Do seu sangue



Capítulo 36



Do seu Sangue




O sol passou por uma fresta na janela batendo diretamente sobre os olhos fechados de Harry e ele lembrava com nitidez de estar sorrindo naquela hora. Estava de costas no chão, deitado sobre um cobertor fofo que ele mesmo tinha conjurado no fogo do momento. Sobre seu lado esquerdo, enganchava-se o peso morno e perfumado de Gina. Tinham acabado de fazer amor, iam se casar em algumas semanas e estavam mais felizes do que as palavras poderiam descrever.

– Você gostou? – perguntou num tom cheio de preguiça, mas não podia negar que estava ansioso.

– Não me lembro de alguma vez não ter gostado.

O sorriso de Harry sumiu por dois segundos, confuso, antes dele começar a rir.

– Sua boba! Estou falando da casa. Gostou dela?

Gina gargalhou mostrando claramente que entendera a pergunta da primeira vez. Harry a tinha trazido ali para que ela opinasse sobre a casa que ele havia encontrado e queria comprar para os dois morarem depois do casamento. Conseguira a chave com uma imobiliária trouxa e, embora a visita tivesse tomado um rumo não “inteiramente” planejado – que incluía estarem deitados no chão da sala sem móveis –, a opinião de Gina seria definitiva. Ele até pensara em fazer uma surpresa, comprando-a sozinho, mas e se sua futura esposa não gostasse? Casais deveriam discutir essas coisas juntos, certo?

Gina ergueu o rosto e o escorou sobre o peito de Harry que abriu os olhos, cheio de expectativa. Ela o encarava radiante, escabelada e mais linda do que nunca.

– É maravilhosa. Não tem como não gostar dela, Harry. Apenas...

– O quê?

– É muito grande. Não precisamos de nada desse tamanho. Seremos apenas nós dois.

– E o Dobby.

– E o Dobby – ela concordou com um suspiro. – Mas ainda assim, serão apenas duas pessoas e um elfo doméstico. A casa continua a ser imensa.

– Bem, eu pensei que não vai ser assim por muito tempo – ele argumentou.

Gina deu um suspiro entre exasperada e divertida.

– Por Mérlin, onde eu fui me meter? Você sofre da mesma doença do Artur Weasley, não é?

– Eu sempre achei que sua mãe é que ficou fazendo tentativas até vir uma menina.

Ela revirou os olhos e negou com a cabeça.

– Nãh. Fred e Jorge falam isso para incomodar o Rony e dizer que mais um menino era um exagero. Quando Rony diz que eles também não eram necessários, os dois retrucam que papai e mamãe precisavam compensar o mundo depois de terem parido o Percy. – Harry riu. – Mas a verdade é que papai sempre disse que queria ter um time de quadribol.

– É uma idéia... – provocou e Gina estreitou os olhos como uma gata brava.

– Vai sonhando.

– Teremos quartos para isso...

A garota se ergueu nos antebraços.

– Estamos discutindo esta casa enorme que você quer comprar ou o número de filhos que vamos ter?

– Os dois... Ok, ok, vamos pensar apenas na casa agora, certo? Fora ser muito grande (e eu penso que isso poupará termos de usar magia toda a vez que recebermos amigos), você realmente gosta dela? – Ele também se ergueu nos antebraços. – Acha que poderia ser feliz aqui?

Certamente Harry gostaria de ter parecido menos ansioso em perguntar aquilo. Talvez se tornasse mais charmoso para ela se parecesse mais dono da situação, mais despreocupado, mais... alguma coisa que naquele momento ele definitivamente não era.

– Eu já sou feliz, Harry. Muito. “Onde” é apenas um detalhe. – O coração dele bateu forte ao ouvir aquilo e ela deu um sorriso vencido. – Eu adorei a casa! Mesmo. É linda, iluminada, aconchegante. Eu realmente gostei muito, muito, muito dela. Acho que, bem, só nos meus sonhos mais doidos eu imaginei viver num lugar assim.

Harry soltou o ar dos pulmões satisfeito e sorriu largo antes de beijá-la.

– Então está decidido – falou enquanto voltava a colocar as costas no chão e dobrava o braço atrás da cabeça para recostá-la. Gina tornou a deitar sobre o seu peito. – Ficamos com a casa.

– Ok. Mas vou continuar achando ela muito grande.

– Vamos ver se você vai pensar isso quando o nosso time de quadribol estiver compl... aii!

O chute na canela rendeu risos, uma pequena luta e muitos beijos enquanto a tarde caía lá fora. Gina conseguiu ainda, por um momento, afastar os lábios dos dele para voltar ao assunto.

– Posso fazer uma pergunta?

– Hum... – Harry deslocara sua atenção para o pescoço da namorada.

– Por que aqui? Por que em Bodmin Moor?

– É uma longa história...

– Vai me contar?

Sim, ele ia. Mas naquele momento estava mais interessado num pedaço particularmente cheiroso da pele de Gina que ficava sob o longo cabelo vermelho.

– Mais tarde...

Harry manteve os olhos fechados, acariciando, de forma quase masoquista, aquelas memórias. Trazê-las à tona era lembrar a si mesmo, constantemente, de que lhe faltava um pedaço. E de como isso doía. Quase além do que era possível suportar. “Eles” souberam exatamente onde atingi-lo. De novo.

– Eu disse que a gente não devia ter vindo aqui.

– Shsss Rony!

– Mione, olha só o estado dele!

As vozes de Rony e Hermione finalmente trouxeram Harry de volta ao presente, mas ele não se sentiu incomodado com isso. De fato, estava quase grato pelos dois terem começado a discutir atrás de si e o arrancado do passado. Os três estavam diante do que tinha sido a casa de Harry e Gina. Tão logo haviam desaparatado, a revolta de verem tudo em ruínas os tinha feito ficarem longos minutos em silêncio. Mas, felizmente, Rony ainda era o Rony.

– Eu falei que ele devia ter dito para a gente o que era para procurar e não ter vindo aqui e ficar olhando isso.

– Rony fala baixo!

Mas o amigo tinha razão. Harry não podia ficar ali parado sentindo pena de si mesmo. Tinha vindo até aquele lugar com um objetivo e não para ficar perdido em devaneios que mais tinham gosto de pesadelo do que qualquer outra coisa. Ter Gina como uma lembrança, algo que pertencia a uma vida que ele não tinha mais e, talvez nunca mais voltasse a ter, já era o suficiente. Todo o resto servia apenas para aumentar a tortura.

– Vocês vieram para ajudar ou ficar discutindo? – perguntou em voz alta.

Os dois pararam imediatamente de sibilar um com o outro e se aproximaram dele.

– O que foi que a gente veio fazer aqui, Harry? – Hermione falou de um jeito delicado, olhando-o preocupada, como se, a qualquer minuto, ele fosse ter um treco ou coisa parecida. Mas, afinal, ele não tinha explicado muita coisa para os dois antes de arrastá-los junto com ele até ali. Respirou profundamente e voltou às costas para os escombros encarando os amigos.

– A verdade é que eu não sei bem. Apenas sei que tem algum tipo de reposta por aqui.

Rony e Hermione trocaram olhares exasperadamente cúmplices.

– Que tipo de resposta? – Quis saber Rony. – E para o quê?

– Vocês se lembram do ano seguinte à guerra?

– Claro... – falou Rony com certo mau humor – foi o ano em que passei mais tempo do meu namoro acalmando a Mione por causa dos seus sumiços do que beijando ela. – Hermione ficou absolutamente desconcertada ao ouvir aquilo, parecia não saber se brigava com Rony, se ficava envergonhada ou se dizia alguma coisa para se justificar, mas Rony não lhe deu atenção. – Em resumo, ficamos com medo que você pirasse.

– Cheguei bem perto disso – confirmou Harry.

Nenhum dos outros dois pareceu achar que ele estivesse brincando.

– Você nos disse que viajava para descobrir coisas sobre magia antiga – comentou Hermione. – Por causa de Dumbledore.

Ele confirmou com a cabeça.

– Sentia como se ele me guiasse, sabem? Como se quisesse que eu ainda aprendesse mais coisas. Não me olhe assim, Hermione. Eu sei que ele morreu e que não se tornou nenhuma espécie de mentor espiritual. Eu apenas... sentia que devia fazer isso e... Pôxa, somos bruxos, intuição deveria contar, não é?

– Não estou questionando isso, Harry. – Rony disfarçou um risinho de deboche em um forte acesso de tosse e Hermione empertigou-se. – Tudo o que disse na época é que não havia por que você ir atrás de todas aquelas coisas sozinho. Rony e eu poderíamos ter ido com você.

– Eu não deixaria que vocês atrasassem mais a vida de vocês apenas para me seguir nisso.

– Quanto altruísmo! – Disse Hermione cruzando os braços, sem disfarçar a ironia.

Harry buscou por Rony, mas embora ele olhasse um pouco incerto para Hermione, como se temesse um confronto, não parecia estar discordando dela.

– O que quer dizer?

– Que isso é uma desculpa e das esfarrapadas. Você nunca quis que fossemos junto. – Ela sustentou o olhar de Harry até que ele o desviasse e então continuou. – Você insinuou que queria ir atrás de coisas que não estivessem escritas nos livros conhecidos. Lembro que você até trouxe uns pergaminhos antigos para mim, mas você nunca quis nos contar tudo, não é? Nem o que procurava, nem o que achou! – Falou num tom inequívoco de acusação.

– Não foi questão de querer ou não, Mione, eu... Eu precisava fazer isso sozinho. Eu precisava saber.

– Saber o quê? Afinal o que você tinha tanto de saber sem a gente? – perguntou Rony, não disfarçando a mágoa.

Harry continuou sem encarar os dois. Mesmo tantos anos passados, mesmo com as duas pessoas mais próximas dele junto com Gina, ele ainda não queria falar disso. Era como descer até o porão e despertar um monstro. E se tudo que ele tivesse feito estivesse tremendamente errado?

– Eu queria compreender o que tinha acontecido comigo – falou enquanto sentia o monstro rondando seus pensamentos e os tornando piores. – Por que os poderes que eu havia adquirido ao destruir as horcruxes não tinham ido embora quando ele morreu? Por que eu continuei... diferente? Por que isto – passou o dedo sobre a cicatriz em sua testa – não desapareceu? Até as marcas negras dos Comensais sumiram. Mas essa droga continuou aqui. Bem na minha cara! Será que eu deveria ter ignorado isso?!

– Por que a cicatriz teria de desaparecer? – questionou Hermione que parecia ter rapidamente abandonado a postura chateada por outra cheia de preocupação.

– Por que não? Ele morreu, não morreu? Quando um bruxo morre, todos os resquícios das magias que ele fez em vida morrem junto, não é? Acabam! Somem! Eu deveria estar limpo disso tudo!

– Talvez não funcione assim, Harry – ela argumentou, um pouco assustada.

– E de que jeito funciona, Hermione? Você já pensou que podemos ter interpretado tudo errado? – Ele deu um passo em direção à amiga que instintivamente recuou. – Talvez nunca tenha se tratado de um morrer e o outro sobreviver, não é? Gostamos de pensar assim. Achamos que era justo. Mas e se estivemos errados esse tempo todo?

– N-não... – ela gaguejou – a profecia era clara. Ela falava...

– EU SEI DE COR CADA MALDITA PALAVRA DAQUELA PROFECIA, OBRIGADO! ELE ME MARCOU COMO IGUAL. NÃO UMA. MAS DUAS VEZES! – Harry ergueu o braço mostrando uma cicatriz antiga feita à ponta de faca. – O MESMO SANGUE!

– Cara, é melhor você se acalmar...

– E ISSO VAI MELHORAR O QUE, RONY? SERÁ QUE VOCÊS PERCEBERAM ONDE TUDO ISSO VAI DAR? É O MEU SANGUE! EU ME TORNEI A PORTA PARA ELE VOLTAR. SE EU TIVESSE MORRIDO NAQUELE DIA, ELE NUNCA, NUNCA TERIA COMO RETORNAR. DIGA QUE ESTOU ERRADO, HERMIONE! VAMOS DIGA!

– Harry PARA de gritar com ela!

– Harry, eu...

– Você também não me contou tudo o que tem naquele maldito livro, não é? – Apontou acusadoramente para Hermione que parecia prestes a chorar. – Não que precisasse realmente, eu não sou tão burro. Na verdade, não precisaria ser nenhum gênio para descobrir, não é?

Rony estava praticamente entre ele e Hermione, mas Harry não o olhava. Continuava com os olhos fixos na amiga que tremia sem parar.

– E eu fiz pior, não foi? – perguntou, implorando intimamente para que a sua amiga brilhante lhe dissesse que estava errado. – Não só fiquei vivo, como ainda criei mais gente para ele usar como porta.

– De que diabos você está falando? – Rony parecia estar perdendo a paciência e Harry finalmente o encarou.

– Porque acha que pegaram o Lyan, Rony? Eles já tinham as sete crianças para o ritual para trazê-lo de volta à vida. Mas elas são apenas uma parte da coisa toda A outra parte é o que ele precisa para ter um novo corpo. E o brilhante Harry Potter fez seu melhor, não fez? Não só fabricou mais gente com identidade mágica igual ao do pior bruxo das trevas que já existiu, como ainda teve a sorte do seu filho nascer exatamente no mesmo dia dele.

A cor sumiu do rosto de Rony. Hermione, parada atrás do marido, mantinha a mão firmemente sobre a boca, os olhos brilhantes e cheios de dor. Harry passou a mão pelos cabelos, enquanto o monstro que ele prendera no porão por tanto tempo rugia deixando-o ainda mais desesperado.

– Se eu tivesse morrido... Gina estaria segura. Teria filhos normais. Vocês todos estariam...

– Por favor, não nos canse com essa conversa – Rony cortou com autoridade. – Nós sabemos que a Gina não é exatamente uma bruxa comum.

– Não – disse Harry – ela é especial.

– Você também é Harry – falou Hermione.

– Não. Eu sou uma anomalia. E uma anomalia que ele criou.

Rony cruzou os braços.

– Bem, de qualquer forma não é sua culpa estar vivo, não é? – Harry o encarou. – Quando você fez a magia do sacrifício estava disposto a morrer. Fomos nós e Gina que unimos nossos poderes ao seu. Fomos nós que fizemos com que você ficasse vivo. Além do mais, se você estivesse certo sobre Lyan, por que ele quer que você vá lá? Por que levou a Gina também?

– Ele ainda precisa me derrotar, não é? Deve isso para ele mesmo, para os que acreditam nele. Ter Gina nas mãos apenas me enfraquece mais. Voldemort e Troop sabem disso. E vocês se lembram do que Dobby contou: eles teriam matado Joanne se a tivessem encontrado. Na verdade, acharam que ela tinha morrido. Lucius queria isso porque me deixaria ainda pior.

– Mas é exatamente isso, Harry. Eles querem que você já entre lá derrotado. Não pode ficar pensando desse jeito e dar esse gostinho para eles.

Harry apreciava realmente a lealdade de Rony, mas sentia-se cansado demais para discutir.

– Eu vou trazer Gina, Lyan e as crianças de volta. E depois vou acabar com isso de uma vez por todas.

– Não seja idiota – rosnou Rony.

– Vou fazer o que for preciso para mandá-lo para o inferno e mantê-lo lá, Rony!

– Harry – Hermione finalmente voltou a falar e parecia bem decidida – isso ainda não acabou. Eles estão mexendo com forças poderosas, mas você não está sozinho e nem somos um bando de incapazes. Não acho que você bancar o mártir seja a única resposta possível. – Ele chegou a abrir a boca para argumentar, mas a garota continuou falando. – Você nos trouxe aqui por um motivo, não foi? O que tem aqui?

Harry soltou os ombros e o pescoço que começaram a doer com a tensão e então colocou novamente o foco no que tinha vindo buscar. Com um gesto chamou os dois amigos a sentarem numa parte limpa do gramado, do lado de fora da sebe, que cercava o jardim da frente da casa.

– Tudo o que eu encontrei sobre magia antiga nas minhas viagens, eu passei para vocês. Mas nada daquilo me respondeu o que eu queria e, depois de um tempo, eu percebi que talvez não houvesse respostas. Talvez, Voldemort e eu fossemos um caso único e, então... – uma espécie de vergonha o fez parar no meio da frase.

– Então? – Rony incentivou depois de uns segundos.

– Passei a maior parte do tempo sozinho, isolado, apenas tentando aprender a controlar... a não manifestar de forma involuntária esses poderes... os poderes dele. – Desviou o olhar dos amigos antes de continuar. – Mas aconteceu uma coisa, num desses períodos. Eu tinha ido para o norte. Bem ao norte. Precisava de um lugar deserto e árido para poder fazer testes, sem despertar a atenção nem colocar ninguém em risco. Mesmo assim, resolvi ficar a poucos quilômetros de um lugar onde eu pudesse conseguir comida. Me instalei numa cabana de pescadores abandonada, próxima a Findhorn.

– Findhorn? A comunidade experimental trouxa? – perguntou Hermione curiosa e Harry confirmou.

– Experimental? – Rony não tinha entendido.

– É – confirmou a garota. – Eles mesclam vários tipos de conhecimentos trouxas para conseguir produzir comida naquele solo. Os bruxos os têm monitorado porque, bem, de alguma forma, parece que eles têm conseguido se conectar com algum tipo de magia elemental. Ninguém dava atenção a isso antes da guerra, mas com as novas orientações do Ministério muita gente lá dentro, que tem simpatia pelos trouxas, acha que em Findhorn se pode finalmente estar se começando a construir uma ponte entre os nossos mundos.

– Uau! – Rony pareceu realmente impressionado.

– Por que você foi justamente para lá, Harry?

– Não foi intencional. Eu disse a vocês, queria um lugar isolado, mas também tinha de me manter saudável ou não conseguiria. Cheguei a visitar outros lugares onde não havia a possibilidade de ser incomodado e ao mesmo tempo eu pudesse pegar comida. Mas em todos, ao cabo de alguns dias eu me sentia doente, e os poderes de Voldemort pareciam ficar mais fortes que eu. De repente, próximo à Findhorn as coisas pareceram claras, boas, eu estava cheio de força e... de esperança. – Rony e Hermione confirmaram com a cabeça, Harry não soube dizer se eles realmente entendiam o que ele queria dizer ou se apenas queriam que ele continuasse logo. – Um dia, eu estava saindo de um armazém na vila e uma mulher me abordou. Não precisei de dois segundos para saber que estava diante de uma bruxa de verdade. E não foi só dedução já que ela me chamou pelo nome. Conversamos um pouco. Ela me perguntou o que eu andava fazendo por ali e eu tive de desconversar. Nem lembro bem a história que inventei, mas obviamente não a convenci. Tentei fugir dela e comecei ir até a vila com a minha capa, até que um dia ela apareceu na praia onde ficava a minha cabana e me chamou para ir a casa dela.

– Você não andou traindo a minha irmã, andou?

– Francamente, Rony.

– Rony ela já tinha passado há muito dos 100 anos e realmente não era o meu tipo, ok?

– Ah, por que você não disse logo?

– Continue, Harry. Por favor – pediu Hermione, rolando os olhos, indignada.

– Ok. Bom, eu não tinha muito que fazer, afinal ela sabia quem eu era e, de repente, não me custava nada fazer a vontade de uma “velhinha” – frisou olhando o amigo que pareceu levemente envergonhado. – A casa dela não era exatamente como as de outros bruxos que eu já tinha ido e acho que era estranha até para os trouxas que vivem em Findhorn. Ficava numa espécie de caverna nos rochedos.

– Caverna? – Rony interrompeu de novo.

– É. Mas era bem confortável lá dentro. Cheia de móveis floridos com paninhos de crochê e aquelas coisas que as velhas senhoras gostam. Lembrava um pouco a casa da Sra. Figg, mas sem o cheiro de gatos. Na verdade, lá dentro, só estranhei mesmo o fato de alguém tão velha morar num lugar sem assoalho. Achei que devia ser muito frio, mas quando perguntei, ela apenas disse que se acostumara. Então, ela me serviu um chá e perguntou se eu tinha conseguido encontrar o que eu estava procurando. Tentei desconversar mais uma vez, mas ela não deixou. Me deu um carão por estar tentando mentir para uma velha e eu acabei falando a verdade. Disse que não tinha encontrado nada e que agora queria apenas aprender a controlar a magia que havia em mim. Ela tirou um cachimbo de dentro do bolso da saia, o acendeu e fumou quase uns vinte minutos sem dizer nada. Imaginem, eu já estava louco para sair dali, mas então, ela pegou um galho que estava na caixa de lenha e desenhou uma espécie de mapa no chão.

– Que mapa? – Quis saber Hermione.

– Me pareceu a costa da Grã-Bretanha – respondeu Harry. – Aí ela finalmente me olhou e perguntou quais eram os meus planos se eu conseguisse esse controle. Respondi com sinceridade. Disse que se eu pudesse dominar os poderes que tinha adquirido, que eu voltaria para junto dos meus amigos, iria trabalhar, viver minha vida e que, provavelmente, iria pedir a minha garota em casamento. Ela continuou me olhando, deu mais uma baforada no cachimbo e então pegou o galho e marcou um lugar bem ao sul no mapa. “Aqui”, ela disse, “quando você parar de fugir de si mesmo, pegue a sua garota e partilhe quem você é, aqui. O dia que realmente precisar de respostas, elas virão até você e então, você poderá terminar o que começou.”

– Por isso você comprou essa casa neste lugar? – perguntou Rony e Harry confirmou. – Gina sabia? – Ele assentiu novamente.

– Eu contei para Gina depois que ela concordou em ficarmos com a casa. Não queria pressioná-la a aceitar um lugar que não gostasse – explicou.

– Certo – disse Hermione de forma prática. – Então a tal bruxa o mandou morar em Bodmim Moor. Dá para fazer milhares de conexões apenas com isso, mas levaria décadas para acharmos alguma pista que verdadeiramente nos levasse a saber o por quê. Você devia ter me contado isso antes, Harry. Existe tanta coisa que eu poderia ter pesquisado sobre este lugar.

– É, cara. Poderíamos ter investigado isso ao invés de achar que era só coincidência você ter comprado uma casa na aldeia em que nasceu a Ravenclaw. – Hermione ergueu a sobrancelha surpresa. – O quê? Não me olhe com essa cara, eu posso nunca ter prestado atenção em História da Magia, mas, ao contrário de vocês, fui criado por bruxos, lembram?

– Você acha que pode ter algo a ver com Ravenclaw, Harry?

– Não sei, Mione.

– Você não nos disse o nome da bruxa. A que te ajudou – falou Rony curioso.

– Ela me disse se chamar Hilda Peregrin, mas nunca achei ligação desse nome com nada – respondeu.

Hermione, no entanto, franziu a testa concentrando-se em alguma coisa.

– O nome fez algum sentido para você? – perguntou Rony colocando a mão sobre a perna dela e Hermione a cobriu com a sua.

– O nome não. Nunca ouvi falar de nenhuma Hilda Peregrin, mas... É estranho, não é? Quero dizer, ela apenas mandou você para cá. Não lhe deu nenhuma outra pista? Você nunca procurou por alguma coisa nesse lugar que pudesse lhe dar as tais respostas de que ela falou?

– No início. Vim para cá disposto a fazer muitas pesquisas e aí... – pensando no assunto, agora, parecia um pouco estranha a sua atitude ao fim de tudo. – Eu sempre que cheguei aqui me senti tão bem, tão despreocupado, tão sob controle que, quando eu vi, não estava mais procurando respostas, mas uma casa, um lugar para construir a minha vida com a Gina. – Então, foi como se uma luz se fizesse numa parte escura da sua cabeça e Harry puxou a varinha que carregava do cós da calça e a olhou com um sorriso de entendimento.

– O que foi?

– Você me perguntou se ela não me havia dado mais nada, Mione? Ela deu sim. O galho com que ela riscou o chão.

– A sua varinha? – Hermione não pareceu entender, mas Rony, ao contrário dela, tinha vários anos partilhados em missões de Auror com Harry. Não havia nenhuma surpresa no olhar dele para a varinha que Harry segurava.

– Foi você ou ela que deu ao galho uma aparência de varinha? – perguntou secamente.

Harry baixou a varinha antes de responder.

– Eu. Desde quando você sabe? – questionou o amigo e Rony deu de ombros.

– Desconfio há um bocado de tempo. Você apenas confirmou.

– O quê? – Hermione parecia perdida e indignada. – O que você sabe que eu não sei? – perguntou ao marido.

– Se trabalhasse com ele como eu, tenho certeza de que você já teria percebido também, Mione. É só um pedaço de madeira – disse apontando para a varinha que pendia dos dedos do amigo. – Harry não usa uma varinha mágica desde que quebrou a dele na noite em que fez a magia do sacrifício para matar Voldemort. Você segurou o cerne da varinha sem proteção durante uma magia muito poderosa. Sempre desconfiei que com todas aquelas horcruxes que você destruiu, acabaria ficando... diferente.

Hermione arregalou os olhos e abriu a boca.

– Mas, mas eu achei que você só fazia isso de vez em quando. Nas ocasiões em que se descontrolava. Que nas outras... você precisava usar a varinha, como todo mundo, eu... Oh, Harry!

O rapaz baixou a cabeça. Sabia que devia ter contado, ter dividido aquilo. Mas o que ganharia com isso? Rony eternamente o monitorando? Hermione caçando livros e fazendo relatórios semanais sobre o que aquilo poderia significar? Eles não teriam tido tantos anos felizes e despreocupados se Harry tivesse dito a eles que sua herança não era apenas para ser usada em momentos excepcionais. Era pacote completo. Vinte e quatro horas. Bastava desejar. Nem Tom Riddle. Nem Dumbledore tinham conseguido tanto. E, ao contrário dos dois, ele nem tinha buscado por isso. Nunca fora um aluno brilhante como o primeiro, nem tinha atingido a idade e a sabedoria do segundo. Tinha apenas vinte e seis anos. O que ele sabia? Imagine se o resto do mundo bruxo sequer sonhasse do que realmente ele era capaz. Provavelmente, não conseguiria nem mais trabalhar, porque todos suspeitariam dele. Não queria nem imaginar que conseqüências isso poderia ter para Lyan e Joanne na escola ou qualquer outro lugar que fossem.

Os três se mantiveram em silêncio por um longo tempo. Harry achou que era melhor dar um tempo para que os amigos assimilassem aquilo tudo. Quando ergueu os olhos, viu Hermione com a cabeça no ombro de Rony, que a abraçava com um dos braços e com o outro lhe acariciava o cabelo. Havia um misto de acusação e entendimento nos olhos dele, mas Rony pareceu preferir não falar. Foi Hermione que finalmente, sem mover o resto do corpo, estendeu a mão para ele e Harry a aceitou com um sorriso fraco, que ela correspondeu.

– Porque acha que a... varinha pode ajudar? – perguntou finalmente.

– Acho que ela não me daria sem um sentido, não é? – O problema era saber qual era o sentido... – Esperem.

Com uma idéia súbita, Harry soltou a mão de Hermione e ergueu-se num salto. Por que não? Não custava tentar. Estendeu a mão direita e colocou a varinha estendida sobre ela e depois falou em voz baixa: “Me oriente”. O feitiço dos quatro pontos apareceu na sua cabeça mais por intuição que por raciocínio. Nem mesmo pensou que ele provavelmente lhe apontaria o norte e que como não necessitava realmente de uma varinha, poderia tê-lo feito até com um lápis. Porém, duas coisas aconteceram diferente do esperado e Rony e Hermione já estavam em pé, ao seu lado, para poderem ver quando a varinha rilhou, se torceu e voltou a se parecer com um graveto longo e torto, cuja a casca tinha sido meticulosamente arrancada. Depois, ela girou na mão de Harry e apontou em direção aos fundos da casa.

– Não está apontando para o norte – falou Hermione e consultou os dois com o olhar cheio de ansiedade. Foi Rony quem respondeu.

– Já perdemos tempo demais com todo esse papo.

Sem que precisasse de uma segunda exortação, Harry pegou o galho com a mão direita e começou a caminhar na direção que ele apontava. Rony e Hermione o seguiram. Atravessaram o terreno, circundando-o e evitando, diligentemente olhar para onde ficava a casa. Passaram pelo pátio dos fundos e foram em direção à torrinha de madeira marrom que antes tinha sido o lar de Aquiles, Edwiges e Tiletti. A gata estava sumida desde o dia do ataque. Edwiges havia encontrado Harry já na Toca, naquele mesmo dia, mas entrara em depressão se recusando a comer e foi preciso chamar por Hagrid para cuidar dela. O galho continuou a apontar para além da cerca e os três desviaram de um monte de terra ainda fresco e cercado de pedras brancas. Harry notou que Rony passou o braço pelos ombros de Hermione, que deu um suspiro entristecido. Ele, contudo, preferiu não olhar mais de uma vez para o local onde havia enterrado o seu cachorro.

A cerca dos fundos não era muito alta. Feita de pedaços de madeira e entremeada de galhos de sebe, ela dividia o terreno da casa com uma ribanceira de mais ou menos um metro de altura, que descia para uma estrada rural e um braço estreito do rio Bodmin. Harry passou a perna por sobre a murada e estendeu a mão para ajudar Hermione, que se escorou nele e em Rony para passar a cerca. Tão logo se viram fora do terreno, os três começaram a descer, ainda de mãos dadas, até a estrada. Atravessaram-na olhando para o galho que Harry segurava e que parecia, nitidamente, o estar puxando em direção ao riacho. Árvores altas, de troncos verdes de limo, por causa da umidade, projetavam seus galhos sobre as águas azul-escuras e caudalosas que passavam por ali.

– Está apontando para o rio? – perguntou Rony.

– Não – disse Harry – é para além.

– Certo. Nesse caso... – Hermione puxou a própria varinha, olhou para os lados para ver se não vinha ninguém e conjurou uma pequena ponte de madeira por onde os três puderam atravessar.

– E o Estatuto de Sigilo da Magia? – Rony pareceu estar se divertindo, enquanto ela fazia a ponte sumir com um gesto. – Você agora é uma autoridade, Sra. Weasley. Não pode ficar desrespeitando a lei.

– Daria muito trabalho contornarmos até a ponte mais próxima – ela se justificou. – Mas se não gostou pode se molhar da próxima vez.

Rony riu, mas o galho continuou a puxar o braço de Harry, só que agora para a direita, descendo o rio.

– Por aqui.

A tarde de sol começava a declinar com uma brisa fresca que amainava o calor de junho, mas os três estavam já bem suados da caminhada. Apesar da paisagem bucólica, era difícil seguir o curso do riacho que hora se alargava, ora se estreitava, e tinha as margens cobertas de uma vegetação aberta, mas cheia de galhos espinhosos que se agarravam às camisetas e cabelos deles. Finalmente, o pedaço de madeira que Harry segurava pareceu mudar de idéia quanto ao rio e passou a guiá-los para campo aberto, se afastando da vegetação verdejante em torno do curso d’água e indo para um amplo terreno de pousio que seguia pelas colinas ao sul da aldeia.

– Estamos entrando em propriedade particular – anunciou Rony, quando eles cruzaram por uma cerca de pedra.

– Ninguém vai nos incomodar – disse Hermione arfando enquanto fazia força para acompanhar os passos largos dos dois. Rony estendeu-lhe a mão e passou a rebocá-la colina acima. – Muitos turistas vêem à região para ver os monólitos pré-históricos...

– Que ficam no parque ao leste daqui – disse Rony.

– Podemos dizer que viemos ver os marcos medievais. Aqueles que têm as letras dos nomes dos proprietários.

Ela apontou para a esquerda e Rony e Harry acompanharam o seu braço. Uma pedra grande, com um G, estava fixa no meio do terreno.

– Wow! Isso é que é um turismo emocionante – ironizou Rony.

O galho na mão de Harry, no entanto, não os permitiu parar e continuou os puxando cada vez mais para longe da aldeia em direção ao campo aberto. Passaram por outros marcos iguais ao anterior. Num Harry distinguiu um H e mais adiante havia um com um R. A brisa fria e o sol caindo no horizonte avisavam que já fazia um bocado de tempo que eles estavam andando. Seguiram por dentro de um campo de feno, mas Harry já estava começando a achar que aquilo não os levaria a lugar algum. Não parecia haver qualquer tipo de construção por ali e temia que o galho os estivesse levando para as montanhas no horizonte. Para as quais ir andando era inviável. Adiante, uma nova cerca de pedras que os três pularam e depois um novo marco, com as letras do nome de seu antigo proprietário. O marco pendia para a direita e havia ao seu lado uma pequena depressão que ainda guardava a água da última chuva. Harry não o teria olhado duas vezes se o galho não tivesse apontado para lá. Foi ao chegar mais perto que uma súbita familiaridade o fez perceber que haviam chegado ao local.

– Isso só pode ser brincadeira – falou em voz alta. Hermione correu até o seu lado.

– O quê?

– Olhem isso!

O marco de pedra cinza tinha duas letras gravadas, acima um H e logo abaixo um P.

Harry Potter? – Rony deu um assobio. – Isso é que eu chamo de pista.

– Pode ser Hilda Peregrin – disse Harry.

– Continua a ser uma pista e tanto – debochou o outro.

– Só para quem estiver procurando, Rony – afirmou Hermione.

O galho na mão de Harry já não tremia mais, nem transmitia o calor que irradiara durante toda a caminhada.

– É aqui. Tenho certeza. Mas que tipo de resposta é essa? Uma pedra com as letras HP? Não faz muito sentido para mim.

Hermione se aproximou do marco e dobrou os joelhos, olhando-o atentamente por longos minutos como se buscasse alguma coisa de diferente ali. Ergueu-se e fez a volta, contornando a água e olhando o outro lado do marco. Depois voltou até a frente e tirando a varinha começou a passá-la em torno da pedra murmurando um feitiço revelador. Parecendo satisfeita, ela finalmente levou a mão até as letras e as tocou. Rony chegou a fazer um movimento para impedi-la, mas nada aconteceu e ele relaxou.

– E acho... – ela comentou baixinho – é, só pode ser. É diferente das outras, então... É, tenho quase certeza... deixe-me ver...

Mas ela continuou a examinar a pedra e voltou a contorná-la. Conjurou um galho longo e mexeu com a ele a poça d’água que havia ali. Raspou o galho de um lado para outro, então sorriu e voltou para frente da pedra e desceu a mão até a base enterrada no solo e coberta de grama baixa.

– Vai doer se você explicar para a gente o que achou, Hermione? – Rony pareceu se esforçar para perguntar com gentileza, mas Harry sabia o quanto ele detestava quando ela começava a pensar sozinha e os excluía, mas a garota não pareceu se chatear.

– É uma espécie de alavanca – explicou Hermione. – O que temos a fazer é tentar movê-la. Eu acho que aí em baixo – ela apontou para a poça – tem uma espécie de alçapão.

Os dois rapazes trocaram um olhar e se aproximaram.

– Como, supostamente, devemos fazer isso? – perguntou Harry.

– Podemos tentar alguns feitiços e talvez a força, mas eu acho que... Bem, quem sabe você tenta sozinho?

Harry não entendeu a princípio, as palavras de Hermione.

– São suas iniciais, não são? – questionou ela.

– E de mais um monte de gente.

– Ainda assim, aposto em você – disse ela confiante. Rony assentiu, quando Harry o consultou.

– Certo, então...

Mais por não saber o que fazer com o galho e por hábito, Harry desejou tê-lo de volta na forma de varinha, por ser mais prático de carregar, e, num piscar de olhos ele retornou à forma sob a qual estivera anos escondido. Ele não se virou para ver as expressões dos amigos ao vê-lo fazer aquilo com tanta naturalidade. Colocou a varinha no cós do jeans e esticou a mão direita tocando a parte da pedra que se inclinava para o solo. Com um mínimo de pressão, como quem abre a maçaneta de uma porta, a pedra começou a inverter o próprio ângulo. Um barulho raspado e lento encheu o ar como se algo há muito parado e enferrujado tivesse começado a se movimentar. O som lembrava o de roldanas semi-emperradas e quando a pedra tinha praticamente atingido a posição vertical, houve um ruído mais alto e o chão sob a poça de barro se abriu. A terra e a água sumiram das vistas deles caindo pelo buraco e eles não conseguiram ouvi-la chegar ao solo lá embaixo, mas não saberiam dizer se foi por não ouvirem mesmo ou pelo susto.

Sem dizerem nenhuma palavra, os três se aproximaram da cratera e olharam para baixo. Só havia escuridão e o que parecia ser a sombra de degraus de madeira, cobertos de pelotas de terra e que se estendiam para muito além do que podiam distinguir com os olhos.

Rony soltou o ar num bufo alto.

– Certo. Quem vai primeiro?

– Eu – disse Harry e começou a descer antes que qualquer um dos outros contestasse.

Ouviu Rony ainda chamar o nome da esposa, num tom de quem ia pedir para ela ficar, mas antes que ele o completasse pode sentir os passos leves da amiga o seguindo. Menos de um segundo depois, a escada tremeu quando o peso de Rony se somou aos deles, fechando a fila. O chão rangia terrivelmente por causa da madeira velha. Os degraus estreitos se mostravam semi-apodrecidos e claramente perigosos.

– Cuidado onde pisam – Harry avisou aos amigos.

Tão logo o topo da sua cabeça emparelhou com a boca do buraco, ele sentiu que a escuridão os envolveria muito rapidamente, pois os degraus não davam mostras de que acabariam logo. Ouviu Rony murmurar “Lumus”, mas Hermione foi mais eficiente. Ela apontou a varinha para frente de Harry e conjurou um daqueles fogos azuis que era sua especialidade e o fez flutuar adiante deles iluminando o que havia abaixo. Tudo o que viram adiante de si foram escadas, indo, aparentemente sem fim, cada vez mais para o fundo. Os três trocaram um rápido olhar e continuaram a descer.

À medida que seguiam para baixo, a luz que entrava pelo buraco no solo diminuía rapidamente sua capacidade de lhes dar qualquer orientação. Em poucos minutos de descida era possível ver apenas um pontinho claro acima deles e cuja luminosidade parecia vir de um buraquinho em um pano preto, mas que não tinha força para romper a escuridão.

– Talvez esteja escurecendo rápido lá fora – sugeriu Rony num sussurro depois de olhar para cima pela milésima vez.

– Acho que não – disse Hermione no mesmo tom.

– Por quê? – Harry também sussurrou sem saber bem o motivo.

– Vocês ainda não notaram?

– O quê? – perguntaram os dois.

– Por que acham que estamos sussurrando? – Desta vez eles ficaram em silêncio esperando que ela explicasse. – É uma reação instintiva quando a gente percebe que está num lugar grande e vazio. A luz lá de cima não tem condições de iluminar isso aqui.

Harry olhou para todos os lados. O breu era quase completo. Havia um ar frio, úmido e inegavelmente uma sensação de espaço, mas não saberia dizer se tinha a mesma certeza de Hermione. Rony colocou a dúvida em palavras.

– Como pode saber disso?

A garota rolou os olhos e apontou a varinha para a luz azul e a fez correr para longe deles até quase sumir em várias direções e depois a trouxe de volta.

– Satisfeito? Nenhuma parede até quase uns quinze metros daqui.

Rony soltou um assobio e como se o lugar esperasse por um barulho assim, o som foi longe e depois voltou várias vezes atingindo-os incomodamente nos tímpanos.

– Acho melhor continuarmos sussurrando – disse Harry. Rony balançou afirmativamente com a cabeça.

Os três continuaram a descer, sempre bem juntos, cuidando os passos e olhando atentamente para o chão e os degraus. Harry notou que quanto mais para baixo, mais a escada ficava irregular. Agora não eram apenas degraus estreitos, mas também tortos e de formas estranhas, ora mal cabendo o pé de lado, ora largos para vários passos. Às vezes, eram finos em uma ponta e dilatados na outra. Numa dessas vezes, em que eles chegaram a um degrau que mais parecia uma plataforma de tão largo, Rony empunhou a varinha acesa para outro lado.

– Hei! – Chamou. – Olhem isso! Tem mais escadas por aqui.

Harry e Hermione se aproximaram dele e, de fato, havia outro conjunto de degraus passando por ali, mas estes pareciam seguir um caminho diferente, pois subiam para o lado contrário daquele do qual tinham vindo e descia também em outra direção. Hermione apontou a varinha para o seu fogo e o fez novamente viajar pelo lugar. A luz foi revelando conjuntos e conjuntos de escadas, cada uma levando numa direção diferente. Quando o fogo se afastava deles o suficiente para iluminar uma parede, era possível ver a pedra escura e limenta num ângulo aparentemente arredondado e, por vezes, as escadas sumiam em uma porta escavada na rocha.

– Lembra uma torre subterrânea – disse Hermione.

– Ou um labirinto de escadas – sugeriu Harry.

– Não gosto disso – falou Rony. – Tanto torres quanto labirintos costumam ter guardiões e eu não conheço nenhuma história em que eles sejam agradáveis ou gostem de visitas.

Harry assentiu.

– É, é melhor ficarmos atentos. – Ele se virou para seguir, mas parou. – E agora? Para onde a gente vai?

– Por que você não usa a varinha novamente? – aconselhou Hermione e Harry concordou.

Colocou outra vez a varinha sobre a mão esquerda para executar o feitiço dos quatro pontos, mas não foi necessário. Tão logo a encostou na palma da sua mão, a varinha deu uma cambalhota sobre si e tornou a se transformar no galho e apontou novamente para baixo.

– Ok – disse Harry, que agora manteve o galho preso na mão – continuamos descendo.

Hermione fez o fogo novamente seguir à frente deles e os três continuaram cada vez mais para baixo. O frio também aumentava e as roupas finas e suadas de verão pareciam acrescer a sensação de gelo que vinha das paredes. Além disso, em pouco tempo nenhum deles saberia dizer de que ponto acima eles tinham começado a descer. Nem mesmo com muita atenção era possível divisar o lugar onde ficara a boca do buraco pelo qual tinham entrado ali. Rony murmurou que já devia ter anoitecido, mas nenhum deles acreditava que era por isso. Não depois de terem descido tanto em direção ao que parecia ser lugar nenhum.

– Não deveria estar esquentando? – perguntou Rony, batendo os dentes. – Tenho certeza de que estamos há poucos quilômetros do centro da terra.

– Nossas capas estão muito longe para serem conjuradas – falou Hermione. A voz dela também tremia de frio. – Talvez eu possa... Ahhhhhhhh!!!

Um CRACK horrível de algo quebrando e esfarelando ribombou pelas paredes e Harry pode sentir o deslocamento de ar quando Hermione despencou para baixo passando por ele.

– HERMIONEEEEEE!!!!!!!!

O berro de Rony aumentou ainda mais o barulho e a escada que quebrava, oscilou perigosamente com o peso dos dois quando eles se jogaram em direção ao degrau em que Hermione havia sumido. Um novo CRACK fez o lugar todo vibrar e Rony também despencou para baixo.

– NÃOOOOO!!!!

– AAAHHHHHHHHHHH!!!!

Harry ouviu os berros dos dois afundando nas trevas.

ARRESTO MOMENTUM! – Sua voz bateu nas paredes como um chicote reverberando acima e abaixo dele, depois, veio o silêncio. Respirou fundo e rápido enquanto olhava para baixo. O fogo azul ainda pairava sobre ele, mas não havia nem sinal dos amigos. Ainda assim, Harry estendeu a mão direita para o poço e falou em voz alta: – Levi Corpus!

Foram alguns segundos de pavor até que pode ver duas sombras, subindo na direção dele. Rony e Hermione apareceram suspensos pelos pés, mas ainda de mãos dadas. Harry expulsou o ar dos pulmões, cheio de alívio, enquanto ele guiava os dois até um degrau largo, que podia divisar abaixo dele, e os fazia aterrissar gentilmente na madeira. Desceu rápido até eles e ajudou Hermione a levantar, abraçando-a, assustado com o que quase tinha acontecido. Rony parecia alarmado o suficiente para continuar deitado.

– Temos que mudar esse feitiço – murmurou o amigo. – Detesto ser suspenso pelo pé.

Hermione deu uma risadinha nervosa.

– Foi por pouco, eu pensei que a gente...

– Eu também – confessou Harry. – Você está bem? – Perguntou se afastando e analisando a garota. Ela fez que sim com a cabeça.

– Para de agarrar a minha mulher e me ajuda aqui – pediu Rony com um gemido alto. – Acho que torci as costas.

Harry e Hermione foram até Rony e o ajudaram a levantar.

– Talvez fosse melhor a gente voltar – sugeriu Harry ao ver Rony se apoiar em Hermione com uma careta de dor. A garota lhe deu um beijinho, toda cheia de cuidados.

– E teremos ganhado o que com tudo isso? Não, companheiro. A gente segue.

Hermione concordou.

– Espere! A sua varinha, Rony? A minha caiu lá em baixo.

– Eu não sei – ele respondeu. – Acho que joguei longe...

Accio varinhas.

Num deslocar rápido de ar as duas varinhas voaram para a mão estendida de Harry e ele as entregou aos amigos. Hermione agradeceu, mas Rony simplesmente o olhou muito sério. Harry sabia o por quê. Talvez, justamente por ele ser o único ali criado por bruxos, os poderes de Harry não parecessem realmente interessantes, engraçados ou desejáveis. Poderes como aqueles exigiam sempre grandes perdas para quem os tinha. Era quase uma lei.

Os três voltaram a descer, agora um pouco mais lentamente, com Rony se apoiando em Hermione e volta e meia emitindo um gemido baixo. Não falaram mais nada durante o trajeto. Então, finalmente, Harry achou que havia uma espécie de luz que vinha de algum ponto abaixo deles. Hermione diminuiu a intensidade do fogo azul para que tivessem certeza. E, sim, havia claramente uma luminosidade amarela que vinha lá de baixo. Porém, quanto mais eles iam para o fundo, menos as escadas pareciam querer colaborar. Rangendo e trepidando, dando claras mostras de estarem podres e prestes a desabar, elas balançavam precárias sob os pés deles e houve mais de um momento em que novos acidentes quase aconteceram.

Enfim, a fonte da luz abaixo se revelou. Algo que lembrava uma caixa grande, talvez um sarcófago ou um túmulo quadrado, totalmente feito de ouro, refulgia quase como se tivesse luz própria. Enquanto se aproximavam, eles puderam notar que havia uma grande quantidade de imagens e também de letras antigas que haviam sido gravadas em toda a extensão do monumento. Pousado sobre a caixa, esculpido aparentemente no mesmo material dourado, um enorme grifo, com seu corpo de leão e suas magníficas asas pousadas – estas prateadas como a cabeça de águia – guardava com serenidade o que quer que a imensa caixa continha. Assim que conseguiram chegar ao chão, a umidade do ar pareceu ainda mais asfixiante, mas eles também puderam avaliar melhor o tamanho da caixa dourada. Sua altura, sem o grifo chegava à cintura de Rony, o mais alto dos três. E pela medida de Hermione, ela tinha uns quinze passos de cumprimento. A estátua sobre ela era colossal e Harry avaliou que o grifo deveria ter cerca de três metros e meio de altura.

Os três se puseram a analisar cada milímetro do sarcófago.

– Parece ter várias batalhas descritas aqui – comentou Rony.

– Desse lado, tem o que me parecem ser campos queimados – falou Hermione. – E aqui... umas mulheres controlando o fogo.

– Tem várias figuras com grupos de mulheres – disse Harry distinguindo no alto relevo o conjunto de imagens femininas.

– Me deixe ver? – Hermione veio para o lado dele. – Hum... Ali também. Parece o mesmo grupo, olhe!

Rony chegou ao lado dos dois.

– Sempre em número de sete – comentou e parou em seguida, olhando intrigado para os dois. – Acham que pode querer dizer alguma coisa?

– Talvez – falou Hermione. – Harry, por que você não tenta abrir a caixa?

Harry não achou que aquilo fosse uma boa idéia.

– Eu não saberia como fazer.

– Você conseguiu lá em cima, cara.

A resposta não o convenceu.

– O que vocês sugerem?

– O tal galho não está te dizendo nada? – quis saber Rony.

Harry olhou para o pedaço de madeira que pendia inerte na sua mão.

– Não. Nadinha.

– Você podia pedir para a caixa abrir – falou Hermione.

– Mione, isso só funcionou em lugares onde usei a língua de cobra. – Harry olhou para o grifo monumental sobre o sarcófago. – Não acho que língua de cobra vá funcionar aqui. Até onde eu lembro grifos são inimigos mortais de basiliscos?

– Quem sabe apenas um feitiço revelio – incitou Rony.

Harry consultou Hermione.

– Não custa tentar – ela disse.

– Certo.

Na verdade, ele não estava nem um pouquinho certo sobre aquilo, mas depois de horas até chegarem ali, não tentar de tudo seria burrice. Apontou a mão direita para a caixa e ordenou: “Revela-te!”

Nada aconteceu. A caixa dourada não deu nenhum sinal de conter qualquer tipo de magia e continuou fechada e silenciosa.

– Bem, talvez tenhamos que considerar outra coisa – comentou Rony. – Tipo a tal velha ser uma completa maluca.

– Acho que ela não era não – falou Hermione.

– O que nos garante?

Harry que até então tinha os olhos no lugar em que parecia estar a divisão entre a caixa e a tampa, virou-se para a amiga esperando a resposta, mas ela tinha se agarrado ao braço de Rony e olhava para cima. Os dois acompanharam o olhar da garota e, do alto da caixa, o grifo dourado, os analisava como um predador satisfeito em encurralar as presas. Os três recuaram rápido e Harry e Rony se postaram imediatamente à frente de Hermione. As enormes asas do grifo se mexeram lentamente, como se estivessem se exercitando após um longo tempo de inércia, e ele balançou a cabeça, batendo o bico poderoso e voltando a estudar os três.

– Para mim, isso é a prova definitiva que ela era doida – assumiu Rony. – Alguma idéia do que a gente faz agora?

O grifo se ergueu e esticou as patas como um imenso gato. O corpo felino de pelos dourados refulgindo, enquanto as penas prateadas da cabeça e das asas cintilavam. Os três jovens recuaram mais uma vez.

– Alguém lembra o que esse bicho come? – A pergunta saiu antes que Harry pudesse impedi-la. – Qualquer coisa que eu tenha lido sobre eles acabou de fugir da minha cabeça.

– Eu... acho que... eu acho que... – aparentemente, a memória de Hermione também não estava ajudando.

Mas antes que ela pudesse se recordar das aulas de Trato de Criaturas Mágicas, o animal deu um impulso e pulou de cima da caixa aterrissando graciosamente no chão. Os três berraram em uníssono e deram um salto quase do mesmo tamanho para trás. As paredes, que antes pareciam tão longes, estavam bem mais próximas agora e Harry avaliou que o bicho não teria dificuldade em encurralá-los. Imediatamente sua mente começou a funcionar e ele passou a rememorar todos os feitiços que poderia invocar, embora imaginasse que lutar com uma criatura mágica como aquela não seria fácil. Ele podia sentir a quantidade de magia que o animal emanava. Contudo, a sensação de perigo que ele sentira quando o viu de olhos abertos começou a passar. O grifo não tinha uma atitude ameaçadora. Parecia mais os estar estudando. Os olhos não eram vermelhos e malévolos como os de um hipogrifo, mas de um azul puro, dócil, cristalino. Não havia nenhuma hostilidade neles. Harry achou que talvez, bastasse agir como se agiria diante de um hipogrifo, embora o animal à sua frente tivesse pelo menos duas vezes o tamanho do Bicuço. Deu um passo à frente, mas Hermione o segurou pelo braço.

– Tudo bem... tudo bem... – ele se soltou dela. – Vou tentar. Fiquem aqui.

Rony puxou Hermione novamente para trás de si quando ela soltou Harry. Olhando diretamente para os enormes olhos azuis do grifo, ele deu alguns passos em sua direção e respirando fundo fez uma reverência e esperou. Os segundos passaram tensos e Harry já estava quase recuando, mas de repente o grifo soltou um longo e agudo grito de águia e depois bateu as asas e o bico e se ergueu nas patas traseiras. Harry endireitou o corpo e recuou sem entender bem, mas o animal não parecia disposto a atacá-los. Pelo contrário.

– Ele parece feliz? – perguntou Hermione.

Bem, Harry não conhecia o comportamento dos grifos. Nunca tinha visto nenhum antes daquele dia, mas sim, o bicho parecia feliz. Entre os bruxos, os grifos eram considerados criaturas raras, quase extintas. Havia mais conhecimento sobre os hipogrifos que eram o fruto do cruzamento destes com éguas, do que sobre as criaturas originais. Depois de algum tempo, o grifo pareceu se acalmar e baixou a magnífica cabeça em direção aos três. Harry consultou os amigos.

– O que acham?

Rony ergueu os ombros, mas não pareceu muito convencido de que estavam seguros e manteve Hermione atrás de si. A garota, no entanto, fez um sinal para que Harry tentasse se aproximar. Lentamente, Harry foi até o grifo e erguendo a mão tocou nas penas sedosas do seu pescoço. O grifo fechou os olhos, satisfeito.

– Uau! Observem isso! – Harry sorriu, sentindo uma enorme segurança ao tocar o animal. – Eu tenho um amigo que ia adorar conhecer você, sabia? – Falou enquanto deslizava a mão pela plumagem. – Aposto que existem muito poucos como você, não é?

O grifo abriu os olhos e o mirou tristemente.

– É só você, não é? – Harry não saberia dizer como tinha certeza daquilo, mas era como se pudesse se comunicar com aquela incrível criatura. – Venham! – Chamou os amigos. – Ele não vai fazer nada de mal com a gente. Bóreas quer conhecer o toque de vocês.

– Como sabe disso? E como sabe o nome dele? – perguntou Hermione.

Harry deu de ombros, apenas sabia. Uma euforia foi tomando conta dele. Estava feliz por toda aquela companhia. E ficou mais feliz ainda quando Rony e Hermione chegaram perto e os três se puseram a fazer carinho naquela criatura maravilhosa. Em breve eles riam alto. Cheios de contentamento. E começaram a falar como se a história estivesse dentro deles.

– Ele tinha um irmão, sabem? – Falou Rony. – Vieram juntos para essas terras.

– É – confirmou Mione com uma nota triste na voz – ele sofreu muito quando bruxos maus se uniram e mataram o irmão dele.

– Quem iria querer fazer mal a uma criatura destas? – perguntou Harry cheio de indignação.

– Penas de prata e pelo de ouro – falou Rony – posso imaginar centenas de malditos que não poupariam esforços por uma criatura destas.

– Que horror – Hermione se abraçou no pescoço do grifo que deixou escapar um pio miúdo. – Tadinho! Ele está sozinho desde então. Por isso você quis ficar aqui, não é? Guardando esse lugar. Não queria mais ficar perto de homens maus?

– Mas ele tinha amigos – falou Harry. – Por que seus amigos o deixaram aqui?

– Ele preferiu assim, Harry – disse Hermione. – Só uma amiga continuou a vir vê-lo. Oh! Vocês sabem quem?

Rony e Harry se olharam. Claro que sabiam. As lendas falavam que os grifos tinham vindo do Oriente. Eram dois e tinham uma amiga que os acompanhava. Uma fênix.

– Fawkes! – Falaram juntos.

O grifo se desvencilhou dos três como se estivesse satisfeito e se afastou alguns metros. Foi o suficiente para Harry sentir o contentamento se afastar também. Precisou de alguns instantes para realizar o que tinha acontecido. De alguma forma, a partir do toque em seu corpo mágico eles tinham se comunicado com Bóreas e o animal confiara neles. O grifo voltou a caminhar até perto do sarcófago e sentou no chão olhando diretamente para os três. Harry consultou rapidamente os amigos, não estava bem certo do que fazer, mas tinha certeza de que o animal os entendia.

– Hilda Peregrin me mandou aqui – disse com clareza. – Ela me disse que eu encontraria respostas nesse lugar. – O grifo piscou. – Você sabe quem ela é? Tinha as iniciais dela lá em cima. Bem, são as minhas também, mas acho que não foi por isso que abriu e...

Bóreas olhou para Hermione e depois para a parede do sarcófago ao seu lado e Harry interropeu o que falava. Seguros de que aquilo era uma indicação, a jovem se aproximou e depois se ajoelhou quase ao lado do grifo. Harry observou a amiga analisar atentamente uma enorme quantidade de inscrições que tinham ali.

– Você consegue ler isso? – perguntou Rony.

– Sim. É um gaélico. Uma forma antiga, mas conheço alguma coisa. Aqui diz que Bóreas guarda um poder sagrado, um poder que pertence a... – ela olhou para os dois, atarantada – pertence à Sétima.

Harry encarou Bóreas, igualmente atônito.

– O poder de Aradia? Mas Ravenclaw não destruiu o broche onde havia concentrado o poder da sétima filha? O poder não está preso no campo de Aradia em Hogwarts?

O grifo permaneceu impassível e Harry buscou em Hermione alguma explicação.

– Eu também não entendo, Harry.

– Quem sabe se a gente vir o que ele guarda lá dentro? – sugeriu Rony. O grifo estreitou os olhos para ele. – Se você deixar, é claro. – Juntou rapidamente.

– Há uma frase aqui sobre isso – disse Hermione franzindo a testa para ler. – Mas não está clara. Fala de proteger... partilhar... dividir. Eu não consigo apreender o sentido inteiro.

– Eu estava pensando... – disse Rony – o livro que lemos sobre os poderes da Sétima terem sido colocados no círculo de pedras de Hogwarts, também falava que aqueles não constituíam o principal poder de Aradia, lembram?

– É, o principal seria o poder religare – confirmou Hermione. – Que nós nunca descobrimos exatamente o que é ou como funciona.

– Muito bem pensado, Rony – falou Harry seguindo o raciocínio do amigo. – E se esse outro poder fosse escondido em um lugar que não Hogwarts?

– Um lugar que Slytherin não soubesse e nem tivesse como entrar – completou Rony olhando para o grifo, que agora parecia admirá-lo. – Não com um inimigo de cobras aqui dentro.

Hermione abriu a boca encantada com a sacada de Rony.

– E as pistas dos fundadores são tão claras – afirmou ela. – Estamos próximos ao lugar em que Ravenclaw nasceu. Ela era uma sétima filha, a herdeira do broche que continha o rubi com os poderes de Aradia.

– E este lugar – disse Harry – está marcado por pedras. Vocês estão lembrados? Todo o caminho até aqui. Vimos um G de Griffindor, um H e de Hufflepuff e um R de Ravenclaw.

– E o HP? – perguntou Rony.

– Talvez não queira indicar exatamente um nome – sugeriu a garota. – Esperem aí.

Ela começou a fazer a volta no sarcófago e a ler as partes em que apareciam textos. De vez em quando se afastava e via se eles tinham a ver com as imagens. Por vezes, soltava um: “uau” ou um “interessante”, uma vez saiu um “extraordinário!” e Rony não agüentou.

– Hermioneee! Benzinho, nós continuamos aqui, lembra?

– Lembro – disse ela vindo lá de trás. – Não me chame de benzinho. Eu acho que entendi algumas coisas. Na verdade, era o meu palpite.

– O quê?

– De acordo com o que está escrito no sarcófago, os fundadores escolheram um de seus descendentes para saber a localização deste lugar. Sempre deveria haver um. Quando um deles estivesse à beira da morte deveria localizar outro e contar o segredo. Estou certa?

Hermione consultou Bóreas, que assentiu.

– HP, pelo que entendi, quer dizer Hogwarts’ Parents*. Logo, este lugar está aberto aos seus filhos.

– Está querendo dizer que o Harry é descendente de algum dos fundadores?

– É o lógico, não é? As iniciais são apenas uma coincidência fortuita. O importante é que haja um descendente que saiba onde a fonte do poder religare está guardada. A fonte do poder sagrado.

– Espera aí! – Disse Harry. – Se você estiver certa, então não há aqui nenhuma resposta para mim. A tal bruxa, apenas me passou... – ele deu um suspiro cansado – mais uma obrigação? É isso – falou sentindo a raiva subir como lava quente. – Certo! Cheguei no meu limite! Deu! Acabou! Cansei de coisas estranhas! Cansei dessa droga caindo no meu colo o tempo todo! Vamos embora daqui e...!

– HARRY!

Foi Rony quem o chamou e ele olhou para onde o amigo apontava. A caixa estava abrindo lentamente sem emitir qualquer som. A tampa se ergueu até ficar totalmente vertical e então, parou. Os três chegaram mais perto. Águas cristalinas batiam à borda da caixa como se um lago tivesse sido aprisionado. Então, surgindo bem do meio delas, a ponta de uma espada começou a se elevar, depois veio a longa lâmina, e por fim o cabo e depois o punho. Para a surpresa deles, este vinha seguro por uma mão feminina e quando a espada escapou totalmente da água, outra mão, igualmente delicada, foi até o punho e dele retirou uma pedra branca, ao mesmo tempo leitosa e brilhante. A mão feminina a jogou para Harry, que segurou a pedra no ar. Depois, a mão foi até o punho e desenrolou o que parecia ser uma corda escura e a jogou na direção de Rony. Tão logo ele a tocou, a corda, enroscou-se no seu pulso revelando-se uma sinuosa pulseira em forma de dragão. Por último, a mão feminina atirou a espada e ela caiu aos pés de Hermione. Os três não poderiam estar mais atônitos. Então, com a mesma lentidão que emergira, a mão da Dama voltou a mergulhar nas águas e por fim, a caixa voltou a fechar.

Harry, Rony e Hermione estavam assombrados. Aproximaram-se analisando cada um dos presentes jogados pela misteriosa mão de mulher, ainda sem entender o que aquilo poderia significar. Foi Rony quem finalmente pôs em voz alta.

– Afinal, o que foi aquilo?

– Eu não sei – respondeu Hermione, nervosa. – Mas acho que tem mistérios aqui que não são para a gente. Você entendeu alguma coisa, Harry?

Harry negou com a cabeça. Estava meio fora do ar. Desde que tocara a pedra foi como se sua cabeça se enchesse várias vezes da voz de Hilda: “quando você parar de fugir de si mesmo, pegue a sua garota e partilhe quem você é, aqui. O dia que realmente precisar de respostas, elas virão até você e então, você poderá terminar o que começou.

– Hermione – disse – toque no Bóreas.

Ela o olhou, meio confusa, e depois obedeceu e mergulhou as mãos nas penas prateadas do pescoço do animal. O grifo fechou os olhos saboreando o contato enquanto torcia a imensa cabeça.

– Ele... os presentes – falou a garota – são para usarmos na batalha. A que está por vir. Mas devemos trazê-los de volta quando acabar.

– E é para usar exatamente como? – perguntou Rony.

– Saberemos usar... é o que ele garante.

– O que isso tem a ver com o poder sagrado? – Harry precisava de respostas e não de mais enigmas.

Hermione afagou a cabeça do animal por alguns instantes.

– Só a Sétima pode usá-lo. – Hermione apontou para a pedra nas mãos de Harry. – Nós... vamos levá-lo até ela.

Harry mexeu a pedra entre os dedos.

– E sobre os poderes de Voldemort? – Harry ainda se recusava terminantemente a dizer meus poderes.

– Bóreas acha que você sabe a resposta. Sabe o que terá de fazer.

Ela retirou as mãos do grifo e olhou para Harry. Rony também estava com os olhos fixos nele.

– É... – Harry não olhou para os dois. O monstro do porão dos seus pensamentos rosnava baixinho. – Mas eu não vou fazer... – Bóreas o encarava solenemente. – Não me importo com todo o resto, mas não vou deixar que nada de mal aconteça ao meu filho, está entendendo? Nada!

– Do que está falando? – Rony estava um passo atrás dele.

– De terminar o que comecei, Rony. Eu estava certo. Deveria ter morrido. Voldemort nunca retornaria... – fechou a pedra na mão e depois a colocou no bolso dianteiro do jeans. – Mas agora, Lyan carrega a mesma maldição. Se eu mandar Riddle de volta para o inferno e morrer, ainda assim ele não estará liquidado.

O silêncio caiu sobre os três. Nenhum deles tinha qualquer coisa a dizer. Hermione levou a mão ao coração como se ele doesse muito e se curvou sobre si mesma, as lágrimas escorrendo silenciosas pelo seu rosto. Bóreas ergueu-se nas patas e com um novo salto sinuoso aterrissou sobre a caixa, voltando a sua posição original e fechando os olhos após lançar um último olhar para Harry. Rony foi até a esposa, levantou-a e a sustentou nos braços carinhosamente, consolando-a.

– Vamos achar um jeito, não vamos? – a voz de Rony falhou um pouco e o olhar que ele lançou ao amigo, cunhado e irmão praticamente implorava que ele dissesse que haveria uma saída.

– É – concordou Harry, sentindo o monstro se banquetear com suas esperanças, devorando uma a uma. – Minha mãe também achou um jeito, não foi?




>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>><<<<<<<<<<<<<<<<<<<

N/B da Sônia: (Minha Anam liberou, aqui vou eu!!!!) Na minha cidade não tem Saint Mungus. Mas tem uma clínica para os abalados, mental e emocionalmente, que chama-se Vale dos Pinheiros. É bem para lá que o povo aqui do trabalho, mancomunados com a minha família, querem me mandar!! E não nego que eles têm lá suas razões... Chego aqui, logo após o intervalo de almoço, abro meu e-mail e largo o primeiro berro: “ARRUIAAAAAAA!!!” – havia chegado o capítulo da Sally, e por isso minha felicidade! Mas eles, simpáticos trouxas desinformados, só perceberam o grito. E aí, começo uma saraivada de murmúrios, suspiros, risadas ocasionais, imprecações, xingamentos furiosos (como na parte dos bruxos maus, capazes de assassinarem um grifo ), tudo isso acompanhado de movimentos perigosos na minha cadeira. (Quase caí junto com a Mione!) - Um dos trouxas aqui, abençoado seja, achou de vir me pedir algo relacionado à burocracia nossa de cada dia... no meio do capítulo!!!!! Imaginem um hipógrifo desembestado com dor de dente e cólica. Foi exatamente com o olhar que ele teria, que eu respondi ao pobre! - Analisando o quadro geral, não posso condená-los por estarem duvidando do meu equilíbrio. É assim que os capítulos primorosamente escritos por Sally Owens me deixam, MESMO! Ansiosa, feliz, furiosa, aterrorizada, comovida, preocupada, APAIXONADA! Doida por mais!!! Muito mais!!! - Ser sua Beta/palpiteira é um privilégio, uma honra e a garantia de ter excelentes leituras, e por esta distinção eu novamente lhe agradeço!! *Palmas* *Assobios* *Pulando na cadeira*- UHUUUUUUUU!!!! (Pronto, agora eles tem certeza que enlouqueci de verdade! =D) Beijos, talentosa Anam!!! Até as próximas emoções!


N/A: Um mês e um dia, eu sei. Como vocês fizeram questão de lembrar, rsrs...
Eu coloquei uma explicação lá na comu. Certamente não foi de minha vontade atrasar tanto para escrever este capítulo. Fui abalroada por uma série de finais de semanas com compromissos “sociais”, semanas cheias de trabalho (início de semestre é fogo), e uma seqüência de mazelas que me deixaram pelo menos três dias de cama. Viram? Não foi mesmo por querer.

Mas tem compensações. Primeiro, o capítulo está gigantesco. Pode-se usar vários dias para lê-lo. Segundo, eu garanto que esse mês deixou o capítulo bem melhor do que ele era inicialmente. Pelo menos, eu gostei mais.

Quando escrevi os capítulos sobre o Espelho de Ojesed, alguém me disse que sentiu falta de uma aventura envolvendo apenas o trio. Eu respondi que esse momento seria mais adiante na fic e que já estava pensando. Não menti. Gostei muito de escrever os três nesse capítulo. E eles foram tão maravilhosos me ditando o que iam fazendo que tomaram espaço de outras cenas que eu tinha imaginado por aqui. Fominhas nossos heróis, não?

Eu quero agradecer imensamente a todos os que se manifestaram compreendendo que esta fic não irá se adequar aos acontecimentos do livro 7 e que, portanto, agora, é um Universo Alternativo ao da genial JK Rowling. As semelhanças possíveis – e não são muitas – estão dentro daquilo que a própria tia Jô já tinha nos jogado como pistas. Como qualquer fã, acertei umas coisas e errei muitas outras.

Peço novamente a todos os que já se deliciaram com DH que mantenham a serenidade e tenham cuidado nos comentários para não entregar para quem ainda não leu.

Mais uma vez peço desculpas por não poder passar nas fics de todos os que deixam o me convidam aqui. Juro que não é falta de vontade e sim de tempo. Solicitei um vira-tempo para o ministério, mas eles só dizem que desde que o estoque foi destruído em 1996 não têm conseguido repô-lo . Também não tenho conseguido enviar os avisos via e.mail. Por diversas razões. Uma delas é que cerca de 50 por cento deles retornam. Outro motivo é como agora não tenho mais acesso, via Floreios aos e.mails, então isso deixaria de fora os leitores mais recentes e seria injusto. Aviso sempre no título, na comu do orkut e no meu Multiply.

Sobre este capítulo: passem no meu Multiply, vocês irão encontrar algumas imagens interessantes no meu álbum lá. O link está no fim da fic.
Para os curiosos, procurem por Grifos no Wikipedia e também dêem uma olhada nos site sobre Bodmin Moor e a região da Cornualha, onde fica o vilarejo.

Meus agradecimentos muito especiais para:

Tonks Butterfly (espero ter sanado todas as suas dúvidas, querida); Eleonora; Nicole Evans (Linda, que saudade de vc, ainda não consegui entrar no site, quando estiver tudo direitinho é só dizer que faço propaganda, ok? Obrigada pelo carinho); Susana Barrocas, Hannah Burnett, Gessy Silva (amei o comentário, rs), Drica Granger, Henrique Malfoy (é óbvio, sim, mas uma vez um Potter não escolheu o óbvio e deu no que deu. Harry sempre quis provar para o Rony o quanto ele era importante. Uma pena que as torturas, o veneno e a falta de memória depois, tenham tenham feito não só o Rony quebrar o segredo como também não poder avisar o amigo à tempo), Belzinha, Pamela Black, Lica Martins (não não somos a mesma pessoa – o que terrivelmente inclui a conta bancária, hihi, o que permite a ela só escrever e eu não…, mas um dia, quem sabe…), Gianna, Regina McGonagall, Srtáhh.Míííhh, Paty Black, Natinha Weasley (meninas, muito obrigada, mesmo!), Luísa Lima (sim, Lu, firme e forte. Quero no fim do ano começar a escrever =D), Carol Potter, Alessandra Amorin, Bernardo Cardoso Silva, Larissa Manhães, Priscila Louredo (sem revisões, Pri! Pelo menos por enquanto hehe), Grazi DSM, Lili Negrão (Liz), Edu Pimentel (Valeu, Edu!), Beatrice Potter, Charlotte Ravenclaw, Mimi Potter, Gabizinha (muito brigada mesmo!), Bruna Perazolo, Maria Lucinda Carvalho de Oliveira, Escarlet Esthier Petry, Patrícia Ribeiro, Carline Potter (saudades, muitaaaasss, querida!), Tatiane Evans (Valeu!!), Ana Rocco (pode lancer o Impérius nos meus chefes se quiser, eu deixo, hahaha, pq por mim eu escrevia sem parar), Mayara Potter, Sônia Sag, Gina W. Potter, Daniella Granger, Carolz (muito obrigada mesmo, Carol, desculpe a demora), Doug Potter, Feba (olha, vc aqui!! =D), Hellzita, Fenrir Lua Cheia, Mih, Babi Black Potter (quem agradece sou eu, meninas!), Morgana Black, Guida Potter, Ana Carol (claro que lembro de vc =D), Brunaa, Brunaz (sim, eu li DH e amei!! Tudo! =D), MarciaM, Sô, Andie, Victor Farias, Samoa, [*Cris potter*], Bruna Britti, Carol Lee, Belle Sarmanho.


Obrigada por todo o carinho que têm me dedicado. Pela leitura. Pelos presentes. Pela solicitude e compreensão. Pela comunidade (na minha última visita tinha 190 membros =D). Escrever para vocês torna os meus dias muito melhores e a minha vida fica cheia de cores.

Um beijo grande e nos vemos no próximo capítulo da Just.
Sally


Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.