegando a minha bolsa que estava pendurada no meio do corredor e enfiando-a nas costas. Pulei a maioria dos degraus e pousei com os pés juntos no assoalho barulhento do hall de entrada. Os Weasley estavam na cozinha, Molly colocava café numa xícara feia para seu marido, sentado bem na ponta.

- Aconteceu alguma coisa, Hermione?

- Me leva para Hogwarts?

***

- Vamos, está quase na hora! - Pedia correndo comigo.

    Passamos para a plataforma 9 ¾, que estava praticamente vazia; alguns bruxos mais velhos estavam embarcando quando pulei para dentro do trem me despedindo de senhor Weasley. Suspirei ao sentar numa cabine e ver aquela paisagem começar a mexer.

    Olhei todos se despedindo seja lá de quem quando uma pessoa em questão me chamou atenção. Parada perto de uma pilastra, vestida de preto contrastando com sua pela alva e seus cabelos muito bem arrumados loiros. Seus olhos cinzas penetraram nos meus e no meu coração.

- Com licença, querida, aceita alguma coisa? - Aquela velha voz da mulher que vendia doces no trem me desprendeu da janela e olhar o carrinho. Recusei agradecendo e olhando rapidamente de novo para fora, ele não estava mais ali.

    Seria uma simples visão?

    Bufei e me levantei para fechar a porta com força.

***

    Vendo aquele castelo de longe, senti umas das melhores sessações da minha vida. Logo depois, pensamentos como 'o que pensarão de mim' invadiram minha cabeça e meu pequeno sorriso fechou-se assim como tempo sobre meus ombros. O sol que estava fazendo a mais de uma hora, sumiu e nuvens pretas estavam sobre Hogwarts.

    Estava caminhando em direção a tempestade. Tempestade de chuva, trovões, raios, de água. Tempestade de rótulos, comentários, choros, de pedidos de perdão.

    Queria mesmo passar por tudo aquilo?

    Se eu não quisesse, não tinha feito senhor Weasley largar seu café e me levar até o trem. Se eu não quisesse, teria pulado desse trem. Se eu não quisesse, teria fugido da Ordem.

    Pare, Hermione! Esses questionamentos sempre levam para o mesmo lugar: ao nada. Vamos pensar em coisas mais alegres...! Pense pelo lado bom, não precisará mentir sobre seus pais, Gina está do seu lado, todos estão indo muito bem, obrigado.

    O trem apitou e sua velocidade diminuiu aos poucos. Já peguei minha bolsa jogada de qualquer jeito em cima do banco da frente e a coloquei nas costas. Apoiei a testa na janela e fechei os olhos respirando profundamente.

    Desci do trem e o gingante Hagrid me pegou nos braços;

- Dumbledore me contou tudo, Hermione! Estamos tão feliz por você voltar! - Disse com uma voz carinhosa me colocando no chão de volta.

- Também estou feliz por estar de volta.

- Eu acho que agora tudo pode voltar ao normal.

- Nunca está tudo normal, Hagrid. - Sorriu.

- Tem razão. Vamos voltar antes que essa tempestade nos pegue. - Concordei.

    Já dentro do castelo, ouvi os primeiros grandes trovões. Eram quase seis mas com as pretas nuvens, parecia ser bem mais tarde. Não vi muitos alunos, deviam estar todos estavam confinados em suas casas esperando a chuva começar a cair.

    Engole o orgulho e o medo vamos em frente.

    Ajeitei minha bolsa no ombro e segui em passos rápidos até a Sala Comunal da Grifinória. Quase em frente do Quadro da Mulher Gorda, bati os calcanhares e continuei a subir até as masmorras dos monitores.

    Subi as escadas e logo saquei a chave de dentro do pequeno bolso da minha calça jeans. Girei-a dentro da maçaneta e pronto, estava em meu recinto. Joguei a bolsa longe e pulei na cama como uma criança, deixando todos os músculos do meu corpo sentir aquela textura macia do meu edredom. Senti aquele meu perfume doce e enjoativo impregnar em tudo. Abracei meu próprio corpo agarrando uma almoçada e suspirando levemente. Logo, senti as patinhas familiares aparecerem do meu lado.

    Agarrei aquele gato como se fosse único. Ele tentou se livrar mas eu era mais forte, beijava entre as suas orelhas e o chamava de meu bebê. Nunca tinha ficado tão feliz pela presença de Bichento na minha cama. Ele lutou e miou até deixar eu solta-lo para reinar sua almofada roxa.

    Sentei-me me espreguiçando e abrindo os olhos lentamente. Os repousei em cima da minha cômoda, tinha uma planta com um grande laço rosa. Nunca tinha visto aquela espécie e tenho certeza que não é coisa do Harry, muito menos do insensível do Ron. Levantei-me e me aproximei aos poucos, peguei o cartão que estava ao lado e o abri.

    “Bem vinda ao inferno.” Ah, igualmente.

    As pétalas rosas se abriram e uma estranha fumaça azul saiu, entrando pelas minhas narinas e me deixando totalmente zonza. Nada mais estava no lugar, o chão faltou e minha cabeça perdeu todos os sentidos...

***

    E mais um trovão. Tenho certeza que esse foi bem perto daqui.

    Minha cabeça estava tão pesada, eu nem tinha pensamentos. Os sentidos começavam a voltar, tão lento quanto a minha vontade de continuar viva.

    O que aconteceu comigo? Por que tudo está doendo?

    Mexi um pouco o ombro e logo depois o braço direito. Senti um chão molhado, sujo, parecia serragem, folha, terra. Minha audição ficou completa quando uma gota entrou pelos meus ouvidos.

    Meus olhos abriram-se lentamente e tudo se tingiu de branco com mais um raio. Abri a minha boca e senti gosto de terra molhada. Me mexi por completa, fitando o céu. Fitando a copa das árvores, a chuva que caia no meu rosto, parecendo aliviar uma dor contínua. Tudo doía, mas não queria saber porquê. Tinha medo de saber porquê.

    Aonde eu vim parar?

- Hermione... - Alguém sussurrou meu nome fazendo meu coração disparar.

    A voz era sufocada, era de dor. Sentei-me e tentei me achar naquele lugar. A chuva não estava tão forte mas eu estava encharcada e completamente suja. Era noite, era mais de meia noite.

    Tentei ficar de pé mas caí de novo, meus pés tremiam, minhas pernas também. Olhei em volta, a procura da voz que tinha me chamado e reconheci um corpo caído um pouco longe de mim. Tentava se mover mas estava na mesma condição que eu.

- Ron? - Chamei um pouco rouca. - RON?! - Levantei-me me apoiando em algumas árvores e fui ao seu encontro. Virei o seu corpo e deitei sua cabeça em meu colo. - Ron, fala comigo... - Batia em seu rosto e sacudia seus ombros.

- O que aconteceu?... - Soltou fracamente.

- Eu não sei, Ron! Eu nem sei aonde estamos!

- RON?! - Ouvi uma voz gritar. - RON!

    Ron acordou um pouco mais e se sentou, viu que sua mão tinha algum ferimento e sangrava de mais.

- RON?!

- AQUI! - Gritamos juntos.

- Pega isso! - rasguei um pedaço da minha blusa e fiz um curativo improvisado. Apalpei meus bolsos. - Droga, minha varinha... - Ron procurou a sua também e não achou.

    E mais um trovão.

    Ouvimos passos atrás de nós e nos levantamos rapidamente, segurei em seu ombro e em seu braço para ele não cair. Apoiamos numa arvore com a respiração ofegante e cansada. Uma luz surgiu nos nossos rostos nos impedindo de ver quem era.

- Hermione? - Abaixou a varinha e pulei em seus braços chorando. Tentava me acalmar. - Como você tá, cara?

- Com vontade de sair daqui. - Disse Ron indo até Harry também.

- Aonde estamos?! Como viemos parar aqui?! - Perguntei entre os soluços.

- Calma, Mione, calma. - Pediu passando a mão em meu rosto. - Eu acho que eu ouvi mais alguém, mas eu não consegui achar quem era.

- Estamos na Floresta? - Perguntou Ron andando até uma clareira que tinha ali do lado. Era apavorizante.

- Bem provável.

- Como vocês vieram parar aqui? - Perguntei indo do lado deles.

- A última coisa que eu lembro é de estar indo pra sala comunal e de repente, tudo ficou preto. - Disse o ruivo.

- Tinha uma planta no meu quarto com um bilhete: Bem vinda ao inferno. - Harry levantou uma sobrancelha.

- Como sabiam que você ia voltar?

- Não sei, sinceramente, não sei. - Aquela visão de Draco parado do lado de fora do trem, olhando profundamente para mim, entrou na minha mente e esclareceu quase tudo. - Pra falar a verdade...

    Naquele momento, um raio atingiu uma árvore ao lado de nós, fazendo, como impulso, nos abaixar. Um dos galhos, o mais groso, partiu ao meio e ameaçou cair em cima da gente. Harry pegou meu pulso e empurrou Ron para o lado fazendo ele cair no chão. Por centímetros, não seriamos esmagados por aquela viga de madeira.

- HARRY! RON! - Ouvimos mais vozes. - CADÊ VOCÊS?!

- GINA! - Harry rapidamente reconheceu a voz da ex e tentou segui-la.

- HARRY! - Tinha outra voz que eu reconheci.

- TONY! - Gritei de volta.

    Ouvimos um grande rosnado, deixando nossos ouvidos atentos e nosso corações perto da boca. Juntei-me a eles, Harry ajudou Ron e a se levantar e ficar escorado a ele, ainda estava um pouco debilitado.

- Lobisomens? - Perguntou o ruivo assutado.

- Não parecia... - Soltei olhando a minha volta.

    O desespero desceu para a ponta dos meus dedos dormentes. A chuva não dava trégua, estávamos quase sendo afogados por aqueles pingos grossos e gelados. E mais um uivo, desta vez, ficando ainda mais perto de nós. Harry segurou na minha manga me puxando para perto dele.

- Não dá para correr... - Sussurrei e logo ele pediu silêncio apagando sua varinha.

    O breu estava mais ameno, a luz da lua deixava tudo em tons diferentes de azul e de preto. Nossos pés se afundavam naquela lama e nosso desespero também.

    Meu Merlin, Gina e Tony estão por aí, estão soltos com essa criatura a pontos de comer todos nós.

    Se estávamos mesmo na Floresta Proibida, tínhamos que dar um jeito de encontrar a saída, encontrar algum caminho familiar, o quanto antes. Só Harry estava com a sua varinha, ele tinha que nos proteger e proteger a si mesmo, o que é mais difícil.

    Acabo de sair de uma furada, entro em outra pior ainda.

    Os arbustos se mexeram e nós demos um pulo.

- Somos nós! - Uma voz disse surgindo do outro lado, com as mãos erguidas. Tony e Gina apareceram totalmente molhados e sujos, como nós. - Que palhaçada é essa?! - Perguntou indo ao meu lado com Gina.

- Parece que fomos seqüestrados. - Comentou Gina segurando seu pulso esquerdo.

- Tem alguma coisa por aqui... - Sussurrou Ron olhando para uma vegetação que se mexia. Todos nós nos calamos, olhamos para onde o ruivo estava preso, Tony sacou sua varinha e apontou junto com Harry, iluminando o local. - E o que a gente faz? - Choramingou.

- No três. - Soltei dando alguns passos para trás.
    
    O barulho ficou mais intenso, a forma de algum animal estava se formando naquele breu e nem precisei contar, todos saímos correndo em outra direção. A criatura deu um grande rosnado e começou a nos seguir. Não me preocupei em olhar para trás, estava muito ocupada com o caminho cheio de obstáculos que estava enfrentando.

    Harry ficou mais a frente, empurrando todos os galhos que batiam em seu rosto, Gina o seguia e logo depois eu, Tony e Ron, um pouco zonzo. Não demorou muito para o ruivo vir ao chão e nós dois que ficamos por último, ajudá-lo a se erguer.

- VAMOS! - Pedi colocando um braço em volta do meu pescoço assim como Tony. Corríamos carregando aquele garoto, era difícil. Sentíamos as pegadas e a respiração profunda chegar bem perto de nós.

- POR AQUI! - Gritou Harry correndo para outra direção.

    Senti o peso de Ron sobre minhas costas, Tony tinha o largado e sacado a varinha. Parou a frente daquele bicho que vinha correndo em sua direção e gritou um feitiço para deixá-lo atordoado. Continuamos a correr até chegar em uma grande clareira novamente, bem diferente daquela que estávamos antes. Parece uma arena, limpa e organizada. A chuva continuava a cair, os trovões ficar mais intensos.

- Vocês acham que o despistamos? - Perguntou Gina se apoiando nos joelhos e respirando ofegante.

    Deixamos Ron no chão e logo o acompanhei, respirando o dobro de vezes.

- Agora, alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui?! - Perguntou Tony se apoiando numa árvore.

- Você acha que eu sei?! - Rosnou Ron sentando-se.

- Temos que voltar para o castelo. - Soltei.

- E você acha que estamos pelo menos perto?! - Alfinetou Tony.

- Estamos na Floresta Proibida. - Confirmou Harry.

- Podemos estar em qualquer Floresta da Irlanda! Fomos seqüestrados e jogados aqui para morrermos como jantar desses bichos! - É, ele estava nervoso.

- Cara, se acalma, é o melhor que você pode fazer. - Disse o ruivo.

- Estamos mesmo na Floresta Proibida. - Disse Gina apontando para uma flor grudada em uma arvore cheia de musgo. - Essas flores só nascem aqui, obra de Hagrid.

- Pelo menos alguém presta atenção nas aulas de Herbologia. - Brinquei.

- E quem faria isso com a gente?! Quem foi o filho da puta que armou uma dessa?! - Encarei os pés limpando o rosto ou o sujando ainda mais.

- Quando eu estava voltando, eu vi Draco, pela janela do trem, do lado de fora, me olhando profundamente, era o único que sabia que eu voltava hoje, creio eu.

- Alguma coisa relacionada a Voldemort? - Perguntou Harry.

- Pode ser, o que você me diz? - Levantei meu olhar para ele.

- Não necessariamente dele. - Olhou em volta.

- Quem? - Perguntou Gina. - Comensais?

- Lúcio, para ser mais exato. - Ergui uma sobrancelha.

- Por que ele queria acabar com a gente? - Perguntei um pouco engraçada.

- Ou com você. - Soltou Ron sombrio. - Lúcio matou seus pais, você o acusou para o Ministério, lógico que ele quer acabar com você, Hermione.

- Então, por que vocês estão aqui?! - Um trovão interrompeu e me assustou.

- Quer acabar com todos que for uma pedra no seu caminho. - Disse Tony no mesmo tom que Ron.

    Entre os pingos de chuva que não incomodavam mais e eram calmos e fracos, ouvimos um outro barulho. As surpresas nunca param de aparecer.

- Eu acho que vem da- - Disse Gina indo em direção só que escorregou em um monte de folhas e caiu um pequeno barranco, gritando e tentando se segurar em algo.

    Um grande uivo surgiu atrás de nós. Gina era nosso menor problema. Tony desceu o barranco atrás dela e eu, Ron e Harry pegamos outro caminho, sentindo aqueles pés grandes atrás de nós. Estava cada vez mais difícil respirar, principalmente caindo, pulando, se arranhando, deixando sérios machucados por todo corpo.

    Ouvimos Harry cair no chão e sua varinha se apagar em algum lugar ali perto.

- Harry! - Gritei voltando para ajudá-lo a levantar.

    Ron continuou a correr sem olhar para trás dizendo para nós o seguirmos.

- Você está bem?! - Perguntei preocupada.

- Shiu. - Pediu estático olhando por cima do meu ombro. - Não se vira. - Senti uma respiração no meu pescoço e logo depois um cheiro de cachorro molhado. - Não se mexe.

    Era a mesma coisa que pedir para sair correndo. Meu cérebro interpretou uma coisa diferente do meu corpo. Agarrei Harry pela gola da sua camiseta e puxei correndo para qualquer direção. Uma patada daquela criatura, bateu entre minha mão e o pescoço dele, jogando-o para o lado e eu sentir todos meus ossos da mão serem quebrados e triturados. Dei um grito de dor e as lágrimas começaram a cair rapidamente.

- ESTUPEFAÇA! - Gritou Harry achando, finalmente, sua varinha e atingindo o peito do bicho que saiu correndo mancando. - Hermione, fala comigo!

    A dor fez meu corpo e meus pensamentos entrar em um estado que, até então, desconhecia. Que sensação horrível. Eu não podia mexer nenhuma parte do meu braço direito, nenhum dedo, nenhum movimento. Tudo doía e parecia estar fora do lugar.

- Meu braço... - Soltei deixando as lágrimas se confundirem com a chuva que apertara. Ele ameaçou tocar mas já gemi, demonstrando toda a dor. Pegou sua varinha, disse um feitiço e imobilizou meu punho e meus dedos. Quando apertou, foi a segunda pior dor que já tive.

    Gemi e apertei os olhos.

- Eu quero ir para casa... - Soltei soluçando.

    Acendeu a varinha e passou a mão pelo meu rosto que estava molhada, coberto por terra e sangue. Seus óculos estavam tortos e a lente direita quebrada. Não queria ver o estado do resto do corpo, só sei que tudo doí.

- Cadê os outros? - Perguntei me levantando com cuidado.

- Ron continuou andando! Tony e Gina não faço ideia. - Passou a mão na testa e gemeu um pouco.

- Sua cicatriz, tá doendo? - Demorou para confessar. - Vamos andando.

    Pegamos um caminho totalmente sem rumo. Cada vez que os passos ficavam maiores, nossas esperanças iam se acabando. Não fazíamos muito barulho, tínhamos medo que o lobisomem voltasse ou que outras criaturas nos achasse. Dane-se os comensais que poderiam estar soltos por aí.

- Talvez eles não nos mate, eles querem que nós fiquemos perdidos por aqui, vagando e vagando. - Mais um trovão.

- Eles não fariam isso, Voldemort daria tudo para ter minha cabeça numa bandeja, Mione. - Soltou com desprezo.

- Faz horas que essa chuva começou. - Segurava o braço machucado tremendo os dentes de frio.

- E parece que vai continuar pela noite.

- Nem fale uma coisa dessas...

    De repente, um vento congelante passou por nós, arrepiando o último fio de cabelo. Congelou as pontas das folhas que estavam a nossa volta e os pingos que caiam, lentamente, foram transformados em flocos de neve.

- O que- - Harry fez um sinal de silêncio. Quanto mais andávamos, mais nos aproximávamos do frio.

    As plantas já estavam completamente congeladas e o branco tomava conta. Incrível, simplesmente incrível. Não podia ser Dementadores, nós já teríamos os encontrado, ou eles a gente. Ficou mais frio e mais frio, o meu punho doía ainda mais e meus dentes estavam trincando.

- Que porcaria é essa?! - Soltou Harry vendo uma cabana no meio de uma clareira, tudo estava congelado, a neve caia se juntando com a grossa camada sobre a terra.

- Será que deveríamos-

- De jeito nenhum mas não temos opção. - Disse cruzando os braços violentamente subindo os degraus da soleira daquela porta.

- Harry. - O chamei ainda lá em baixo, fez um gesto e girou a maçaneta com a varinha em punhos. - Harry! - Fez um gesto para que eu calasse a minha boca de uma vez por todas. Com dificuldade, sentindo todo meu corpo se congelar aos poucos, subi os degraus atrás dele. A porta se abriu de supetão e algo pulou em cima do moreno o derrubando pela neve, quase me atingindo.

    Um anão feroz tentava mordê-lo, parecia mais um anão-vampiro, não pude reconhecer de primeira. A varinha de Harry voou, e eu fiquei estática.

- ME LARGA! - Gritou tentando se livrar. Olhei para o chão a procura da sua varinha e encontrei um machado.

- É isso aqui mesmo...! - Corri, o peguei com a mão que estava boa e cravei o machado em suas costas, fazendo ele gemer de dor e tombar para o lado se contorcendo. Harry levantou-se e foi do meu lado, olhando aquela criaturinha tentar pegar o machado com uma das mãos mas foi em vão. Logo parou de mexer e ficou estático.

- Hermione, você matou um vampiro. - Disse com os olhos arregalados.

- Vampiros não morrem, Harry. - Olhei em volta. - E não vivem sozinhos. - Meu olhar parou em cima da casa, debaixo do telhado.

    Havia, pelo menos, quinze morcegos de cabeça para baixo.

- Merda... - Soltei dando passos para trás o puxando comigo. - VAMOS SAIR DAQUI! - Os morcegos avançaram para cima de nós enquanto entrávamos mais e mais naquela floresta.

    Quando teremos um minuto de paz?!

    A chuva que caia sobre nós parecia quente. Nossos lábios voltaram a cor normal e o choque térmico nos deixou com mais energia para fugir daquelas criaturas.

- HARRY! - Ouvimos uma voz ao longe. - HERMIONE!

- Pra lá! - Seguimos a voz enquanto fugimos daqueles morcegos.

    O ar já não era suficiente, eu pensei várias vezes em parar, eu pensei várias vezes em me deixar cair. Não era minha cabeça que mandava,era meu corpo tinha vontade própria.

- HARRY! - Era a voz de Tony. - MIONE!

- AQUI! - Respondeu o moreno me pegando pela mão boa e me puxando para perto dele, correndo ainda mais. - Vamos, Mione, estamos perto!

- Não- - Respirei profundamente. - consigo- - Escorregamos em um pequeno barranco e descemos quase cinco segundos sem parar.

- VAMOS! - Me puxou me levantando e corremos para atrás da voz.

    Uma luz na direção de Tony nos chamou a atenção e uma força para continuar tomou conta de mim.

- TONY! - Gritou Harry de volta.

    Chegamos a uma clareira, não tinha mais nenhum morcego nos perseguindo, por enquanto. Não chovia ali, tinha uma proteção por feitiço e uma fogueira com um fogo azul bem no centro.

- Harry...!

    Alívio? Nem um pouco. Viramos e vimos Tony em cima de um tronco. Sua expressão devia ser aquela de felicidade, calmaria e engraçada por nos encontrar nessa Floreta, mas estava branco como um papel, sujo, com o nariz sangrando e ofegante de mais. Havia algo errado, sempre há algo errado.  

- O que foi, cara? - Perguntou Harry se aproximando.

- Vocês não deveriam- - Disse quase chorando.

    Uma mão vestida com uma luva preta passou pelo seu pescoço e logo um cabelo loiro apareceu por cima do seu ombro, empunhando uma varinha em seu coração. Apertei os punhos e respirei profundamente, ignorando o cansaço e a falta de ar.

- Ele não tem nada a ver com isso.

- Mude seu discurso, Potter. - Cuspiu, deixando a pouca luz que tinha deixar seu rosto amostra.

    A confiança mista de medo entrou na minha mente fazendo quase nada funcionar direito. Tony, ali, nos braços daquele idiota que matou meus pais, daquele imbecil que eu queria matar todas as noites que eu colocava a cabeça no travesseiro.

    Minha vida, a vida do Harry, do Ron, da Gina em perigo. E você aí, Hermione, sem poder fazer absolutamente nada.

    Lúcio deu uma risada maligna, e desceu aquele tronco com Tony ainda sendo seu refém. Eu e Harry nos afastamos aos poucos, dando passos para trás, sem saber aonde pisar.

- Larga ele. - Ordenou.

- Não será tão fácil, Potter. - Parecia um esquizofrênico.

    Seu olho direito piscava como um dependente em abstinência. Suas mãos tremiam e só com a proximidade pude ver suas roupas sujas, rasgadas em certas partes e seu cabelo com as pontas cobertas de lama. Sabe-se lá Merlim o que aconteceu com o 'fidalgo' Malfoy.

- Me dê sua varinha, Potter!

- Não! - Gritou Tony e ele o prendeu ainda mais.

- Não faça nada com ele, o seu assunto é comigo.

    Por favor, Harry, essa briga é minha. Num movimento sem pensar, peguei a varinha da mão de Harry e saltei para perto de Lúcio. Dependia da minha força que eu não tinha, da varinha que eu não tinha e da pouco agilidade que ele tinha. A varinha parou a dois centímetros de entrar por garganta.

- Abaixa essa droga de varinha. - Ordenei entre os dentes.

    Vendo aquele ser a menos de um metro de mim, com todo aquele poder que eu tinha nas mãos, minha intensão era que sua cabeça voasse até Azkaban. Meu pulso ia pressionando contra seu pescoço até que largou Tony que correu para perto de Harry se apoiando no amigo.

- Larga. - Ordenei mais uma vez.

- Granger...

- LARGA! - Senti algo estralar em sua garganta e um gemido de dor saiu sufocado.

    Sua mão se abriu e a varinha caiu no chão, sendo pega por Harry.

- Por favor, não! Não! - Choramingou por dois segundos e depois soltou uma alta risada maléfica. - Você não amedronta nem uma mosca, Granger. - Meu olhou de canto de olho e ouvi algo pousar sobre o chão molhado.

    Nossos olhos caíram em cima de Narcisa. Eu demorei para reconhecer aquilo que ela tinha jogado no chão e rolado perto dos pés de Lúcio. Era Ron, desacordado com um grave ferimento na cabeça. Harry e Tony, por impulso correram até o amigo, mas a forte voz da mulher ordenou que eles parassem.

- Nem mais um passo. - A varinha estava apontada para seus rostos. Ela tinha saltado e pousado exatamente na frente deles, impedindo que tocassem em Ron.

- Abaixa essa varinha, Narcisa! - Gritei apavorada com a situação.

    Ela deu uma gostosa risada passando a mão nos seus cabelos armados loiros e depois mirou no peito de Harry.

- Vamos parar com essa coisa de 'baixa', 'larga', 'mata'... - Riu mais uma vez como se estivesse embriagada. - Você sabe que eu não vou largar.

- Eu vou matar seu marido, Ciça. - Soltei num tom que nem eu reconheci.

- Tudo bem. - Riu junto com Lúcio. - Eu vou matar você, o Potter, seu amiguinho idiota e esse aqui- - Chutou Ron. - Já está quase morto... Você escolhe, Granger. Lúcio ou todos seus amiguinhos? - Riu.

    Minhas últimas forças estavam sendo usadas para analisar aquela situação fielmente. Eu não queria que ninguém saísse machucado mas essa era a única chance que eu teria para vingar a morte dos meus pais.

    Eu nunca liguei para isso, mas eu nunca tive esse poder nas minhas mãos. A varinha empunhada contra a garganta branca do assassino dos meus pais. Só eles dois. Só eles dois em toda floresta, uma ironia do destino? Eu diria uma cilada do destino. A quase um ano eu vivo querendo esquecer, e de alguns dias pra cá, volto a ter aqueles pesadelos que tive na primeira noite que eu tentei dormir.

    Eles não voltariam, Hermione, não era um simples Congresso, não era uma simples ida ao trabalho. Era a última coisa que qualquer pessoa deseja. E aqui estou, com o direito de tirar a vida.

    Mas, será que eu estaria me igualando a eles? Tirando o pai de uma pessoa, matando a mãe de outra, entrando onde eles realmente querem: a culpada de tudo isso. Quem sabe se eu não me envolvesse tanto eu estaria sentada na sala comunal conversando sobre qualquer coisa inútil, lendo um bom livro, tomando um chocolate?

    Estou perdida, molhada, machucada e ferida, por dentro e por fora. Minha mente dá voltas e a cada segundo que passa é comemorado por eu ainda estar em pé, por eu ainda estar viva.

    Ronald estendido no chão, Harry e Tony impossibilitados de fazer alguma coisa.

    O que eu devo fazer?

- Então, Granger? Ficou sem palavras?

    Um minuto de devaneio e um ano de pensamentos. Minha mão se abaixou aos poucos deixando meus olhos banhados por lágrimas e a minha pele começando a sentir a chuva de novo.

- Boa escolha, Granger. - Lucio ergueu sua mão e me deu um soco deixando eu voar longe, caída na terra molhada e fofa. Gemi ao sentir meu estômago ficar no lugar do meu pulmão.

- HERMIONE! - Gritou Harry.

- ESTUPEFAÇA! - Narcisa estuporou Harry que também voou. - NÃO SE META, POTTER! - Gritou. - A minha missão é com ela... - Sussurrou passando pelo marido e, com um feitiço, me erguendo pelo pescoço, até não poder mais sentir o chão. - O choro de sua mãe era igual ao seu... - Sussurrou perto do meu ouvido.

    Meu mundo deu milhares de voltas. Não sentia meus pés, o sangue saía do meu nariz e da minha boca simultaneamente, Harry se levantava com a ajuda de Tony mas logo foram atingidos pelo homem.

- Eu prometi que cuidaria de você, Mione... - Aquele hálito quente me arrepiou e eu pude sentir metade dos meus sentidos de volta.

- Não... - Sussurrei sem vida.

- Sim, sim, querida, eu prometi que cuidaria de você, nem que tivesse que transformar você em uma de nós...

- Nunca...

    Não, ela não quer isso, não, de jeito nenhum. Eu sou uma nascida-trouxa, uma sangue ruim, eu sou a escória da humanidade! Eu não quero, eu só quero viver minha vida, eu queria estar enfurnada numa biblioteca, queria estar com as caras nos livros, queria estar na minha vida normal, com meus amigos normais.

    Me arrependo de estar na boca de todos. Me arrependo de tudo que eu fiz, por bem ou por mal, de todo mal e todo bem que eu causei.

    Essa não era eu.

    O conflito que havia dentro de mim não era normal. Era meu lado negro aflorando, meu lado obscuro me chamando, querendo tomar conta daquela Hermione que todos conheciam.

- Eu fiz uma promessa, eu tentei cumpri-la, só depende de você, querida...

    Cala essa boca, minha vida não pode estar em suas mãos! Não, de jeito nenhum! Eu não quero, eu quero viver a minha vida, por favor!

- Você daria uma ótima assassina, querida...

- Cala-

- Você poderia apagar essa má fama de sangue impuro... - Seus olhos brilharam.

- Não...

- Eu tentei trabalhar todas as noites, nos momentos mais decisivos, nos impasses, nos seus atos de rebeldia... Eu estava com você...

- Não! - Voltei a chorar.

    As lágrimas se confundiram com as gotas de chuva.

- HERMIONE! - Gritou Harry se esticando no chão a fim de me tocar ao longe.

- Cala essa boca, Potter! - Lucio chutou seu estomago.

    Harry, Tony, Ron, Gina, Dumbledore, tia Josefine, Draco, Parvati, Deena, Luna, Anne, Sarah... Meus pais. Todos podem sofrer, todos sofreram, todos sofrem. Tudo ficou em câmera lenta. Uma força descomunal levantou meu braço e pegou na mão que segurava a varinha e a torceu, quebrou seus dedos, pude sentir.

    Gemeu e gritou, caindo no chão e a varinha em sentido contrário. Caí no chão batendo a cabeça no tronco e deixando o sangue escorrer. Saquei a varinha e estuporei Lúcio com um dos feitiços mais fortes que eu já lancei. Voou três metros e colidiu, quebrando a árvore no meio. Caiu desacordado.

    Levantei-me com dificuldade cambaleando. Meus olhos eram confundidos pelos trovões, pelas gotas, lágrimas e sangue.

- Você nunca- - Narcisa levantou-se com dificuldade segurando o punho direito.

- SUA- -

- ESTUPEFAÇA! - Ela girou no ar e caiu. - VOCÊ NUNCA VAI ME CONTROLAR! EU NUNCA VOU ME TORNAR UMA DE VOCÊ! EU TE ENOJO NARCISA MALFOY! - Gritei com voz de choro, ajoelhando no chão e chorando o final das lágrimas.

    Harry, com dificuldade, levantou-se e ajudou Tony e a escorar naquela árvore. Olhei para eles soluçando e um grande trovão deixou tudo branco, não achei Narcisa pelo chão, o que me deixou assutada. Sua mão pegou no meu pescoço por trás e me jogou contra a parede.

- EU TINHA ESPERANÇAS EM VOCÊ, GRANGER!

- Esqueça...! - Seus dentes se fecharam. E me jogou no chão fazendo tudo girar. Saí perto de Ron que acordava levemente.

- VOCÊ É O SER MAIS BAIXO, MAIS REPUGNANTE QUE EU JÁ TIVE OPORTUNIDADE DE VER, GRANGER! A SUA PRESENÇA ME ENOJA! EU DEVIA TER TE MATADO QUANDO TIVE CHANCES! - Correu até mim e apontou a varinha para meu rosto. - Morra... - Sussurrou deixando as lágrimas caírem.

    Os pingos congelaram e caíram como flocos de neve. A minha atenção ficou fixa naquilo, junto com Narcisa e Ron que não entendia nada que estava acontecendo. Tudo ficou em graus negativos. A ponta da varinha começou a congelar, logo depois a a mão de narcisa que a largou e caiu para trás, numa terra um pouco congelada.

- Não! Não! - Gritou desesperada. - Lúcio! ACORDA! - Tentava acordar o marido.
    
    Aqueles seres conhecidos como Dementadores sugiram pelo topo da clareira. Eram em quatro, se eu não me enganei. Narcisa gritava incontrolavelmente, passava a mão no rosto, se contorcia. Lúcio ainda estava inconsciente. O frio era horrível, minha sensação térmica era pior ainda.

    Grudei os olhos numa das cenas mais inesquecíveis da minha vida: um beijo de um Dementador. As pontas dos meus dedos não existiram mais, minha visão ficou totalmente embaçada e minha cabeça conheceu o frio chão.


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.