Uma conversa franca

Na Inglaterra

Mel acaba de receber uma coruja, é Sandy lhe intimando a almoçar na toca no domingo

Ela pode até imaginar a feição da amiga quando lhe escreveu a carta. É como se a sua voz estivesse em sua cabeça dizendo: poxa vida, agora você não liga mais pra mim

Mel sabe que está em débito com a sua amiga. Nos últimos tempos a sua vida atribulada no hospital faz com que ela tenha menos tempo do que gostaria para si mesma e seus amigos

Finalmente a sua vida está entrando nos eixos e ela está onde sempre deveria estar, no mundo bruxo. O seu mundo, o mundo que ela descobriu quando recebeu aquela carta inusitada e pensou que fosse uma brincadeira de mau gosto de alguma de suas primas

A primeira vez de uma criança nascida trouxa no mundo bruxo é algo que nenhuma delas jamais vai esquecer, a sua primeira impressão foi a de que havia caído em uma das páginas dos livros que ela lia antes de dormir ou de um sonho bom do qual jamais gostaria de acordar e desde o primeiro momento ela teve certeza de que era lá que gostaria de ficar

É por isso que muitas vezes ela se pega pensando como teve a coragem de abdicar do seu mundo quando se casou, quantas vezes ela coçou a mão para fazer uso da sua varinha, mas não o fez por que sabia que isso iria chatear o seu marido. Depois que teve coragem de deixá-lo ela ainda se pergunta como conseguiu aturá-lo por anos

No fundo, ela sabe o motivo. Por incrível que pareça, Mel sempre teve pavor de ficar sozinha. Não aquele pavor que as crianças sentem quando estão sozinhas em casa e ouvem barulhos, mas um medo de não ter uma pessoa para compartilhar a sua vida

Ela não pode negar que ainda sente este medo e que a presença de Sandy em sua vida a ajuda a amenizar seus temores e é por isso que ela se apressa em responder que irá com todo prazer almoçar na toca no domingo

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Na mansão Malfoy

Draco e seu convidado estão no seu escritório particular para degustar um último cálice de licor antes que Snape se retire. Draco pode afirmar sem sombra de dúvida que o jantar foi um sucesso mesmo com seu atraso e o de Hermione

Até agora o loiro não entende como pôde ter simplesmente pegado no sono no trabalho, nunca em sua vida este tipo de coisa ocorreu

Ele vê que o seu ex-professor o encara, embora Draco saiba que seu antigo mestre não iria cometer a indelicadeza de utilizar legitimência, o loiro sabe também que Severo Snape o conhece bem o suficiente para saber que algo o perturba

Então ele começa antes que seu professor o interpele com a sua língua ferina – desculpe o nosso atraso. Hermione deve ter tido alguma emergência no hospital, isso não acontece com tanta frequência hoje em dia, mas quando acontece a minha mulher é incapaz de não atender alguém que está precisando

- Mesmo que isso signifique deixar uma visita esperando? – ele diz de modo ácido

- Sim – Draco encara o professor – mesmo que isso signifique deixar uma visita esperando. Existem prioridades, ela sempre diz, e salvar uma vida é uma delas

- Não esperaria nada diferente vindo de alguém como sua esposa – Snape diz e Draco tenta achar algum tom sarcástico em suas palavras, mas surpreendentemente não há sarcasmo – suponho que o senhor também teve algum problema inadiável em seus negócios o que levou ao atraso

Draco olha para seu convidado. Ele sabe que não seria capaz de mentir para Severo Snape e não se sentiria bem fazendo isso, então ele diz – quem dera que fosse algo assim – ele fica meio sem jeito – eu simplesmente peguei no sono em minha sala. Desculpe professor, isso nunca me aconteceu antes

- Imagino que todo o stress de ficar sem a sua secretária o deve ter afetado – Snape diz para espanto de Draco que nunca imaginou que seu ex-professor pudesse ser tão compreensivo

- O pior é que não – Draco resolve ser sincero mais uma vez – a sobrinha da Elly está dando conta do recado e eu não me sentia tão cansado assim. Eu não sei explicar porque, simplesmente aconteceu

- O senhor está querendo dizer que estava perfeitamente alerta e dormiu sem mais nem menos? – Snape pergunta e seu tom de voz ao contrário do que se esperaria não é irônico, ele poderia ser descrito como intrigado

- Infelizmente foi isso que aconteceu – Draco diz, desconcertado – eu só tenho desculpas a pedir, não posso dar outra explicação, talvez esteja mais cansado que imagino

- É, talvez – Snape concorda e um observador mais atento poderia notar que ele não parece muito convencido disso, mas Draco parece não perceber e continua

- Eu queria também pedir desculpas pela Annie – ele diz – ela é meio, como direi, amigável demais

- Então suponho que ela não me procurou apenas por que a minha pessoa irradia simpatia – ele replica de modo ferino

- Ah, não – Draco diz – é uma coisa dela, sabe. A Annie seria capaz de fazer amizade com um espírito agourento, sem ofensa é claro – Draco rapidamente se corrige – ela é assim desde sempre, desde bebê eu posso dizer. Ia com todo mundo, raramente chorava e nunca deve medo de pessoas mal humoradas – ele se cala ao perceber que talvez tenha falado demais

Snape não fala nada, ele sabe que não chega a ser um espírito agourento, mas definitivamente o seu temperamento poderia ser descrito como o de uma pessoa mal humorada

- Creio que a sua esposa vai ficar contente em saber que pelo menos uma das suas meninas não cairá na sonserina – ele diz e vê que Draco parece meio desconcertado

- Bem, professor – o loiro diz. Ele se orgulha muito de sua caçula, mas isso não é um assunto que ele aborde com facilidade – infelizmente a Annie ainda não manifestou magia, não sei até que ponto isso é normal...

Raramente Severo Snape não tem palavras, mas neste momento ele sinceramente não sabe o que dizer. Ele conhece seu pupilo muito bem para saber que lá no fundo Draco talvez ache que isso aconteceu para castigá-lo por tudo que ele e a sua família fizeram para defender a pureza do sangue

- Vocês já pensaram em levá-la ao médico? – Snape diz na falta de coisa melhor

- A minha esposa é medibruxa, esqueceu? – o loiro responde com um suspiro – e depois, não é como se algo estivesse errado. Eu não sei se você entende, a Annie é doce, inteligente... Eu nunca em minha vida pensei que pudesse dizer isso, mas a magia é só um detalhe. Com magia ou sem magia, ela vai continuar sendo a minha Annie. A minha maior preocupação é como ela ficará se por acaso não for para Hogwarts, como deveremos agir em sua educação – o loiro fala sem mencionar que isso com certeza partiria o coração da sua caçula

- O senhor não deve se precipitar – Snape diz racionalmente – mesmo que na maioria das vezes a magia se manifeste mais cedo, a sua filha ainda é muito nova. E caso isso não aconteça, tenho certeza que a sua esposa saberá o que fazer para que ela tenha a melhor educação possível e como você mesmo disse a magia é só um detalhe – ele se levanta – agora se me permite, eu preciso ir

Draco se levanta – eu vou acompanhá-lo até a porta, eu quero que saiba que gostei muito da sua presença em minha casa e espero que venha mais vezes, eu sei que o senhor é um homem recluso, mas acredite quando eu digo, ninguém deve ficar sozinho o tempo todo

Snape pensa em recusar e definitivamente ficar longe daquela garotinha que conseguiu mesmo sem conhecê-lo ler a sua alma, mas algo dentro dele não deixa que isso aconteça. Sim, ele concorda com seu pupilo, ninguém deve ficar sozinho o tempo todo e é por isso que ele diz – será um prazer, senhor Malfoy, será um prazer

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Enquanto isso, no quarto das meninas

Hermione prepara as filhas para se recolherem. Não que elas precisem de ajuda, mas como Draco está tendo o seu momento com o professor e ela não estava a fim de ficar sozinha, a morena buscou a companhia das meninas e, além de tudo, ela quer mesmo saber o que levou a sua caçula a buscar tal intimidade com o temido professor de poções

- E então, bruxinhas, o que vocês acharam do nosso convidado? – ela não resiste e pergunta

- Pensei que ele fosse mais rabugento – Lizzie diz com a desenvoltura que lhe é peculiar – pelas coisas que falavam dele...

- Lizzie! – Hermione a interrompe, horrorizada só em pensar na sua mais velha soltando algo desta natureza na frente do temido professor de poções – como você fala isso do nosso convidado?

- Eu estou falando agora, mas não falei nada na frente dele – Lizzie rebate – eu me comportei muito bem, mesmo com tudo que o Scott falou sobre ele

- O Scott... – Hermione diz num suspiro, é evidente que Rony deve ter contado muita coisa do tempo em que estava na escola e certamente falou dos professores, dos que ele gostava e dos que ele, odiava categoria na qual Severo Snape certamente se incluiu

- Pois é, mãe – a menina continua – o Scott me disse que o pai dele falou que o senhor Snape era terrível na época da escola, mas até que ele não é tão antipático assim, pelo menos não quando está comendo

Hermione suspira. Ela sabe que em algum momento ela também pensou desta forma, mas os anos a fizeram ver que nem tudo na vida é apenas preto ou branco, ninguém é totalmente adorável ou totalmente detestável o tempo todo. No entanto, esta visão é algo que apenas os anos e a maturidade darão a sua filha e que, verdade seja dita, se a sua filha realmente for uma sonserina ela vai perceber isso mais cedo do que imagina

Então ela se vira para a filha mais nova que está estranhamente calada – e você Annie, o que achou do nosso convidado?

Annie olha para a mãe. Ela não gosta de mentir nem omitir, não é do seu feitio, mas ela prometeu a seu novo amigo que seu segredo estaria seguro e se tem algo que a menina sabe fazer é guardar o segredo de alguém. Então ela diz apenas – ele tem umas histórias legais pra contar e não é tão terrível depois que a gente o conhece

Não é tão terrível depois que a gente conhece... Hermione repete mentalmente as palavras com um sorriso, só mesmo a sua pequena para conseguir definir tão bem uma pessoa como o mestre de poções e, além disso, ver o lado bom em todas as pessoas independente de quem sejam. A morena só espera que a sua filha não sofra por causa disso

- Você acha que ele vai voltar? – Annie tira a mãe do devaneio – eu gostei de conversar com ele

Hermione olha para a filha contendo o espanto. Tudo bem que a sua pequena é amigável além da conta, mas ela acha difícil uma criança ter gostado de conversar com alguém tão sisudo quanto o mestre de poções, mesmo esta criança sendo a Annie

- Não sei, Annie, seu pai o tem em muita consideração então provavelmente ele deve ser convidado a retornar. – Resta saber se ele vai aceitar... Ela completa para si mesma em pensamento – agora vamos deitar – ela diz enquanto coloca as filhas na cama – boa noite, bruxinhas

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Enquanto isso, na Bulgária

Igor ajeita o seu casaco enquanto caminha pelos jardins. O menino treme, mas não é pelo frio da madrugada, assim como o bolo em seu estômago não se deve a algo que ele comeu no jantar

Demorou mais do que ele pensava, apenas na hora em que estava quase dormindo, ele foi chamado. Então Igor caminha meio cambaleante até o portão da sua casa esperando que ninguém perceba. Mesmo com o adiantado da hora, o menino tem pavor de pensar que alguém poderia surpreendê-lo e definitivamente Igor não saberia como se explicar

Quase todos os dias ele se pergunta se está fazendo a coisa certa e se pega desejando ardentemente que sim, mesmo sabendo que não tinha nenhuma escolha e ele só deseja que o seu pesadelo acabe e finalmente possa ficar em paz

Ele vê o vulto que o espera do lado de fora do portão. Igor se arrepia ao lembrar-se da fúria que suportou quando lhe disse que não havia arrumado um jeito de colocá-lo para dentro e do medo que sentiu das consequências do seu ato. Igor sabia que não poderia ser ferido fisicamente no momento, mas o menino também sabia que poderia ser ferido de formas piores. Sim, existem coisas piores do que ferimentos físicos

Ele se aproxima o mais rápido que seus pés conseguem levá-lo. Quanto antes acabar com isso melhor. Não que vá trazer algum alento, é claro

O menino se encolhe quando ouve – preparado, moleque? Vai ser neste fim semana. Você sabe muito bem o que fazer

Igor sente a bile subir pela sua garganta. É o que ele mais temia e ele sabe que vai trazer a tona toda a ira deste homem asqueroso, mas ele não tem como não dizer, então o garoto respira fundo e informa – eu não vou estar aqui neste final de semana – ele diz lutando para não gaguejar – meu pai resolveu viajar e me levar

Seu moleque incompetente! – o homem grita e por um momento Igor teme que seu pai acorde o que a seu ver seria uma tragédia sem precedentes – como você pôde fazer isso? Você sabia que estava próximo! Como você deixou?

Igor se encolhe tentando controlar o tremor em suas mãos, isso era tudo que ele não queria que acontecesse – eu não tive culpa – ele diz se esforçando para não gaguejar – meu pai resolveu viajar e disse que eu iria também. Eu falei que não podia ir, mas ele não quer me deixar sozinho, eu disse que não podia perder aula, mas meu pai quer me levar pelo menos no final de semana

O homem o encara com os olhos gélidos – então quer dizer que durante a semana você vai estar sozinho em casa? – ele sorri ao ver o menino confirmar com a cabeça – talvez seja melhor... Vai agora, moleque e não se atreva a falar nada, você sabe muito bem o que pode acontecer

Igor se retira tão rápido quanto as suas pernas trêmulas permitem. Seu coração está descompassado e seu estômago se contorce violentamente. Vai acabar logo. Ele pensa e torce veementemente para que as coisas saiam da melhor forma possível, mas algo lhe diz que as coisas não vão ser tão simples assim...

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NOTA DA AUTORA

Finalmente o capítulo! Eu peço desculpas por não conseguir postar antes, juro que tentei mas mesmo estando de férias e escrevendo diariamente eu tenho mais três fics que estavam mais atrasadas, então dei prioridade a elas

Espero que gostem do capítulo e antes que alguém diga que achou estranho a atitude do Draco pelo fato da Annie ainda não haver manifestado magia, eu vou tentar explicar. Não é que ele não se importe ou não se preocupe, mas sim que isso não é o mais importante pra ele, ele vai continuar amando a filha independente da magia ou não, no entanto isso não significa que ele não vá ficar devastado caso isso aconteça. Lembrando que ela ainda não manifestou magia, isso não signifique que isso não vá acontecer... Ou não! (corre pras colinas)

Bem, por enquanto é só. Desculpem eventuais erros, estarei fora nos próximos dias e tive que correr um pouco com a fic pra postar antes de viajar, então já sabem que os próximo capítulo vai demorar um pouco.

Bjos e até o próximo e espero que deixem uma palavrinha pra mim

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