Órfão



Capítulo 34




Órfão



As águas geladas do lago engolfaram Andrew numa série de arrepios contínuos, que deslizaram pela sua pele como farpas afiadas, na medida em que encharcavam as suas roupas. No último segundo antes que sua cabeça afundasse, ele lembrou de prender a respiração e fechar os olhos. Mas, como não sabia o que Danna pretendia, também não podia saber se retivera ar suficiente. A menina o mantinha firmemente seguro por sob os braços e se deslocava pelas águas numa velocidade que não podia ser humana. Em nenhum momento, Danna pareceu a Andrew estar sendo afetada quer pelo frio quer pelo peso das roupas encharcadas; enquanto ele próprio tinha certeza de que afundaria como uma pedra pesada, direto até o fundo, caso ela o soltasse.

A essa altura, o ar que Andrew retivera já quase se extinguira por completo, porém, antes que ele fizesse qualquer gesto pedindo ajuda, a garota o impulsionou para cima até ficarem ao rés da água. O ar fresco da manhã entrou abençoado, clareando e descongestionando o peito e a cabeça do menino. A sensação só não foi mais agradável porque os dois continuavam se deslocando na água com enorme rapidez. Andrew tentou dizer alguma coisa para Danna, mas nas duas vezes em que tentou, engoliu grandes quantidades de água. Além disso, logo a menina voltou a pressioná-lo com as mãos, no que ele interpretou como um aviso de que tornariam a afundar. Andrew encheu o peito o mais que pode e logo os dois submergiam mais uma vez.

Por alguns instantes, Andrew ainda tentou abrir os olhos, mas estavam muito rápido e as águas do lago, escuras e frias, o machucavam mais do que permitiam a visão. Acabou por resolver mantê-los fechados, enquanto implorava mentalmente para que Danna soubesse para onde os estava levando e que fosse um lugar seguro. Sentiu suas mãos roçarem em algumas plantas aquáticas de folhas longas que, por vezes, pareceram tentar se enroscar em suas pernas, mas a velocidade de Danna os impediu de ficarem presos. Não pode deixar de pensar que estarem longe de Enos Throop não os deixava exatamente fora de perigo. Pelo menos, não no lago. Podiam ser atacados por grindlows ou qualquer outro bicho hostil que vivesse ali. Mesmo a lula gigante, que às vezes era dócil e outras bastante feroz, poderia não gostar de percebê-los no seu território.

Mais duas vezes, Danna voltou a impulsioná-lo para cima para que ele pudesse respirar e depois o fez submergir. Numa dessas vezes, Andrew teve a impressão de que o silêncio pacífico das águas era rompido por algum som estranho. Contudo, ele ficou mesmo assustado quando sentiu algo imenso se deslocar sob os seus pés e, mesmo com os olhos fechados, teve a impressão de que uma sombra escura parecia querer envolvê-los de forma nada amigável. Danna nadou mais veloz e ele pode sentir que ela também ficou aliviada quando os pés de ambos roçaram no lodo da margem e as cabeças ficaram inteiramente fora da água.

– Você está bem? – perguntou a menina, quase sem fôlego.

– Estou.

Os pés de Andrew tocaram definitivamente o chão e Danna o soltou fazendo-o tatear desajeitadamente em busca de um apoio para se firmar e ficar em pé. Encharcados e trêmulos, os dois praticamente se arrastaram até estarem fora da água e poderem se jogar sobre a relva seca. Rangendo os dentes de frio, Andrew lutava para recuperar o fôlego das inúmeras imersões e por isso achou melhor ficar apenas sentado, tentando respirar normalmente. Danna, no entanto, desabou de borco ao seu lado, os olhos fechados, puxando o ar pela boca entreaberta e muito pálida.

– Tudo bem? – perguntou o garoto, cheio de preocupação.

Ela se limitou a confirmar lentamente com a cabeça e ele achou que ela estivesse somente muito cansada. Andrew olhou em torno para tentar localizar onde estavam. Parecia ser um ponto distante na margem oposta àquela de onde haviam mergulhado. O castelo não estava à vista. Danna os havia levado a uma minúscula praia, espremida entre dois braços de montanha. Atrás deles, a mata densa cobria o que parecia ser uma subida acidentada, embora menos íngreme que as escarpas que os fechavam pelos lados. A Floresta Proibida estava na margem contrária, o que significava que seria muito difícil e demorado chegar ao castelo andando. Andrew fez um inventário pessimista da situação dos dois. Estavam sem as varinhas, Throop certamente os procurava, Danna não parecia capaz de andar quanto mais de nadar e, claro, ele também não ansiava nem um pouco voltar para o lago. As águas revoltas e num cinza chumbo cada vez mais escuro, apesar do céu que clareava, pareciam mais inamistosas do que nunca. E, o mais importante, precisavam avisar o que tinha acontecido. As vidas de Mel, Hector e Josh dependiam disso. A diretora precisava saber quem de fato era o professor Enos Throop.

– Andy... – ofegou Danna.

O menino se voltou ansioso para ela.

– Tem idéia de onde estamos, Danna?

Erguendo-se com esforço nos braços, a garota finalmente abriu os olhos.

– Longe – respondeu cansada. – O que vamos fazer?

Andrew tornou a olhar ao redor buscando desesperadamente por uma saída.

– Eu não tenho idéia. Só sei que temos de dar um jeito de chegar ao castelo o mais rápido possível.

Danna concordou com um aceno de cabeça, enquanto sentava e afastava do rosto os cabelos negros e molhados que se colavam a sua testa e bochechas.

– Se ao menos tivéssemos nossas varinhas – lamentou ela.

– É, eu sei. Você tem condições de nos levar por água? – perguntou mesmo sabendo que a resposta seria negativa.

– Eu até poderia me esforçar, Andy – falou Danna que passara a tremer visivelmente agora e Andrew tinha a impressão, pelo tom da voz dela, que não era de frio. – Talvez, se pudéssemos dar mais um tempo eu até conseguisse...

– Mas... – ele completou percebendo o olhar temeroso dela para o lago.

– Bem, se fosse apenas o cansaço... Mas Andy, o prof. Throop deve estar nos procurando na parte do lago que chega mais próxima ao castelo. E se tentássemos o túnel que sai na sala da... prof. Shadowes, você não agüentaria tanto tempo sob a água. – Andrew concordou baixando a cabeça. – Além do mais, não acho que seja seguro entrar no lago agora...

O garoto olhou-a aturdido.

– Por quê?

– Andy! Você não viu o que eu fiz? – Ela apontou para as águas agitadas e escuras como piche derretido, embora não houvesse vento e o céu estivesse cada vez mais claro. – Olhe como está? Eles sabem! Sabem o que eu fiz! Virão atrás de mim, se eu voltar lá.

Andrew franziu as sobrancelhas sem compreender.

– A garrafa, Andy! – Danna quase gritou. – Estava aí há quase um século. As criaturas do lago, todas elas, sabiam que aquele era um objeto maldito e que não deveria ser tirada de onde estava. Mesmo os seres mais perversos que vivem aí não ousariam mexer ou sequer... – Ela estava cada vez mais descontrolada e isso assustava Andrew ainda mais. Já tinha visto a amiga triste e assustada, mas nunca a tinha visto gritar daquele jeito. – E agora eles sabem que eu... Que fui eu quem...

Ela começou a chorar convulsivamente, o que deixou o menino definitivamente em pânico, pois ele não tinha a menor idéia do que fazer. Arrastou-se no chão até perto dela e, meio sem jeito, deu-lhe uns tapinhas nas costas.

– Calma. Eles sabem que você não teve culpa, que você foi obrigada.

– Sabem como? – perguntou Danna sem parar de soluçar.

Andrew não sabia. Não tinha a menor idéia de como funcionava a cabeça das criaturas do lago e este, afinal, era o departamento de Danna. Na verdade só falara por que achava que era o justo e também que a amiga se sentiria melhor se ouvisse isso.

– Hã... eles devem saber que você não é má.

– Não funciona desse jeito – disse a garota baixinho.

– Você... hã... – a pergunta já rolava há alguns segundos na mente de Andrew – entregou a garrafa verdadeira para o Throop?

Danna ergueu os olhos para ele de um jeito que não deixava dúvidas e quase o fazia se envergonhar de perguntar.

– O que você acha, Andy? Ele m-ma-tou a prof. Shadowes, estava ameaçando matar você e ele ainda está ameaçando os meus irmãos pequenos. Acha que me arriscaria a entregar uma garrafa qualquer? E se ele percebesse? E se ele m-matasse mais alguém... eu...

Ela voltou a soluçar baixinho e Andrew realmente não sabia o que dizer para acalmá-la. Respirou profundamente. Já que não era possível voltarem ao lago, escalar os paredões que os cercavam também estava fora de questão. Além de ser perigoso, seria muito demorado e eles não conseguiriam chegar ao castelo antes de anoitecer e aí, talvez, já fosse tarde demais. Olhou com pena para Danna, mas o fato é que chorar também não adiantaria. Andrew só conseguia ver uma saída para os dois. Provavelmente, ele se complicaria muito, mas tinha certeza de que era a única coisa racional a ser feita. Talvez tivesse de ouvir muitos sermões. Talvez, o pai até o tirasse da escola, como o ameaçara antes dele vir para Hogwarts. Mas era o certo e Andrew decidiu que enfrentaria as conseqüências.

– Danna – chamou – tem uma coisa... que a gente pode fazer.

A menina ergueu os olhos muito vermelhos para ele e a pontinha de esperança que apareceu ali o animou.

– Você lembra que a mãe do Hector é uma metamorfaga? – Ela confirmou com a cabeça. – Bem, ela nasceu assim, sabe? Com essa capacidade. Ela faz isso praticamente sem esforço.

Danna franziu a testa sem entender.

– É uma coisa rara... quero dizer, nascer assim – ele prosseguiu. – Mas têm bruxos que nascem podendo fazer coisas e...

– Andy, você pode ser mais claro?

O garoto começou a esfregar as mãos uma na outra e depois na cabeça, e no rosto e no pescoço como se tivesse sido acometido por um ataque de urticária que lhe tomava partes diferentes do corpo.

– Pois é... eu... Hã...

Os olhos negros de Danna se arregalaram até um tamanho absurdo e o queixo da garota literalmente caiu.

– Você é um metamorfogo?

– Não. Quero dizer, sim. Isto é, mais ou menos. Não exatamente, sabe?

– Acho que eu não sei não.

O menino voltou a encher os pulmões de ar.

– Quando eu tinha uns três anos, eu dei o maior susto nos meus pais. Numa tarde em que eu devia estar no meu quarto, eu simplesmente sumi. Ninguém me achava. A elfa que cuidava de mim queria se matar como castigo. Minha mãe quase precisou amarrá-la para impedi-la. Ficaram todos muito nervosos, até que meu pai percebeu que havia um pássaro estranho que não saia da janela do quarto... e... – ele parou novamente parecendo constrangido e Danna se aproximou um pouco para incentivá-lo a falar. Não adiantou muito. Andrew só achou que o ar que tinha nos pulmões de novo não parecia ser o bastante.

– E... ?

– Ham... – ele limpou a garganta e falou de uma vez só. – Eu sou um animago nato. Nasci com essa capacidade. De início, eu fazia sem perceber até. Foi assim daquela vez. Meus pais acham que aquela foi a primeira vez. Levei um tempo para aprender a controlar. – Ele deu um sorrisinho sem jeito. – Enquanto não consegui, tive grades finas na minha janela. Mamãe morria de medo que eu saísse voando e não soubesse voltar.

Ela levou a mão à boca, com uma expressão ainda chocada e que fazia Andrew se sentir péssimo.

– Por que você nunca contou nada disso para a gente?

– Porque eu prometi. Animagos só podem ser registrados após os N.O.M.S. E casos como o meu são raríssimos. Parece que o último registrado foi no fim do século XVIII de um cara que virava urso sempre que dormia e o caso anterior tinha sido registrado só lá no século XIII. – Ele fez uma careta. – É meio esquisito. E, a minha família é... toda... normal. Quero dizer, somos bruxos, mas do tipo enfadonho, sabe? A minha mãe é um pouco diferente, mas é só ela. Entenda, meu pai é um cara legal, mas ele é todo preocupado com o que podem dizer, porque ele é bem importante no Ministério e tudo mais e também vem de uma família muito antiga. Por isso, quando vim para a escola, meus pais me fizeram prometer que não usaria minhas habilidades. Pelo menos não até ter o registro do Ministério, o que eu só vou poder fazer depois dos N.O.M.S. Meus pais acharam que isso seria mais seguro... Bem, para todo mundo.

Danna ainda o olhava, abismada e era isso, era exatamente esse tipo de olhar que fizera com que Andrew nunca, nos dois anos de escola, sequer pensasse em descumprir a promessa feita para os pais. Sabia que se Hector ou Josh tivessem a mesma capacidade que ele, não se preocupariam em se aparecer para os outros ou em receber olhares como aquele. Mas Andrew não gostava nem um pouco. E estava tão afundado nisso que nem percebeu quando o rosto de Danna se iluminou.

– O que estamos esperando? Vai! – Ela pediu com entusiasmo.

– É – ele concordou se levantando. – Vamos sim. Eu levo você.

– Tem certeza? – perguntou incerta. – Que tipo de pássaro você é?

– Um falcão.

– Um falcão não é um pássaro muito grande.

O menino sorriu de lado.

– Todo o animago tenta se transformar num animal que se confunda com os verdadeiros, mas isso não quer dizer que ele não possa ser maior.

– O quão maior?

– Bem, eu não posso ultrapassar muito o meu próprio tamanho ainda, mas... – um novo ataque de timidez lhe subiu pelo rosto e Andrew se amaldiçoou por ficar corado daquele jeito – eu sou forte o bastante para... ham... carregar você.

Danna piscou algumas vezes e depois sorriu.

– Ok, se você acha.

Ele confirmou com a cabeça e depois lançou um olhar ao redor. O lago continuava ameaçador, mas o dia já estava bem mais claro e era possível ouvir os passarinhos acordando e os sapos que coachavam alto, avisando que estavam se recolhendo para os lugares frescos antes que o sol realmente esquentasse. Danna continuava ao seu lado com o rosto tão cheio de ansiedade que Andrew se questionou se conseguiria se transformar sob tamanha pressão. Estava se referindo ao perigo em que os amigos estavam e ao fato de estarem sendo caçados por um assassino, claro.

Assim, com um grande esforço ele se concentrou tudo o que pode e foi quando as coisas pareceram bem fáceis. Ele se sentia leve. Não havia peso ou roupas molhadas, seus braços pareciam feitos de plumas, ou melhor, de penas. De fato, eles eram de penas. Lustrosas penas castanhas e negras que se alternavam em linhas mais claras e escuras e tudo o que ele sentia era uma enorme vontade, e uma saudade ainda maior, de voar. Parecia que o vento o chamava e tudo o que havia no solo era pequeno e sem graça. Piscou seus olhos de ave e toda a visão do que ele tinha diante de si ficou modificada. Até para ver melhor, ele precisava de distância. Sacolejou a cabeça e agitou a as asas. Todo o resto sumindo da sua mente onde havia um único desejo. Ia voar.

Um toque suave na parte de trás da sua cabeça o fez se virar. A menina. Tinha uma menina. Então a mente de Andrew voltou a despertar dentro da ave. Tinha que tirá-la dali. Ela estava em perigo. E nisso a mente da ave concordou com ele. O falcão gostava tanto de ser livre quanto de escolher entre os humanos de quem queria ser amigo. Ele piou baixo e depois se afastando do carinho da garota, abriu as asas cuidadosamente, o que a fez se afastar e lhe dar espaço. Com um impulso nas garras que tocavam o chão, o falcão se ergueu alto. Se fosse possível traduzir isso em palavras, seria preciso uma mente humana rica em imaginação e vocabulário e talvez, ela tivesse de recorrer a mais de uma língua ao mesmo tempo para conseguir dizer tudo. Mas a mente de Andrew, naquele momento, era mais de falcão do que de menino e voar com as próprias asas não era algo que ele pudesse descrever. Não se pode explicar o que é ser o próprio ar.

O falcão de tamanho inusitado fez um circulo grande no céu e depois virou a trajetória num rasante até onde Danna o observava, encantada. As garras poderosas do animal se abriram e raspando o ombro da garota se aferroaram com firmeza as vestes e com um solavanco, ela se viu arrebatada do solo. Por um instante, Danna tentou olhar para baixo, mas desistiu muito rápido. Na verdade, seu impulso foi fechar os olhos com firmeza enquanto uma parte da sua mente gritava que afinal de contas, focas não voam e ela nunca, nunca devia ter concordado que Andrew a trouxesse com ele. Onde estava com a cabeça? Tudo bem que ela o arrastara para a água, mas ele não precisava devolver o favor. A costura das mangas sob os braços a estava machucando um pouco e também não era nada confortável sentir os pés balançando no nada. Danna arriscou algumas vezes a abrir os olhos. E ela até se sentiu razoavelmente segura enquanto eles sobrevoavam o lago. Ali, ao menos, se caísse, estaria no seu elemento. Mas os momentos em que via apenas campos ou árvores eram muito tensos e ela voltava a fechar os olhos com firmeza e rezar para que sua mãe a protegesse do céu.

Finalmente, o castelo surgiu consideravelmente próximo, pelo que ela pode avaliar por uma fresta das pálpebras, numa das tentativas de saber onde estava. Chegou até a respirar melhor, porém notou que o falcão desceu alguns centímetros em direção ao solo. Andrew estava cansando, dava para sentir. Danna começou a pedir que a mãe o protegesse e o ajudasse também. Sabia que não era certo rezar para os mortos, mas... era a mãe dela e, das outras vezes, ela sempre a tinha ouvido. O pássaro fez uma curva contornando a frente do castelo e indo em direção à torre leste, onde ficava a sala da diretora. Danna podia sentir o esforço de Andrew em manter a altura e a direção com aquele peso, mas a velocidade não era mais a mesma. De repente, ela sentiu outro solavanco e o falcão deu um impulso novamente para cima, bateu as asas com força e depois o vôo pareceu ficar subitamente suave. Era como se caíssem em linha reta. A menina olhou para cima e viu as asas do pássaro muito abertas, apenas planando numa corrente de ar. Isso pareceu facilitar para ele, pois ela sentiu novamente as garras se fechando com vigor nas roupas acima dos seus ombros e as costuras voltando a ficar muito firmes sob os seus braços.

Foi quando achou que era melhor abrir os olhos de vez e tentar encontrar a janela da sala da diretora. É claro, isso não significava olhar para baixo, mas para frente. E Danna se manteve firme nisso. Estavam bem perto das ameias do castelo e logo à frente, a torre leste. As janelas estavam fechadas, assim como as cortinas roxo beterraba que as cobriam. O falcão deixou a corrente de ar e voltou a bater as asas indo em direção à torre. No exato momento em que os dois emparelharam com as esquadrias da janela, as cortinas foram vigorosamente abertas por uma mulher de aspecto severo que segurava uma varinha. Ela se aproximou para olhar a paisagem com a expressão de quem constata de que está tudo no lugar e que agora tinha mais o que fazer; então, se deparou com um falcão enorme que voava em direção a sua janela, trazendo segura pelas garras o que era, inequivocamente, uma aluna de Hogwarts. Minerva McGonagall soube naquele momento que seu coração ainda funcionava perfeitamente bem, obrigada, e que ela provavelmente chegaria aos cento e sessenta anos de idade. Ainda assim, apesar do susto, ela ainda teve presença de espírito para abrir as folhas de vidro da janela.

Ao ver isso, o falcão traçou uma reta e impulsionou as asas, planando até entrar na torre. Nem bem tinha cruzado a soleira, ele largou o peso que carregava e Danna, sem nenhum equilíbrio caiu por cima da diretora, as duas se embolando no chão num emaranhado de capas e vestes longas. O falcão foi parar em cima de uma mesinha lateral, onde fechou finalmente as asas e emitiu um pio fraco e cansado.

– Mérlim todo poderoso! Que diabos...? Srta. O’Brien? – Minerva tentava recobrar a compostura e se desvencilhar de Danna. A menina conseguiu recuperar o equilíbrio e se ergueu ajudando a professora. Esta parecia absolutamente aturdida tentando colocar no lugar o chapéu pontudo. – Como? – Ela olhou para o falcão. – Deus misericordioso! Sr. Bennet? – Ela certamente, como diretora, conhecia a situação de Andrew. – O quê? O senhor havia prometido...

– Não tivemos escolha, professora – disse Danna cujo fôlego não parecia, naquele momento, ser suficiente para dar as explicações necessárias.

A garota se virou para o falcão que agora estava voltando à forma de menino. Um menino pálido e claramente exausto que ela correu para ajudar a descer da mesa e levar até uma das cadeiras que havia na sala. A diretora, embora não tivesse se recobrado totalmente do susto, caminhou rápido para amparar Andrew pelo outro braço e conjurar um taça de vidro transbordante de água.

– Beba isso, Sr. Bennet – ordenou tão logo o menino se acomodou na cadeira e ele nem pensou em desobedecer. Ela acabou conjurando uma segunda taça. – Você também, Srta. O’Brien, beba! – Danna pegou o copo, mas continuou segurando o braço de Andrew com medo que ele caísse da cadeira.

Minerva olhou para os dois e depois fez um terceiro movimento de varinha conjurando uma taça para si mesma, a qual ela pegou e esvaziou em um único gole antes de se voltar para as crianças.

– Vocês podem, por tudo o que é mais sagrado, explicar-se?

Demorou um pouco, os dois estavam cansados e nervosos, mas em alguns minutos eles conseguiram contar tudo. A diretora havia desabado sobre uma cadeira e conjurou mais uns dois copos de água enquanto ouvia a narrativa, os olhos tão abertos que pareciam que iriam saltar dos óculos de lentes quadradas.

– Isso é... – disse finalmente. – Vocês dois têm certeza disso?

O olhar magoado das crianças foi o suficiente como resposta. McGonagall se ergueu com energia da cadeira e conjurou um patrono a quem mandou que chamasse os diretores das casas e desse uma tarefa especial para Hagrid. Depois, ela foi até um instrumento que lembrava um cone preso a uma haste de madeira, fixa sobre um pé também de madeira, e chamou pelo Sr. Filch.

– Dê uma busca em todo o castelo – ordenou. – Quero todos os estudantes no Salão Principal em meia hora e quero o nome de qualquer um que... – deu um suspiro desalentado – por ventura esteja faltando.

Ela voltou a se empertigar e olhou com grande pesar para os dois na sua frente.

– Como uma tragédia como esta pode ocorrer assim? Debaixo dos nossos olhos. – Ela puxou um lencinho e o levou sob os óculos antes de olhar para o quadro de Dumbledore que, como a maioria dos quadros dos outros diretores, estava bem acordado desde a chegada intempestiva de Andrew e Danna. – Oh, eu nunca deveria ter pego este cargo. Não tenho competência para isso, obviamente.

– Não diga bobagens, Minerva – recriminou ele com carinho.

– Você não vê? Isso jamais teria acontecido com você aqui, Alvo.

– Está de novo dizendo tolices, minha cara. Coisas tão terríveis quanto aconteceram exatamente na minha época, como você deve estar lembrada. Talvez, o emocionante deste cargo – disse ele com paciência – é nos convencer de que não somos infalíveis.

– Três crianças raptadas, uma professora assassinada, dois alunos escapando por um triz da morte... Oh, Alvo! Isso é imperdoável!

Dumbledore parecia preocupado, mas ainda assim não dava mostras de estar disposto a concordar com as tentativas de se culpar da diretora.

– Não seja tão dura consigo mesmo, querida – comentou um bruxa gorda de cabelos cacheados. – Todos tivemos nossos dias ruins.

– Alguns mais – chilreou debochado, Phineus Nigelus.

– Como o diretor que acobertou Erasmus de Salpetrière e a garrafa de Mefistófeles dentro da escola.

A frase de Andrew saiu cansada, mas pareceu chocar a todos. Apenas Alvo Dumbledore olhou para o menino com as sobrancelhas levemente arqueadas e um ar satisfeito. Se tinha uma coisa que sempre apreciara nos alunos da sua casa era a incapacidade de calarem diante de injustiças. Mesmo quando estavam em desvantagem.

– Que tolice sem sentido é essa menino? – reclamou Phineus com os olhos saltando das órbitas.

– Não é uma "tolice"! – Defendeu-se Andrew, enquanto os outros quadros resmungavam tentando entender do que ele falava. – Você era o Diretor da escola e Erasmus de Salpetrière era seu amigo.

– Todos sabem disso, mas eu rompi com ele quando ele se tornou um – o quadro ergueu a voz de um jeito pedante – bruxo das trevas perigoso.

– Mesmo? – Andrew sentiu Danna tocar o seu braço e ele se tomou de mais coragem. – Então como é que o corpo dele foi encontrado perto de Hogwarts?

– Como eu vou saber, fedelho? Sei lá com que ele andou se metendo?

– Ah e o senhor também nunca soube que ele escondeu a garrafa de Mefistófeles no lago Negro? – Questionou o garoto.

– Isso é uma infâmia! – berrou o quadro. – Nunca um estudante se dirigiu a mim com tamanha afronta! Minerva, eu exijo que este menino seja imediatamente expulso desta escola!

McGonagall parecia um pouco mais controlada quanto às suas possíveis culpas e apenas olhou rapidamente para Dumbledore antes de encarar o outro ex-diretor com grande certeza.

– Será mais fácil eu remover o seu quadro daqui, Phineus – falou firme e presenteou Andrew com uma expressão que ele interpretou como aprovação.

Se não fosse uma pintura a óleo, o antepassado dos Black provavelmente estaria púrpura de ira. Ele ergueu o queixo cheio de rancor e saiu da moldura desaparecendo das vistas dos outros, que a essa altura já davam razão à atual diretora em altos brados.

– Ele nunca prestou – disse um bruxo que segurava uma cornucópia, mas que parecia ouvir muito bem.

– Eu sempre desconfiei disso – resmungou um outro, cujos cabelos cresciam apenas num estreito espaço acima das orelhas e num laranja muito vivo. – Lendas! Pois sim. Era o que ele dizia. Que eram lendas. Se eu tivesse tido mais tempo aqui, teria feito uma grande investigação quando o substituí.

A discussão prosseguiu por alguns minutos até que alguém bateu energicamente à porta e a abriu. Madame Pomfrey entrou com aquela cara de onde está o meu doente, mas não precisou perguntar. Ela apenas colocou os olhos em cima de Andrew e traçou uma linha reta até o menino afastando Danna com a mão enquanto examinava o fundo dos olhos e tomava seu pulso.

– O que aconteceu Minerva? Por Mérlin – ela passou a olhar Danna também com atenção puxando a pele sob os olhos da menina – essas crianças parecem exaustas.

– Uma tragédia, Papoula. Uma tragédia.

A porta tornou a se abrir e entraram por ela a prof. Sprout e o prof. Flitwick.

– Então? – Ela perguntou aos dois que trocaram um olhar desolado. A prof. Sprout puxou um lenço encardido de sob a manga e enxugou os olhos.

– Nem rastro dele, Minerva. Falei com os irmãos, mas nenhum dos dois viu Joshua desde ontem à noite. Estão em pânico e eu tive de pedir que os colegas não os deixassem sozinhos para que eles não fossem se arriscar a procurar.

– Joshua Shacklebolt? – perguntou Madame Pomfrey.

– Mel Warmilling também – asseverou o prof. Flitwick. – Não há nem sinal dela na torre da Corvinal.

– Duas crianças desaparecidas? – A enfermeira levou a mão ao coração horrorizada.

– Três – respondeu a diretora. – Hector Lupin, ao que tudo indica, também
foi levado.

– Sumiu alguém da Sonserina? – Madame Pomfrey não escondia o choque.

Minerva deu uma fungadinha, mas antes que pudesse responder a porta se abriu uma terceira vez e Hagrid entrou por ela. O grandalhão nem disfarçava o quanto estava abalado.

– Eu... – ele pigarreou para limpar a voz embargada – eu a encontrei prof. McGonagall. Estava na margem do rio. Coitadinha... – limpou o nariz na manga da camisa. – Ela não merecia isso. Já a trouxe para cá.

Os outros três olharam para a diretora sem entender.

– Não sumiu nenhum aluno da Sonserina, Papoula. Mas Medéia... Ela foi assassinada.

Flitwick deu um soluço, enquanto a prof. Sprout arregalava os olhos, absolutamente perplexa, e Madame Pomfrey soltava uma interjeição não muito educada. Depois, se controlando, perguntou objetivamente.

– Mas quem? Quem faria uma barbaridade dessas?

– Enos – retorquiu Minerva num fio de voz.

– Throop? – chocou-se Sprout.

– O quê? – questionou Hagrid.

– Você deve estar enganada, Minerva – assegurou Flitwick.

– Eu bem que gostaria, Filio. Mas essas duas crianças corajosas aqui, não apenas testemunharam o assassinato como também escaparam por um triz de ter o mesmo fim perverso.

Madame Pomfrey arregalou os olhos e voltou a examinar Andrew e Danna com redobrada atenção. Por fim enfiou a mão no avental e tirou um pedaço grande de chocolate, que ela partiu em dois, e praticamente enfiou na boca de cada um. Mas, apesar da energia, sua voz foi muito carinhosa quando falou.

– Comam, vocês se sentirão melhor depois. Minerva, nesse caso, acho que eles precisam de mais do que chocolate. Eu vou levá-los para a enfermaria e por os dois para dormirem um pouco. Deus sabe o trauma que uma experiência dessas pode produzir.

– Sem dúvida, Papoula – interferiu o professor Dumbledore – mas antes de entregá-los aos seus cuidados, acho que eles precisam dar o seu testemunho mais uma vez. Para os pais dos amigos que foram levados. Não concorda, Minerva?

– Os pais – ela falou levando a mão a cabeça. – Sim, tenho que avisar os parentes das crianças desaparecidas. Claro.

– Chame o Harry também – pediu Dumbledore com suavidade.

– Claro, Potter. Claro, ele tem que saber. Eu vou...

– Quer que eu mande uma coruja para ele, diretora? – ofereceu-se Hagrid.

– Não Hagrid – agradeceu Minerva. – Levaria tempo demais. Eu acho que... – ela olhou para a lareira – vou abrir a lareira e tentar falar com a casa dele.

– Eu tentaria a sede da Ordem – aconselhou Dumbledore.

Outra pessoa teria questionado o porquê, mas Minerva simplesmente acatou. Pouco mais de meia hora depois o clima da sala era ainda pior. Em um canto, Tonks chorava baixinho agarrada ao casaco de Lupin que, há muito tempo, não parecia tão envelhecido. Quim Shacklebolt ocupava quase uma parede, próximo à porta, e tinha um olhar vazio. Carlinhos tinha vindo sozinho, por pedido expresso de McGonagall. Ela não queria que Ana passasse mal ao saber da sobrinha e preferiu que o rapaz tomasse contato com tudo antes. Ele estava em pé, atrás da mesa da diretora e ainda não tivera coragem de retirar a mão que sustentava o próprio queixo. Junto à janela, Harry, Rony e Hermione falavam baixo e rápido tentando organizar o que fariam a seguir. Os três haviam recebido o chamado de McGonagall tão logo Gina tinha saído para ir pegar Dobby e os gêmeos na Toca e depois ir para casa. Portanto, eles nem a tinham avisado de que viriam para Hogwarts. Mas depois de tudo o que Danna e Andrew contaram, Harry achava que tinha sido melhor assim. Ela já tinha saído bem nervosa do Largo Grimmauld e também não podia esquecer que o Sr. e a Sra. Weasley ficariam muito abalados, era melhor entrar em contato com eles apenas quando tivessem algumas respostas. O importante era determinar onde buscá-las. Os três foram finalmente interrompidos quando Madame Ponfrey alteou a voz.

– Minerva – ela continuava ali, firmemente plantada ao lado dos seus “pacientes”. Os diretores das casas tinham descido para acalmarem os alunos já reunidos, por segurança, no Salão Principal. – Será que eu posso agora levar estas crianças para descansarem?

Havia uma pontada de exasperação no pedido e McGonagall ergueu a sobrancelha registrando o mau humor da amiga. Ela não gostava nem um pouco que abusassem das pessoas sob seus cuidados. A diretora se voltou para os três jovens próximos à janela.

– Vocês ainda querem perguntar alguma coisa para os dois?

– Não, professora – Hermione se adiantou com uma expressão que Harry qualificou de maternal. – Acho que eles devem ir mesmo com Madame Ponfrey. – Ela olhou para as crianças sorrindo. – Vocês dois foram muito corajosos e nós estamos em dívida com vocês.

O garoto olhou confuso para Hermione. As palavras dela não pareciam tê-lo convencido.

– Desculpe Sra. Weasley, mas eu não entendi. Nós só fizemos desobedecer vocês. Escondemos coisas importantes e isso acabou colocando muito gente em perigo! Nossos amigos estão desaparecidos e nem a tal garrafa a gente conseguiu impedir os Comensais de pegarem. Eu esperava que vocês dissessem que iam nos expulsar, isso sim.

Ele parecia muito convicto da severidade com que deviam ser tratados e Harry não pode deixar de admirar o menino. Ele, na mesma situação – e Harry passara por "algumas" situações do gênero – estaria tão apavorado que agradeceria palavras como as de Hermione. E se Rony e Mione estivessem com ele, nem um dos dois teria coragem de falar aquilo na frente dos adultos. Sairiam bem quietinhos e fariam tudo para que não lembrassem mais que eles tinham estado por ali.

– Você quer ser expulso? – perguntou cruzando os braços na frente do corpo. No fundo estava achando graça do menino.

– NÃO! – Ele respondeu mais que depressa e Harry teve a impressão que ele seria capaz de assumir todas as culpas para livrar a cara dos outros. Notara o quanto Andrew aliviara a parte de Hector (que Harry tinha certeza não ser pequena) em toda aquela confusão. Não podia deixar de admirar o garoto ainda mais. – Mas... mas...

– Então – disse Rony segurando o riso e se aproximando dos dois vindo por trás de Harry – regra de ouro amiguinho: nunca sugira isso. – Baixou a voz num sussurro cúmplice. – Isso dá idéias.

McGonagall fez negativas com a cabeça para o comentário de Rony e arrematou o assunto ao seu estilo.

– Quando todos estiverem em segurança, eu mesma pensarei na punição de vocês. Dos cinco, Sr. Bennet – falou definitiva.

Rony revirou os olhos dramaticamente.

– Viu o que eu disse?

– Não é hora de falar nisso – ralhou Madame Ponfrey. E juntando ação às palavras, ela pegou as duas crianças pelos ombros e começou a se encaminhar para a porta. Danna, no entanto, se libertou e correu de volta para onde estavam os três.

– Sr. Potter?

Harry a olhou com um pouco de surpresa. A menina lhe parecera bem tímida e calada. Tinha deixado o garoto contar quase toda a história até ali.

– Sim, Danna?

– A minha família – ela explicou ansiosa – o professor Throop... ele ameaçou...

Ele entendeu rapidamente a preocupação dela. Os dois haviam falado das ameaças no início do relato que tinha lhes feito naquela manhã.

– Mandaremos Aurores até eles. Imediatamente. E os manteremos em segurança. Tem a minha palavra, Danna – prometeu.

A menina deu um suspiro agradecido e correu para junto de Madame Ponfrey e Andrew. Harry a seguiu com os olhos e encontrou os do menino.

– Também vamos providenciar para que Aurores avisem e protejam os seus pais, Andrew.

– Obrigado, Sr. Potter. – Aí ele pareceu lembrar-se de algo mais. – Vocês não vão contar a eles sobre eu...?

– Seu pai ficará orgulhoso – atalhou a diretora. – Tenho certeza.

– E se ele não ficar, eu mesma terei uma conversinha com ele – garantiu a enfermeira, fazendo com que novamente os dois se virassem para sair.

No que ela abriu a porta para que passassem, os sorrisos que pretendiam garantir que tudo ia ficar bem sumiram rapidamente e as conversas dos adultos recomeçaram. Harry se virou com urgência para Rony e Hermione.

– Pode ser que eles ainda estejam nos terrenos do castelo, vou até em casa buscar o Mapa e vocês...

– NÃO!

Os adultos se viraram surpresos para a porta. Danna e Andrew ainda estavam ali. Eram eles que tinham gritado e mantinham os olhos muito arregalados. Algo viscoso se enroscou no estômago de Harry. Bem, que ele achara que havia alguns pontos bem escuros na história que os dois haviam contado. Andrew parecera muito preocupado em não deixar sua turma culpada demais e Danna não o desdissera.

– O que é “não”? – perguntou e os dois trocaram um olhar aflito.

– É que... bem... – o menino parecia muito desconfortável, mas Harry achou que não dava para bancar o cara legal no momento.

– Andrew, você sabe que seus amigos correm risco de vida! Não é hora de esconder NADA da gente. Tem alguma coisa que você não contou?

Andrew estava pálido quando confirmou.

– O Mapa... ele não está na sua casa.

– Você sabe de que mapa o Harry está falando? – questionou Hermione.

– Aham... É o Mapa do Maroto. Ele não está mais com o senhor. – O menino olhou para Lupin, ainda sentado no fundo da sala amparando Tonks, mas bem atento ao que ele falava, quase adivinhando. – O Hector o pegou no Natal.

– O quê? – a pergunta partiu de várias bocas ao mesmo tempo e Andrew se encolheu.

– Ele disse que era... hum... a herança dele, sabe? Por ser...

– O último dos marotos – completou Rony desalentado. – Mas como? Como ele colocou as mãos no Mapa?

– Fred e Jorge – respondeu Harry chamando a si mesmo de burro e tapado. Devia ter desconfiado. Os dois tinham pedido para ir até a casa dele no Natal e não haviam deixado nenhuma brincadeirinha, como era de costume, nada mesmo. Harry até tinha comentado com Gina que eles poderiam estar amadurecendo. Ela tinha rido da hipótese.

– Ahh meu Deus! – lamentou Hermione.

– Nos desculpem – pediu o garoto.

– Onde está o Mapa agora?

A pergunta veio de Lupin que parecia sofrer de uma culpa ainda maior do que Harry, que ainda se xingava por não ter dado por falta do pergaminho.
– O professor Throop ficou com ele quando pegou o Hector.

Hermione levou as mãos à boca chocada encobrindo um barulho como se engolisse um grito. Rony e Carlinhos soltaram sonoros palavrões que fizeram com que duas ex-diretoras dessem gritinhos contrariados e pelo menos outros três quadros os mandassem lavar as bocas com sabão.

– Que mapa é esse? – quis saber McGonagall.

– É uma longa história, Minerva – explicou Lupin. – Daquelas em que a gente aprende o quão idiota e temerário foi quando jovem.

– Se eu vir esse pergaminho novamente – anunciou Hermione recuperando a voz – eu o queimo antes que o Sirius entre na escola. Ah se queimo!

Um antigo Harry, aquele que tivera o Mapa do Maroto como seu maior tesouro, poderia ter estranhado a fala de Hermione. Ainda mais vinda dela, que tantas vezes o fizera recorrer ao mapa. Mas a idéia de Sirius ou Lyan e Joanne se arriscarem por terem aquilo nas mãos mexeu com algo, que ele só vinha conhecendo realmente nos últimos meses, e esse Harry apoiou cada palavra dita pela amiga. Não precisou nem olhar para Lupin para saber o quanto ele, agora, recriminava a si mesmo por ter permitido que Harry ficasse com o pergaminho há tantos anos atrás. Ele devia estar sentindo exatamente o mesmo pavor que Harry, Rony e Hermione.

Andrew ainda se desculpou mais algumas vezes e Danna também, mas finalmente, Madame Ponfrey conseguiu levar os dois dali.

– E essa agora? O que vamos fazer? – perguntou Rony muito nervoso.

– Não vai adiantar ficar lamentando – Harry sabia que cada minuto perdido poderia ser crucial. – Vou cumprir as promessas que fiz a esses dois. Depois, nós vamos encontrar Hector, Mel e Josh. E assim que eu puder, eu vou ter uma conversinha com Jorge e Fred.

– Se está pensando em dar uma surra nos dois, já tem ajuda – falou Carlinhos em tom de quem não estava brincando.

– Minha também – concordou Rony muito sério. – Deixem a mamãe saber disso. Aqueles dois vão ficar sem sentar por um ano. Não importa a idade que tenham.

Quim finalmente se mexeu da parede em que estivera escorado. Estava muito abalado e a voz, normalmente forte, saiu esquisita e molhada.

– Bem, eu vou entrar em contato com o quartel-general e mandar homens até a casa dos Bennet e também para proteger os O’Brien. Potter e Weasley, vocês podem começar a organizar as buscas com os Aurores que estavam na segurança do castelo e em Hogsmead. Eu... também vou falar com Otwani e Magdelaine. Hã... Minerva, você se incomodaria se eu os mandasse para casa? Para ficarem com a mãe.

– De maneira alguma, Quim – respondeu a diretora bondosamente. – Eu vou descer com você. Tenho que dizer alguma coisa para os alunos que estão no Salão Principal. Deus sabe o que vou poder dizer! – Falou abatida e cansada. – Potter, use a minha sala e a lareira para o que precisarem, sim?

– Obrigado, professora.

Os dois nem bem tinham saído e Tonks se ergueu resoluta da cadeira em que estava limpando as faces molhadas com raiva.

– Eu não vou ficar sentada aqui enquanto o meu menino corre perigo. Eu vou atrás dele e quando eu botar as mãos no safado que o levou, ele vai se arrepender de ter nascido!

– Tonks... – tentou Lupin.

– Estou só fazendo o meu trabalho, Remo. E você devia voltar para a sede da Ordem e fazer o seu também. Precisamos de informações. Temos de saber quando e onde eles podem tentar...

A voz dela falhou no fim e Remo a abraçou.

– Ela está certa – concordou Hermione.

– Você tem toda a razão, querida. Nós vamos encontrá-los. Pode ter certeza. Vamos sim – garantiu Lupin.

Todos ficaram em silêncio por alguns momentos. Harry acreditou que cada um estivesse, como ele, organizando os pensamentos e juntando forças para enfrentar o que parecia estar por vir. Tempos difíceis? Tinha a impressão de que ainda não tinha nem passado por tempos difíceis na vida. Não como os que ameaçavam vir. Por que é que o que está na frente parece sempre bem pior do que o que está atrás?

A porta da sala abriu e Hagrid entrou por ela. Tinha os olhos vermelhos e fungava de vez em quando.

– A professora McGonagall disse que eu podia vir ajudar vocês. O que é que a gente vai fazer, Harry?

Ele mal tinha aberto a boca para responder ao amigo e uma luz verde vinda da lareira o fez se virar. A cabeça de Snape flutuava ali com os lábios crispados.

– Tenho más notícias, Potter. Digo, mais más notícias.

O coração de Harry subiu para a garganta e começou a latejar nas têmporas.

– Hoje é o dia – resmungou Rony, com sarcasmo, revirando os olhos.

– O que houve, Snape? – Harry respirou fundo antes de perguntar.

– Parece que os Comensais já têm as sete crianças.

– O que quer dizer com isso? – Hermione se colara em Harry pegando convulsivamente no seu braço.

Snape mexeu a boca, contrafeito.

– Atacaram a casa de Jorge Weasley. Os três meninos foram levados.

Harry segurou Hermione rápido, porque ela amoleceu as pernas e quase caiu no chão. Em menos de um segundo, Rony estava do outro lado dela, amparando-a também.

– NÃO! – Negou o amigo com violência e pânico na voz, parecendo pronto para saltar no pescoço de Snape, se pudesse. – Você... você não sabe o que está falando!

– Eu sinto muito, Weasley – Snape não se abalou com o tom claro de ameaça de Rony. – Mas pelo menos, seu irmão e cunhada saíram apenas com uns arranhões. Eles não quiseram matá-los, pelo que se pode avaliar.

– Quando foi isso, Snape? – Harry já tinha abandonado Hermione nos braços de Rony.

– Há mais ou menos meia-hora.

– Meu Deus! – Disse Lupin, incrédulo. – Então, eles já têm seis crianças.

– Sete – retificou Snape. – A menina. A filha de Gui Weasley também foi levada. Estavam apenas ela e a mãe em casa. Os Comensais foram bem mais duros com a cunhada de vocês. Ela foi levada para o St. Mungus e ainda não sabemos o quê...

Harry parou de ouvir aí. Uma espécie de zunido alto começou a tocar dentro dos ouvidos dele. Teve a impressão bem clara de ter começado a olhar tudo de fora, quase estranho a cena. Hermione, tão abalada e pálida, que era quase inacreditável que estivesse com os olhos abertos. Rony com uma expressão de dor e desespero que ele tinha certeza de jamais ter visto. Seu próprio peito perecia rasgar-se de cima a baixo para uma estaca aguda entrar lá e remexer com selvageria cada pedaço de carne dentro dele. Amava aqueles pequenos. Amigos, sobrinhos, afilhado. Todos importantes para ele. Todos, de alguma forma, sua família. O garoto Bennet falara que Throop tinha comentando sobre uma vingança de Bellatrix. Como ele pudera não se dar conta naquela hora? Era o que ela queria. Vê-lo desesperado, ver a todos eles desesperados. Todos os que tinham lutado contra Voldemort. Apostaria qualquer coisa de que era por isso que Jorge e Alicia não haviam sido mortos. Bella queria sofrimento e agonia. E ela conseguira. Não ia parar. Todo o jogo orquestrado no último ano estava em movimento e, como no passado, Harry estava em desvantagem. Em total desvantagem.

O zunido se intensificou. Alguém tentava lhe dizer alguma coisa, mas ele não ouvia. Sentiu o corpo se mexendo sem que ele realmente ordenasse. Era como se assistisse e atuasse ao mesmo tempo. E ele viu o homem de cabelos arrepiados, óculos redondos, muito parecido com o seu pai, se virar em direção à porta e começar a sair em passos largos da sala. Teve a vaga sensação de que o chamavam, mas não identificou nada sob o ruído. Desceu as escadas em espiral aos pulos, sentindo as orelhas vibrarem. Seguiu desabalado pelo corredor. Mesmo fora do corpo, ele sabia que o zunido estava ali por um motivo. O claro motivo de não deixá-lo formalizar em pensamento a sensação de náusea na boca do estômago, o desespero, o terror que havia tomado conta de suas entranhas de tal jeito, que a única forma de não cair ali mesmo e vomitar era continuar correndo. Manter-se concentrado no ruído, sem pensar e correndo o mais que suas pernas pudessem.

Seguiu para baixo por todos os atalhos que conhecia até desembocar no saguão de entrada e sair pelas imensas portas duplas para os jardins do castelo. Poderia ter usado a lareira? Não. O cara do lado de fora da sua cabeça mandou o outro ficar quieto. A lareira talvez não funcionasse. Por quê? CALA A BOCA!

Atravessou os terrenos como se tivesse asas nos pés. Talvez tivesse. Mas ele não conferiu. Apenas correu. E quando achou que seu pulmão sairia pela boca, ele fechou a boca e correu ainda mais. Nem bem saíra pelos portões ladeados pelos imensos javalis de pedra e ele chegou a derrapar para conseguir parar. Não ligou para a dor lancinante no lado do corpo. Aquela dor não era nada. Puxou a varinha das vestes e num movimento amplo e girou. A sensação de ser espremido por um cano há muito não lhe parecia tão cheia de agonia, e mesmo quando ela passou, Harry manteve os olhos fechados. Os pés fincaram-se finalmente sobre o chão, mas este fez um barulho esquisito. Como algo que se quebra. Virou a cabeça para o solo e só então arriscou olhar. Era vidro. O gramado estava coberto de cacos de vidros, que pareciam terem sido arremessados de longe.

A sensação seguinte foi de um horrível cheiro de queimado. Harry estava de costas para a casa, mas sabia exatamente o que ia ver quando se voltasse, por mais que seu coração implorasse para que ele estivesse enganado. Fazia muito, muito tempo que ele não chorava, mas as lágrimas vieram silenciosas e começaram a sair sem esforço antes mesmo que ele confirmasse com os olhos o que todos os outros sentidos lhe diziam.

Não saberia dizer quanto ficou ali, até que finalmente se voltou e sentiu o coração parar definitivamente de bater e o zunido ser substituído pelo silêncio mais insuportável que ele já ouvira em toda a sua vida. Tinha certeza: tinha morrido ali. Numa casa branca, a sua casa, a sua linda casa com Gina, totalmente destruída, fumegando em pontos onde o fogo mágico queimara apenas para que nada ficasse em pé. Os gritos que ele teria dado ficaram presos na garganta. Mortos não gritam. E o homem caído de joelhos, chorando como um menino sozinho, era só uma casca, de quem tinham acabado de tirar tudo.






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N/A: Sinto pela nota curta, mas infelizmente é isso ou demoraria muito para postar. Agradeço de coração a todos que têm lido esta fic. Seja os que acompanham desde o começo, os que pegaram no meio, os que estão chegando agora ou só a lerão depois que eu colocar FIM. Aos que comentam sempre, aos que comentam às vezes, aos que comentam sempre que podem, aos que comentaram uma única vez e aos que não comentam nunca: MUITO OBRIGADA. Tem sido um prazer escrever para vocês, poucas coisas me fazem tão feliz.

Aos que comentaram este último capítulo, meu carinho e gratidão:
Tuca Potter (obrigada), Bruna Perazolo, Luisa Lima (Poe? Tá brincando? Endoidei rsrs), Maria Lucinda Carvalho de Oliveira, Gessy Silva (valeu!), Mayana Sodré, Drika Granger, Bernardo Cardoso Silva, Vanessa *Weasley* Potter, Alessandra Amorin, Suzana Barrocas (quem agradece sou eu), Grazi DSM, Nefer Potter, Victor Farias, Pamela Black, Morgana Black, Regina McGonagall, Charlotte Ravenclaw, Sônia Sag, Gina W. Potter, Tonks Butterfly (anotado para as minhas férias!), Lady Eldar, Ana Carol Murta, Mimi Potter, Srtáh. Míííhh, MárciaM, Lili Negrão (Liz), Gianna, Torcatto (Mateusinho), Henrique Malfoy, Rafaela Porto, Íris Potter, [*cris potter*], Kika, Patrícia Ribeiro, Paty Black, Larissa Manhães, Marcio-api, Hellzita, Beatrice Potter, Sô, Brunaa, Bibia Granger, Belzinha, Andressa, Livinha.



Beijos e até o próximo!
Sally

P.S.: Ahh antes que eu esqueça, maldições imperdoáveis continuam imperdoáveis, segundo a minha última consulta ao Ministério. Não lancem, rsrs


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