O funeral



Capítulo 19 ~ O funeral

 Não poderia ser verdade. O súbito desespero tomou conta da alma desesperada de Harry. Incapaz de se conter, as lágrimas escorreram pelos seus olhos verdes e molhavam as lentes dos óculos. Não havia mais explicações, não havia saída, estava encurralado. Se aquela morte fora causada por Colapogge ele não saberia dizer, mas o fato era que Harry sentia uma pontada de culpa fundida com a dor agonizante.
 A visão da chama refletida no sangue do amigo fez os olhos de Harry secarem, junto com sua alma. Seu espírito estava incapaz de receber sequer uma nova emoção, pois seu cérebro parara de funcionar. Harry viu gotas de sangue pela parede. Letras. Era a Câmara Secreta novamente.
 -Saiam da frente – disse uma voz abafada. – Por favor, saiam da frente!
 O homem de pupilas brancas se aproximava, o diretor avaliou o corpo.
 -Valha-me Deus – disse ele. – Não é possível. Alguém chame McGonagall.
 -Não é preciso, diretor – disse a voz, tão próxima de Harry sentiu os cabelos da nuca arrepiarem.
 -Minerva... – disse o diretor. Seu olhar impassível foi de encontro ao olhar desesperado de Minerva.
 A professora de Transfigurações tapou a boca e no seu rosto somente havia espaço para o terror.
 -T... Não... Thomas... Quem...?
 O choro de Hermione produzia em Harry a dor mais profunda que já sentira. Completamente sem fala, completamente desesperado. Era o fim, Dino, morto? Quem seria o próximo a ser sacrificado?
 Por que causa ele fora morto? Era inexplicável, até aquele instante. Tudo o que sabia era que não tinham mais tempo, que o prazo acabou, a muito tinha acabado o tempo em que viviam num parque de diversões. A realidade o atacou de tal forma que ele não pode se conter, se aproximou mais do local onde todos jaziam, e viu com detalhes.
 A lâmina, de fato, perfurava o centro de seu peito. Poderia ter transpassado o coração. A parede por trás de Dino estava respingada de sangue, então ele pode ler as letras vermelho tinto escritas na parede.
  ‘’O Retorno está próximo. Cobra, a venenosa, Leão, o forte, Texugo, o cabalístico, Águia, a perspicaz’’
 Era real. As palavras escritas com sangue não estavam secas, informando-os de que o fato acabara de acontecer.
 Os segundos se passavam com a velocidade dobrada enquanto Harry olhava, com dor na alma, o corpo do amigo. Gina se aproximou e olhou para o corpo do Ex-Namorado. Tapou a boca, mas nenhuma lágrima escorreu dos olhos claros. ‘’Tão forte ela é’’, invejou Harry.
 Gina abraçou Harry por trás da cabeça, e logo foram chegando mais professores. Todos muito abalados conversavam entre si, agitadíssimos, quando chegou Argo Filch.
 O zelador cuidadosamente arrancou a lâmina do peito de Dino e depositou-o de volta ao chão. Minerva conjurou um feitiço e o amigo foi embalado por um saco plástico preto, em geral usado para guardar cadáveres.
 -Professora Sprout – disse Minerva, tomando conta da situação. – Mande uma carta para a Sra. Thomas e peça para ela vir para cá o mais rápido o possível. Rúbeo, por favor, leve o corpo para um lugar seguro.
 -Minerva – disse o diretor. – Preciso de você na minha sala.
 Vendo que McGonagall não saíra do lugar, acrescentou.
 -Agora.
 Minerva suspirou, mas cedeu, foi junto do diretor em direção à escadaria, mas parou no meio do caminho. Hagrid acabara de pegar o corpo ao chão.
 -E vocês – acrescentou Minerva aos alunos, com o pé sobre o primeiro degrau da escada. – Vão para suas salas comunais. Agora! Vamos!
 Harry se sentiu surpreendido ao perceber que uma alma vivia em seu corpo. Sentia que seus pés foram pregados ao chão, não sabia se poderia se mecher.
 -Vamos, Harry – disse Gina, olhando dentro dos olhos do namorado, e de alguma forma isso deu ânimo a Harry. – Temos que ir.
 Harry deixou-se ser puxado para fora, não reagiria.
 Dino... repetia Harry, mentalmente, enquanto Gina e a multidão se empurrava para fora. Por que ele... Por que...
 Porém Harry aprendera que nem tudo na vida tinha um porquê. E aquilo, provavelmente era uma delas. ‘’O Retorno está próximo’’. O que aquelas palavras significavam? Nada. Ou, pelo menos, poderia significar, antes de virem o corpo. Mas era impossível, sem o corpo não teriam sangue. Sem o corpo, sem o sangue, não teria desespero, sem Colapogge nunca teria de enfrentar Voldemort, sem Colapogge não precisaria passar todos os dias de sua vida desesperado correndo em busca do nada num lugar totalmente distinto em que não sabia onde procurar...
 Era tudo culpa dele. Ele o culpava, sentia ódio, sentia raiva, sentiu seus dentes rangerem e seu maxilar se contrair. Seus olhos ficaram vermelhos de fúria por trás dos óculos. Ele poderia fugir como um covarde, alegando que não queria trazer mais mortes, ou poderia enfrentar o destino de frente. Enfim, voltara ao início de uma imensa bola de neve. O destino. Aquilo sim, era a verdadeira culpa de tudo.
 O livro do Destino, era como se denominava. O destino, nem sempre correto, e ainda menos justo. Se pelo menos pudesse se vingar... Se pelo menos tivesse Rey Colapogge ali na sua frente, tentando enfeitiça-lo, poderia descarregar sua raiva em forma de feitiços e transformar o bruxo das Trevas em uma mera manteiga para pão. Era isso que seu instinto o mandava fazer, destruir Colapogge, pois esse não era o destino criado pelos deuses, esse era o destino criado por ele, desde o momento em que Harry fora possuído por uma sede de vingança incontrolável – o instante em que viu o corpo de Dino morto.

 A Sra. Thomas, mãe de Dino, estava em prantos, debruçada na escrivaninha do diretor após receber a notícia. À sua volta estavam a professora McGonagall e Argo Filch, e o diretor Richard sentado na cadeira.
 -Meu Dino... Não... – ela balbuciava. – Ele não... Por que não me mataram no lugar dele... Dino...
 -Sra. Thomas – dizia McGonagall, com uma expressão de pena no rosto – Garanto que pegaremos o assassino.
 -Quando... Quando...?
 -A menos de duas horas – disse McGonagall.
 -E o c-cor-corpo? – soluçava ela.
 -Está no calabouço. Lá nas masmorras – respondeu o diretor.
 -Eu quero ir lá! – disse a Sra. Thomas, se levantando.

 O corpo de Dino fora colocado dentro de um caixão de mármore, e brilhava fracamente na tarde de uma segunda-feira ventosa. O sol batia no mármore e refletia aos olhos de todos, Dino estava ali, informando a todos que sua temporada na terra acabara. Várias fileiras de cadeiras foram colocadas em riste para o início da cerimônia de despedida.
 O início do funeral estava prestes a começar. Hogwarts fora preparada para esses tipos de ocasiões, pois Minerva McGonagall tomara conta da construção do Cemitério de Hogwarts. Dino iria para lá, juntar seu corpo aos demais, todos guerreiros, todos lutaram até a morte contra as Artes das Trevas
 As filas de pessoas iam se enchendo rapidamente, vários familiares de Dino, amigos, primos, professores, colegas de Hogwarts, enfim, todo o tipo de gente. Os centauros se uniram ao local. Firenze estava ali entre eles, informando que o centauro fora reaceito no bando.
 O homem baixinho que narrou o funeral de Dumbledore estava no palco junto ao túmulo. Com a voz magicamente ampliada, começara a falar, prestar as últimas homenagens ao garoto.
 Harry, Rony e Hermione estavam sentados na última fileira, próximos ao lago. A brisa agitava seus cabelos, dando um clima fantasmagórico à cena horrenda. A dor era inevitável.
 Enquanto Harry lutava contra seus pensamentos, lutava a aceitar a verdade e tentava inutilmente convencer-se de que aquilo era um mero pesadelo, um garoto de cabelos louros se aproximou, com as vestes da Lufa-Lufa.
 -Harry? – disse o garoto, receoso. – Harry Potter?
 Harry olhou para o garoto, mas nada disse.
 -Dino... Bem... Ele falou de você antes de morrer.
 Harry se surpreendeu, ergueu as sobrancelhas. Estava com olheiras. Não conseguira dormir na noite anterior. Continuou a esperar respostas do garoto.
 -Bem... – continuou o Lufalufano. – Quando estava prestes à... Bem... Ele pediu para eu lhe entregar algo.
 Rony e Hermione mantinham-se atentos à conversa. Harry quebrou o silêncio.
 -E o que seria?
 O garoto enfiou a mão nos bolsos da jaqueta e tirou um frasco cheio de uma substância nem líquida nem gasosa – Harry a reconheceu de imediato. O Lufalufano entregou o frasco à Harry.
 -Eu fui o primeiro a ver o Dino, Harry – ele disse. – Mas ele ainda não tinha morrido quando eu o vi. Eu gritei por socorro, mas enquanto ninguém apareceu, ele balbuciou algo. Da boca dele saiu essa coisa – o garoto apontou para o frasco que Harry examinava. – E pediu para eu guardar. Por sorte, eu estava com o frasco e o guardei. Ele me disse ‘’Entregue à Harry Potter’’. Enfim, eu cumpri a vontade de Dino, e um segundo depois ele morreu.
 -Muito obrigado – disse Harry, e o garoto se afastou. Harry guardou a lembrança no bolso.
 -Harry! – murmurou Hermione. – Isso não é uma lembrança?
 -Isso mesmo – Harry confirmou.
 -Como pretende ver isso? – Rony perguntou.
 Harry hesitou.
 -Não sei – disse Harry, refletindo e apertando a lembrança. – Se pelo menos eu... Tivesse a penseira de Dumbledore...
 -E onde ela está Harry? Você sabe? – perguntou Hermione.
 -Deve estar na sala de Dumbledore – Harry respondeu.
 Pensando bem, como é que veria a lembrança? Isso era algo para se preocupar, de fato. Não mostraria a lembrança para que o próprio diretor a visse, pois Dino pedira para entregar a ele, o que significava que ele é quem deveria ver.
 -Podemos ajudá-lo – disse Hermione.
 -Me ajudar? – perguntou Harry. – Como?
 -Poderíamos dar um jeito de o diretor sair da sala dele! Deixá-la livre.
 Sim, era uma opção. Mas agora não era tempo para pensar nisso, guardou a lembrança no bolso e se pôs à prestar atenção nas falas do bruxo que narrava o funeral.
 Os minutos se passaram devagar. Harry reparou, pela primeira vez, Simas Finnigan, sentado a alguns metros deles, chorava descontrolado. Se Harry perdesse seu melhor amigo, se sentiria exatamente como ele. Provara um pouco disso no dia anterior, quando acreditara que algo pudesse ter acontecido à Rony.
 O dia estava começando a se transformar em noite. O crepúsculo, tão bonito numa outra ocasião, causava aversão em Harry. Iluminava fracamente os rostos dos espectadores, dando um ar mais dramático para a ocasião. O túmulo agora já tinha perdido o brilho, ao momento que as últimas palavras estavam a chegar. Logo acabaria, logo terminaria o sofrimento, porém a perda do amigo jamais seria esquecida.
 Harry, Rony e Hermione concordaram que deveriam sentar-se junto à Simas, para consolá-lo.
 -Oi, g-gente – disse o amigo, soluçando. Suas lágrimas já estavam secando, e ele não estava mais tão desesperado.
 -Não fique assim, Simas – disse Harry. – Como dizia Dumbledore, um pedaço daqueles que amamos sempre ficará guardado em nossos corações.
 Um fraco sorriso iluminou o rosto de Simas. Harry pode ver os olhos vermelhos, graças a três horas de pranto. Muitos tentaram consola-lo, mas ele não tinha controle.
 -Ele... Ele era... Meu melhor amigo...
 -Eu sei – disse Harry. – Mas você tem mais amigos. Você tem à gente.

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