A vingança de Rony



 Harry estava voando. Suas mãos seguravam com força a penugem do animal, sentia a brisa em seu rosto como se tivesse voltado ao jogo de Quadribol. O céu estava escuro, porém as nuvens não impediam que as estrelas brilhassem, olhando para o rosto de garoto, severas.
 Seus olhos estavam fechados e ele não possuía mais óculos, sentia as asas do animal em que estava montado baterem em seu corpo e, ao abrir os olhos e olhar para baixo, percebeu seu reflexo encarando-o pela longa correnteza de águas muito escuras e densas. Ele já estivera ali antes...
 Erguendo a cabeça, reparou numa enorme ilha, uma enorme fortaleza feita de pedra. Centenas de criaturas a circundavam... Criaturas muito negras, com capas, que produziam um mal estar enorme em Harry...
 Agora a montaria do garoto diminuiu a velocidade, de modo que os dementadores se aproximavam, fazendo com que a névoa se multiplicasse e impedindo que seus olhos verdes faiscassem à luz da lua...
 Ele sentiu uma mão negra e gelada agarrar seu pescoço, sentiu o rosto da criatura perto do seu... Ele sacou a varinha do bolso, mas ao reparar bem a varinha era falsa, provavelmente Jorge trocara a dele por uma de brinquedo para pregar-lhe uma peça...
 Mas aquilo era tudo, menos engraçado. Apesar do clima gélido e do ambiente nem um pouco agradável, o suor escorria pelo seu rosto, e no mesmo instante, sua roupa estava completamente encharcada. Ele pode ver a criatura se aproximar cada vez mais, milímetro por milímetro, como uma cobra preparando-se para dar o bote...
 -O Harry não! Por favor! – A voz suave de uma mulher chegou até ele, mas não entrara pelos ouvidos, e sim brotara em sua mente. Não sabia se seria capaz de escutar o que fosse – Eu faço qualquer coisa...
 -Afaste-se... Garota tola... – Agora foi a vez da voz fria, sibilante, ribombar em seus pensamentos.
 -Por favor... – Harry pode ver um flash rápido. Um rosto aparecera, uma mulher de cabelos castanhos e olhos muito verdes...
 -Avada Kedavra!
 A maldição, verde assim como os olhos de Lílian, fora produzida pelo dono da segunda voz. Ele abriu os olhos pela segunda vez naquele dia, e reparou que seus pés balançavam no ar. Ele flutuava, pois sua montaria fora embora. Onde fora parar? O dementador que tentava sugar sua alma também sumira. No lugar dele, aparecera um homem. A visão de Harry continuava embaçada, porém ele pode perceber que o homem era mutilado, no caso não possuía um dos braços. Seus cabelos eram longos e grisalhos, ele segurava uma espada toda trabalhada a ouro na mão direita protegida com uma luva. Em seu pescoço, brilhava um objeto, também dourado, onde se destacava a letra ‘’M’’.
 O homem se aproximou, brandindo a espada com a mão que lhe restara. Ele ia atacá-lo, Harry pode ver, a expressão no rosto do velho era uma expressão assassina, porém Harry não conseguia reconhece-lo...
 O velho ergueu a espada: Era o fim, ele não tinha defesas, flutuava próximo à Azkaban sem uma varinha para se defender...
 Finalmente, Rey Colapogge investira: A espada se aproximou de seu peito, Harry pode sentir seu coração parar, seu cérebro congelar, sentiu a ponta da espada há um centímetro de seu tórax...
 Pela terceira vez, Harry abriu os olhos. Mas onde ele estava? Era complicado de se saber, pois seu corpo ainda estava suado e sua cabeça doía barbaramente. Tateou por sua volta à procura de seus óculos. Estava em terra firme, ninguém perfurara seu peito...
 Finalmente encontrando seus óculos, colocou-os em seu rosto. O dormitório da Grifinória naquele momento não refletia luz alguma. A dor em sua cabeça fazia parecer que sua cabeça iria explodir... A cada ronco de Rony, sentia como se Grope pisoteasse sua cabeça. Era demais para ele: Tinha que sair dali.
 Levantando-se, pode perceber que cada centímetro de seu corpo estava tomado pela dor. Com as pernas duras, caminhou até um canto particularmente escuro onde tinha uma tábua solta no soalho.
 Tão silencioso quanto pode, com enorme aperto no peito Harry desencaixou a tábua do chão e espiou ali dentro.
 Sentiu o suor de seu rosto secar, sua respiração ofegante ficara mais calma na medida em que a preocupação desvairava dele. Com um grande alívio, constou que a espada de Merlim ainda estava ali.
 Apesar de sorrir por dentro, o rosto de Harry permaneceu impassível. [i]Que sonho horrível[/i], pensou.
 Ele espiou em seu pulso, receoso em saber as horas. Mal poderia ver, pois sua sonolência era tanta que quase o impedia de enxergar. Com um sobressalto, descobriu que naquele momento já passava das três horas da manhã.
 Jogou-se na cama, inconscientemente do que fazia. Adormeceu antes de sua cabeça encostar-se ao travesseiro.

 As semanas em Hogwarts se passaram realmente voando. Durante um período de tempo, somente os estudos preenchiam as escolas, os professores começaram a ser irritantemente [i]chatos[/i] quanto à quantidade de trabalhos e testes, sem falar que ultimamente as aulas têm sido trabalhosas e complicadas.
 Para completar, os treinos de Quadribol estavam sempre sendo colocados em segundo plano. Minerva não parava de cobrá-lo, pedia para que arrumasse algum tempo nos finais de semana para que treinassem. Harry não disse à professora, mas gostaria que se ela quisesse que eles se empenhassem para o Quadribol diminuísse a carga de deveres por dia.
 Harry particularmente estava começando a se sentir receoso com o fato que o ano estava se aproximando do fim e Rey Colapogge ainda não agira. Começava a se sentir menos paranóico, porém diariamente verificava se alguém mexera em seu esconderijo na tábua solta no soalho.
 Hermione, por outro lado, parecia ter se esquecido do fato de que um assassino de setecentos anos provavelmente perambulava pelos terrenos da escola. Preocupava-se somente com os NIEM’s, mas não deixara de esconder roupas feitas por ela mesma em lugares estratégicos da Sala Comunal, para que um Elfo Doméstico acidentalmente agarrasse alguma das peças e se libertasse da escravidão proposta por Hogwarts.
 Rony mostrava indiferença à Colapogge, e como Hermione tratava de fazer praticamente todos os deveres pra ele, não precisaria se preocupar tanto com os NIEM’s também. Porém, uma coisa visivelmente perturbava os emocionais do amigo: Glanmore Lestrange, a cada dia que se passava, começava a tentar irritá-lo das piores maneiras possíveis. Duas vezes, Harry teve de impedir que Rony azarasse Lestrange, impedindo, assim, que Rony se enfiasse em uma baita confusão.
 Apenas uma coisa em Hogwarts fazia com que Harry se lembrasse das coisas boas em se estudar ali: Com o início da primavera, poderia se distrair observando a vasta quantidade de pássaros de todos os tipos circundado o castelo. O ambiente também deixara de ser aquele seco como estavam acostumados, tornara-se muito florido, principalmente no lugar em que o cemitério fora criado. Quase semanalmente, Harry via Simas Finnigan, amigo que antigamente estudara na Grifinória, visitando o túmulo de Dino.
 Rony ainda não conseguira perdoar Glanmore, mesmo não tendo provas de que fora ele quem matara Dino. Particularmente, Harry duvidava, [i]e muito[/i], de que fora Lestrange que cometera o homicídio.

 Harry tinha acabado de sair da sala de feitiços quando espiou pela janela. Ele viu o diretor saindo pelos portões da escola, acompanhado por Hagrid. Teria de descer para a aula de Transfiguração no pátio,quando foi abordado por uma voz, arrastada e irritantemente conhecida.
 -Weasley?
 Harry se virou. Glanmore Lestrange não o encarava, seu olhar calmo pairava sobre o rosto sardento de Rony. Ambos, calados. Porém, Harry pode perceber que Rony, por dentro, espumava de raiva.
 -O que você quer? – disse rispidamente.
 -Calma – Glanmore sorriu debochado, recostando-se na parede. – Só queria saber se você não tem vergonha...
 -[i]Vergonha de quê?[/i] Quem deveria se sentir envergonhado é você, Lestrange. Não sei se sabe, mas seu sobrenome não é muito respeitado por aqui.
 O sorriso de Glanmore vacilou. Harry, Rony e Hermione viraram-se para seguir por seus caminhos.
 -Meu sobrenome não é respeitado? E quanto ao seu, [i]Weasley?[/i]
 Harry continuou a prosseguir, mas reparou que Rony parara abruptamente. Não iria tirar os olhos de Rony, não quando ele estava prestes a explodir contra o sonserino.
 -Você se engana, seu tolo. Meu sobrenome é respeitado por aqueles que sabem que o sangue é mais importante, por bruxos [i]de verdade[/i], não como... [i]gentinha, como você![/i]
 Rony franziu a testa. Harry pode ver cada veia de Rony saltada. Seus olhos mantinham uma expressão de nojo, porém a mão direita, a mão da varinha, começava a tremer compulsivamente.
 -Defina ‘’gentinha’’, Lestrange. Não quero ser obrigado a cometer um ato impensado.
 Glanmore riu. Obviamente, uma risada forçada, desgostosa.
 -Gentinha. Gentinha, sim, que não dá valor ao sangue. Gentinha, que se une à trouxas. Apesar de nos últimos anos viver em um país totalmente diferente, tive correspondência. Sim, sei tudo sobre você, Weasley.
 -Vamos, Rony – chamou Hermione. Harry continuava na escolta, sempre cuidando para que Rony não cometesse algo digno de ser expulso.
 -Está vendo! – Glanmore riu vitorioso, e desta vez Harry também começava a se sentir irritado com o garoto. – Você, Weasley, namorando uma trouxa! Onde é que o mundo vai par...
 Foi demais para Rony. Harry viu a mandíbula do amigo se flexionar, quando ele cerrou os dentes e franziu as sobrancelhas. Ao mesmo tempo, os dois inimigos ergueram as varinhas.
 [i]-Crucio!
 -Confringo![/i]
 Apesar de Rony ter dado o início ao duelo, Lestrange fora quem investira primeiro. Os dois feitiços tocaram um no outro, causando uma explosão de chamas multicoloridas que ofuscava a visão de Harry, que no momento se sentia infeliz por não ter sido rápido o suficiente para abortar a briga, mas também se sentindo feliz por não ter ninguém ali, além dele e de Hermione, que presenciasse.
 O local onde os feitiços se encontraram foram marcados por um imenso globo. Rony se empenhava com todas suas forças, tentando fazer com que seu feitiço chegasse à Glanmore, que também lutava com igual vontade. Harry se sentia de mãos atadas: Como parar aquilo?
 -Faça alguma coisa! – gritou para Hermione.
 Harry também sacara a varinha, mas não podia fazer nada. Com a barulheira aprontada, não demoraria até aparecer alguém.
 -Finite Incantatem!
 O feitiço de Hermione fizera com que os dois feitiços fossem novamente sugados pelas varinhas de seus donos, de modo que ambos caíram de costas na poeira produzida pelo duelo. Ao olhar ao redor, Harry espantou-se ao perceber que os raios que explodiram da junção dos feitiços acabara fazendo um estrago maior do que o esperado. A parede recém construída após as reformas de Hogwarts ganhara um novo arrombo, onde podia ser visto a sala de Flitwick que, por uma sorte sem tamanho, saíra para tomar chá. Harry viu uma sombra se formando, uma pessoa subia as escadas, apressada, procurando a origem do ruído.
 Harry teve de pensar muito rápido, e se sentiu aliviado ao lembrar que agora que Rey Colapogge poderia estar atrás dele, sempre carregava consigo a capa de invisibilidade.
 -Rápido! – murmurou, arrancando a capa da mochila e jogando sobre si mesmo e Hermione. Rony ajoelhou-se e se escondeu também. Harry pode ver o rosto severo de McGonagall se materializar por trás da poeira, e, com uma angústia sem tamanho, poderia jurar que os olhos de Minerva passaram pelos pés do garoto.
 Com todas as suas forças, Harry se agachou, e Hermione também: Temia que Minerva pudesse ver seus pés, apesar de que a poeira levantada impedia completamente a visão do piso.
 Naquele momento, Glanmore se levantara. Escondidos pela capa, apressaram o passo, querendo poder virar em outro corredor.
 -[i]O que aconteceu por aqui?[/i] – disse Minerva, com ênfase na voz.
 Glanmore ainda estava atordoado, mas poderia falar. Bobamente, apontou para onde os três se apressavam.
 -Foi o Weasley, ele está lá, junto com o Potter... E a Sangue Ruim...
 -Por favor, não repita essa expressão na minha presença.
 Harry viu Minerva observar através da poeira, olhando diretamente para eles, mas, é claro, não os enxergando. Harry estremeceu ao relembrar que Minerva sabia de sua capa de invisibilidade.
 -Perdão – disse Glanmore, com muito esforço. – Mas sim, eles estão lá, estão escondidos...
 -Não tem ninguém lá, desculpe-me se quer culpar alguém, mas não está tendo muito sucesso.
 -Mas...
 -Siga-me – Minerva virou o corpo e novamente desceu as escadas. Lestrange seguiu-a no encalço.
 Harry viu a expressão de ódio estampada na cara maléfica de Lestrange, e sorriu; Logo, viraram por um corredor onde puderam despir da capa.
 -Há – disse Rony, ainda meio bobo pela queda. – Conseguimos!
 -Você não deveria ter feito aquilo! – disse Hermione rispidamente. – Foi completamente idiota, Rony.
 -Eu sei – disse o ruivo, em meio de um sorriso. – Mas não pude evitar.

 Como ainda tinham mais meia hora antes da aula de Transfiguração, resolveram passar alguns minutos no pátio, para extravasar dos acontecimentos passados. Harry sentou-se à sombra de uma árvore próximo ao lago negro, fazendo com que a brisa fosse varrida até ele, refrescando o garoto. Rony e Hermione sentaram-se juntos, ao lado de Harry.
 -Olhe – disse Hermione, apontando para o lago.
 Harry virou a cabeça. A Lula Gigante, como era chamado o molusco enorme que vivia no lago de Hogwarts, tinha acabado de emergir, porém somente era visível um de seus tentáculos, chacoalhando e espirrando água para todos os lados. Mas, ao reparar nisso, também pode enxergar outra coisa, totalmente distinta e com pouca importância, um pedaço de pergaminho rasgado e amassado, com aparência de ser antiqüíssimo, arrastando-se pela grama.
 Franzindo a testa, Harry apanhou tal papel. Rony percebeu seu movimento.
 -O quê têm aí?
 Harry abriu o pergaminho amassado, e o que viu foi apenas um ajuntamento de letras, inflexíveis e extremamente tortas.
 O garoto precisou de alguns segundos para decifrar a mensagem, mas por fim, conseguiu compreender.
 -[i]Sensiário.[/i] – leu em voz alta.
 Harry teve a sensação de que já vira(ou ouvira) algo parecido com isso antes. Tinha uma vaga lembrança, sabia o que era aquilo.
 -Sabe o que é Hermione?
 -Sim, é...
 Mas Hermione jamais terminou a frase. Vindo pelos ares, uma enorme coruja, branca como as nuvens que flutuavam pelo céu, mergulhando até ele. Estava vindo de uma torre, próxima à torre da Grifinória.
 Harry reparou que a coruja carregava amarrada em sua perna uma carta. Ao passar em disparate na frente de Rony, deixou tal carta pousar nas mãos do ruivo.
 Rony segurou o pedaço de pergaminho e encarou Harry, que retribuiu tal olhar com mesma curiosidade.
 -De quem será...? – indagou Hermione.
 -Não sei, não tem remetente – respondeu Rony, desprendendo o selo e desdobrando a carta.
 Era apenas uma frase. Harry viu o rosto de Rony perder a cor ao terminar de ler, e ele não pode culpá-lo. Hermione também se aproximou, e a expressão no rosto dela também não foi nada boa.
 -O quê é? – Harry perguntou.
 Rony esticou o pergaminho para o amigo que, com certa apreensão, abriu-o.

[i]Te espero no lago às seis, para acertarmos as contas.

GL[/i]

 -Que...?
 Harry demorou alguns segundos para perceber, e Rony estava mudo de espanto. Mas pode se lembrar das letras... [i]Glanmore[/i], disse seu subconsciente.
 -Você não vai! – exclamou Hermione.
 -Hermione, tenho que ir – respondeu Rony, a cor voltando ao seu rosto. – Ele me desafiou, e eu não sou covarde, sei que posso vencê-lo.
 -Você sabe de quem se trata, não é, Ronald? Duas vezes, ele tentou lançar uma maldição imperdoável em você!
 -Mas não conseguiu, não é mesmo? Se não se lembra, eu sim o azarei, no início do ano...
 -Não é disso que se trata, Rony. Quem é que foi que impediu que Lestrange o torturasse? Harry e eu! Desta vez não terá nenhum de nós para te ajudar!
 -Na verdade, sim – disse Harry. – Rony está sendo desafiado pra um duelo e, pelo que sei, o duelista tem de ter um padrinho.
 Hermione encarou-o como se não pudesse acreditar no que ouvia.
 -Então você vai apóiá-lo? – disse Hermione.
 -Não estou dizendo que está certo, mas a decisão é somente dele. Se ele resolver ir, eu vou junto.
 -Mas Harry, se alguém pegar vocês...
 -Quem é vai ficar patrulhando o lago, às seis da manhã?
 -Não sei, talvez Filch?
 -Filch é um aborto, se quisermos mudar a memória dele será mais fácil do que estuporar um gnomo.
 Hermione suspirou, e não desviou os olhos de Harry nem por um segundo. Harry sabia o que se passava pela mente dela.
 -Você vai? – a garota pergunta à Rony, por fim.
 -Sim. – respondeu apenas.
 Harry percebeu que o assunto estava encerrado. Amanhã, às seis horas, estariam no lago, e o garoto sabia que Rony não ia dar pra trás. Conhecia o amigo muito bem, e sabia que quando era insultado fazia de tudo para se vingar. Mas Harry também sabia que os poderes do amigo eram limitados.

 O feitiço-despertador que Harry colocara sobre a cama dele e de Rony fez efeito, fazendo com que os colchões vibrassem, acordando os dois. Harry abriu os olhos, e com a visão embaçada, tateou à procura dos óculos. Ao encontrá-los, reparou na janela entreaberta e em Rony, sentado na cama.
 -Não esquenta – disse baixinho. – Tudo vai correr bem.
 Rony fez um grunhido indecifrável, e o tom de sua voz tinha aumentado um oitavo. Harry espiou pela janela.
 O sol ainda não nascera, mas também a escuridão não estava mais no breu da madrugada. Conservava um céu azul-marinho, com algumas mechas douradas. Pela janela, Harry pode ver, de cima, a floresta proibida, e mais ao lado a cabana de Hagrid, sem claridade alguma, indicando que o amigo ainda dormia. Debruçando-se um pouco mais na janela, conseguiu enxergar o lago, mas reparou que o inimigo de Rony ainda não estava ali.
 -Ele já chegou? – perguntou Rony, calçando as meias.
 -Ainda não.
 Harry deu meia-volta e pôs-se á se vestir. Quando os dois estavam prontos, Harry caminhou até a porta.
 -Vamos descer, faltam quinze minutos – Harry consultou o relógio.
 Rony e levantou da cama. Colocara uma capa preta da Grifinória, carregava a varinha na mão direita e usava um cinturão. Harry colocara um blusão preto sem estampa, deixando a toca balançando pelas costas. Dentro do bolso carregava a varinha, mas esperava não precisar usá-la. Harry e Rony concordaram que não era preciso levar a espada.
 Ao descerem as escadas, Harry se sobressaltou: Viu alguém sentado em uma das poltronas, e a lareira estava acesa. Perguntando-se quem estava ali naquela hora da manhã, Harry chegou ao patamar.
 -Ahn... Alô? – disse Harry. – Quem está aí...?
 -Sou eu, podem vir.
 A voz de Hermione aliviou Harry. Por alguns instantes pensara que poderiam ser pegos no ato.
 -Vocês vão, mesmo, não é? Ainda têm uma chance...
 -É claro que vamos – disse Rony, determinado.
 Você está aí há quanto tempo, Hermione? – perguntou Harry.
 A garota encarou-o. Seus olhos estavam vermelhos, seu rosto pálido, com cara de quem tinha muito sono.
 -Acabei de acordar – ela respondeu, porém Harry sabia que ela não dormira.
 -Certo – disse Harry, sendo seguido por Rony. – Então... Nos vemos logo...
 Mas quando Harry estava prestes a sair pelo quadro da mulher gorda, mas encontrou outro contratempo.
 -Onde é que vocês vão, a essa hora da noite? – indagou o quadro.
 Ignorando-a, Rony passou pelo quadro. Harry o seguiu.
 -Trouxe o mapa? – perguntou o ruivo.
 -Sim.
 Harry enfiou a mão no bolso do jeans e pegou o pergaminho meticulosamente dobrado, sacando também a varinha de azevinho.
 [i]-Juro Solenemente que estou mal-intencionado.[/i]
 Harry deu uma batida leve no Mapa do Maroto, e viu a tinta nascendo de dentro dele. Palavras iam se formando, e o conhecido mapa, sempre tão útil, mostrava a localidade de cada pessoa naquele castelo.
 -Onde ele está? – murmurou Rony, enquanto eles desciam as escadas em direção ao saguão.
 -Estou procurando... Ahá!
 Harry finalmente encontrou: Um ponto negro no mapa, com a legenda de Glanmore Lestrange, junto de alguém chamado Keller, movia-se próximo às masmorras. Além de Harry e Rony, os dois eram os únicos que se movimentavam no mapa.
 -Eles estão vindo – disse Harry, observando os dois sonserinos saírem da Sala Comunal. – Vamos correr, se chegarmos primeiro é melhor...
 -Por quê? – perguntou Rony, franzindo a testa, enquanto caminhavam a passos largos.
 -Ora, se chegarmos primeiro, eles se sentirão intimidados, não é mesmo?
 Chegando ao salão, Harry deu uma última espiada no mapa. Glanmore e seu amigo neste momento estavam passando por um corredor, e não estavam muito longe deles.
 [i]-Malfeito feito![/i] – Harry deu outra batidinha no mapa.
 Rony, à frente, a pesada porta de Carvalho que dava acesso ao salão, onde Harry encontrou a penumbra levemente menos acentuada. Outrora as mechas douradas agora tentavam tomar a escuridão da manhã. O sol começava agora a se sobrepor, já sendo visível do outro lado do lago negro, aparecendo longe ao horizonte.
 -Agora é só esperar – Harry recostara na mesma árvore que, no dia anterior se sentara e Rony recebera a proposta do duelo.
 -Sim – concordou o amigo. – Só nos resta esperar...
 Em intervalos constantes de dez segundos, o olhar de Harry ia para a porta de carvalho. O clima estava mais gélido do que nunca ao pé do lago, fazendo com que Harry tremesse da cabeça aos pés. Tentou fazer de tudo para que essa tremedeira parasse, não queria que Rony pensasse que ele estava com medo.
 Cerca de dois minutos depois deles, a porta de Carvalho se abriu pela segunda vez n’Aquele dia. Lestrange caminhou até eles, apressado, seguido por seu comparsa Keller que Harry reconhecera como o capitão do time de Quadribol Sonserino, corpulento e careca. Os dois tinham em suas mãos as varinhas em riste, preparados para se defender em qualquer segundo.
 Harry também carregava consigo a Capa de Invisibilidade, caso precisassem. Mostrara-se útil há tão pouco tempo. A dupla de Sonserinos se dirigia até eles, sem diminuir a velocidade, parando apenas quando estavam há cerca de dois metros de distância.
 -Potter – disse Lestrange. – Weasley.
 -Lestrange – disse Harry.
 Sem mais delongas, Glanmore se colocou em posição de duelo, esticando o braço esquerdo para trás e apontando a varinha diretamente para o rosto sardento de Rony. O amigo também se preparara, devorando Glanmore com um olhar mortificante.
 -Sem interferências – disse Lestrange. – Somente eu e Weasley.
 -Certo – disse Harry, e se aproximou mais do amigo.
 [i]-Acaba com ele[/i] – disse baixinho. – [i]Lembre-se da AD.[/i]
 Rony, muito pálido, somente acenou com a cabeça, concordando. Harry se distanciou, deixando-os livre para começar o duelo.
 -Bem... Vou dar a partida – disse Harry. Ele ergueu a varinha e disparou uma chuva de fagulhas vermelhas.
 Lentamente, as pequenas faíscas iam à direção ao chão. Rony e Glanmore se entreolhavam furtivamente, mal dando atenção para as fagulhas.
 Tudo aconteceu instantaneamente, na base de um centésimo de segundo. No instante em que as fagulhas tocaram na grama molhada chamuscando-a, Glanmore deu um urro indecifrável e seu feitiço acertou no peito de Rony, fazendo com que este caísse de costas à beira do lago.
 -Rony! – disse Harry, dando um passo à frente. Pode perceber que a camisa do amigo agora tinha um enorme furo, e seu peito agora estava queimado pelo feitiço.
 Rony, com esforço, se levantou. Glanmore Lestrange apenas ria debochado.
 [i]-Expelliarmus![/i]
 Agora fora a vez de Rony enfeitiçar Glanmore. Pulou ao mesmo tempo em que lançava o feitiço, o contra-ataque de Lestrange silencioso passou a um centímetro de seu rosto até explodir em uma árvore, derrubando-a...
 O duelo partida de vez. Feitiços para todos os lados, uma chuva de luzes multicoloridas, Rony sendo enfeitiçado, Glanmore sendo enfeitiçado, esbarrões, tombos e tropeços...
 Glanmore Lestrange tinha em seu rosto uma expressão divertida, porém poderia ser um blefe. Harry pensou que não fosse, pois naquele momento começava a dominar o duelo.
 -Desista, Weasley! Vai se arrepender de ter me tirado do meu lugar! [i]Deforccio![/i]
 A maldição de Glanmore acertou no pescoço de Rony, fazendo um profundo corte. O sangue do amigo começava a escorrer... Harry tinha de interferir...
 Mas Rony mais uma vez se levantara, brandindo a varinha contra Glanmore.
 [i]-Levicorpus![/i] – gritou Rony.
 Com um salto, Lestrange desviou do feitiço, porém este acertou seu padrinho, Keller, que com um uivo ficou de ponta-cabeça.
 O chão embaixo dos pés deles estava começando a se desintegrar de tantos feitiços explodidos. A grama, enegrecida, estava quase usurpada. A tensão começava a tomar conta de Harry, agora que a escuridão no céu estava sendo substituída pelo pôr-do-sol.
 Feitiços, feitiços e mais feitiços definiam aquela cena, Glanmore enfeitiçava Rony sem parar agora, que urrava de dor e desespero... Ele também estava começando a se sentir desesperado, enquanto Lestrange ria...
 Harry deu um passo à frente, não poderia se conter. Ergueu a varinha, mas foi impedido por um feitiço de imobilização.
 -Não irá interferir, Potter – disse Keller, também sorrindo.
 Harry sentiu o ódio em seu peito se intensificar ainda mais, se isso era possível; Olhou nos olhos suplicantes de Rony, e fez um sinal, pedindo para que o amigo fizesse-o voltar ao normal.
 Rony entendera o sinal, porém estava desarmado. Glanmore não cansava de enfeitiçá-lo, mesmo que o ruivo estivesse estirado no chão, sem defesas.
 A gargalhada de Lestrange fazia com que Harry fosse tomado por um desejo de vingança em tal intensidade que o feitiço de Keller não poderia conter: Com alguma dificuldade, conseguiu voltar a se mecher, e mergulhou para pegar a varinha de Rony.
 -POTTER! – urrou Lestrange, deixando Rony e erguendo a varinha para ele. – [i]Crucio![/i]
 -Protego Horribilis! – Harry se defendeu da maldição, fazendo com que ela se desvairasse e mergulhasse no lago negro.
 Harry se pôs de pé: Agora tinha duas varinhas em mão, porém era duplamente enfeitiçado. Lestrange e Keller esqueceram de Rony, e partiram pra cima dele. Ele não era páreo para lutar contra os dois de tão próxima distância, então meramente se defendeu e desviou de alguns feitiços.
 Rony desmaiara. Depois de tanto ser enfeitiçado, ficara no chão, com os braços e pernas abertos em ângulos estranhos. Harry temeu o pior...
 Mas neste momento um feitiço atingiu bem eu sua testa, punido por um segundo de desatenção e devaneio... Ele sentiu o feitiço, não sabia de quem, acertando exatamente no lugar onde estava sua cicatriz. Contorcendo-se, caiu de costas, largando as varinhas... A dor em sua testa foi aumentando cada vez mais... Ele sentiu o sangue jorrando de suas sobrancelhas, banhando seu rosto de vermelho-tinto.
 A gargalhada de Lestrange novamente cintilou entre eles. Harry viu seus óculos espatifados jogados no chão, as lentes estraçalhadas e reduzidas a pó...
 -Muito bem, Potter – disse Lestrange com a voz embargada. – Vou acabar de vez com isso.
 -O que quer dizer...? – disse Harry, deitado no chão.
 Harry infelizmente tinha uma vaga noção do que ele queria dizer, porém não tinha condições de tentar impedir aquilo. As varinhas que ele possuía agora estavam há mais de um metro dele, Rony ainda não acordara, e o sol da manhã já nascera completamente naquelas circunstâncias...
 Harry não soube de onde veio sua inspiração. Ao ver o feitiço começar a ser produzido por Lestrange, apenas um fiapo de magia inacabada, Harry agiu prontamente: Uniu as forças que ainda tinha e jogou seu corpo para o lado, na direção onde as varinhas repousavam.
 Harry novamente agarrou-as, quando a maldição verde explodiu a pedra onde ele estaria encostado um centésimo de segundo atrás. Enfiando a mão no bolso, agarrou a capa de invisibilidade e jogou sobre si próprio.
 Ele pode ver o pânico que isso causara em Glanmore Lestrange, mas novamente ele desabou de joelhos sobre o chão. Por sorte a capa não escorregara, e ele se arrastou como uma serpente, invisível, na direção de Rony.
 Ele pode sentir os olhos de Lestrange o procurar por cada centímetro, sem enxergá-lo, a capa sempre perfeita, sempre útil e impenetrável...
 -Potter...? – Glanmore Lestrange estava mudo de espanto. Harry não poderia enxergar direito sendo que seus óculos ficaram para trás, mas ainda assim prosseguiu...
 Mas então algo o preocupou. Estava deixando um rastro de sangue por onde passava, uma trilha até o local onde ele rastejava.
 [i]Preciso continuar[/i], pensou. [i]Não posso parar agora...[/i]
 Todo centímetro de seu corpo estava excepcionalmente dolorido. Sentia a pressão dos feitiços de Lestrange ribombando em seus braços e pernas, o sangue em sua testa não parava de escorrer, cobrindo sua cicatriz e encharcando seus cabelos...
 A essa altura, Lestrange já deveria ter percebido o rastro deixado por Harry.
 -ELE ESTÁ ALI! – disse uma voz alta e esganiçada. – OLHE O SANGUE!
 Ele tinha poucos segundos... Pelo canto do olho, viu Lestrange começar a correr até ele... Meros cinco metros o separavam, Harry tinha sua primeira e única chance de tentar escapar vivo dali...
 Um borrão vermelho se materializou ao longe. Era, sem dúvida, um feitiço, e apesar de que ele não podia enxergar nada relevante, ele pode ver Hermione correr até ele.
[i] -Ener... Enervate! – disse apontando a varinha por baixo da capa, e pode perceber a respiração de Rony voltar. Porém, essas foram as suas últimas palavras. Temendo o que aconteceria com os amigos e querendo ajudá-los, Harry desmaiou.

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