Lágrimas Divinas




Capítulo XX


Lágrimas Divinas


 


 


Eu sabia que não conseguiria tomar meu banho. Batidas na porta me obrigaram a abri-la, mesmo não querendo. Do outro lado, um loiro. Entrou-se sem ao menos me cumprimentar. Fechei a porta e me virei cruzando os braços.


 


Pode começar, pode esbravejar, gritar, chorar, implorar, se você não terminar comigo agora, eu termino.


 


- Nós temos que conversar.


 


- Eu também acho.


 


Ele não esperava por essa resposta. Andou pelo quarto, olhou em tudo e o quarto se tingiu de branco por causa de um raio alto que caíra perto do Salgueiro Lutador.


 


- Anda estudando muito. - Olhou os livros.


 


E aquele silêncio e mistério estava me matando aos poucos.


 


 


Hey Girl,


Ei, garota


 


Is he everything you wanted in a man?


Ele é tudo o que você queria em um homem?


 


You know I gave you the world


Você sabe que eu te dei o mundo


 


You had me in the palm of your hand


Você me teve na palma da sua mão


 


So, why the love went away?


Então porque seu amor foi embora?


 


I just can't seem to understand


Eu não consigo entender


 


Thought it was me and you, baby


Pensei que fosse eu e você, baby


 


Me and you until the end


Eu e você até o fim


 


But I guess I was wrong


Mas eu acho que estava errado


 


 


Eu estava pensando esses dias, não pode ter sido com o tapado do McLaggen, não é mesmo?


 


Torci o nariz e tentei achar algum sentido naquela pergunta.


 


- Do que está falando?


 


- Sua primeira vez, não foi com ele.


 


Remoendo assuntos do passado.


 


- Foi! Foi sim! - Confirmei irritada apertando os braços contra o peito.


 


- Hermione, não minta pra mim. - Ergueu uma sobrancelha. - Francamente... McLaggen é um completo idiota!


 


- E o que você tem a ver com isso?! Eu tenho certeza que isso não tem nada a ver com o 'assunto' que você quer conversar comigo. - Disse visivelmente irritada.


 


- Ele contaria algum dia, não é mesmo?


 


- Sua intensão é me provocar?


 


- Não, lógico que não! - Disse sério. - Ele bebeu de mais e soltou sem querer, disse que nem conseguia te beijar direito! - Bufei.


 


Meus olhos picaram algumas vezes e logo depois bufei mais uma vez.


 


- Por que você mentiu para mim? - Molhei os lábios não o olhando. - Havia necessidade?


 


- Havia.


 


- Foi o Potter. - Soltou depois de pensar um pouco em silêncio.


 


- Oh, pelo amor de Merlin, tira ele da cabeça, um minuto só! - Soltei aborrecida. - E você não tem esse direito de vasculhar minha vida pessoal, fale logo o que quer.


 


Draco suspirou, sua veia da testa estava saltada e sua expressão séria.


 


- Nenhuma bomba estourou ainda, Hermione. - Ergui uma das sobrancelhas. - Nenhum alarme, nenhum atentado...


 


- O mundo não gira em volta de você, Malfoy.


 


- Aos olhos dos meus pais, você está errada em pensar assim. Eles moveriam montanhas para me separar de você.


 


- E conseguiram. - Engoliu seco.


 


Andou mais uma vez pelo quarto e sentou-se na minha cama apoiando-se nas mãos em cima dos joelhos.


 


- Se ninguém soubesse, estaria tudo bem.


 


- Não, não estaria tudo bem. Seus pais podem entrar na sua mente a hora que eles bem entenderem, eles já sabiam até antes de tudo isso acontecer, eles estão deixando para provar que você não é nada sem eles. - Me encarou com um pouco de tristeza e rancor. - Eles estão te testando.


 


- Você não pode julgá-los. - Levantou-se rapidamente.


 


- Lógico que posso! - Cruzei os braços. - Eles são comensais, eles só se importam com eles mesmos, eles já sabem seu destino. Eles nunca aceitariam um relacionamento seu com uma nascida trouxa, amiga de Harry Potter.


 


Sua respiração ficou tão rápida e alta que pensei que ia explodir naquele momento.


 


- A questão não são eles, somos nós, Granger. Nós deixamos chegar aonde chegou, nós deixamos que todos saibam, nós deixamos a situação pior do que começou.


 


 


Don't wanna think about it


Não quero pensar sobre isso


 


Don't wanna talk about it


Não quero falar disso


 


I'm just so sick about it


Eu estou tão cheio disso


 


I can't believe it's ending this way


Não acredito que está acabando desse jeito


 


Just so confused about it


Eu estou tão confuso


 


Feeling the blues about it


Estou tão triste


 


I just can't do without ya


Não consigo ficar sem você


 


Tell me is this fair


Me diz: isso é justo?


 


 


- Nós dois sabíamos as conseqüências! Você sabia a conseqüência em me seguir pelo corredor naquele primeiro dia de aula e eu sabia a conseqüência de deixar você continuar. - E mais um raio seguido de um estrondo. - Eu sabia que era impossível ficar longe de você.


 


Draco me olhou nos olhos, segurou no meu rosto com as duas mãos e encostou a sua testa na minha. Passado três segundos, soltou-se um pouco bruto e andou pelo quarto novamente.


 


- Eu- - Passou as mãos no cabelo. - Eu não quero mais.


 


Aquele apelo saiu mais desesperado do que nunca.


 


- Temo por você. - Sentou-se novamente e eu sentei-me ao seu lado.


 


- Não tema por mim, eu sei me cuidar e tenho ótimos amigos que sabem o que fazem. Eu estando com você, me fez ficar longe deles, me fez ficar insegura, me fez ficar sem ninguém que eu pudesse contar.


 


- E eu? - Olhou incrédulo.


 


- Você- - Engoli e deixei uma lágrimas cair. - Você é um comensal, Draco. A sua missão é me matar, e a minha, é matar você.


 


Ele não acreditou naquilo que eu disse.


 


Seu pai fez você vir aqui e me contar tudo isso, ele mandou você vir aqui e destruir qualquer sonho tosco que nós tínhamos separado para nós. - Negou com a cabeça quase chorando. - Ele está certo, seu mundo é diferente do meu.


 


Ele engoliu o choro e levantou-se até a janela que estava recebendo aquelas lágrimas do céu. Enfiou as duas mãos no bolso da calça fina e suspirou.


 


- Pessoas inocentes morrem todos os dias.


 


- Nenhuma novidade. - Respondi encarando o chão.


 


- A caçada aos trouxas em Londres. - Lentamente virei-me para ele. - Pessoas morrendo, um noite fria. - Imagens começaram a formar na minha cabeça. - Estava garoando, a lua não aparecia. - Suas palavras estavam ficando mais fracas. - Um casal. - Parecia que via as cenas naquele vidro. - Três comensais, um grito... Um apelo, duas mortes.


 


Levantei-me e fiquei atrás dele.


 


- Os olhos dela eram tão calmos, tão acolhedores. - Disse começando a chorar. - Ele parecia protegê-la do desconhecido... Três minutos depois, a polícia chega, pega as identidades, procura o endereço, bate numa velha casa.


 


Meus olhos estavam possessos por imagens feitas na minha cabeça. Os olhos dele, grudados no vidro.


 


- Assalto?


 


Como um estalo, fiquei estática.


 


- Um desmaio, choros a noite inteira. - Virou-se para mim com o rosto molhado de lágrimas. - Não consegui ficar observando por muito tempo.


 


As lágrimas caíam sem nenhum pudor, quase sem sentir nada, minha cabeça começou a dar voltar, imaginando aquela cena que Draco acabara de me descrever.


 


Is this the way it's really going down?


É assim que as coisas vão acabar?


 


Is this how we say goodbye?


É assim que vamos dizer "adeus"?


 


Should've known better when you came around


Eu deveria ter desconfiado quando você apareceu


 


That you were gonna make me cry


Que você iria me fazer chorar


 


It's breaking my heart to watch you run around


Está me matando te ver ir embora


 


'Cause I know that you're living a lie


Porque eu sei que você está vivendo uma mentira


 


But that's ok, baby, 'Cause in time you will find


Mas tudo bem, baby, porque com o tempo você verá


 


 


Nenhuma palavra saía da minha boca. Draco descreveu – pelo que parecia – a cena da morte dos meus pais. Tudo ali fazia sentido. Tudo fazia minha cabeça doer mais do que nunca. Queria fugir, sair correndo, gritando, berrando, batendo em tudo e todos, mas não conseguia me mover.


 


- Você- - Suspirei.


 


- Meus pais mataram seus pais.


 


Aquela enxurrada de informação me deixou tonta. Meu coração foi a milhão junto com a minha imaginação. Uma sensação indescritível.


 


 


What goes around, goes around, goes around


Tudo que vai, que vai, que vai,


 


Comes all the way back around


De todo jeito, volta!


 


 


O trovão embalou o momento. Passei as mãos entre os cabelos e me deixei cair na frente da cama, me apoiando na frente da mesma, continuando com as mãos entre os cabelos e os olhos molhados.


 


- Eu estava acompanhando eles. - Ficou me olhando deixando as lágrimas caírem. - Eu não podia impedi-los...


 


- PODIA! - Gritei chorando alto.


 


- Eles me- - Engoliu. - me matariam, Hermione, você sabe disso...


 


- ELES MATARAM PESSOAS INOCENTES! - O encarei com os olhos banhados.


 


- Não foram só seus pais, Hermione... Nós nos reunimos quase todas as noites em uma casa bem no centro de Londres, em um beco deserto, três quadras do Caldeirão Furado, bem debaixo do nariz deles, para ninguém suspeitar... Lá podíamos confabular, pensar, estudar...


 


- Você está se incluindo neles... - Ficou mudo por um instante.


 


Levantei-me e quis partir para cima dele mas segurou em meu punho antes que chegasse no seu rosto.


 


- Eles queriam provocar a ira de Harry Potter.


 


- Mas Harry Potter não sabe, e nunca irá saber. - Disse entre os dentes ainda querendo agredi-lo.


 


Soltou-me e foi para o outro lado do quarto.


 


- Eu falei que estariam fazendo a coisa errada, mas eles não me escutaram! “Draco, faça isso!” “Draco, fala aquilo”! É pra isso que eu sou convocado pras missões! Capacho deles...


 


- Eles querem te ensinar, isso sim. - Dei uma risada óbvia e cheia de raiva. - “Eu te amo, Hermione!” QUEM GARANTE QUE VOCÊ MUDOU MESMO, MALFOY?! SE NEM SEUS PAIS MUDAM, POR QUE VOCÊ MUDARIA?? Você pode falar que me ama, mas tem algo dentro de você que me odeia.


 


- Não posso ser culpado por uma coisa que meus pais fazem! - Quase gritou.


 


- LÓGICO QUE PODE! VOCÊ TINHA A OPORTUNIDADE DE PARÁ-LOS, VOCÊ NÃO FEZ...


 


Minha respiração ficou alta e as lágrimas pararam por um momento.


 


 


 


Now Girl


Agora garota


 


I remember everything that you claimed


Eu me lembro de tudo que você alegou


 


You said that you were moving on now


Você disse que estava partindo pra outra agora


 


Maybe I should do the same (maybe I should do the same)


Talvez eu devesse fazer o mesmo


 


The funny thing about that is I was ready to give you my name


O engraçado disso é que eu estava pronto pra te dar meu nome


 


Thought it was me and you baby


Pensei que éramos eu e você, baby!


 


And now, it's all just a shame


Agora, é tudo uma vergonha


 


That I guess I was wrong


Eu acho que me enganei


 


 


Draco engoliu as palavras.


 


Você poderia ter salvado a vida de pessoas... Seu sangue pede que pessoas morram, você não pode negar suas origens.


 


Ficou em silêncio.


 


Eu não quero ver você nunca mais. - Soltei com extremo rancor. - Se um eu te amei, foi como a sua coragem; Sempre saí correndo quando você mais precisa dela.


 


Aquelas palavras entraram como uma faca no coração dele, eu pude ver isso pela sua expressão.


 


- Se eu fosse você, temeria Harry Potter.


 


- Você não sabe o que está falando, Hermione!


 


- Sei, eu sei muito bem! Por conta dos meus atos, meus pais morreram, David morreu... Não quero causar a morte de ninguém mais.


 


É, a imagem de David – antes um pouco apagada – voltou a tona. Eu tinha realmente deixado esse caso de lado, eu tinha que lembrar num dos piores momentos da minha vida.


 


- E você acha que comigo, você é um risco a todos?


 


- Não, eu acho que eu sozinha, viva, sou um risco a todos.


 


Droga, não quero ficar lembrando dessa cena.


 


Apenas o barulho do meu salto invadia o silêncio. Nenhuma voz, nenhum burburinho, nenhuma respirada a não ser a minha. Nem sabia para onde estava indo, minha cabeça estava tão alienada que nem os passos que eu mesma dava faziam sentido. Num dos corredores, deparei com Tonks. Ela me segurava para não prosseguir, mas eu tinha que vê-lo.

- Hermione, é melhor não. – Me segurava.

- Me deixa, Tonks!! – Me soltei e logo vi, David ali, esticado no chão.

Sangue saindo de sua boca e nariz, os olhos arregalados. Tinha vários aurores em volta, Snape estava ali e já se manifestou me tirando de lá de perto. Ao lado da mão de David, aquele Pingente Aimer.
Aquele maldito pingente. Deixei uma lágrima soltar quando Snape me pegou pelos cotovelos e me tirou dali quase me xingando.

- Minhas ordens foram de não deixar ninguém sair, Granger. Volte agora.


 


 


Don't wanna think about it


Não quero pensar sobre isso


 


Don't wanna talk about it


Não quero falar disso


 


I'm just so sick about it


Eu estou tão cheio disso


 


I can't believe it's ending this way


Não acredito que está acabando desse jeito


 


Just so confused about it


Eu estou tão confuso


 


Feeling the blues about it


Estou tão triste


 


I just can't do without ya


Não consigo ficar sem você


 


Tell me is this fair


Me diz: isso é justo?


 


 


Some daqui, Malfoy. - Disse indo até a porta e a abrindo.


 


Não tem como voltar atrás.


 


Eu não quero voltar atrás. - Disse decidida. - Seus pais irão acabar com a sua vida, antes de qualquer pessoa.


 


Você vai querer vingança... Pode acabar com isso agora. - Disse com os braços abertos.


 


Eu tenho contas a acertar com seus pais, você é consequência. Some daqui. - Pedi mais uma vez e me calei.


 


Ele me olhou profundamente e saiu.


 


 


Is this the way it's really going down?


É assim que as coisas vão acabar?


 


Is this how we say goodbye?


É assim que vamos dizer "adeus"?


 


Should've known better when you came around


Eu deveria ter desconfiado quando você apareceu


 


That you were gonna make me cry


Que você iria me fazer chorar


 


It's breaking my heart to watch you run around


Está me matando te ver ir embora


 


'Cause I know that you're living a lie


Porque eu sei que você está vivendo uma mentira


 


But that's ok, baby, 'Cause in time you will find


Mas tudo bem, baby, porque com o tempo você verá


 


 


 


Fechei os olhos lentamente, andei até a cama e me joguei de costas entre aquelas almofadas fofas. Eu não estou bem, eu não estou parentando estar bem! Eu só queria me mostrar segura para ele para não ter que ficar agüentando sermão se algo acontecer de errado!


 


Levei as duas mãos ao rosto e desatei a chorar novamente.


 


 


What goes around, goes around, goes around


Tudo que vai, que vai, que vai,


 


Comes all the way back around


De todo jeito, volta!


 


 


***


 


A chuva está realmente forte, não pensei que choveria assim. Até pensei que os trovões eram por causa da minha ira conflitando com a de Draco, bobagens da minha cabeça e daquele trabalho de Adivinhação que está me deixando maluquinha.


 


Enquanto tomava um banho, a única imagem que vinha na minha cabeça era a de David. David vivo, David segurando a minha mão, David brigando comigo, David me ensinando a matéria, David morto e esticado não.


 


Eu pensei que poderia superar com uma facilidade sem tamanho ocupando minha mente de outras coisas, mas não é verdade. E se todo mundo soubesse? E se todo mundo soubesse que você tem uma parcela de culpa em tudo isso? O que pensariam de você? O que fariam com você? Não posso contar a ninguém, não posso sair contando de um garoto foi morto nos corredores sabendo que apenas dois alunos sabem a verdadeira história. Seria intitulada como uma louca, iam me internar em uma clinica psiquiátrica e lá ficaria até os fins dos meus dias.


 


Se ele não tivesse morrido, quem morreria? Minha mãe dizia que nada é por acaso e tudo é reflexo de algo que aconteceu. Se eu tivesse usado esse colar com outra pessoa, David estaria vivo. Mas, eu estaria matando uma pessoa do mesmo modo. Não... não devo ficar pensando nisso, agora não.


 


Eu nem sei onde essa merda está! Não quero ficar pensando numa coisa que não está ligada a mim.


 


Encostrei minha cabeça na janela e respirei fundo. Agarrei mais ainda as pernas contra o peito e mirei longe das terras de Hogwarts, mesmo que o breu da noite me impossibilite de ver muita coisa.


 


Tratei esse acontecimento com tanta frieza; fiz o favor de ignorá-lo por mais de seis meses. O cara que dizia que te amava morreu por sua culpa e você ficou tentando tomar desvios para não ter a atenção integral de seus pensamentos visados nele. Eu ouvi – dezenas de vezes – sair da sua boca um 'eu te amo'.


 


 


Saw the world turning in my sheets and once again I cannot sleep.


Vi o mundo revirando em meus lençóis e, mais uma vez, não consigo dormir


 


Walk out the door and up the street; look at the stars beneath my feet.


Saio porta fora e subo a rua, olho as estrelas sob os meus pés


 


Remember rights that I did wrong, so here I go.


Relembro coisas certas que eu transformei em erradas e aqui vou eu...


 


 


Ele só queria que eu o correspondesse e nem isso eu fiz enquanto estávamos juntos. Era só mais um entre tantos que tinha na minha lista de conquistas. Se eu disse duas vezes, foi muito, e essas duas vezes, não foram de coração aberto. Ele fazia de tudo para me agradar, ele queria meu bem e eu me aproveitei disso para esfregar na cara dos outros que Hermione Granger não é mais a mesma que todos conheceram. Que agora, é uma mulher, uma mulher tão decidida que é suas atitudes não passam de um mero reflexo daquilo que é por dentro.


 


Após conseguir ficar menos de um mês com ele, provei que quem estava dominando a relação, era eu e não ele. Dei o ponta pé para minha liberdade usando de uma desculpa tão fútil.


 


Um relâmpago tingiu o quarto de branco fazendo as luzes piscarem algumas vezes.


 


Mirei o teto com os olhos pouco abertos e suspirei. Agarrei as mangas compridas da minha blusa e as usei como luvas. Bichento brincava com um rato de borracha que tinha ganhado de aniversário. A chuva começou a ficar mais intensa ainda e a dor que eu sentia aqui dentro também.


 


Uma culpa única, uma dor que apertava, comprimia e fazia com que lágrimas involuntárias caíssem dos meus olhos. Passei as costas da blusa no meu rosto e saltei da poltrona. Enfiei a primeira calça que vi no corpo e busquei pelas horas. Eram mais de duas da manhã mas não ligava. Se ficasse ali, pensando em tudo aquilo, piraria antes de completar dezoito anos de idade.


 


Pensando em David, em Draco, em Harry, em Ron, em Gina, em meus pais, em Tonks e Lupin, em Tony, Deena, Parvati, Anne, Sarah. Pensando em Meg, Moody, Keiko, Snape, Minerva, Dumbledore! Pensando em todos, todos ao mesmo tempo.


 


Peguei uma blusa de frio e a coloquei cobrindo minha cabeça com o capuz. Acariciei as orelhas de Bichento e sorriso levemente indo até a porta.


 


 


Hello, hello. There is no place I cannot go.


Olá, olá! Não há lugar onde eu não possa ir.


 


My mind is muddy but my heart is heavy. Does it show?


Minha mente está confusa mas meu coração está acabado. Consegue ver?


 


I lose the track that loses me, so here I go.


Perdi o rastro que me guiou, então assim continuo.


 


 


Passava a mão numa linha contínua de tijolos velhos. As pontas dos dedos já estavam pretas mas não estava ligando. O chão estava molhado, os quadros dormindo feito pedras e só uma ou duas lamparinas acessas.


 


Foi tão de repente. Quem acreditaria que após um passeio em Hogsmeade, um aluno seria encontrado morto nos corredores? Sem nenhum motivo aparente, sem nenhum motivo ou conseqüência.


 


David era um dos melhores alunos dessa escola; Nunca se metia em nenhuma encrenca e foi aquele que pagou muito caro. Minha ganância o matou. Minha vontade de quer mais e mais acabou tirando sua vida.


 


Nenhuma mais. Não quero ver os outros pagando pelos meus erros. Por mais que eu tenha errado, por mais que eu tenha pensado em mim e mais nada, eu não sabia as conseqüências. Eu nunca imaginaria que um mero pingente de merda tiraria a vida de uma pessoa tão boa como o David. Apenas as horas que eu fiquei ao seu lado foi necessário para tirar uma vida inteira.


 


E seus pais? Nunca terei coragem de encará-los, muito menos Fibby. A dor de perder alguém sem ao menos se quer, ter um pensamento desse na mente, é muito grande, quase insuportável. Bate no peito e quer sair rasgando tudo.


 


Desci as escadas principais. Passei em frente o Salão Comunal, passei em frente quadros em sonos profundos quando finalmente, cheguei ao jardim. Parei antes de pisar na grama encharcada. Meus pés descalços já estava totalmente sujos e molhados. Metade da minha calça estava úmida e as mangas da minha blusa. Meu rosto estava banhado em lágrimas e meu cabelo tentado escapar pelo capuz. Um vento forte fez com que ele caísse da minha cabeça. Não o coloquei no lugar. Apoiei uma das mãos no canto da porta e pisei na grama sentindo toda aquela água entrar no meio dos meus dedos, molhar todo o restante do meu pé.


 


Quando meus pais morreram, eu não aceitava nada. Não aceitava olhar as pessoas sorrindo. Ficava me perguntando o porquê de felicidade. Se meu mundo estava uma droga, de todos deveriam estar. Se o meu mundo não funciona, nenhum outro deveria estar ativo. Queria que todos vivessem aquilo que eu sentia, que eu estava passando.


 


O desespero se tornou parte integrante das minhas horas, dos meus minutos. Pensava que agora, meu mundo era aquele quarto. Até passou pela minha cabeça virar uma gótica ou uma punk que detesta tudo e todos e gosta da escuridão e muito rock'n roll. Pra que isso? Perguntou minha consciência naqueles dias. Pra nada, pra apenas me refugiar.


 


Se refugiar fugindo da realidade? Você tem uma vida.


 


Será que eu fiz algo de errado para ser punida desse jeito? Mamãe, papai, David. Quem será o próximo? Eu sei que entrei nesse mundo da bruxaria para encontrar minhas verdadeiras origens, sabia que não era fácil, sabia que tudo que eu fazer, daqui para frente, nunca será igual ao que eu fazia quando tinha menos de onze anos.


 


Já me disseram que eu não era a única pessoa com sofrimentos e tristezas, que o mundo não girava em volta da minha cabeça e que os outros também tem suas vidas tão mais importantes quanto a minha. Quanto mais atenção eu queria, mas eu necessitava. Será que todos pensavam mesmo isso de mim?


 


Sentei num dos bancos. Agarrei as pernas contra o peito e fiquei olhando para o chão fixamente. Já estava totalmente ensopada. A água gelada entrava por debaixo da minha roupa e parecia que penetrava na pele.


 


Há mais de seis bilhões de pessoas no mundo. Há mais de sessenta milhões apenas na Inglaterra. Eu pensava que era apenas mais uma, senão seriam cinqüenta e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove pessoas apenas. Que atire a primeira pedra quem nunca se rotulou apenas mais um na estatística da ONU.


 


O que fazer para deixar de ser apenas mais uma nessa humanidade tão rígida em seus princípios?


 


 


And so I sent some men to fight, and one came back at dead of night.


Assim, enviei alguns homens à luta, e um voltou morto à noite,


 


Said he'd seen my enemy. Said he looked just like me,


dizendo que vira meu inimigo. Disse que parecia comigo.


 


So I set out to cut myself and here I go.


Então tomei as mágoas e aqui vou eu.


 


 


Deixar de ser a menininha boba, ingênua e sã de consciência e virar uma mulher ousada, esperta e sedutora. Como eu pude?


 


Como eu pude?!


 


Deitei a cabeça nos joelhos e me pus a chorar novamente. Relampejava, deixava tudo em tons claros, em tons esbranquiçados. Meus dedos se encolheram com o frio e cravei as unhas na palma da mão.


 


Não quero mais viver assim... Não quero sorrir por fora e chorar por dentro, não quero mais ser esse rótulo. Quero ser alguém, mas alguém que eu tenha orgulho, que eu tenha vontade de dizer 'essa sou eu' ou 'sim, eu fiz isso'.


 


Não estou arrependida, mas não estou satisfeita. O equilíbrio de uma pessoa é quando físico, mente e moral estão estáveis. Nenhuma dessas 'qualidades' está estável no momento.


 


Posso jurar que naquele momento, um raio cai a dez metros de mim. Minhas mãos foram nos meus ouvidos e meus olhos se comprimiram com o susto. Ao erguer a cabeça, uma pequena planta de um metro e pouco exalava uma fumaça, pequena mas notável.


 


Meu coração acelerou relativamente. Sentei no banco deixando os pés suspensos, apoiei as mãos no acento e fiquei olhando para o céu. Os pingos de chuva caiam em meu rosto limpando todas as lágrimas. O céu estava tão escuro, não feio.


 


De repente, algo o corta. Pisquei algumas vezes e tirei o excesso de água. Mas uma vez, algo cortou o céu. Estava há cinco metros da minha cabeça. Fiquei em pé no banco e acompanhei com os olhos aquilo que voava quando finalmente reconheci uma vassoura e em cima dela, um louco.


 


A chuva caía com tanta intensidade, os raios eram tão fortes e os trovões tão barulhentos que qualquer pessoa sóbria ficaria em sua cama ou em local coberto. Meu Merlin, ele pode ser entreocultado a qualquer minuto! Ele tem que descer dali!


 


Comecei a acenar, pular em cima daquele banco. Gritava para descer da vassoura, chamava sua atenção mas não ouvia. Olhei dos lados, nas janelas e portas para certificar que Filth ou qualquer outro não estava ali.


 


- Desça! É muito perigoso! – Gritei mais vezes acenando.


 


Não sei exatamente o que aconteceu mas tudo ficou branco de repente e logo preto, quando dei por mim, estava caindo no chão e não reconhecendo mais nada...


 


 


I'm not calling for a second chance,


Não estou pedindo uma segunda chance,


 


I'm screaming at the top of my voice.


Estou gritando com toda minha voz


 


Give me reason but don't give me choice.


Não me dê escolha, só me dê razão.


 


'Cause I'll just make the same mistake.


Se não eu vou cometer o mesmo erro.


 


 


***


 


Corria e corria. Era a única coisa que fazia. Vestia um vestido branco comprido e os cabelos soltos e ao vento. Olhava para trás constantes vezes, segurava com as duas mãos um colar que trazia no pescoço. Que desespero, que agonia. As árvores formavam um caminho exato, uma linha reta quase simétrica. Os meus pés descalços já estavam com cortes profundos, a barra do meu vestido estava suja de sangue e barro e o suor escorria pela minha nuca. Meu nome era clamado por ecos estranhos e quanto mais corria, mas alto ficava. Algo me fez parar, ao olhar pro chão, David esticado, naquela mesma posição que o vi da ultima vez. Seus olhos arregalados, o sangue quente e molhado descendo de sua boca... Minhas mãos agora, estavam banhadas em sangue também, minha roupa tinha pegado outra cor. Um vermelho rósea, um vermelho sangue. Passei a mão em meu rosto chorando e vi mais sangue saindo... Ergo meu olhar e lá está meu pai e minha mãe, também dilacerados. Uma visão horrível, clamando meu nome...


 


- NÃO! – Gritei dando um salto da cama. Meu coração estava mais rápido do que a luz, meu olhar estava focado no nada e minha mente longe de mais para fazer as associações certas. – não, não.... – Soltei mais algumas vezes me encolhendo, pegando nos lençóis brancos e molhados da cama e procurando algo para agarrar fortemente.


 


- Você está bem? – Uma voz grossa surgiu ao meu lado.


 


Ao virar meu rosto abruptamente para seu lado, reconheci uma face cansada, com pequenos arranhões no rosto, tão quão molhado quanto eu.


 


- O que você estava fazendo voando a essa hora da noite? – Disse depois de um jejum de palavras.


 


- Voando, você mesmo disse. – Levantou-se da cama e pegou um copo e entregou.


 


- O que é isso?


 


- Poção estimulante – Bichento deu um pulo em cima da cama e ficou nos meus pés. – E você? De pijamas, descalça e encharcada, dando pulos em cima de um banco e pedindo para ser atingida por um raio.


 


- O que aconteceu comigo? – Disse depois de beber. Ele não respondeu, pegou o copo e deixou em cima da cama. – Harry, - Ficou de costas para mim, olhando para os copos e a jarra de água que tinha ali perto de onde o copo sujo estava. – Harry, o que aconteceu comigo?


 


- Eu tive medo que você tivesse- - Não continuou.


 


- Eu fui atingida? – Perguntei tirando meu casaco e vendo se tinha marcas no corpo, mas não tinha nada além de lama.


 


- Não, mas lá do alto, apenas vi você despencando e caindo no chão, o raio passou a dois metros de você, eu pensei que- - Sua voz tinha mudado.


 


- Eu não morrerei tão fácil assim. – Levantei da cama e passei uma mão na testa. – Por que não me levou até a enfermaria? Me trouxe aqui em cima, deve ter cansado muito...


 


- Não é incomodo, e também, não quero encrenca e eu acho que você também não.


 


Harry andou pelo quarto, pegou sua vassoura que estava encostada na parede e pegou seu casaco.


 


 


And maybe someday we will meet, and maybe talk and not just speak.


E talvez um dia nós nos encontremos e talvez possamos conversar e não apenas falar


 


Don't buy promises 'cause, there are no promises I keep.


Não acredite nas promessas porque não há promessas que eu cumpra,


 


And my reflection troubles me, so here I go.


E minha culpa me inquieta assim aqui vou eu.


 


 


- São quase cinco horas da manha, amanhã eu tenho jogo e- - Limpou a garganta - volte para sua cama. – Consenti com a cabeça e segurei nos próprios braços.


 


Abriu a porta em silêncio, pôs-se para fora no mesmo modo mas antes de fechá-la, eu segurei brutalmente na maçaneta e a abri novamente.


 


- Você soube?


 


Voltou e me encarou.


 


- Do que?


 


- Moody pediu que eu terminasse com o Malfoy. - Caiu nos ombros e olhou para o céu.


 


- Por que você ouve um caolho lunático e não ouve seus amigos? Já estava na hora.


 


É, eu fiquei irritada com isso.


 


- E você terminou, presumo? - Olhei para os lados e o puxei para dentro do quarto. Pediu cuidado e mais calma, mas eu não o fiz.


 


- Eu ouvi uma conversa dele com Lúcio, eu acho que eles estavam conversando sobre- - Engoli seco me encostando a porta já fechada.


 


- Sobre Harry Potter?! Sobre o que mais eles debatem?! - Disse aborrecido sentando na cama.


 


- Eles estavam falando sobre mim. - Ergueu seu olhar para o meu e fez uma expressão confusa. - Draco relutava, falava que não ia fazer isso, que seu pai não mandava mais em sua vida! Depois disso, ele quis conversar comigo, e então eu terminei tudo com medo dele fazer alguma coisa comigo ou algum de vocês.


 


- Francamente, Hermione, você acha que eu tenho medo do Malfoy?


 


- Não, lógico que não! Nem eu tenho medo dele!


 


- Não precisa ficar tão receosa assim.


 


- Ele sabe do David. - Harry ficou mudo, olhou para os cantos e depois voltou a me olhar se erguendo aos poucos.


 


- Como ele sabe?


 


- No meio da discussão, eu acabei soltando sem querer, só fui notar o que eu tinha falado depois que ele saiu do quarto.


 


Harry suspirou cruzando os braços.


 


- Você gostava dele? - Agora, a expressão confusa era minha.


 


- Como você consegue mudar de assunto tão facilmente?! - Perguntei incrédula.


 


- Gostava?


 


- Acho que sim, mas-


 


- Gostava daquela Doninha?! Hermione, francamente, eu achava que você tinha um gosto melhor.


 


- Harry Potter, pare com isso, você namora a Gina e eu não fico falando coisas desse tipo.


 


- Também, era só o que faltava você falar... - Comentou indo até a porta. - Se era só isso que tinha a me revelar, estou indo.


 


- Hã, posso fazer uma pergunta?


 


- Faça. - Abriu a porta.


 


- Está bravo comigo?


 


I'm not calling for a second chance,


Não estou pedindo uma segunda chance,


 


I'm screaming at the top of my voice.


Estou gritando com toda minha voz


 


Give me reason but don't give me choice.


Não me dê escolha, só me dê razão.


 


'Cause I'll just make the same mistake again.


Se não eu vou cometer o mesmo erro outra vez.


 


 


Ele não respondeu de imediato, ficou me encarando e depois encarou sua vassoura.


 


- Estava. Não aceitava você com Draco Malfoy, achava loucura e tinha medo por você, satisfeita? - Sorri e me encostei a porta.


 


- Muito. Obrigada por ter-


 


- Ah, tudo bem. - Desceu as escadas dando um leve sorriso e eu fechei a porta aos poucos.


 


Por favor, Vida! Desacelera, ok? As coisas estão acontecendo rápidas demais e daqui a pouco, não conseguirei acompanhar.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

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