Mefistófeles



Capítulo 32


Mefistófeles



Somente no dia seguinte foi que Hector percebeu que Andy não havia dormido na própria cama. Os lençóis intactos não deixavam dúvidas quanto a isso. Vestiu-se apressado e desceu pulando os degraus, pedindo mentalmente para que o amigo estivesse na sala comunal. Não saberia dizer bem porque, mas tinha uma sensação ruim desde que deixara Andrew sozinho para acompanhar Danna na volta da sala de Medéia. O salão comunal parecia bem normal para àquela hora da manhã. Alguns grupos de estudantes passaram por ele dando bom-dia e saindo pelo buraco do retrato para irem tomar café, mas não havia nem sinal de Andrew. Um frio na boca do estômago, que Hector identificou com culpa e remorso, tirou de sua mente qualquer remota idéia de seguir com os colegas para o salão principal e se fartar com o desjejum. Comer estava fora de cogitação enquanto ele não soubesse de Andrew e...

– Danna!

A menina vinha descendo calmamente as escadas do dormitório feminino. Talvez fosse o que tinham ouvido de Hagrid no dia anterior, mas desta vez Hector não pode deixar de notar o quanto a amiga parecia abatida. As roupas normalmente frouxas e desajustadas no corpo pareciam ainda maiores e a pele clara tinha uma palidez doentia.

– Bom dia, Hector.

– Danna, cadê o Andy? – Perguntou com urgência.

– Eu não sei. Eu acordei agora e ainda não o vi.

– Mas ele não voltou com você ontem à noite?

Danna o olhou, desconcertada.

– Ontem à noite? Hector, eu não vejo o Andy desde ontem a hora do café da manhã. Voltar comigo de onde?

– Droga! Droga! Droga! – Hector começou a olhar para todos os lados pensando para onde deveria correr. – Da sala da Medéia. Só que se ele não veio com você, e não está no dormitório, então ele...

– Hector, você não está falando coisa com coisa. Por que o Andy ia voltar comigo da sala da Prof.ª Shadowes? Como ele não está no dormitório? Eu não estou entendendo...

– Olha Danna, eu vou ficar feliz em explicar tudo e até ouvir você nos xingar, mas primeiro eu quero achar o Andy, ok? – Ele baixou a voz como se falasse para si mesmo. – Ele pode ter se metido numa bruta encrenca. Eu não devia tê-lo deixado...

A garota tinha finalmente terminado de descer os degraus que vinham do dormitório, se aproximou ainda confusa.

– Encrenca? Que tipo de encrenca? O que foi que vocês fizeram? Hector, por favor, não me diga que vocês fizeram alguma besteira? Eu disse para ficarem fora disso! Que não tinha nada para vocês investigarem!

Mas Hector já não prestava atenção na bronca. Estava roído de remorso achando que tinha abandonado um dos seus amigos e que agora ele podia estar em perigo. Isso não era digno de um Maroto. O que o seu pai ia dizer? Hector tinha prometido a ele que não deixaria os amigos correrem riscos. E agora Andrew tinha desaparecido.

– Danna, guarda o sermão para depois e vem me ajudar a achar o Andy, ok? – Falou já se dirigindo para a saída e Danna deu uma corridinha para emparelhar com ele.

– Por que você não usa o Mapa? – Sussurrou.

– Não dá. Andy ficou com o Mapa ontem.

Antes que Danna comentasse qualquer coisa o buraco do retrato abriu e Matheus Turpkin, um dos monitores da casa, entrou na sala comunal.

– Ah, Lupin! O’Brien! Justamente quem eu estava procurando. O Hagrid e a Diretora pediram para eu vir chamar vocês dois.

Hector e Danna trocaram um olhar cheio de pavor. Mil coisas horríveis começando a correr por suas cabeças.

– É para vocês irem até a ala hospitalar – continuou o monitor.

– Aconteceu alguma coisa com o Andrew, não foi?

O garoto do quinto ano, que era bem mais alto que eles, lançou um olhar piedoso para a Danna.

– É, parece que foi com o Bennet, sim. Não sei exatamente o que aconteceu, mas a Diretora pediu que eu chamasse vocês dois.

Hector pegou Danna pelo braço, arrancando-a do choque e seguiu para a saída da sala.

– Valeu, Matheus!

– Não por isso – respondeu o garoto. – Hei! Não esquentem, Madame Pomfrey nunca deixou de consertar ninguém, viram?

– Certo – resmungou Hector enquanto ajudava Danna a passar pela saída, mas sua cabeça já estava indo mais longe do que o comentário apaziguador do monitor. Na verdade, ele podia dizer que estava até aliviado. Por um momento tinha pensado que McGonagall queria vê-los na sala dela. Isso certamente seria bem mais grave. A ala hospitalar indicava que ainda havia esperança.

Os dois saíram pelo corredor numa correria desabalada. Hector só conseguia pensar que se alguma coisa grave tivesse acontecido com o amigo ele jamais iria se perdoar. Deu graças por Danna ficar quieta todo o trajeto. Já estava se sentindo bastante mal para ainda ter de ouvi-la cobrar dele o fato de Andrew estar em perigo. Ainda mais depois da garota ter pedido para que não se metessem nas suas misteriosas “aulas” com a prof.ª Medéia. É claro que eles iriam se meter de qualquer jeito, mas Hector tinha consciência de que nunca devia ter deixado o amigo sozinho. Seguiram pelo corredor do sétimo andar e chegaram esbaforidos em frente às portas duplas da enfermaria. Madame Pomfrey abriu uma das folhas antes que os dois pudessem bater.

– Eu ouvi a correria – ralhou. – Vocês não conseguem andar pelos corredores como se fossem pessoas normais?

– Cadê o Andy, Madame Ponfrey? – A voz de Hector saiu mais alta e atropelada do que a boa educação mandava.

Um tropel de passos atrás deles impediu a enfermeira de responder. Mel e Josh chegaram derrapando ao lado dos dois amigos, ambos afogueados e suados. Mel se curvou sobre o lado direito apertando uma fisgada de dor por causa da corrida.

– Cadê...? – Balbuciou, sem fôlego e sem conseguir terminar a frase.

– A gente estava tomando o café e um monitor da Grifinória comentou com a minha irmã que o Andy estava aqui e disse que era para a gente vir. – Explicou Josh. – O que aconteceu?

Hector abriu a boca para responder, mas se deu conta do olhar da enfermeira sobre eles e mudou de idéia quanto à resposta. Achou que não seria inteligente entregar que eles sabiam que Andrew havia ficado fora da sala comunal além do horário permitido.

– Não sabemos. – E com sua melhor cara de inocente se voltou para Madame Ponfrey esperando que ela sim respondesse a pergunta.

Com um suspiro, a enfermeira abriu a porta e indicou para que entrassem, fazendo sinal para que falassem baixo. Os quatro não demoraram a identificar Andrew deitado em um dos leitos. A diretora e Hagrid estavam ao lado dele, mas o menino parecia completamente desacordado.

Caminharam comportados até a beirada da cama e ficaram olhando o rosto pálido do amigo. Nenhum deles com coragem de encarar ou perguntar qualquer coisa aos professores.

– O Sr. Bennet – começou a diretora com uma voz pausada e que, surpreendentemente, não tinha nenhum sinal de zanga – foi encontrado, esta manhã, em um corredor da ala oeste pelo Prof. Windenprice.

Os quatro trocaram olhares significativos.

– Ao que parece – continuou McGonagall – ele teve uma crise aguda de gripe de trasgo e acabou desmaiando.

– Gripe de trasgo? – Hector olhava incrédulo do amigo para a professora.

– Sim, Sr. Lupin. Gripe de trasgo. O senhor sabe o que é, não sabe?

– A gripe de trasgo é uma doença comum, especialmente em crianças bruxas – Falou Mel. – Causa uma queda acentuada da temperatura, pode provocar desmaios, tremedeiras e enjôos. É muito contagiosa se não for neutralizada nas primeiras doze horas. – Ela notou que os outros três a olhavam. – Eu... eu li num livro – justificou.

– E leu direitinho, Mel – comentou Hagrid risonho. – Ela às vezes parece a Hermione, não é diretora?

– É parece – concordou McGonagal. – Felizmente, Papoula conseguiu ministrar a anti-toxina a tempo no Sr. Bennet e impedir de termos um surto na escola. – Ela deu uma fungadinha estreitando as narinas. – Deus nos livre! Isso poderia arruinar o semestre. Bem, em todo o caso, eu mandei chamá-los aqui por serem os melhores amigos dele e...

– Isso foi muita consideração da parte da senhora...

– E estando sempre juntos – prosseguiu ignorando a interrupção de Josh – creio que todos devem tomar a anti-toxina antes que a doença se manifeste, caso já estejam contaminados.

A menção a tomar remédio tirou o sorriso do rosto de Josh. Atrás deles um barulho de vidros denunciou que Madame Ponfrey vinha de sua sala carregando em uma bandeja uma garrafa grande com um líquido verde-azulado, quatro copos e quatro termômetros. A diretora tirou a varinha de dentro das vestes e com um movimento elegante conjurou quatro cadeiras de espaldar reto logo atrás dos meninos.

– Sentem – ordenou e o grupo obedeceu sem questionar, embora Josh não disfarçasse uma careta. – Como é domingo, creio que os quatro poderão passar o dia aqui em observação para que amanhã possam retornar às aulas. Mesmo que tenham contraído a doença, eles estarão em forma amanhã, não Papoula?

– Ah sim, claro. – Disse a enfermeira colocando a bandeja na mesinha aos pés da cama de Andrew e passando a servir o líquido de consistência viscosa nos quatro copos. – Apenas o Sr. Bennet ficará ainda uns dias por aqui. – Ela passou a distribuir os copos. – Ele já teve o ataque, então tenho que recuperar o pulmão dele.

Madame Ponfrey parou em frente ao grupo e ficou esperando que eles tomassem a poção. A anti-toxina tinha o mesmo sabor de laranja podre que a sua aparência sugeria e o cheiro não era nada melhor, mas as expressões de nojo das crianças não abalaram a enfermeira.

– É para beber tudo, Sr. Shacklebolt.

Josh tapou o nariz e engoliu o último gole com a cara de quem estava bebendo veneno.

– Pronto, Minerva. Vou ficar de olho nesses quatro até o fim do dia, mas acho que devemos avisar aos professores e monitores para ficarem de olho em qualquer reação suspeita nos alunos.

– Farei isso, Papoula. Venha Hagrid, eu ainda preciso me comunicar com os pais do Sr. Bennet para avisá-los e tranqüilizá-los. Talvez queiram vir ver o menino. Você poderia avisar aos outros diretores das casas para ficarem atentos?

– Claro, diretora. Posso avisar aos monitores também, se a senhora quiser.

– Quero sim, obrigada Hagrid. E, vocês quatro – disse se dirigindo às crianças – comportem-se e obedeçam Madame Ponfrey. Ficarão isolados aqui até ela os liberar.

A diretora saiu apressada ainda conversando com Madame Ponfrey e sendo seguida por Hagrid. Este, saindo atrás das duas mulheres, praticamente as escondia da visão das crianças com seu corpanzil. Mel levantou da cadeira e foi até junto da cama, se erguendo na ponta dos pés para olhar para Andrew.

– Vocês acham que ele teve mesmo uma crise de gripe de trasgo?

– Não sei – respondeu Hector pensativo, ainda fazia caretas por causa do gosto da poção de anti-toxina que parecia ter se colado no seu céu da boca. – Mas parece meio suspeito, não? Ainda por cima tendo sido Widdenprice que o achou.

Danna se voltou para Hector fixando-o com uma expressão tão dura que o menino se encolheu.

– Vai me contar o que realmente aconteceu agora? – Perguntou em voz baixa, mas daquele mesmo jeito definitivo que costumava usar em seus comentários.

O menino olhou por cima do ombro e verificou se os professores continuavam conversando na porta antes de responder. A sensação de remorso ainda não tinha passado por inteiro, mas ele tentou não demonstrar isso enquanto contava o que havia acontecido na noite anterior.

– Que parte de não se meter vocês não entenderam?

– Danna – contemporizou Mel, se aproximando da amiga – nós ficamos preocupados. Por favor, não fique brava. Mas você não pode nos recriminar por achar tudo isso estranho. Você não aparece no Mapa quando está na sala da Medéia e volta sempre com os cabelos molhados. O que quer que a gente pense?

Danna começou a torcer as mãos nervosamente sobre o colo.

– Me escutem. Eu garanto que está tudo bem, vocês não precisam se arriscar...

– Então, quer dizer que têm riscos? – Dardejou Hector.

– Por favor – gemeu a garota. – Vocês apenas vão piorar as coisas se se meterem. Olhem o que aconteceu com o Andy. E se isso não for gripe? Por favor, não tornem tudo mais difícil.

O pedido, no entanto, apenas teve o condão de deixá-los mais assustados. Os olhos negros de Danna estavam marejados e assustadiços e não paravam de correr pelo corpo inerte de Andrew, cheios de angústia.

– Você não vai nos contar o que está acontecendo, então? – Josh perguntou franzindo a testa.

– Eu não posso... por favor... eu – Danna estava com a cabeça tão baixa que mal dava para ver o seu rosto ou ouvir o que ela dizia. – Eu sinto muito.

Mel começou a deslizar a mão pelo cabelo da amiga, completamente penalizada. Agora é óbvio que havia algo mais ali e ela os estava impedindo de fazer qualquer coisa. Lançou um olhar quase desesperado para Hector.

– Bem – o menino de repente pareceu muito decidido – nesse caso, você não nos deixa escolha, Danna.

Ela ergueu os olhos assustada.

– O que vai fazer?

– Vou escrever para o meu pai. Ele vai falar com o Harry e o resto da Ordem da Fênix e...

– NÃO!!! Por favor, não faz isso! – Ela tinha se grudado no suéter do garoto. – Se você fizer isso, eles vão...

– Eles quem?

– Vão o quê? – Saltou Josh.

– Danna, por favor... – implorou Mel.

– Vão matar minha família – a voz da menina saiu num sussurro fraco e cansado. – Disseram expressamente que se alguém da Ordem começasse a suspeitar, eles matariam meus irmãos e o meu pai.

Hector desceu da cadeira e se ajoelhou em frente à amiga para que ela o olhasse.

– Quem são eles, Danna? É a Medéia e mais quem? Tem mais alguém aqui no castelo ajudando os Comensais? O que eles querem, afinal?

– Olhem, eu estou conseguindo despistá-los até agora. Então, por que vocês não esquecem isso?

– Você não acha que já anda com a gente há um bocado de tempo para dizer uma coisa dessas?

– Ahh Josh... – Ela agora começara definitivamente a soluçar e Mel a abraçou, segurando sua cabeça contra o peito.

– Deixa a gente ajudar – a voz de Andrew se elevou rouca sobre os soluços da menina.

– Andy! – Os quatro correram para junto da cama. Sorrindo em ver o garoto de olhos abertos. Ele repetiu.

– Deixa a gente ajudar, Danna – pediu mais uma vez.

– O que aconteceu ontem à noite, cara? – Hector estava mais preocupado em aplacar a sua culpa do que com o que parecia ser um clima entre os dois amigos.

Andrew desfocou o olhar de Danna e pareceu confuso.

– Eu não sei exatamente. Lembro de estar voltando para a sala comunal e aí eu passei mal, depois apaguei.

– É só do que você lembra?

– É... Eu estava esperando a Páscoa e aí ela não chegou e eu voltei para a torre – ele explicou seriamente.

Os quatro trocaram olhares confusos e Josh girou o dedo próximo a têmpora e mexeu os lábios dizendo: “endoidou!”. Hector, porém, estreitou os olhos como se tivesse entendido alguma coisa.

– Sr. Bennet! Vejo que acordou. – Madame Ponfrey chegou silenciosa por trás deles. – Ótimo, mas eu não quero que se canse.

Ela afastou os garotos e rapidamente fez Andy tomar, à contra gosto, uma poção para dormir. Ele ainda tentou que Danna respondesse seu pedido para ajudar, mas a enfermeira o impediu de falar.

– Agora, vocês. – Virou-se enérgica para os quatro assim que Andrew, vencido pelo remédio, adormeceu. – Preciso examinar os quatro, mas antes quero tirar a temperatura

– Não estamos doentes – afirmou Hector com firmeza.

– Não, é? E imagino que o seu diploma de curandeiro é que afirma isso, não Sr. Lupin?

Hector abriu a boca para retrucar, mas o termômetro foi socado dentro dela. E logo a seguir dos outros três garotos.

– Agora fiquem quietos e de boca fechada enquanto vou até a minha sala pegar os instrumentos para examiná-los.

– Inxxtrumentoch?? – Josh arregalou os olhos, apavorado.

– Quieto, Shacklebolt! Eu volto já!

A enfermeira se afastou e assim que não pode mais ouvi-los, Mel tirou o termômetro da boca.

– O que vocês quis dizer com não estamos doentes? Até onde a gente sabe pode ser gripe de trasgo, sim. Eu disse que era comum. É como catapora para os trouxas. A droga é que eu já tive catapora, e aí se eu tiver a gri...

– Já disse: não estamos doentes e nem o Andy está. Ou pelo menos não estava.

– Como pode ter certeza? – Perguntou Josh também tirando o termômetro da boca. – Você ouviu ela dizer que ia usar instrumentos na gentes. Que diabos isso significa? Por que ela usaria isso se a gente não estivesse com risco de estar doente?

– De onde você tirou isso? – Perguntou Danna agora também interessada.

– Andy não está dizendo coisa com coisa.

– Pode ser delírio, a doença...

– Não é delírio, Mel. É confusão. Pessoas que têm as memórias alteradas por feitiço podem ficar confusas por um tempo. – Josh e Mel abriram as bocas e Danna começou a tremer perceptivelmente. – O Andy viu alguma coisa, podem apostar. E o que ou quem ele viu, achou que era melhor fazê-lo esquecer. – Ele se virou para Danna. – Já estamos correndo perigo, Danna. Não dá para voltar atrás. Deixe a gente te ajudar.

– Não há o que vocês possam fazer. Não agora. – Ela pareceu finalmente concordar em ao menos incluí-los em seus planos. Ergueu a cabeça em direção a porta da sala de Madame Ponfrey, mas ainda não havia sinal da enfermeira. Baixou a voz. – Olhem, eu tenho conseguido enganá-los bem até agora. Se eles pensarem que estou agindo como mandam, todos ficam seguros.

– O que eles querem, afinal? – Mel baixou o tronco e os outros a seguiram unindo as cabeças conspiratoriamente.

– A garrafa de Mefistófeles. – Hector não tinha dúvidas.

– Exato. Eles têm me pressionado, mas enquanto eu não achar, não podem fazer nada a mim, nem a minha família e nem a vocês.

– E onde eles acham que está? – Perguntou Josh.

– Dããã, no lago, não é cabeção? Por que você acha que ela aparece com os cabelos molhados – retrucou Hector.

– E como ela chega ao lago através da sala da Medéia, ô gênio?

– Tem uma passagem, sob a lareira da sala da professora. Eu desço por ali e mergulho no lago – explicou Danna.

– Por isso não aparece no Mapa. Os marotos não deviam conhecer esse caminho – conjeturou Mel. – Nem teriam sido capazes de mapear o lago.

– Se eles tivessem sido amigos e contemporâneos da minha mãe, talvez conseguissem – disse Danna com um sorriso tímido.

– Hei! Podíamos acrescentar o lago no Mapa com a ajuda da Danna – se empolgou Josh.

– Uau!! Eu contribuiria com o Mapa do Maroto! – Os olhos de Mel faiscaram.

– Dá para vocês manterem o foco no que é sério? – Hector chamou a atenção. – Parecem crianças. – Mel fez uma cara de deboche. – Ok, ok, mas não precisam se comportar o tempo todo como se fossem. Tem gente correndo perigo, aqui! Falando nisso, cadê o Mapa?

Ele levantou num salto e correu para as roupas de Andrew. Revirou todos os bolsos, mas só achou no último. Deu um suspiro de alívio que os outros três acompanharam.

– Hector – Danna parecia bem mais calma depois ter começado a dividir a tensão que vinha vivendo com os amigos – me escute. Eles não podem fazer nada enquanto eu não achar a tal garrafa.

Hector estudou a garota por um momento.

– Mas você já achou, não é?

A resposta foi um longo suspiro.

– Sim e não. Eu sei onde está, mas não “achei”. Procuro não chegar muito perto. Mas, na verdade, não foi difícil. Conheço suficientemente o mundo aquático para saber que uma coisa como essa só poderia estar no lugar mais evitado do lago. Nenhum peixe ou criatura marítima em sã consciência se aproximaria. – Mel ergueu as sobrancelhas para a idéia de peixes com consciência, mas não comentou nada. – Está nas cavernas que ficam ao norte do lago. Mas eles não sabem que eu sei disso e não saberão.

– A não ser que usem legillimência – retrucou Josh.

– Ou veritasserum – Hector se inclinou mais para a amiga. – Não vai poder esconder deles por muito tempo.

– Eles têm um prazo. Se eu conseguir fazê-los perder o prazo, estaremos salvos. E eles só usarão veritasserum se desconfiarem que estou mentindo, mas eles não vão desconfiar.

– Por quê? – Mel não entendia como a amiga podia estar tão segura disso.

– Porque quando eu nado a minha mente é... bem... menos humana. Eles não podem usar legillimência numa selkie. Não podem usar em mim quando uso os poderes de selkie.

– O que você sabe sobre o prazo? – Inquiriu Hector.

– Não muito. Mas acho que é mais para o fim do semestre. Ouvi ela falando em alguma coisa tinha acontecido ou ia acontecer em junho.

– Ela é a Medéia. E quem são eles? Comensais?

Danna pareceu desconcertada.

– É. Mas...

– O quê?

– Não sei exatamente, Hector, mas tem algo que eu não consegui entender... eu... A prof.ª Shadowes não parece gostar muito que eu vá na sala dela, embora seja ela a me chamar e me fazer ir lá.

– Foi ela quem te ameaçou? – Havia uma enorme decepção na voz de Josh.

– Não. Eu recebi uma carta que falava que minha família estava em perigo e que eu deveria procurar a professora e obedecê-la. Como ela vinha me fazendo perguntas sobre minhas habilidades, eu não tive dúvidas de que ela havia mandado a carta. Mas ela têm se comportado estranhamente. Não sei mais o que pensar.

Um barulho atrás fez os quatro se afastarem e enfiarem os termômetros na boca. Madame Pomfrey saiu de sua sala com uma maleta preta, mas não veio em direção a eles. Apenas constatou que os quatro permaneciam sentados e seguiu apressada, resmungando em direção ao armário onde ficavam os remédios.

– Aiiii – gemeu Josh – garanto que ela vai trazer mais alguma coisa para a gente beber e se arrepender de ter língua.

Hector tirou de novo o termômetro e se inclinou para Danna, mas ela não o deixou falar.

– Hector, eu juro que se eu sentir quer não posso mais enganá-los, eu falo para você e você escreve para o seu pai e para o Harry Potter, ok? Mas agora, seria arriscar muito. Por favor – o rosto pálido estava mesmo implorando.

– Ok.

Ele concordou apesar dos olhares chocados de Josh e Mel. Mas nenhum dos outros pode retrucar. Madame Ponfrey já vinha do fundo da enfermaria trazendo uma caixa de botica junto com a maleta preta. Com a mesma energia, ela começou a examinar um por um dos garotos. Um tal de dizer ahhh com a língua para fora, bater martelinhos no corpo, escutar o coração, falar vinte e dois, trinta e três, respirar fundo, mais fundo.

– Você concordou rápido demais com ela, Hector – sussurrou Mel, enquanto Danna era examinada.

– E eu não menti. – Assegurou o garoto.

– Não – havia um quê de decepção na voz dela.

Mel realmente achava que a situação era preocupante demais para ficarem de fora. Aliás, era a primeira vez, desde o início daquela coisa toda que ela sentia que os acontecimentos eram muito maiores que eles. Estava com medo. Tinha vontade de voltar para casa, para sua terra, para o mundo protegido dos seus pais. O mundo mágico, de repente, parecia ameaçador. Mas tão logo terminou de formalizar esse pensamento, lembrou das últimas cartas de seu irmão Felipe e das coisas que ele contava estarem acontecendo no Brasil. Isso foi o suficiente para uma onda de coragem varrê-la. Não havia lugar seguro. A única segurança era lutar para que coisas ruins não acontecessem.

– Quer dizer que não vamos fazer nada?

Hector deu um sorriso de lado.

– Eu não disse isso – e se aproximando do ouvido de Mel cochichou. – Eu não prometi nada sobre não investigar quem atacou o Andrew.

Mel teve de morder o lábio para não sorrir grande. Esse era o Hector Lupin que ela conhecia e ela estava começando a gostar da forma como a mente dele funcionava.




***********************



Pouco mais de dois meses depois


É um consenso geral que a vida de um pai, ao menos nos primeiros seis meses da vida dos filhos, se resume quase que exclusivamente a fraldas. Imagine, então, quando isso é multiplicado por dois. Os números são de assustar. É claro que se o pai em questão se chamasse Harry Potter, as coisas seriam, no mínimo, mais complicadas. E o fato dele ser um bruxo não parecia ajudar em nada nem com as fraldas, nem com os outros problemas que ele tinha. Talvez fosse uma espécie de talento para confusões, como lhe disseram certa vez. Mas o fato é que lá estava Harry, cuidando da própria vida, e, sem que ele fizesse nada, os problemas vinham em sua direção como se ele fosse um ímã.

Nove anos haviam se passado desde que a guerra contra as trevas terminara e que Harry havia finalmente vencido o homem que tornara a sua vida um inferno. De fato, aos vinte e seis anos, sendo um bruxo adulto, formado, com emprego regular e casado, tudo o que Harry queria era uma “doce” rotina de fraldas e noites mal dormidas em torno de seus dois bebês gêmeos. Mas não. Isso, para ele, provavelmente, seria pedir demais.

Talvez fosse uma espécie de maldição do nome. Só podia ser. Talvez algum tipo de magia tivesse se colado no nome Harry Potter tornando tudo mais difícil para quem o tivesse. Assim, as inúmeras trocas de fraldas (multiplicadas por dois), que fazem a exaustão dos pais de bebês com menos de seis meses do mundo inteiro, eram para Harry um maravilhoso refresco, ao qual ele se dedicava com prazer naquele início de junho.

– Prontinha, princesa – falou ao finalizar o trabalho com Joanne. O bebê devolveu um daqueles sorrisos que deixam os pais bestas. – Bem, agora vamos colocar a roupa bonita que a sua madrinha deu e torcer para eu acertar todos esses laços. Pensando bem, eu acertando ou não, a Ana vai arrumar tudo do jeito dela assim que te vir. – Como se tivesse entendido e não gostado, a garotinha parou de sorrir. – Ok, ok, não precisa fazer essa cara. O papai vai tentar te deixar ainda mais linda do que você já é, certo?

Deu uma olhada para o berço em que Lyan, já com as fraldas secas e arrumado para sair, esperava com surpreendente paciência que a irmã ficasse pronta. O menino estava encantado com seu brinquedo favorito: um móbile de Firebolts, com um conjunto de vassourinhas que voavam sem fio e fugiam sempre que as mãozinhas tentavam agarrá-las. O quarto dos bebês, que tanta discussão gerara, acabara ficando bem agradável. Haviam optado por uma decoração multicolorida em tons bem claros para que não ficasse pesado. E, claro, não faltavam referências ao Quadribol, esporte favorito dos pais de Lyan e Joanne. Harry sorriu para o filho e voltou à tarefa de vestir a menina. Gostava muito daqueles momentos com os bebês. Só chamava Dobby se as coisas complicassem e os dois começassem a chorar ao mesmo tempo.

Na verdade, seria tão mais fácil se fosse só isso. Afinal, gêmeos já são motivo suficiente para pais de primeira viagem ficarem mais do que cansados e com os nervos à flor da pele. Não era preciso somar a isso o possível retorno de um maníaco homicida do mundo dos mortos, ameaças sobre os bebês, rituais macabros e demônios que se alimentam de sentimentos ruins. Mas, em se tratando de Harry Potter, era assim que as coisas eram. E, como se não bastasse, ainda havia dias em que ele precisava conciliar o seu próprio gênio explosivo com o da esposa temperamental.

Joanne resmungou, reclamando de um movimento mais brusco de Harry, e o rapaz voltou a prestar atenção na filha, cheio de remorso.

– Atrapalho?

Hermione colocou a cabeça lãzuda para dentro do quarto.

– De jeito nenhum. Olhem quem chegou, pessoal! É a tia Mione! – Harry ergueu Joanne já pronta, mas teve a menina imediatamente arrancada dos braços pela amiga.

– E o Lyan?

– No berço. Ih, ele já notou que tem mais gente aqui. Calma, rapaz! – Harry se adiantou e pegou o menino que, com o movimento, perdera totalmente o interesse no móbile.

A tia olhava encantada de um para o outro nas vestes de festa.

– Minha nossa. Mas vocês dois estão muito lindos!

Harry se escondeu atrás de Lyan e fez uma vozinha infantil para responder.

– Obrigado, tia. O papai e a mamãe se esforçaram muito.

– Sei – riu fazendo uma expressão cética para a palavra esforço. – E onde está a Gi?

– Foi terminar de se arrumar. – Explicou Harry. Era a noite de inauguração da nova loja das Gemialidades Weasley. Na verdade estava no lugar da antiga, no Beco Diagonal, mas tinha sido ampliada e completamente reformada. Os gêmeos haviam criado toda uma série de linhas novas de produtos tanto em logros, como na área de segurança (a qual voltara a crescer desde a Batalha de Stonehenge) apenas para a inauguração.

– Você fez tudo isso sozinho?

Harry pensou em reclamar quanto ao ceticismo de Hermione sobre suas capacidades paternas, mas ao vê-la tirar a varinha do bolso para ajeitar os laços da roupa filha, acabou dando de ombros.

– Não. Com dois? Nem sendo bruxo. Foi um trabalho conjunto, mas quando acabamos e a Gina foi se arrumar...

– Deixe-me adivinhar: os dois pestinhas resolveram fazer o número dois.

– Típico, não?

A jovem riu.

– Muito.

– Cadê o Rony e o Sirius?

– Foram até lá os fundos. Sirius queria porque queria ver o “Aquiwes”.

Num movimento rápido Harry afastou a mão de Lyan que ia direto para arrancar os seus óculos. Hermione fez uma expressão nostálgica.

– Eles crescem depressa, não é? Outro dia, eu estava grávida e agora o Sirius está falando. Logo serão esses dois a começarem a andar.

– Deus nos ajude quando isso acontecer. Já imaginou? Um correndo para cada lado? Não. Definitivamente, eu os prefiro assim.

– Você não pode parar o tempo, Harry – observou a amiga com bom humor.

– Eu sou Harry Potter. Tanto sofrimento tem que servir para alguma coisa.

– Aiii... Essa foi a campeã das suas frases idiotas. Ganhou das do Rony.

O rapaz endireitou os óculos e caçou um brinquedo no berço para entreter as mãos do filho. Lyan não se incomodou em deixar os óculos e prestar atenção no unicórnio prateado que o pai lhe entregara. Satisfeito levou o brinquedo imediatamente a boca.

– Falando em Rony. Como vai o tratamento?

– Ótimo – retrucou Hermione, com sarcasmo – e acabando, graças a Deus! Os curandeiros me garantiram que com o fim do uso do sangue de dragão algumas coisas podem aparecer e outras desaparecerem.

Harry ignorou o estouro inicial, com um sorriso entre compreensivo e malicioso.

– Que tipo de coisa pode aparecer? Pensei que ele já tinha se livrado das escamas.

– Ah, sim. Isso desapareceu há mais de mês. Mas Alicia acha que os vácuos que ficaram na memória dele daquela noite podem começar a aparecer em flashes. Alguma coisa com o sangue de dragão parar de inibir as recordações físicas do trauma. Uma explicação complicada – disse fazendo um movimento com a mão e depois aproveitando para salvar uma mecha do cabelo que Joanne passara a puxar sem piedade.

– Quer dizer que ele pode lembrar do que aconteceu quando estava nas mãos dos beusclainhs? – Ela confirmou. – Isso vai ser difícil para vocês.

– Como se estivesse sendo fácil até agora.

– Isso é uma reclamação, Sra. Weasley? – O deboche era evidente. – Bem, tenho que admitir que você parece um pouco cansada.

– Ah, não comece! E eu não estou “reclamando”, apenas...

– Bem, eu sou pai de gêmeos e tenho um monte de coisas para me preocupar, mas as suas olheiras...

– Harry! Você não faz idéia do que é lidar com o “novo” Rony! – A voz dela subiu várias oitavas e Harry teve de se segurar para não rir.

– E mais um bebê de um ano e sete meses. – Hermione fez uma careta suspeita e mudou de cor com uma rapidez digna de um Weasley legítimo. Harry abriu a boca fingindo estar completamente chocado. E apontou o dedo acusador teatralmente para a amiga. – Você finalmente aceitou por poção do sono na mamadeira do seu filho?

Hermione parecia prestes a chorar.

– Alguém naquela casa tem que dormir, ok?

A defesa fez Harry gargalhar tão alto que Lyan chegou a dar um pulo.

– Vocês, mulheres nunca estão satisfeitas, não é?

– Ah eu não vou discutir isso. Muito menos com você. Cadê a época em que você ficava constrangido em fazer perguntas desse tipo?

– Mione – ele respondeu cheio de paciência – eu não tenho mais dezesseis anos.

– Mas que eu saiba ainda é inglês. Comporte-se como um, ora bolas!

O rapaz voltou a rir com vontade e ela ficou ainda mais amuada. Quem acabou interferindo providencialmente foi Rony que irrompeu no quarto sem bater, com Sirius no colo. Os dois estavam com vestes elegantes e combinadas que faziam o pequeno Sirius parecer uma miniatura do pai.

– E daí, cara?

– Olá. Achei que nos encontraríamos na inauguração da nova loja? – Questionou Harry. – A Gina combinou de irmos juntos?

Rony e Hermione trocaram um daqueles olhares cúmplices que sempre lembravam a Harry o Sr. e a Sra. Weasley. Os seniores, é claro.

– Bem – Rony pareceu embaraçado – achamos que seria legal irmos todos juntos.

Definitivamente, Rony ainda não aprendera a mentir. E a expressão de Hermione não ajudava tampouco.

– Por que não dizem logo porque vieram.

Os dois novamente se olharam como decidindo quem ia falar. Hermione fez um carinho em Joanne, sorrindo meio sem jeito ao responder.

– Estamos preocupados com vocês dois.

Harry fechou a cara.

– É, Harry. Você e a Gina têm estado muito nervosos e...

– Eu aprecio a preocupação de vocês, mas acho que isso só diz respeito a nós dois.

– Harry – tentou Hermione – talvez, se um de vocês dois cedesse.

– Eu não vou ceder, Hermione! A casa vai continuar cercada e Gina e os bebês continuarão sendo vigiados. Não estou aberto a negociações.

Ele respirou para conter a raiva que nem todo o tempo que havia passado desde a descoberta da obsessão de Oates por Gina havia conseguido aplacar. As brigas não demoraram muito a começar depois que Harry contou para Gina e os Weasley as descoberta feitas pelos investigadores na casa do ex-auror. O problema é que Gina implicara com o excesso de vigilância imposto por Harry para casa e para ela. Na opinião dela, ele também corria riscos e os dois sendo adultos e tendo lutado uma guerra sabiam defender-se. Se ela tivesse proteção extra, queria o mesmo para ele. O que de início era só uma divergência foi virando uma bola de neve onde se somavam cansaço, medo e nervosismo. Para piorar, Gina parecia estar tendo dificuldades em acessar os poderes de Aradia desde que os bebês nasceram. Era como se eles tivessem crescido com as crianças, mas agora que eles estavam fora dela, os poderes pareciam apenas diminuir.

– Não vou perdê-los! – Assegurou Harry. – Não vou por a minha família em risco por causa de um capricho da Gina! Não vou cometer os erros do meu pai e de Dumbledore. Não vou relaxar nenhum minuto nisso.

– Um capricho de Gina? É isso que você pensa, Harry?

– Você concorda com ela que eu estou exagerando, não é Hermione? Bem, o Rony, Arthur e Molly concordam comigo. Então é assim que vai ser!

– Olha Harry, eu... – arriscou Rony.

– Não ouse tirar o time de campo, Rony. Você sabe que estou fazendo o que é certo.

– Você está sendo intransigente e tapado! – Acusou Hermione. – E pior, está se arriscando a perder Gina de um outro jeito.

Harry apertou os maxilares.

– Você sabe que eu estou do seu lado, cara. – Rony estava muito sério. – Mas não vou ficar sentado observando vocês dois se afastarem como estão se afastando. Vocês se adoram, pombas!

Os três bebês pareceram sentir a tensão e começaram a reclamar. Harry agarrou-se ao filho e o abraçou forte como se isso pudesse diminuir o que ele estava sentindo. Mas afinal, o que era que ele estava sentindo? Não era mais apreensão ou aquela dor na boca do estômago que ele identificava com às vezes em que perdera pessoas importantes para ele. Era algo maior se isso fosse possível. E Harry só conhecia uma palavra para descrever. Pânico. Estava descontrolado. Imerso num pavor incalculável. De repente, era como se ele tivesse encontrado uma pequena fissura em si mesmo. Uma falha que poderia crescer e destruí-lo por completo. Tinha certeza de que ele não conseguiria continuar se alguma coisa acontecesse com Gina e as crianças. Esse era o seu limite. Sua integridade iria até ali. Depois, seria apenas o nada.

– Eu – ele buscou manter a voz baixa, mas ela saiu com firmeza suficiente – não vou mudar de idéia.

– Dobby! Winky! – Rony ergueu a voz para chamar os elfos que apareceram num segundo com reverências largas para os amos. E antes que Harry pudesse impedi-lo, Rony mandou Dobby pegar Lyan e entregou Sirius para Winky. Depois convenceu Hermione a deixar apenas ele e Harry conversando.

– Certo. Vamos nos entender agora – disse Rony muito decidido fechando a porta do quarto.

– Pensei que estivesse do meu lado.

– E estou. No momento, estou mais do seu lado que você. Está histérico, Harry! Todos notam isso. Você mesmo nota isso. Não apóio Gina quando ela quer sair sem nenhuma guarda, mas você a está sufocando e ninguém gosta disso! Lembra de como se sentiu no quinto ano? Lembra o quanto odiou ser superprotegido sem informações que justificassem o que faziam com você.

– Gina sabe de tudo.

– Sabe. Claro que sabe. Você por acaso acha que ela não tem medo também? Que não quer se sentir segura? Mas o que é que você faz? Coloca-a numa redoma e sai se arriscando por aí. Quantas vezes você quase morreu nos últimos meses, Harry? – Ele desviou o olhar do amigo. – Como acha que a Gina se sentiu em cada uma dessas vezes? Você vem se arriscando como um doido. Entrando nos piores tipos de antros bruxos e trouxas atrás daquelas criaturas. Céus, até um tiro você quase levou esses dias! Armas de fogo, Harry! Coisas de trouxas que podiam ter te matado, por você estar onde não devia.

– Eu não morri, morri? Tínhamos a informação de que havia beusclainhs disfarçados entre aqueles bandidos.

– Excelente! Não seria fantástico você morrer de um tiro depois de vencido o bruxo do mal mais perigoso da história? Ia ficar lindo na sua biografia. Mas na sua lápide eu faria escrever: morreu por completa estupidez!

– Rony, você não sabe...

– Eu não sei o quê? Não sei o que é ter medo de perder quem a gente ama? Não me venha com essa, Harry. Estamos juntos a tempo demais para eu ter de ouvir esse tipo de baboseira. Você está fora de si! Continue assim e vai se matar antes de conseguirmos pegá-los.

Harry fechou os punhos. Poderia bater em Rony para parar de ouvir aquilo tudo. Mas tinha certeza de que Rony continuaria falando. Mesmo que ele o silenciasse com um feitiço. Ele continuaria falando dentro da cabeça dele.

– E se tem alguém que pode fazer você perder a Gina, nesse momento, é você Harry. – Rony concluiu com tristeza.

Um silêncio tomou conta dos dois. Harry não tinha forças para responder e Rony sabia que ele precisava de um tempo para absorver o que tinha lhe dito. Foi com um tremendo esforço que Harry ergueu os olhos, se sentindo mais miserável do que nunca.

– O que quer que eu faça?

– Que vá até aquele quarto e faça às pazes com a sua mulher de uma vez por todas.

– Como se fosse fácil – ironizou.

– Hei! Eu sou o cabeça dura, aqui. E também sou o especialista em brigas conjugais já que se não fosse por esse episódio eu juraria que vocês eram o casal mais anormal da face da terra. Vocês nunca brigam – reclamou Rony com uma ponta de ciúmes.

Harry cruzou os braços em frente ao corpo.

– Ok, poço de sabedoria conjugal. O que supostamente eu devo fazer?

– Vá lá! Seja homem! Isto é, admita que está errado, que exagerou, chegue a um meio termo com ela. Se for necessário... se humilhe!

– Esse é o seu conselho?

– Anos de escola, filho. – Os dois sorriram e a tensão desanuviou um pouco. – Vai lá, cara. Dá um trato na sua garota – Rony fez uma careta resignada.

– E a festa?

– Ninguém vai se importar se vocês se atrasarem.

– E as crianças?

– Pelo amor de Deus, Harry! Com uma família do tamanho da nossa! Pare de colocar empecilhos – o amigo começou a empurrá-lo decidido em direção à porta, abrindo-a e o empurrando em direção ao quarto que ficava exatamente em frente no corredor – e some da minha frente!

Harry colocou a mão na maçaneta e se virou para o cunhado.

– Obrigado.

– Não tem de quê.

Assim que Harry entrou no próprio quarto e fechou a porta, o sorriso confiante, que dava para Rony, sumiu. No lugar ficou uma sensação de mãos úmidas, acompanhada por um amargor na garganta e um coração descompassado. Todas as brigas dos últimos meses passando e repassando na sua cabeça como um filme. Não que ele e Gina tivessem ficado sem se falar ou algo assim. Mas havia um mal estar, uma frieza entre os dois, que nunca estivera ali antes. E a consciência de que boa parte da culpa disso era dele, o estava matando por dentro.

Ficou parado junto à porta decidindo o que fazer, o que falar. Do banheiro anexo, vinham barulhos de Gina se arrumando. O rádio não estava ligado e ela não cantarolava. A dor física que ele sentiu ao notar isso, não o impediu de ficar observando os sons das coisas batendo na pia. Havia felicidade na simples presença dela. No cheiro que agora não estava mais na Toca, mas na casa dele. Nas roupas experimentadas e descartadas que agora cobriam a cama, nas paredes, sob a sua pele.

– Oi? – Gina entrou no quarto e o chamou do devaneio. – Tudo bem?

– Tudo. Tudo sim.

– Você parecia longe.

Harry sorriu.

– Na verdade, eu estava exatamente aqui.

Gina franziu a testa sem entender o comentário. Meses atrás ela certamente teria o abraçado e pedido explicações. Mas não o fez agora. Deu um sorrisinho discreto e atravessou o quarto ajeitando um par de brincos nas orelhas. As vestes em esvoaçante verde-água enfunando perfumadas à sua passagem. Gina parou em frente ao espelho grande que havia na parede oposta a Harry e deu mais uns toques com a varinha para disciplinar o longo cabelo ruivo, caído sobre as costas.

– E as crianças?

A pergunta parecia vir mais no sentido de acabar com o silêncio incomodo, já que a resposta seria um óbvio “com o Dobby”. Mas não foi isso o que Harry, hipnotizado pelos movimentos da esposa, respondeu.

– Já foram.

Gina se virou com uma expressão confusa.

– Foram para onde?

– Para a festa.

– Como para a festa? Harry, eles têm cinco meses, não dezessete anos. Como...

Harry acabou rindo. Sacudiu a cabeça para juntar frases coerentes na cabeça.

– O Rony e a Mione vieram aqui e foram na frente com as crianças.

– Por quê?

Ele se encheu de coragem.

– Para a gente conversar.

A expressão de Gina endureceu numa fração de segundo e ela se afastou da frente do espelho cruzando os braços diante do corpo.

– Ok.

– Tudo bem para você conversarmos um pouco? – Ele enfiou as mãos suadas nos bolsos das calças.

– Tudo.

– Eu... – deu alguns passos na direção dela – bem, o Rony e a Mione, eles acham... Quero dizer, eu concordo que eu... não tenho sido, não tenho agido... – Gina não movimentou um músculo, ela não ia ajudá-lo desta vez. – Eu tenho exagerado. – Conseguiu dizer finalmente.

– Hum.

Harry respirou fundo.

– Olha, eu só quero que as coisas voltem a ser como eram antes. Não agüento mais a gente ficar assim. Eu não posso dizer que estava errado, ok? Eu só exagerei e... Eu acho que você é uma bruxa incrível e que sabe se defender muito bem. Eu confiaria qualquer coisa a você. Apenas... Gi, eu tenho medo, ok? Medo de que qualquer coisa aconteça a você e às crianças. Vocês são tudo o que eu tenho. São a minha vida.

Ela continuou parada. Sem expressão. E aquilo o estava deixando doido!

– Por favor, diz alguma coisa!

– O que você quer que eu diga?

– O que eu quero? – Ele jogou os braços para o alto totalmente frustrado. – Gina, eu estou tentando justificar porque tenho me comportado como... – procurou a palavra.

– Um bobão?

– Se eu admitir isso, você me perdoa?

– Acha que é isso o que eu quero? Acha que eu realmente não sei por que você vem agindo como um trasgo lesado desde que viu aquelas malditas fotos? Você realmente não me conhece, Harry Potter.

Ele deixou os ombros caírem. Era como se estivesse correndo muito e de repente se desse conta de que não sabia nem onde estava, nem porque estava correndo.

– O que você quer Gina?

– Viva! Sabe há quanto tempo você não me pergunta isso? – Ele baixou a cabeça. – Olhe, eu não estou querendo que você assuma sozinho a culpa por todas as brigas dos últimos meses. Eu... eu sei que também não sou fácil quando defendo alguma coisa. Apenas gostaria que você levasse em conta o que eu quero antes de decidirmos sobre o nosso futuro e os nossos filhos.

Aquilo pareceu um sopro de ar fresco chegando aos pulmões de Harry e ele ergueu a cabeça e chegou mais perto de Gina.

– Eu vou ouvir. Juro. Apenas me deixe proteger vocês.

Gina fez uma expressão impaciente.

– E quem protege você, Harry? Ah por favor, por que não começa ouvindo o que eu tenho dito nos últimos meses? Quem está sendo cortado daquelas fotos é você e não eu. Será que é tão difícil ver sobre quem está a ameaça? Não estou questionando suas medidas de segurança comigo, Lyan ou Joanne. Meu problema é com a SUA segurança. Você não é imortal, Harry! Os riscos que você vem correndo são absurdos e desnecessários! Olhe para mim – pediu ao vê-lo baixar novamente a cabeça. – Você fala o tempo todo em como não suportaria nos perder, mas alguma vez já passou pela sua cabeça o que seria da gente se perdêssemos você?

– Eu...

– Você não é o todo-poderoso! É humano. – A voz dela se tornou um sussurro doce e cansado. – É a sua melhor parte. Não estrague isso.

Harry ergueu a mão direita e capturou uma mecha do cabelo dela. Estavam bem perto agora.

– Eu sei que não sou o todo-poderoso, apenas...

– Sabe? Então por que age como se fosse?

Ele continuou a mexer no cabelo dela. Sentia-se bem pequeno no momento. Como se estivesse apertado numa caixinha.

– Me desculpe.

Gina sorriu.

– Fiz isso quando começou a gaguejar na minha frente.

Finalmente. Estava ali de novo. Aquele entendimento entre os dois que se resumia a um jeito de olhar, que não precisava de palavras ou planos ou promessas. Simplesmente funcionava. Harry deslizou a mão por trás do pescoço de Gina e mergulhou com vontade nos lábios da esposa e ela retribuiu aninhando-se nele e deixando-o estreitá-la com uma firmeza quase desesperada. Choveu, fez sol, veio a lua, ficou cheia, eles não saberiam dizer. Estavam com saudade como se estivessem há meses sem se ver, ou talvez dias, horas ou alguns poucos minutos. Estavam sempre sentindo falta um do outro. Gina lhe tirou os óculos com uma das mãos e ficou ainda mais perto.

– Temos uma festa – falou rouca quando ele escorregou a boca pelo seu pescoço.

– Eles estão esperando que a gente se atrase. – Gina riu e Harry ergueu-a nos braços. – Acho que posso decidir o seu futuro sem consultá-la pelo menos na próxima meia-hora, não Sra. Potter?

– Essas são as suas decisões que eu mais aprecio, sabia?

Desceram para saírem para a festa bem mais do que atrasados e Gina vinha falando que se Rita Skeeter estivesse na inauguração provavelmente já estava tratando a ausência dos dois como o furo de reportagem do ano.

– Então, parece que vamos decepcioná-la – comentou Harry rindo, parando no meio da sala de estar e passando o braço pela cintura de Gina. – Acho que não cheguei a comentar que você está linda, comentei?

– Não enquanto eu estava com este vestido.

Ele deu um sorriso de lado.

– Ficou bonita com ele também – disse avançando para beijá-la mais uma vez.

– Oh, por favor! Isso vai demorar a noite toda, Potter?

Os dois deram um pulo. A cabeça de Severo Snape flutuava com uma expressão mal humorada nas chamas da lareira.

– Snape? O que quer?

– Acho que o óbvio é falar-lhe, não é mesmo Potter? Ficar de joelhos com a cabeça enfiada numa lareira não é minha diversão favorita para uma noite de sexta-feira, muito menos ter de assistir os seus namoros.

Harry soltou a cintura de Gina e pegou-a pela mão levando-a até a frente da lareira.

– É muito importante, Snape? Gina e eu estamos atrasados para uma festa.

– Não, não tem pressa – retrucou Sape com desdém. – Você pode me procurar quando estiver interessado em saber qual o ritual que os Comensais usaram para trazer o Lorde das Trevas de volta.

Uma descarga elétrica percorreu todo o corpo de Harry.

Usaram?

Snape estreitou os olhos maldosamente.

– Você é lento, Potter. Os Comensais não.

Harry se virou para Gina.

– Gina...

– Você está na Ordem, Snape?

– Onde mais, Sra. Potter.

– Estaremos aí em dez minutos – assegurou ela e a cabeça de Severo sumiu da lareira sem se despedir. – Vou chamar Dobby e avisar onde estaremos.

– Certo. Acha que devemos avisar a Ordem agora? Estragaremos a festa de Fred e Jorge.

– Não. Podemos ir apenas nós dois. Vou pedir que quando terminar a festa meus pais venham para cá ficar com as crianças e os elfos e que o resto vá nos encontrar na sede. O que acha?

Harry movimentou a cabeça concordando e viu Gina se soltar dele e começar a tomar providencias práticas. Nem notou quando ela voltou ao seu lado parecendo já ter tudo resolvido.

– Harry?

– Acha mesmo que eles conseguiram trazê-lo de volta?

– É possível, pelo visto. Mas você ainda está aqui e já o impediu tantas vezes, que eles é que deviam desistir.

Harry tomou a mão de Gina e saiu em direção à porta para aparatarem. Sabia que os Comensais nunca desistiriam. E ele também não.



***********************



Na mesma noite – mas eles só saberiam disso bem mais tarde – os acontecimentos começaram a seguir o rumo inexorável do desastre. E seu foco estava bem longe das atuais preocupações de Harry e da Ordem da Fênix. Na verdade, a movimentação começou logo depois do jantar e foi a partir de Hogwarts que o plano todo começou a ser executado. E tem que se admitir, foi um plano muito inteligente e executado com perfeição, apesar de um bando de heróis atentos e mesmo crianças metidas a investigadores. Por muito tempo isso serviu para seu idealizador se congratular consigo mesmo. E também foi fonte de dor e lamento para os que acreditaram que, desde a vitória de Harry Potter, Hogwarts voltara a ser o lugar mais seguro do mundo bruxo.

Após o jantar, Danna seguiu, mais uma vez, para a sua “aula particular” na sala da professora de poções e seus amigos foram para as suas salas comunais. Hector e Andrew mantiveram a mesma rotina dos últimos dois meses, isto é, fingiram estudar (pelo menos Hector fingiu) até os colegas esvaziarem a sala. Depois ficaram sentados, em vigília, esperando Danna voltar e torcendo para que ela contasse que mais uma vez tinha atrasado os planos dos Comensais.

Passavam o tempo discutindo as investigações, que até ali tinha sido infrutíferas, ou vendo o Mapa do Maroto. Às vezes, até se divertiam vendo os lugares inusitados em que alguns dos colegas estavam àquela hora da noite. E isso, de vez em quando, também rendia seus dividendos. Como a vez em que eles viram os pontinhos com os nomes de Matheus Turpkin e Madelaine Shacklebolt num armário de vassouras.

De início, Hector pensou em usar isso apenas para zoar Josh e talvez, numa emergência, deixar casualmente que o monitor da Grifinória soubesse que ele sabia. Mas ao verem Madelaine azucrinar Josh obrigando-o a comer porções de tamanho obsceno de legumes, Andrew sugeriu ajudarem o amigo. Isso rendeu para Josh semanas de liberdade, sem nem sombra de espinafre e com muita batata frita.

Naquela noite, as coisas estavam um pouco paradas e Andrew havia se sentado em uma poltrona próxima a lareira e pegado um livro de Transfiguração para passar o tempo. Hector ficara mais um tempo olhando o mapa, mas logo se cansara também e agora estava deitado de barriga para cima no tapete, admirando as salamandras na lareira. Apesar de ser primavera, num lugar tão ao norte quanto Hogwarts ainda havia noites frias o suficiente para que as lareiras fossem acesas. Finalmente, a sala esvaziou e algum tempo depois o fogo também começou ameaçar ir embora e o friozinho os fez desejarem que Danna chegasse logo, para que eles pudessem se enfiar em suas respectivas camas. Afinal, era sexta-feira e o sábado prometia ser ensolarado, e talvez desse para aproveitá-lo apesar de todas as revisões que eles tinham de fazer para os exames.

– Que horas são? – Perguntou Andrew a certa altura.

Hector tirou o braço esquerdo de trás da cabeça e consultou o relógio de pulso.

– Quase meia-noite – finalizou com um bocejo.

– Ela está demorando hoje. Será que aconteceu alguma coisa? – Andrew baixou o livro com a testa enrugada de preocupação.

– Acho que não. Ela já demorou outras vezes.

– É – respondeu o outro não parecendo muito certo. – Dê uma olhada no Mapa.

Hector virou de barriga para baixo e voltou a consultar o pergaminho. Tinha o deixado aberto quando a sala esvaziara.

– Tudo na mesma. Tem apenas dois monitores da Lufa-lufa no corredor da cozinha. Devem estar indo para a sala comunal deles. Medéia está na sala dela e Widdenprice na dele. Nem sinal da Danna.

Andrew tamborilou os dedos no braço da poltrona, mas parou o gesto ao ver o sorrisinho que Hector dava com um canto da boca. Com uma expressão compenetrada, ele voltou a olhar para o livro. Foi mais ou menos uns quinze minutos depois que uma coruja das torres, grande e de pelagem castanha, se encarrapitou na janela e começou a bater no vidro com o bico.

Foi Hector quem viu primeiro e levantando com um salto, correu até lá. Tão logo abriu a janela, a coruja voou para dentro e pousou na mesa mais próxima esticando a patinha para que o menino pegasse o bilhete que estava amarrado ali.

– O que é? – Perguntou Andrew fechando o livro e se aproximando.

– Não sei... É um bilhete para mim. Da McGonagall! – A coruja, livre da carga, deu meia volta e saiu pela janela sumindo na noite.

– Da diretora? Por que ela te mandaria uma coruja há essa hora?

– Não sei... – Mas Hector arregalou os olhos na medida em que lia o bilhete, o que fez umas duas vezes, e ficou em silêncio com uma expressão muito assustada.

– O que houve?

– Aconteceu alguma coisa com o meu pai – respondeu Hector com visível esforço.

Andrew piscou os olhos várias vezes, não sabia se tinha entendido bem.

– O quê?

– Ela disse para eu ir até a sala dela porque aconteceu alguma coisa com o meu pai!

O garoto enfiou o bilhete no bolso das veste e correu até o Mapa do Maroto, dobrando-o e o colocando no outro bolso. Já estava quase indo apressado em direção ao buraco da retrato quando Andrew chamou aflito.

– Hector! – Andrew o alcançou. – Espere aí! Esse bilhete...

– Andy – falou Hector com urgência soltando o braço que o outro tinha segurado e olhando para o amigo de um jeito cheio de pavor – é lua cheia! Sabe lá Deus o que pode ter acontecido! O meu pai, ele...

Hector não estava conseguindo articular muita coisa por cima do pânico que os seus olhos transmitiam.

– Tudo bem, cara – tranqüilizou Andrew. – Eu vou lá com você, então.

– Não. Fique aí. É melhor você esperar a Danna.

– Tem certeza.

– Tenho – garantiu. Na verdade, ele não queria estar sozinho se fosse algo realmente ruim. Mas estava se controlando para não chorar e não queria que Andrew visse. Afinal, também podia não ser nada sério.

Assim que Hector saiu, Andrew voltou a sentar-se em seu “posto” a espera dos dois amigos, mas não conseguiu mais se concentrar no livro. Alguma coisa na forma daquele bilhete o tinha deixado intrigado. Por que McGonagall não viera até a sala chamar Hector. Era assim que ela agia quando alguém da família de um estudante adoecia. Será que o Sr. Lupin sofrera alguma coisa a serviço da Ordem? Mas era lua cheia. Hector dizia que o pai dele nunca saia de casa em noites de lua cheia. Tomava uma poção para ficar controlado e se prendia em um quarto construído especialmente para isso no porão da casa. A não ser que ele tivesse conseguido se soltar. Mas ainda assim, era estranho Minerva comunicar isso por uma coruja.

Ficou pensando e olhando a lareira até as brasas se extinguirem, mas só se deu conta de que havia adormecido quando um raiozinho frio de sol bateu bem em cima do seu olho. Acordou no susto e não levou muito tempo para constatar que ainda estava na sala comunal, que era muito cedo para ter qualquer colega acordado e que não havia nem sinal dos amigos. Era certo que se algum deles tivesse voltado, o teria acordado. A não ser que eles não o tivessem visto. Mas Andrew revisou o lugar onde ficara e concluiu que estivera bem visível para qualquer um que entrasse na sala comunal. Hector poderia ter ido para casa, dependendo do que tivesse acontecido, mas Danna não voltar era realmente preocupante. Num impulso, seguiu a passos largos até o buraco do retrato. A mulher gorda abriu um único olho, cheio de sono, ao vê-lo sair.

– Céus! O que houve? Deu... for-miii-gaa na ca-ma?

Andrew, porém, não parou para responder. Tão logo se viu no corredor começou a correr como um louco. Ia bater na sala da Medéia e se ela não lhe dissesse onde Danna estava, ele iria até a diretora. Parou na esquina de um corredor. Talvez fosse melhor falar primeiro com a Diretora. Aquilo já tinha ido muito longe e McGonagall certamente não faria nada que colocasse a família de Danna em perigo. Além disso, no momento, Andrew achava que quem deveria estar em maior perigo era Danna. Mudando de idéia resolveu seguir direto para a sala da diretora. Fez uma curva derrapando para entrar no corredor do sétimo andar e quase se chocou com a janela que dava para o lago. Foi quando algo, lá fora, chamou a sua atenção.

O mar verde que cercava Hogwarts pareceu servir para ressaltar ainda mais o fato de que havia dois elementos que não se adequavam a paisagem daquela hora da manhã. Dois vultos humanos se acercavam do lago Negro. Um mais baixo com as vestes negras do uniforme da escola e outro mais alto, cujo indefectível vestido vermelho não deixava dúvidas quanto à identidade.

A prof. McGonagall e mesmo Hector sumiram das preocupações de Andrew num átimo. Depois disso, ele nunca soube como conseguiu chegar até as imensas portas de carvalho da entrada do castelo inteiro após ter praticamente se jogado pelos sete andares abaixo sem mal distinguir os degraus. Tão logo chegou aos jardins, correu com ainda mais velocidade. Ainda lembrou-se de procurar Hagrid com os olhos. Ele o ajudaria se estivesse andando pelos terrenos da escola. Mas não havia nem sinal do guarda-caças e nem mesmo fumaça saía do telhado de colmo de sua casa, que Andrew podia divisar à distância. Baixou a cabeça e continuou a correr, sacando a varinha de dentro das vestes. As duas não o viram até ele chegar bem perto e poder gritar.

– Deixe-a em paz!

– Andy! – Danna pareceu ficar mais apavorada em vê-lo ali. – Vai embora daqui!

– Não! – Ele chegou correndo e se pôs na frente da amiga apontando a varinha para a professora.

Medéia ergueu a própria varinha para os dois, a mão dela tremia visivelmente.

– É melhor ouvir sua amiga e voltar para o castelo, Sr. Bennet. Assim, ninguém se machuca.

– Melhor para quem? Só se for para a senhora e pelo que eu sei tem muita gente correndo risco de se machucar e eu não vou deixar a senhora fazer nada com a Danna, ouviu?

– Andy, por favor... – choramingou Danna atrás dele.

– Menino estúpido! Você só vai complicar as coisas para a sua amiga. Suma daqui!

Andrew se manteve firme, fazendo um grande esforço para que sua varinha não tremesse como a da professora. Tinha certeza de que estava com um vácuo nas entranhas e que por impulso tinha se metido numa grande fria, mas não tinha como recuar agora.

– Ah, eu não tenho tempo para isso – resmungou Medéia. – Experliarmus!

A varinha de Andy saiu voando, mas assim que ele a sentiu escorregar entre os dedos tomou um impulso e correu em direção à professora entrando com o ombro na barriga dela. Com o rosto torcido de surpresa e dor, Medéia se estatelou no chão e deixou cair a própria varinha que Andrew pegou com agilidade, se levantando e apontando a varinha para ela. Danna correu e pegou a varinha de Andrew antes que ela caísse no lago e também a apontou para a professora.

– Vocês não sabem o que estão fazendo! – Ameaçou Medéia ainda sem fôlego. Ela levou a mão à cabeça. – Isso... Vão! Eu...

Ela continuou a gaguejar coisas sem muito sentido enquanto Danna e Andrew trocavam olhares incertos pensando no que fazer.

– Qual é o problema aqui?

O prof. Enos Troop vinha se aproximando a passos largos, com a varinha desembainhada. Parecia bastante indignado com a situação. E Andrew pensou que deveria realmente ser horrível o que ele via. Afinal, era aparentemente dois alunos ameaçando uma professora. Esperava apenas que o professor lhe deixasse explicar antes que lhe desse uma detenção, que provavelmente duraria até o fim dos seus dias.

– Professor... – começou assim que o outro chegou bem perto. Mas Troop não olhava para ele ou Danna e sim para Medéia e com evidente desgosto. A professora parecia, a essa altura, absolutamente apavorada, tinha deixado de murmurar coisas sem sentido, e olhava com os olhos arregalados para o professor de Defesa contra as Artes das Trevas.

– Enos...

– Bem, eu não posso dizer que não suspeitava de que no fim seria isso que aconteceria, Medéia.

– Enos, não! – O olhar dela se tornara alucinado ao vê-lo erguer a varinha.

– Avada Kedrava!

Danna deu um grito ao ver a professora cair para trás. Os olhos vazios e sem vida. Andrew não conseguiu nem gritar, alguma coisa parecia ter agarrado violentamente a sua garganta o impedindo de emitir qualquer som. Com a mesma calma que havia pronunciado a maldição imperdoável, Troop se virou para os garotos e se aproveitando do choque deles os desarmou com facilidade.

– Agora – disse apontando a varinha exatamente para o coração de Andrew – Srta. O’Brien, seja uma boa menina e entre no lago. Acho que depois de toda a coragem que já por duas vezes demonstrou o seu cavaleiro andante aqui, a senhorita não vai querer que ele acabe como a sua infeliz professora de poções, não é? – Ele lançou um olhar ao corpo inerte de Medéia. – Uma pena. A senhorita a protegeu por tanto tempo, não foi?

– Protegeu? – Andrew ainda não tinha entendido nada. Estava com medo, mas era como se tivesse entrado no meio de um filme. Tinha certeza de que quando entendesse tudo, ficaria apavorado. Troop tinha matado Medéia e queria que Danna entrasse no lago. Então, como Medéia... ?

– Protegeu sim, Sr. Bennet. Sua inteligente namoradinha percebeu que a prof.ª Shadowes estava sob uma maldição Império e foi muito compreensiva com ela durante todo esse tempo. Até mesmo impediu você e seus amigos de levarem suas dúvidas para McGonagall.

– Danna, por que você não nos falou? – Andrew perguntou se voltando para a menina ao seu lado.

– Eu não tinha certeza - grandes lágrimas corriam pelo rosto assustado da menina.

– Crianças... – chamou o professor com uma falsa cortesia – eu adoraria deixá-los conversar, mas hoje é um dia que estou realmente com pressa. Então, Srta. O’Brien por favor, a garrafa de Mefistófeles. AGORA!

– Mas eu não sei onde... – tentou Danna.

– Sabe sim! – Ele ergueu a varinha novamente para Andrew. A falsa cortesia sumira. – Se não sabe, tem exatamente uma hora para descobrir porque desta vez não vou só apagar a memória do seu amigo, ouviu bem? Ou volta com a garrafa em uma hora, ou o Sr. Bennet vai ir fazer companhia à Medéia no outro mundo!

Sem escolha, Danna lançou um olhar de lamento para Andrew e se voltou andando em direção ao lago. Andrew virou de novo para o professor para protestar. Como ele podia? Ele tinha sido um Auror! Como ele podia estar ao lado dos Comensais? Mas Andrew acabou congelando com o que viu. A mão direita do professor continuava apontando a varinha para o seu coração, mas o que o apavorou foi o que havia na mão esquerda. Era claramente um pedaço de pergaminho velho, mas conhecido o suficiente de Andrew para que ele não tivesse dúvidas sobre o que era. O Mapa do Maroto. Uma suspeita horrível se tornou certeza naquele minuto.

– O que você fez com o Hector?

***************************


N/A: Céus! Esse levou tempo para desencantar. Eu tinha planos de atualizar na Páscoa, mas aparentemente o coelhinho a quem eu tinha pedido um ovo recheado com vira-tempos se perdeu em algum lugar.

De qualquer forma, pedindo formalmente desculpas a todos aí está o capítulo. Está grande, eu sei, mas espero que o tamanho compense um pouco o tempo que levei para postar. Como ele têm 3 partes, dá para lê-lo em prestações, rsrs.

Quero também pedir desculpas por não poder responder a todos os que comentaram na FeB. Como o sistema ficou fora do ar todo o dia de hoje não pude acessar todos os comentários para poder responder e se fosse fazer agora acabaria não conseguindo postar hoje (antes da meia-noite rsrsrs).

Assim, quero fazer um pedido, que já fiz na Just Like Heaven, por favor, os que comentarem cliquem na caixinha que manda uma cópia para o meu e.mail. Assim, se algo acontecer na FeB, como já aconteceu, eu não perco os comentários de vocês, ok?

Quem se interessar por mais informações sobre as fics, clique no banner abaixo. Tenho trabalhado o espaço para ficar bem legal e no blog tenho escrito sobre as inspirações extras que usei nesta fic. Já escrevi sobre os rituais e sobre Fausto, e esta semana vou escrever um pouco sobre Aradia. Aguardo vocês lá.

Um beijo estalado e até o próximo
Sally




Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.