O que nenhuma magia é capaz



Capítulo 33



O que nenhuma magia é capaz


Dessa vez não haveria o que Snape reclamar. Harry tinha certeza de que ele e Gina não haviam demorado mais do que cinco minutos entre mandar os avisos pertinentes e irromper, ainda com as roupas de festa, na cozinha do Largo Grimmauld. Ledo engano. Snape estava sentado à mesa da cozinha da sede da Ordem da Fênix e, pela expressão com que os encarou, teria descontado vários pontos dos dois se ainda pudesse. Só que, mais do que nunca, as caras de dor de barriga de Severo Snape não estavam no rol de preocupações de Harry.

– Desembuche logo, Snape – falou sem nem ao menos cumprimentar o ex-professor tão logo atravessou a porta.

– Uma boa noite para você também, Potter.

– Snape – Harry sentiu Gina largar a sua mão e puxar uma cadeira para sentar – nós pouparíamos muito tempo se você pusesse o sarcasmo de lado e apenas falasse o que encontrou. Que história é essa de Voldemort já ter voltado?

Os olhos do ex-professor assumiram uma expressão de cortante desagrado, mas Harry nem ao menos se abalou. Limitou-se a cruzar os braços diante do corpo e esperar que ele falasse.

– Sente-se, Potter.

– Fale de uma vez, Snape.

O outro deu um sorrisinho cínico.

– Eu preferiria estar sentado se fosse você, mas o risco é seu. – Os dois homens se enfrentaram ainda por alguns segundos antes que Gina desse um suspiro cansado e puxasse uma cadeira ao seu lado.

– Vocês podem marcar o duelo para depois? Harry se acalme e sente ao meu lado, sim? Vamos ouvir o que ele tem a dizer. Snape, por favor!

O pedido tinha um tom de ordem que lembrava com eloqüência a Sra. Weasley, mas Snape se limitou a curvar a sobrancelha enquanto observava Harry sentar ao lado da mulher.

– Certo – disse o rapaz no mesmo tom nervoso – então, como assim Voldemort voltou? Ele não pode simplesmente reaparecer vivo andando por aí.

– Eu não disse que ele está vivo, como você e eu estamos, Potter. – Snape fez uma das suas pausas dramáticas, e irritantes na opinião de Harry. – Ainda. Eu disse que ele voltou.

– “Voltar” é um termo bem vago – comentou Gina.

– Mas se os rituais que encontrei foram usados e os sinais estiverem corretos, esse é exatamente o termo, Sra. Potter. – Confirmou Snape de um jeito untuoso.

– Sinais? Que sinais? – O nervosismo de Harry crescia a cada segundo. – Eu saberia se houvesse algum sinal.

– Verdade? – Questionou Snape com ceticismo. – Desde que tudo isso começou não o tenho visto agir com a atenção que se esperaria de um bruxo com as suas alegadas... capacidades, Potter.

Harry sentiu um calor subir-lhe pelo pescoço e o maxilar endurecer. Sempre podia esperar críticas vindas de Snape. O grande problema era quando ele concordava com elas.

– Que sinais? – Perguntou entre os dentes, enquanto sentia a mão de Gina cobrir confortadoramente a sua.

Jogando as costas no espaldar da cadeira, Snape fez uma pausa longa o suficiente para enervar e pareceu satisfeito em apreciar o resultado.

– Com todas as suas incursões no submundo nos últimos meses, você não percebeu nada, Potter? – Harry começou a contar mentalmente até dez, mas manteve a mente fechada para o outro não perceber o quão próximo ele estava de se descontrolar. Snape apenas estreitou os olhos percebendo o que ele fazia. – Tenho certeza de que você deve ter encontrado alguns indivíduos bem agitados e ansiosos, como se soubessem que algo grande está por acontecer.

– Você está enrolando, Snape – rosnou Harry.

– Bem, acho que a invasão do Ministério e, especialmente, da Sala do Véu foram sinais bastante evidentes.

– Acha que o Véu esteve envolvido no ritual que encontrou? – Quis saber Gina.

– Se eu apenas achasse, Sra. Potter, não consideraria isso um sinal.

– Como é esse ritual, Snape? O que teve a ver com ele o rapto das crianças trouxas ou a morte dos testrálios e a invasão do Ministério, ou ainda, o fato dos Comensais terem ido direto da Sala do Véu para Stonehenge?

Snape considerou Gina com gravidade, como se não esperasse dela aquelas perguntas.

– Parece que pelo menos os seus filhos terão a quem puxar, Potter. Já que você nunca conseguiu demonstrar ter herdado a famosa inteligência da sua mãe.

– Ótimo! – Retornou o rapaz já no último estágio de paciência. – Por que não aproveita o seu momento de admiração e responde as perguntas dela? Ou será que vou ter de azará-lo para que pare de dar voltas. Tenho a impressão que pelo menos a habilidade do meu pai para azarações eu devo ter herdado!

Poderia ter morrido apenas com o olhar que recebeu de volta, mas aparentemente a ameaça nada velada serviu para que Snape saísse do lugar. Mas não foi por medo, Harry percebeu isso ao ver o ar de quase satisfação com que o ex-professor puxou uma pilha de pergaminhos. Snape não perderia a oportunidade de torturar Harry por dominar informações que o rapaz queria ardentemente.

– Mefistófeles passou para Fausto rituais realmente interessantes...

– Perversos, você quer dizer – corrigiu Gina.

Snape a ignorou.

– Não poucos destes rituais envolvem sangue, o que é bem ao gosto dos beusclainhs que apreciam enormemente a dor e o sofrimento. Traduzi...

– Até onde eu sei, não foi só você – falou Harry fazendo Snape crispar os lábios.

– Lupin – recomeçou claramente desgostoso com as interrupções – Granger e eu (se é o que prefere, Potter) traduzimos rituais que envolviam a busca do conhecimento, da juventude, da beleza e da vida eterna.

Gina fez uma careta e Harry se lembrou que Hermione lhes contara sobre os tais rituais de juventude e beleza eterna e eram particularmente desagradáveis, mas uma dúvida lhe assaltou na mesma hora.

– Esses rituais para conseguir a vida eterna teriam algo a ver com as horcruxes?

Snape levantou os olhos dos pergaminhos.

– O Lorde das Trevas jamais revelou a nós de que forma buscaria manter seu poder eternamente. Nem mesmo ao seu círculo mais íntimo. Ele guardava tais segredos apenas para si. Mas eu mesmo, ao perceber alguns de seus movimentos, alertei ao professor Dumbledore de que ele poderia estar se baseando nos lendários rituais do Livro de Fausto.

– Você? – Harry ergueu a sobrancelha em deboche, mas Gina não deixou a conversa desviar novamente.

– Mas Voldemort não poderia ter acesso ao livro, já que Dumbledore o prendeu no Espelho das Guerras.

– Prendeu o original – corrigiu Snape com uma voz macia – porém, assim como o Lorde das Trevas, Grindewald também tinha seguidores e quando foi vencido é provável que algum dentre eles tenha escapado...

– E levado consigo alguns dos segredos do Livro – completou Gina.

– Entre estes segredos estariam as horcruxes?

– Bem, Potter, eu acredito que, naquele momento, as horcruxes eram o que mais interessariam ao jovem Lorde Voldemort. Dumbledore acreditava que ele teria feito a primeira horcrux aos dezesseis anos, quando matou o pai e os avós. – Harry fez que sim com a cabeça. – Não creio que naquela época houvesse outro ritual que fosse mais adequado às ambições dele.

– Como ele conseguiu chegar a isso? – Gina se inclinou sobre a mesa. – Nunca pudemos encontrar nada sobre isso na biblioteca de Hogwarts. Na época, ele era um estudante como a gente.

– A autoridade sobre a vida de Lorde Voldemort, aqui, é o seu marido, Sra. Potter. Mas, em minha opinião, as férias escolares foram bastante proveitosas para ele.

– Tom usou os períodos de férias para pesquisar sobre as artes das trevas – comentou Harry. - Além disso, fazia pouco tempo da derrota de Grindewald, as notícias deviam circular em maior quantidade do que décadas depois. É possível que num desses períodos, ele tenha entrado em contato com algum seguidor do bruxo alemão..

– Ou com a própria fonte desses conhecimentos – sugeriu Snape. – Não podemos esquecer que o livro é uma compilação dos saberes dos beusclainhs. Para o Lorde, bastava achar a origem de todo esse saber.

– E que interesse teriam os beusclainhs em instruir um bruxo estudante de dezesseis anos? Ele não passava de um garoto.

– Está subestimando as criaturas, Sra. Potter. Eles não são bestas sem controle ou cérebro como os dementadores. São seres de grande inteligência. O Lorde das Trevas poderia ser apenas um garoto, mas... você o conheceu bem nessa idade. Sabe como ele podia ser persuasivo.

Gina jogou-se para trás na cadeira sendo sacudida por um tremor involuntário, mas permaneceu séria mesmo quando Harry, protetoramente, passou o braço sobre os seus ombros.

– Acontece que todas as horcruxes foram destruídas – afirmou Harry. – Há algo que a gente não saiba? Algo sobre as horcruxes que permitissem a Voldemort voltar da morte?

Harry fez as perguntas tentando valentemente ignorar o fato de que suas entranhas pareciam ter diminuído de tamanho, enquanto ele aguardava a resposta. Snape o considerou longamente antes de voltar a falar.

– Temo que, daquela vez, Potter, sua vitória foi tão absoluta quanto poderia ser.

A construção da frase, no entanto, não ajudou Harry a se acalmar.

– Se tivesse sido absoluta, não estaríamos aqui, Snape.

– Foi tão absoluta quanto a vitória de Dumbledore contra Grindewald – retorquiu Snape – e teve o mesmo erro. Alguém capaz de usar a magia reunida pelo Lorde escapou dos expurgos do Ministério. É contra isso que você esta lutando agora. Não são mais as horcruxes o problema, nem os rituais de vida eterna ou mesmo de corporificação, como que Lorde Voldemort usou para conseguir novamente um corpo na época do Torneio Tribruxo. Os rituais usados pelos Comensais que escaparam tiveram como principal finalidade resgatar a alma do seu mestre do mundo dos mortos e trazê-la de volta ao nosso mundo.

– Foi isso o que eles fizeram? – Harry não sabia se aquilo tinha sido uma pergunta ou uma afirmação.

– Até agora. O passo seguinte é devolver a Lorde Voldemort seus poderes, na escala máxima que isso for possível, e torná-lo hábil para usá-los.

– Sem enigmas, Snape. Por favor – pediu Gina, mal traindo a impaciência da voz.

– Seria melhor se vocês entendessem primeiro o que já foi feito e, depois, o que os Comensais ainda pretendem fazer.

Harry chegou a abrir a boca para dizer que ele falasse logo, mas foi interrompido por um estrondo na porta da cozinha. Rony e Hermione, também com roupas de festa, entraram na sala, esbaforidos.

– Perdemos alguma coisa? – perguntou Rony. – A gente veio assim que pôde.

– Você achou o ritual? – questionou Hermione se dirigindo para Snape.

O ex-professor parecia ser capaz de azarar os dois e a impertinência no tom de Hermione não ajudou nada.

– Vocês educam os filhos de vocês a entrarem nos lugares como se fossem uma manada de hipogrifos desasados? – Retorquiu parecendo furioso fazendo Hermione corar levemente com a reprimenda. Ela ainda não gostava nem um pouco de ser criticada. Desviou o olhar de Snape e se virou para responder a pergunta não formulada que estava estampada no rosto de Gina.

– Deixei os gêmeos com os seus pais, Gi. Sirius preferiu ficar com Jorge e Alicia, pois queria ficar brincando com os primos. Mandei Winky com eles para ajudá-los com os três. Fred e Cátia vão sair para convocar o resto da Ordem assim que a festa de inauguração terminar.

– Nesse caso – reclamou Snape – talvez devêssemos esperar os outros antes de continuar.

– NÃO! – Berraram os quatro.

– Continue, Snape – pediu Harry, enquanto Rony e Hermione se sentavam ao lado dele e de Gina.

– Foi o ritual do Retorno das Trevas, não foi? Você achou o final dele?

Hermione parecia ansiosa em confirmar suas suspeitas.

Retorno das Trevas? – Gina arqueou uma sobrancelha achando o nome estranho. Hermione confirmou com a cabeça.

– Refere-se à volta de uma alma das regiões escuras do além-morte, uma alma que volta das trevas. – Ela voltou-se novamente para Snape. – Eles fizeram isso? Acha que conseguiram? Você achou as partes que faltavam do ritual?

– Faltavam? – Rony olhava de um para outro com uma expressão confusa.

– Nossa maior dificuldade com o Livro é que os rituais, inicialmente, não pareciam estar completos. – Explicou Hermione. – Depois, percebemos que eles estavam, mas eram escritos de forma descontínua. Algo que começa na página 20 só continua na 182, por exemplo. Foi preciso não apenas traduzir, mas descobrir o que colava com o quê. Por isso houve tanta demora. Muita coisa nós só sabíamos aos pedaços. Achamos que o ritual nomeado como Retorno das Trevas, que falava em fazer uma alma retornar, seria o mais provável, mas não tínhamos a finalização para ter certeza. Tínhamos apenas a parte que permitia a comunicação com o outro mundo e alguns outros detalhes esparsos.

Harry se mexeu desconfortavelmente na cadeira.

– Comunicação?

– Sim. Os beusclainhs são mestres em abrir portais para outros mundos. Entendam: é possível fazer isso de uma forma boa, mas não é como as criaturas fazem – arrematou Hermione.

– São chamados rituais de portal – Snape retomou a palavra parecendo não gostar de ter de dividir as explicações com Hermione sem poder lhe mandar ficar quieta. – Não foi difícil achá-los no livro, mas parecia óbvio que os Comensais iriam querer algo que fosse mais... permanente.

– E você achou, não achou? – Hermione pulava na cadeira de ansiosa.

Novamente Snape se pôs a mexer nos inúmeros pergaminhos cheios daquela letra apertada e garranchosa dele. Parecia bem mais satisfeito tendo novamente a atenção sobre si.

– O Livro de Fausto fala – principiou – que é mais fácil resgatar uma alma que queira retornar para este mundo...

– Que conveniente para o cara de cobra, ele não queria nem ir.

– Pshhh... quieto, Rony – ralhou Hermione.

Como que para punir pela interrupção, Snape se demorou mais um pouco consultando os papéis antes de voltar a falar.

– O ritual fala de se preparar uma poção capaz de encontrar “a alma” que se quer fazer retornar. Pelo que se pôde traduzir, seria necessário primeiro buscar por uma alma específica no outro lado, daí a necessidade de um ritual semelhante às missas negras imaginadas pelos trouxas. É provável que até tenha dado origem a essas deturpações que constam nos livros de história trouxa. Claro que uma boa parte do que existe nesses livros não passa, provavelmente, de uma ficção usada para interesses políticos, sem nenhuma eficácia mágica.

“O ritual descrito pelo livro fala de um grupo de pessoas que, participando de uma comunhão de sangue e fogo, chamariam pela alma a ser resgatada. Penso que foram necessário sete rituais para resgatar cada um dos sete pedaços da alma do Lorde das Trevas.”

– E as crianças? Que parte tomaram nisso? – perguntou Harry.

– O sangue delas foi usado para fazer uma poção que era bebida pelos participantes do ritual.

– Eca!!

Harry compartilhou da náusea expressa por Rony, mas apenas se limitou a estreitar o braço em torno dos ombros de Gina que voltara a tremer levemente.

– Qual a finalidade disso?

– O sangue inocente marca tão horrivelmente aquele que o derrama ou compactua com seu derramamento – explicou Hermione – que ele pode se tornar um canal para o que houver de pior no mundo além-morte.

– Que coisa doentia – disse Gina.

– Na verdade – Snape retomou a palavra – essa é apenas a primeira parte do que se deveria fazer para trazer o Lorde das Trevas de volta ou, se vocês preferirem, é um dos rituais. A coisa toda, olhada em conjunto, embora condenável, é sem dúvida bastante engenhosa e eu diria que foi pensada com brilhantismo.

– É claro que você diria – Harry resmungou com raiva. – É grosseiro e cruel. Bem ao estilo do seu ex-mestre.

– Meu comentário não quis ferir a sua ética, Potter. Como eu disse, o ritual é condenável sob todos os aspectos, mas sua eficiência e a forma como foi feito demonstram ter sido escolhido por uma grande inteligência. E Weasley – ele apontou para Rony – estava certo quando dizia que algo assim jamais poderia ter saído da mente insana de Bellatrix Lestrange. Alguém a orientou não apenas sobre como trazer o Lorde de volta, mas também sobre como fazer isso atrasando os esforços de barrá-los o quanto fosse possível. Creio que, nesse sentido, os Comensais não contavam com os sonhos da Sra. Potter e com o alerta que isso levou até a seção dos Aurores.

– Talvez por isso tenham plantado um traidor lá – comentou Hermione obviamente se referindo a Richard Oates.

– Lucius também foi descuidado em provocar Potter quando fugiu de Azkaban. – Prosseguiu Snape. – Acabou dando dicas preciosas para o inimigo.

– Afinal de que lado você está, Snape? – Rony nem tentou disfarçar o cinismo da pergunta.

– Acho que já dei provas o suficiente disso, não Weasley?

– É? Para quem?

– Rony, por favor – pediu Hermione.

Harry trocou um olhar com Gina, ela sempre dizia que seus pesadelos eram a vantagem deles e, de acordo com Snape, ela estava certa. O que interessava agora era como saber usar essa vantagem. Voltou-se para Snape.

– Acha que foi por isso que eles usaram as crianças trouxas?

– Bem, creio que teria sido um erro usar crianças do nosso meio nesses rituais. Isso teria chamado a atenção da comunidade bruxa e, talvez, estou conjeturando, para que o ritual tivesse eficácia fosse necessário em algum momento o uso de sangue trouxa.

– Por quê? – perguntou Rony.

– Porque Voldemort era um mestiço – a resposta saiu dos lábios de Harry com uma segurança que beirava a certeza absoluta.

Snape se limitou a assentir quando ele o consultou com o olhar. Mas manteve o rosto impassível.

– Nesse caso, não seria necessário um sangue misturado? – Sugeriu Hermione.

– Acho que não nesta primeira fase do ritual, Granger. Os primeiros sete rituais serviram apenas para encontrar o Lorde. Ele só vai necessitar do sangue bruxo no momento em que precisar adquirir poder. Creio que com estes serviram para estabelecer um contato bastante regular entre os Comensais e seu senhor, mas a alma dele permaneceu do outro lado. De acordo com o Livro, para fazê-la ultrapassar o portal seria necessário que houvesse nesse mundo um vaso ideal para a alma habitar.

– Vaso? – Questionou Gina.

– Um corpo. Um lugar que se identificasse com a alma. O ritual usado anteriormente pelo Lorde não poderia ser repetido. Nenhum ritual com aquela força mágica pode ser feito duas vezes. É uma lei da magia.

– E? – Harry sentia que agora não era apenas Gina que tremia.

Snape inspirou e buscou outro pergaminho com complicados diagramas e longas anotações.

– O livro se refere ao Retorno das Trevas ser realizado em três rituais: invocação, passagem e ressurreição. Os rituais semelhantes às missas negras utilizando o sangue das crianças trouxas como elemento foram a invocação.

– E a passagem? – Perguntou Harry.

– Foi através do véu – constatou Gina numa voz tão baixa que mais parecia estar falando para si.

– Exatamente – confirmou Snape. – O sangue dos testrálios ajudou a abrir o portal e como o Lorde já estava ligado aos seus seguidores e a este mundo pelos rituais de invocação, sua alma pôde atravessar o véu da morte. – Ele se voltou para Harry. – Você não descreveu que ficou muito impressionado por ter encontrado as vozes que você diz ouvir atrás do véu...

– Eu não digo ouvir. Eu ouço – atalhou Harry sentindo o sangue subir. – Mas a chefe dos inomináveis nem sequer se deu ao trabalho de investigar o porquê do silêncio.

– Eu sempre questionei como Cassiopéia chegou a essa posição. Ela nunca foi mais que uma aluna mediana. De qualquer forma, Potter, isso me pareceu o claro indício que algo anti-natural havia acontecido ali. Como uma passagem.

Harry pensou imediatamente em Sirius. Tentou lembrar se ouvira as vozes após ele cruzar o véu, mas não conseguiria ter certeza. Ele estava tão apavorado e gritando tanto quando aquilo aconteceu. Gina se aninhou um pouco mais em seus braços como para lembrá-lo de manter a mente ali. Snape colocou o dedo longo sobre uma de suas anotações e leu.

– “Ao atravessar o portal, a alma resgatada deve ser levada a um local de grande poder, onde os antigos tenham morada...”

– Stonehenge – falou Hermione.

– “E lá poderá possuir um escravo até poder voltar a ser mestre”. Em resumo: o Lorde das Trevas retornou naquela noite.

Dava para sentir a tensão na sala em níveis crescentes e mesmo sem tocar nos amigos, Harry podia sentir que Rony e Hermione estavam com aquela mesma sensação de tremor interno que ele e Gina compartilhavam abraçados.

– É claro que seu retorno foi apenas como uma sombra – prosseguiu Snape. – Talvez bem parecido com aquilo que você conheceu em seu primeiro ano em Hogwarts, Potter. Com uma diferença: mesmo remendado, o Lorde das Trevas, se levarmos em conta os rituais que foram feitos...

– Está com as sete partes de sua alma – concluiu Harry.

– Exato. E quando ressurgir estará mais poderoso e terrível do que nunca. Eu arriscaria dizer praticamente invencível.

– Quando ele ressurgir? Mas ele já não voltou?

Snape revirou os olhos, cheio de impaciência, e se voltou para Rony irritação.

– Não exigiria que você entendesse essas sutilezas, Weasley. O Livro fala que a alma ao adentrar nesse mundo precisa se fortalecer e deve ocupar um vaso que se ofereça até chegar o preciso momento da Ressurreição.

Houve um pequeno silêncio antes de Rony voltar à carga.

– Ok, eu devo ser muito burro, mas eu não entendi nada.

– O que o Snape quer dizer, Rony, é que Voldemort ainda não ressurgiu, embora sua alma já esteja no nosso mundo. Ele ainda não ocupou um corpo definitivo. É isso, não é?

– Precisamente, Granger.

– Quem seria este intermediário? Este que vai permitir ele se fortalecer? – Perguntou Harry.

– Alguém como Quirrel – respondeu Snape com descaso. – Alguém que esteja disposto a ser parasitado por uma alma sem corpo. Minha aposta, no entanto, é de que ele deve ter possuído algum bruxo que tenha sido fortalecido especialmente para recebê-lo. Estou pensando naquele ritual de roubo de poder.

– Por isso eles assassinaram o Gerard – disse Rony balançando a cabeça com incredulidade.*

Gina tirou o braço de Harry de sobre os ombros e se levantou da cadeira dando passos nervosos pela cozinha e parando diante do fogão.

– Quem seria o corpo definitivo? – Perguntou de costas para eles.

Os outros três encararam Snape com sofreguidão, mas o ex-professor manteve os olhos na jovem.

– O Livro fala de rituais muito complicados e que exigem poderes bruxos que são ao mesmo tempo muito grandes e muito raros. Contudo, não há indicações sobre como seria o vaso definitivo. Parece que esse segredo foi mantido pelos beusclainhs, ou talvez seja uma escolha a ser feita pela alma resgatada.

Hermione, sem conseguir se agüentar mais, tomou alguns pedaços de pergaminho que estavam na mesa na frente de Snape.

– Por que eles ainda não fizeram a ainda ressurreição, então?

– Não me decepcione, Granger – havia satisfação na voz de Snape em ver Hermione perdida. – O ritual precisa ser realizado em uma data específica e com ingredientes específicos.

– Que ingredientes?

Harry mal conseguia respirar direito.

– Ao que parece, trata-se de um ritual semelhante ao de invocação, mas agora com sacrifícios completos.

Ele pausou.

– É para nós perguntarmos o que vai ser sacrificado, Snape? – Disse Rony com ferocidade.

– Não lhe ocorre, Weasley?

Hermione folhava as anotações com avidez. Os olhos arregalados.

– Sete crianças bruxas – respondeu num fio de voz a pergunta do marido.

– Exato, Granger. E também, claro, um oficiante específico. Esse ritual não pode ser feito por qualquer um, só terá eficácia se for presidido por alguém com poderes maléficos sem as costumeiras hesitações humanas.

– Um beusclainh.

– Na verdade, “o” beusclainh, Potter. O ser que idealizou o ritual.

Mefistófeles. É para isso que precisam dele. – Snape confirmou o que Harry dizia. – Mas eles ainda não o têm. E também não sabemos de nenhuma criança bruxa desaparecida. Então, ainda faltam os “ingredientes”.

Era sua esperança impedir tudo aquilo de chegar a fim, mas ao mesmo tempo Harry sentia que eles haviam sido lentos demais em descobrir aquelas coisas e que seria muito mais difícil deter todo aquele horror que já se colocava em marcha. Além disso, ele não precisava nem olhar no rosto de Gina para saber o que ela estava pensando. Quem ela achava que corria perigo. Seu próprio coração, congelado dentro do peito, lhe dizia o quanto ele compartilhava do pânico da esposa.

– Bem, então o que temos de fazer é impedi-los de chegar até a tal garrafa – falou Rony. – Sabemos que está em Hogwarts e que o tal espião ainda não a achou.

– É, mas há um espião e nós não temos a menor idéia de quem ele possa ser. Todas as tentativas de Minerva e dos Aurores que estão cuidando da segurança da Escola em encontrá-lo falharam até agora. – Comentou Hermione.

– Também podemos impedi-los de chegarem até as crianças.

– Como se isso fosse fácil, Rony! – Gina se virou para eles, o rosto vermelho e os olhos quase saltando das órbitas. – É bem possível que eles não queiram qualquer criança. Então não sabemos quais devemos proteger. E se puder ser qualquer uma? Aonde eles vão buscá-las? Em Hogwarts? No Orfanato da Ordem? Na casa dos pais? Não sabemos! Não sabemos o suficiente! Fomos um desastre em tentar resolver esse mistério. Eles estão na nossa frente e parecemos um bando de...

Harry levantou rápido e em passos largos chegou até Gina abraçando-a para tentar acalmá-la. Não pode evitar o pensamento sombrio de que quando ela estava grávida estes descontroles traziam consigo manifestações dos poderes de Aradia. Agora, não parecia haver nada de diferente. Apenas Gina. No fundo sabia que isso também a desesperava. Gina e ele haviam contado que a revelação destes poderes permitiria aos dois manterem a família a salvo. Além do desespero e do medo, Gina vinha se sentindo abandonada e enfraquecida. Mas não havia nada que aparentemente eles pudessem fazer. Gina só poderia tentar usar os poderes ou controlá-los se eles estivessem se manifestando nela. E eles não estavam.

– Ainda temos uma outra possibilidade – arriscou timidamente Hermione. – A tal data de que Snape falou. Se conseguirmos impedir que os Comensais tenham tudo o que precisam até esta data... talvez tenhamos uma chance.

Afastando a cabeça de sobre os cabelos de Gina, Harry se voltou para Snape.

– Qual a data?

– O Livro não informa, mas eu apostaria na data de nascimento de Lorde Voldemort...

– Trinta e um de dezembro – respondeu Harry sentindo o peito rasgar ao pensar em Lyan.

– E vinte e um de junho – falou Snape – daqui há praticamente duas semanas. Não foi precisamente neste dia que Lorde Voldemort usou o seu sangue para trazê-lo de volta há doze anos, Potter?



*************************


– O que o senhor fez com o Hector? – Andrew repetiu a pergunta, tremendo tanto que nem sabia como ainda estava em pé.

Um sorriso estranhamente satisfeito cruzou o rosto magro e chupado de Enos Throop.

– Você pensa rápido, garoto. Bom, muito bom. Como foi parar na Grifinória? Você é mais inteligente que isso.

Mesmo engolindo em seco e com o coração quase a saltar pela boca, Andrew reteve mais uma vez as lágrimas de pavor e respondeu:

– Eu pedi. Por causa da minha mãe. Ela era Grifinória.

– Bem, esse é um tipo de sentimentalismo bem Grifinório, devo admitir.

Andrew olhou em direção ao lago. Danna havia sumido nas águas escuras sem que ele nem ao menos a ouvisse mergulhar. Apertou as mãos diante do corpo, cravando as unhas nas palmas no momento em que seus olhos cruzaram com a figura de Medéia, que jazia sem vida, próxima à água.

– O senhor o matou? – Perguntou sem ter certeza de que queria ouvir a resposta.

Throop riu.

– Não. Entenda garoto, não é de meu feitio matar sem um bom motivo e seu amigo ainda não tem motivos para ser morto.

– Ainda? – O menino olhou para o corpo da professora sentindo que não mais conseguiria conter o desespero que já fechava a sua garganta. – E a professora Shadowes? O senhor... – perdeu a voz no fim.

– Ah bem, Medéia já vinha me aborrecendo, sabe? Fraca, rebelde, condescendente com as tentativas de me enganar encenadas pela sua amiguinha mestiça e, mesmo sob Impérius, ela já estava sabendo mais do que devia. Eu não poderia ir embora e deixá-la para trás, viva.

O professor pareceu dar-se conta de alguma coisa e olhou por sobre os ombros rapidamente e voltando mais uma vez a atenção para Andrew.

– Venha. Estamos muito expostos aqui. Alguém do castelo pode nos ver. – Andrew lançou um olhar esperançoso para a massa escura de pedras acima deles. – Vamos esperar a O’Brien atrás daquele salso. Mas antes...

Throop apontou a varinha para o corpo de Medéia e com um movimento fez as ramagens crescerem em torno dela, ocultando o cadáver. Ele deu um sorrisinho cúmplice que apenas serviu para aterrorizar Andrew ainda mais.

– Esse vestido é muito chamativo, não acha? – E pegando Andrew pela parte de trás do colarinho, o puxou levando-o a acompanhá-lo. – Vamos!

Andrew não teve escolha. Queria gritar, mas sabia que seria silenciado antes que fosse sequer ouvido por alguém. Quis correr, mas também sabia corria o risco de ser atingido pelas costas. Além do mais, jamais abandonaria Danna com aquele louco. Tropeçando nos próprios pés, ele foi meio que arrastado por Throop – que além de alto agora lhe parecia incrivelmente forte – até o salso chorão que se inclinava sobre a borda do lago, formando uma cortina verde. Quando se sentiu seguro, o professor o soltou e lhe deu um tapa na parte de trás da cabeça.

– Sente – ordenou.

O garoto olhou incerto para o chão e acabou sentando sobre uma pedra próxima à margem. O lugar ficava numa parte em que a borda era profunda e não havia como subir do lago para a terra sem se escorar na beirada.

– Como a Danna vai nos achar quando voltar?

– Não se preocupe com isso. – Respondeu Throop sacando o cachimbo de dentro das vestes, acendendo o fogo com a varinha e dando duas longas baforadas. – Tenho certeza de que ela vai achar... você.

Atrás de Andrew o lago marulhava calmo sem mais que o vento a agitar-lhe a superfície. O garoto procurava novamente por qualquer indício de que poderiam ser encontrados, mas não havia nada. Mesmo com alguns raios tímidos de sol, a madrugada parecia ainda não ter acabado de fato e toda a paisagem em torno do castelo continuava adormecida. Nenhum sinal de Hagrid. A floresta bordejando o lago tinha o silêncio próprio daquele interstício entre o sono das feras e o despertar dos animais diurnos. Nem a lula gigante dera sinal. Em palavras simples, concluiu Andrew, estavam perdidos.

Restava-lhe ganhar tempo e, talvez, negociar. Resolveu que era melhor arriscar e ergueu a cabeça buscando os últimos fios de coragem que lhe restavam.

– O senhor vai nos matar?

Throop tirou o cachimbo da boca e o olhou com um sorriso torto.

– Tem certeza de que quer esta resposta, garoto?

– Bem, talvez tenha uma possibilidade do senhor reconsiderar.

Throop pareceu agradavelmente surpreso.

– Você tem tutano, Bennet. Não há como negar isso.

– O senhor já alterou a minha memória uma vez – o homem arregalou os olhos, mas não havia aborrecimento ali. – Podia fazer de novo. Danna e eu não poderíamos contar nada.

Desta vez o professor pareceu não conseguir evitar uma risada alta.

– Você é bem filho dos seus pais, Bennet. Tem a frieza do seu pai e a audácia da sua mãe. Oh, sim – respondeu pergunta antes que Andrew a formulasse – eu os conheço. Os dois estão no conselho da Escola. Não posso dizer que não admiro especialmente a sua mãe, apesar dela ser uma sangue-ruim nojenta.

Andrew ficou de pé com os punhos fechados.

– Sente, garoto. Não pode fazer nada contra mim, então é melhor ficar quieto.

Throop fechara a cara e dava mostras de que não queria mais ouvir o que quer que Andrew quisesse dizer. Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. Apenas as ondas vindas do lago contra a borda faziam algum barulho. A mente do garoto trabalhava furiosamente em busca de uma saída, mesmo que ele soubesse que assim que Danna saísse das águas os dois seriam, muito provavelmente, assassinados. Ficou observando Throop e concluiu que sua única chance era fazê-lo falar. Ele não o mataria até Danna voltar (esperava), então, quem sabe conseguisse alguma coisa antes que a amiga emergisse com a tal garrafa de Mefistófeles.

– Você era um Auror. Como pode? – Perguntou de sopetão, recebendo em troca um olhar meio exasperado. Ele achou que o bruxo não fosse responder, mas Throop puxou uma longa baforada do cachimbo e acabou falando.

– Uma coisa não impede a outra! Ahh claro, Aurores caçam bruxos das trevas, certo? É uma visão bem ingênua, Bennet. Sempre fui fascinado por tudo o que o Lorde das Trevas foi capaz de realizar. Eu o cacei e cheguei até a lutar contra os Comensais da Morte, mas fui capturado e levado à sua presença, então eu entendi... Eu estava do lado errado. Apenas o Lorde detinha o real e absoluto poder. Apenas ele poderia realmente conduzir a bruxidade ao seu lugar de direito no mundo. Então me uni a ele, quis que ele me marcasse para que eu o seguisse sem restrições, mas meu mestre era de uma genialidade incomparável. Ele me convenceu a manter minha posição a qualquer custo, até mesmo sacrificando alguns dos nossos. E eu pude mantê-lo informado como nenhum outro Comensal conseguiu. Quando Potter o matou, eu prometi a mim mesmo que se houvesse um jeito de resgatar o meu senhor eu o faria. E eu fiz.

Andrew sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

– Ele... ele está de volta?

Throop sorriu.

– E logo estará tão vivo e poderoso quanto jamais foi. – Ele tirou o cachimbo que estava acomodado no canto da boca. – Talvez fosse melhor você ver tudo isso como um favor, Bennet. Eu realmente não iria querer estar na pele de mestiços e sangues-ruins quando o meu Lorde voltar ao seu lugar de direito. Não acha bom não estar aqui para ver? Claro, se você não tivesse vindo atrás da sua “namorada” poderia ter mais algum tempo. Uma pena.

– Eu só não entendi uma coisa – arriscou o garoto. – O que o Hector tem a ver com tudo isso?

O homem deu uma risada seca.

– Ele tem muito mais a ver com isso do que você, menino. Bem, pelo menos nos planos de vingança de Bellatrix. Mas, sendo sincero, prefiro o seu destino ao dele. Ora, não fique tão triste. Assim como você, ele também não está sozinho. Aliás, é uma pena que Bella não queira você e a pequena foca. Isso facilitaria o trabalho, afinal, já tenho vocês, não é mesmo?

– O que quer dizer com não estar sozinho?

O professor considerou por um momento como se pensasse se devia ou não responder a pergunta.

– Você não vai desistir enquanto não souber, não é? Bem, eu lhe afirmo que isso não vai lhe trazer nenhum bem e nenhuma vantagem, mas, já que insiste. Vim para Hogwarts em busca exclusivamente de Mefistófeles. Para mim, o resto dos ingredientes necessários para a volta do Lorde poderiam ser buscados em outros lugares. Mas Bella colocou na cabeça que queria vingança e desde o ano passado eu sabia que quando fosse embora daqui teria de levar comigo o filho de Remo Lupin e um dos filhos de Quim Shacklebolt.

Andrew retesou o corpo e arregalou os olhos.

– Pensei inicialmente na menina, sabe? Mas no fim das contas ficou mais fácil encontrar o seu amiguinho de óculos do que ela.

– O se-senhor pegou o Josh?

– E a Warmilling também – ele falou com a calma de quem contabiliza algo não muito importante.

Andrew quase caiu da pedra em que estava sentado.

– A Mel? Por que a Mel?

– Oh bem, eu também acho um exagero, mas Bellatrix tem pavor da tia da menina.

As águas atrás dos dois irromperam e Andrew levantou da pedra a tempo de ver a cabeça de Danna emergir. A garota nadou até a borda mantendo apenas os olhos fora da água e parou, muito séria, olhando para os dois.

– Voltou rápido dessa vez. Nada como um pouco de estimulo, não é? – Comentou Throop jocosamente. – Trouxe?

Danna se escorou na borda e ergueu acima da água o que pareceu a Andrew uma garrafa bem comum. Nem grande nem pequena, de vidro marrom escuro, parecendo muito suja e velha. Throop a olhou com avidez.

– Saia da água – ordenou.

A menina se aproximou da borda e Andrew a ajudou a subir, mas procurou não encostar na garrafa de jeito algum. O professor, ao contrário, jogou longe o cachimbo e quase se atirou sobre eles para tomar o objeto das mãos de Danna. Tão logo ele se afastou admirando a garrafa, Andrew passou Danna um pouco para trás de si. Estava pensando que se conseguisse se jogar contra o bruxo, talvez ela pudesse fugir pela água. Throop não pareceu notar o movimento, havia erguido o objeto contra a luz, analisando-o com atenção. Andrew notou que daquele jeito, a garrafa emitia uma espécie de claridade avermelhada, meio fantasmagórica. O rosto do professor lhe pareceu tomado por uma real felicidade. O menino ficou tão absorto tentando divisar o que emitia a tal luz de dentro da garrafa que se assustou quando Danna pegou sua mão com firmeza e se postou quase colada a ele. O susto foi substituído por certeza e receio quando percebeu que ela lhe puxava lentamente para a borda do lago.

– Muito bem – disse Throop chamando sua atenção. – Você foi muito eficiente, O’Brien. Finalmente! Sabe, se tivesse sido mais atenciosa com o meu pedido antes, poderia ter poupado a sua vida e a do seu amigo. Agora, vocês não me deixam nenhuma escolha.

Ele baixou a garrafa e em ato contínuo ergueu a varinha, mas antes que conseguisse pronunciar qualquer palavra, Danna se abraçou a Andrew e dando um salto para trás mergulhou nas águas frias do lago, levando o amigo consigo.



*********************


Ao amanhecer, a cozinha da casa do Largo Grimmauld fervilhava parecendo uma festa muito esquisita. Muitos dos que estavam ali tinham vindo diretamente da inauguração da nova loja das Gemialidades Weasley. Logo as vestes elaboradas e os cabelos penteados das mulheres combinavam bem pouco com o clima que reinava entre os membros da Ordem da Fênix.

Quim se postara na lareira chamando todo o Auror que conseguisse encontrar e acordar e marcando reuniões e mais reuniões no Ministério. Moody saíra atrás de alguns bruxos da velha guarda, que até já estavam aposentados, pretendia colocar todos na ativa. O restante dos que estavam ali debatia como iriam aumentar a segurança de Hogwarts, do Orfanato e, pior, como iriam informar a cada casa bruxa da Grã-Bretanha que era necessário redobrar os cuidados com suas crianças.

Harry se mantinha absorto ao lado de Rony e Hermione que tentavam descobrir mais detalhes sobre o ritual, verificando o Livro com Remo e consultando as anotações de Snape e o próprio. Sentiu uma mão delicadamente tocar em seu ombro.

– Harry?

– Hã... O que foi Ana? Quero dizer, você ainda está aqui? Você não ia para casa descansar? – Perguntou enquanto olhava para do rosto cansado para o ventre bojudo da amiga. O bebê de Ana e Carlinhos nasceria entre agosto e setembro.

Ela revirou os olhos.

– Eu estou bem – rezingou. – Já basta o Carlinhos no meu pé, ok? – Harry pensou em argumentar, mas ela mudou de tom lançando um olhar por sobre o ombro. – Estou preocupada com a Gina, Harry. Talvez você devesse convencê-la a ir para casa.

Harry procurou por cima de algumas cabeças até encontrar Gina escorada em um balcão lateral da cozinha. Entendeu imediatamente o que Ana queria dizer. Agradeceu à amiga e rapidamente chegou ao lado da esposa. Gina parecia perdida em pensamentos, os olhos parados, fixos em algum ponto do chão. Harry escorou-se ao lado dela.

– Não pense nisso. Não vai acontecer.

Gina ergueu os olhos lentamente para ele.

– Você ouviu o que Snape falou sobre identidade mágica? Sobre o dia do nascimento? Sobre o “seu” sangue?

– É claro que ouvi. Mas não vai acontecer!

Ela virou novamente a cabeça para frente, mas Harry podia quase ouvir as palavras que martelavam dentro dela sem que ela as dissesse: “você não pode ter certeza.”

– Eu ainda tenho os meus truques, Gina. Não será tão fácil para eles. Prometi que ninguém tocaria nos nossos filhos e vou cumprir isso!

Gina não respondeu. Os dois ficaram algum tempo parados ali, sem dizer uma palavra.

– Vou para casa – falou ela, finalmente.

– Eu ia sugerir isso.

– Ficarei com Dobby e as crianças lá. Estaremos protegidos com o Fidelius.

Harry concordou com a cabeça.

– E seus pais?

– Devem estar precisando descansar. Vou convencê-los a fazerem isso antes de se envolverem.

– Ok. Estarei com vocês assim que puder.

Gina lhe deu um sorriso triste, mas encorajador.

– Não se preocupe conosco.

– Me peça para não respirar.

O sorriso de Gina aumentou e Harry a puxou para si beijando-a apaixonadamente e sem dar a menor atenção ao fato de que estavam numa sala atulhada de gente fazendo coisas muito sérias. Algum dos cunhados falou alto uma piadinha, mas ele não registrou. Depois, sem parar de totalmente de beijá-la acompanhou Gina até a frente da casa para que ela pudesse aparatar.


*************************



Desde que viera para o Orfanato da Ordem da Fênix, Draco passara a apreciar e odiar os fins de semanas com a mesma intensidade, mas em horários alternados. As manhãs se tornaram maravilhosas. Eram os dias em que os pirralhos dormiam até mais tarde o que lhe permitia também umas horas a mais de sono sem gritos e correrias do outro lado da sua porta. Por outro lado, o resto dia era um suplício. Os elfos domésticos tinham folga (“folga!?”), o que significava ter de arrumar a própria cama, fazer seu desjejum, ajudar na louça do almoço. E ele que experimentasse não fazer para ver o que acontecia. Tinha que aturar a Laurent lhe enchendo a paciência por horas. Era duro acreditar que aquela mulherzinha era irmã do Snape. Provavelmente, o ex-professor estava enganado. Ela devia ser alguma espécie desconhecida de demônio que havia sido criada, por engano, como se fosse uma pessoa. Coisa que Draco tinha sérias dúvidas de que ela fosse.

O único problema dos fins de semana é que suas preciosas horas de sono vinham cada vez mais sendo encurtadas por uma insônia persistente que o assolava nos últimos meses. De nada adiantavam as inúmeras poções calmantes que Snape o obrigava a tomar. Tinha que admitir que estava quase viciado nelas. Tomava para dormir, para acordar, para não pensar nas linhas formigantes que se desenhavam sob sua pele no braço esquerdo. Cada dia mais fortes. Eram dez anos da sua vida se escondendo e ele queria agora uma poção que o fizesse esquecer o quanto estava cansado de viver como um verme.

Aproveitou o silêncio que vinha de fora do quarto naquela manhã de sábado e resolveu dar uma volta pelo Orfanato. Talvez Snape estivesse por ali. Ele andava muito misterioso e era quase impossível encontrá-lo, já que ele parecia preferir ficar confinado na sede da tal Ordem. Das vezes em que haviam se encontrado, ele não conseguira arrancar muita coisa do ex-professor. Tinha dúvidas de que Snape confiava realmente nele.

Saiu andando pelos corredores vazios deixando que os pés o guiassem até a sala da administração. Não tinha nenhuma intenção de dar de cara com Sarah, mas era lá que Snape estaria se estivesse na casa. Bateu na porta, mas não teve resposta. Rodou por quase todas as salas e corredores e não encontrou viva alma, o lugar inteiro parecia dormir ainda. Bufou tentando controlar o tédio e pensando no que faria. Voltou seus passos novamente em direção ao seu quarto, mas não andou mais que um meio corredor.

Um desejo louco se desenhou no seu cérebro. E se ele desse uma volta na rua? Não demoraria. Ninguém ficaria sabendo para desconfiar que ele tivesse feito alguma coisa e também não havia como suspeitar que ele estivesse justamente ali. Olhou para os lados como que para certificar-se de que ninguém o veria. Depois com passos largos, quase correndo, se dirigiu para a porta da frente. Pela primeira vez em toda a sua estadia agradeceu as trouxisses da Laurent. Ele não teria conseguido abrir a porta se ela estivesse fechada por magia, pois ainda não recuperara a sua varinha que Snape o tinha obrigado a entregar para o tal Shacklebolt. Para sua felicidade tudo que havia ali eram fechaduras e trancas ridiculamente simples. Até onde Draco sabia, apenas a localização do Orfanato tinha alguma proteção mágica, o resto tinha que ser mantido com um mínimo de magia para que os equipamentos trouxas que haviam lá dentro funcionassem.

A chave não ficava na porta, mas sobre uma estante lateral, longe do alcance e das vistas das crianças, mas Draco vira Laurent e mesmo algumas pessoas que trabalhavam no local pegá-la. Sacou-a e ainda cuidando sobre o ombro para que ninguém o visse, saiu para a rua.

Uma lufada de ar fresco lhe encheu o pulmão lhe dando uma sensação indescritível de liberdade. Respirou profundamente e com satisfação. Era quase como ser novamente Draco Malfoy. E, por Mérlin, estava sentindo uma falta tremenda de si mesmo. Com um sorriso satisfeito ergueu a cabeça e começou a andar pela calçada. Havia poucas pessoas na rua e algumas o olharam com estranhamento por causa das vestes bruxas. Um velho que passou por ele resmungou algo como: “esses garotos não têm mais o que inventar”. Draco apenas o ignorou. A sensação de não ter paredes a sua volta era indescritivelmente mais importante do que se preocupar com o que os trouxas poderiam pensar em ver um rapaz louro de talhe aristocrático vestido como se tivesse caído de um livro de histórias fantásticas.

Parou na esquina pensando para onde seguiria, mas um movimento logo atrás de si o fez se voltar com a terrível sensação de ter sido descoberto.

– Estava me perguntando – comentou uma voz fria saindo das sombras do prédio que virava a quadra – quanto tempo você agüentaria lá dentro. Mas o Lorde das Trevas nunca erra. Ele disse que você mais cedo ou mais tarde você sairia. E você não decepcionou, nem a marca negra.

– Pai?

Lucius saiu das sombras com um sorriso e Draco não pode evitar um movimento involuntário ao ver o pai por completo.

– Ela lhe avisou exatamente quando eu precisaria de você, não é Draco?

– Como descobriram que eu estava aqui?

– Temos bons informantes. Além disso, Draco, você deve lembrar que o Lorde das Trevas sabe de tudo. Não saberia como entrar no lugar, mas... sabia que você viria até mim. – O sorriso de Lucius se tornou assustador, mesmo para o filho que tão bem o conhecia. – Chegou a hora, filho. Dessa vez vamos vencer e eles nem ao menos saberão o que os atingiu.

– Pai...

– Chegou a hora de provar a quem você é leal, Draco. Mostre que é filho do seu pai e seu mestre o recompensará. Tem a minha palavra.


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* Ver capítulo 24. Natal Branco.

N/A: Bem, quero pedir desculpas, pois a demora, desta vez, foi completamente fora do que eu havia previsto. Vocês sabem que se pudesse eu só faria isso, não é? Quem sabe um dia. Até lá... conto com o carinho e a compreensão de vocês.

A notícia (não sei se boa ou ruim) é que pelas minhas contas é possível que a fic tenha alguns capítulos a mais dos que os 35 que eu tinha previsto. Não há nenhuma modificação na história é apenas um ajuste entre o tempo de narrativa e a solução do mistério. Este capítulo originalmente iria um pouco adiante, mas resolvi que seria melhor postá-lo, pois além dele já estar growpesco, queria dar um tempo para que vcs fizessem teorias, hehehe (isso soou malvado, rsrsrs).

Peço desculpas tb por não fazer as respostas individuais, mas tenho certeza de que vcs compreenderão. Fazê-las significaria um dia a mais para postar o capítulo e também me impediria de começar a escrever o próximo capítulo da Just like Heaven agora (exatamente agora!)

Ainda assim, meu obrigada muito especial a todos os participantes da minha comunidade no orkut, que já tem quase 150 membros, muitos extremamente ativos e que têm me ajudado muito nos meus próximos projetos. A todos uma enorme beijo bem estalado na bochecha.

E tb meu obrigada a todos os que deixam seu comentário aqui. Alguns deixam em todos os capítulos, outros só em alguns, outros talvez tenham desistido de mim, outro, é possível, que nunca tenham dado qualquer indício de que estão aí, quietinhos, acompanhando essa história. Não importa. A todos meu obrigada de coração.


Suzana Barrocas, marcio-api, Sô, beatrice potter, Hellzita, Ginny Weasley Potter, Bruna Perazolo, Nessinha*, Tonks Butterfly, Iris Potter, Henrique Malfoy, Brunaa, Maria Lucinda Carvalho de Oliveira, Ana Carol Murta, Bibia Granger, Pamela Black, [*cris potter*], Rafaela Porto, Regina McGonagall, LiLi Negrão ( Liz), Gina W.Potter, Victor Farias, Sônia Sag, Belzinha, Srtáh Míííhh, Drika Granger, BERNARDO CARDOSO SILVA, Charlotte Ravenclaw, Alessandra Amorim, Andressa, Mayara Potter, Nefer Potter, natinha weasley, Livinha, Priscila Louredo.



O capítulo sai com uma dedicatória especial para um grupo especial de aniversariantes: Natalia (uma das batalhadoras da comu atrás de rostos inspiradores para os personagens das fics), meu amigo Victor Farias (o criador da comu e um grande incentivador), o César e a Darla Von Köper (minha beta amada, idolatrada, salve, salve). Feliz aniversário, gente!!

Até o próximo
Sally












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