Novas vizinhas e velhos rancor

Novas vizinhas e velhos rancor



Capítulo V – Novas vizinhas e velhos rancores

No dia seguinte Snape acordou cedo. Ou, ao que pareceu a Harry, não dormiu. O garoto havia acordado pelo menos duas vezes durante a noite e nessas vezes o bruxo estava na mesma posição: de barriga pra cima, os braços cruzados sob o travesseiro, e os olhos abertos, olhando em direção ao céu pela janela aberta. Pela manhã, Snape estava ainda nesta posição quando chamou por Harry.
- Acorde Potter. – sua voz um tom mais alto que o normal, mas ainda sibilante como sempre – Levante-se.
Harry se virou na cama. Olhou o relógio na mesinha de cabeceira, os olhos embaçados pelo sono e pela ausência dos óculos. Esfregou-os e pôde ver melhor.
- São seis da manhã...
- Exatamente. E temos de nos levantar cedo.
- Meus tios ainda devem estar dormindo. – Harry se virou e cobriu a cabeça com a colcha.
- Eu sei. Melhor ainda. Assim vamos evitar ver suas caras feias. – Snape se levantou da cama de armar e puxou as cobertas de Harry.
- Nãããoo. – gemeu baixinho o menino.
- Larga de ser preguiçoso garoto. Temos uma longa caminhada pela frente.
- Pra onde? – falou desanimado esfregando os olhos e procurando os óculos perto do relógio.
- Tenho de ver a Silk. – Snape voltou para a cama de armar e pegou sua mala embaixo dela. Retirou lá de dentro uma muda de roupa limpa, a muda de roupa usada que tinha guardado lá ontem, e um papel pardo e barbante. Pôs as roupas em cima da cama e a mala de volta embaixo.
- Pois a veja sozinho. – Harry voltou a se deitar na cama, virou-se e cobriu a cabeça com o travesseiro.
- Se você pudesse ficar sozinho eu não estaria aqui, não é Potter? – Snape puxou a varinha que estava debaixo do travesseiro e fez com que o colchão de Harry se levantasse e pusesse o menino de pé em frente a ele. O colchão voltou ao seu lugar (estranhamente sem fazer barulho) e Harry balançou no lugar onde estava.
- Ai, droga... – Ainda se arrastando, Harry foi procurar uma roupa no armário.
- Pára de reclamar moleque. – Snape fazia um pacote com o papel pardo e o barbante em torno de sua roupa usada.
Quando Harry saiu de dentro do armário com sua roupa limpa Snape estava despindo a sua. O pacote pardo perfeitamente embrulhado ao seu lado.
- O que você está fazendo? – Harry estancou, as roupas pendendo frouxamente de suas mãos.
- Trocando de roupa oras. Você também devia se trocar aqui. Quero fazer o menos de barulho possível. Não pretendo acordar seus tios. – Snape, que já estava sem camisa, acabou de tirar a calça do pijama. – O que há demais Potter?
- Eu... Eu não pensei que...
- Ora não seja infantil, garoto. Somos dois homens adultos, ou espero que você seja. Não há nada demais em um trocar de roupa na frente do outro.
Harry olhava para o seu professor de poções que estava usando somente uma cueca (que mais parecia um pequeno short) preta. Primeiro Snape de pijamas e agora isso? Definitivamente Harry veria nessas férias muitas coisas que nunca tinha imaginado.
O menino então se atentou para o corpo do bruxo. Nunca imaginou que ele pudesse ser tão forte como era. Não era extremamente musculoso. Mas era bem forte. E tinha muitas cicatrizes. Uma grande na perna que aparentava que alguém a havia lacerado (Harry se lembrou de Fofo em seu primeiro ano, que havia mordido Snape quando este tentava deter Quirrel), muitas no tórax e no abdômen, algumas que pareciam queimaduras, outras que lembravam cicatrizes de feridas provocadas por lâminas ou chicotes (que Harry imaginou terem sido provocadas por feitiços, os quais ele não queria imaginar). O garoto então se deteve no braço esquerdo de Snape. Como se tivesse vida, o crânio com uma cobra saindo da boca se destacava tão negro quanto se pode ser na pele muito branca do professor. Marcada a fogo, a tatuagem de comensal do bruxo dava arrepios em Harry. Ainda que não tenha sido a primeira vez que a tenha visto.
- Potter, tudo bem que eu disse que não há nada demais se nos trocarmos um na frente do outro, mas se você continuar me olhando eu vou mudar de idéia... - Ainda sentado na cama Snape vestiu a calça limpa depois ficou de pé, fechou o zíper e a abotoou. – Isso pega mal sabia? – Harry pareceu despertar.
- Não é nada disso que o senhor está pensando – disse Harry contrariado e envergonhado ao mesmo tempo, despindo a própria roupa.
- Acho bom. – Snape vestiu uma camisa social azul marinho. – Odeio essas roupas trouxas. – disse ajeitando a gola da blusa, enquanto Harry vestia um jeans – São estranhas, fico desconfortável…
Snape calçou seus sapatos e vestiu o sobretudo preto que tinha usado no dia anterior. Harry pôs um moletom e tênis. Pouco importava se parecesse desleixado. Estava saindo por livre e espontânea coação mesmo.
Snape arrumou as camas com magia, pois disse que não podia perder tempo e, logo depois, os dois desceram silenciosamente e quando chegaram à porta da frente Harry se deu conta de que estava faltando alguma coisa.
- Como vai abrir a porta? – sussurrou – Minha tia vai ter um treco se descobrir que a porta dela foi arrombada com magia!
Snape tirou uma chave impecavelmente limpa de dentro do bolso do sobretudo, e a balançou na frente do rosto do menino.
- Livre acesso à porta da frente. Cortesia da sua tia. Achou que eu merecia este gesto de confiança. – Ele sorriu e abriu a porta. Harry saiu, Snape saiu depois segurando o pacotinho com suas roupas usadas e trancou a porta de novo.
- Merecia? Eu nunca tive chave de nenhuma porta da casa! Nem da dos fundos!
O bruxo deu de ombros, como quem diz: “fazer o quê?”.
- Eu estava pensando, enquanto descíamos, na cena que passamos em seu quarto. –falou Snape andando pela rua deserta com Harry – Sabe, é normal que garotos da sua idade tenham uma namorada, às vezes mais de uma. Você tem uma namorada, Potter?
- Olha só. Eu não sou gay. Se é isso que você quer saber. – disse Harry rispidamente.
- Não. Não é isso que eu quero saber. E tampouco acho que você é gay. – estavam virando uma esquina agora. – O que eu perguntei é se você tem uma namorada, ou um rolo ou algo do gênero. – Snape parecia meio desconfortável com essa conversa, mas não tanto quanto Harry.
- Não, não tenho. Tá satisfeito? – Harry estava ficando vermelho.
- Não me admira que esteja tão rabugento. Sabe, prazer carnal de vez em quando também faz bem para a mente. – Harry pensou que então Snape devia estar há anos sem uma namorada, “ou talvez nunca tenha tido uma” pensou ele “afinal, o que uma mulher veria nele?”, mas afastou esse pensamento de sua cabeça, se o bruxo tivesse acesso à esse pensamento suas férias seriam bem piores do que já estavam sendo. Andavam em direção a uma praça.
- Para sua informação eu já beijei uma menina uma vez tá? – Harry não acreditou que tinha acabado de dizer isso para o professor que mais odiava, mas a raiva não deixou que ele se controlasse.
Snape reprimiu um sorriso.
- Um beijo Potter? – disse olhando para o menino com o dedo indicador levantado – Só um beijo? Quantos anos você tem? Quinze não? A maioria dos outros meninos da sua idade já teve muito mais de um beijo, alguns já passaram da fase do beijo e estão em outra um pouco mais íntima. – zombou e Harry ficou ainda mais vermelho.
- Olha aqui, é tarefa sua, como meu tutor, ficar cuidando de à quantas andam a minha vida emocional?
- Segundo Dumbledore, sim. – Snape revirou os olhos como se essa tarefa o entediasse. Mas não parecia estar mentindo. – Ele teme que a sua fama o afaste das meninas, ou o aproxime de meninas ruins. Quer que eu te ajude a se dar um pouco melhor nesse sentindo. Mesmo que eu não seja o mais indicado para isso.
Harry se surpreendeu, mas respondeu sem hesitar:
- Pois saiba que você não está tendo muito sucesso.
Snape olhou de esguelha para o garoto, mas logo desviou o olhar. Haviam chegado na praça. O bruxo olhou em volta e soltou um assovio alto e longo como o da noite anterior.
- Parece que Silk ainda não chegou. – disse depois de alguns segundos.
- Que ótimo. Além de acordar cedo e ouvir zombaria ainda tenho que sentar e esperar uma coruja que não é minha. – Harry se sentou contrariado num banco duro de pedra. Snape ficou em pé atrás do banco de braços cruzados. Passaram-se alguns instantes em que o único som que foi ouvido foi o das notícias da manhã que alguém ouvia pelo rádio, algo sobre uma adolescente desaparecida há três dias no sul da Escócia. Então um pequeno carro estacionou em frente a uma casa bem perto de onde Harry e Snape estavam.
Harry observou uma mulher muito bonita, de corpo escultural descer do banco do motorista, tinha longos cabelos castanhos e parecia um pouco cansada, com se tivesse feito uma viagem muito longa. Logo após uma garota que aparentava ter mais ou menos a mesma idade de Harry desceu do banco do carona. Tinha cabelos loiros cortados na altura dos ombros e olhos azuis que refletiam a luz clara do Sol da manhã. Parecia ainda mais cansada que a mulher. A mulher usava uma mini-saia jeans, uma blusa branca no estilo cigano, de mangas compridas, e uma bota de couro, de salto alto fino. A menina usava calça jeans, tênis, e uma blusa preta curtinha com jaqueta por cima.
As duas tentavam descer grandes malas que estavam amarradas em cima do carro. A menina se atrapalhou e algumas malas caíram no chão. A mulher a repreendeu baixinho, algumas das frases Harry conseguiu entender, como: “não faz nada direito” e “não pegue as que não consegue carregar”. Ela então avistou Harry e Snape (que também parecia observar a cena), sorriu para a menina e gritou para eles:
- Será que vocês não podiam nos ajudar?
Harry olhou para Snape. Ele começou:
- Potter, eu acho melhor nã... – mas não conseguiu terminar, pois Harry o interrompeu.
- É claro! – gritou Harry para as mulheres andando rapidamente até elas.
- Moleque teimoso. – resmungou Snape seguindo o garoto.
- É que nós nos mudamos hoje para cá. Na verdade a nossa mobília chegou ontem de tardinha, mas nós achamos melhor trazer as roupas e os objetos pequenos hoje. E as malas estão um pouco pesadas. Será que vocês podiam nos ajudar a carregar? – A mulher segurava uma enorme mala marrom com as duas mãos e parecia não estar agüentando com peso dela.
Snape revirou os olhos e disse tirando a mala das mãos dela sem dificuldade.
- Me dá isso aqui. Isso não é trabalho para uma moça.
- Espera aí que eu vou abrir a porta pra você. – ela deu uma corridinha até a porta puxou um molho de chaves do bolso da saia, a abriu e a segurou para que Snape passasse. Quando ele passou por ela (com a mala numa mão e o pacote com suas roupas na outra) sentiu um cheiro bom que parecia de frutas, madeira fresca e flores todos misturados. Ele parou em frente a ela e lhe olhou nos olhos, ela tinha olhos verdes meio acinzentados, pareciam olhos de gato. O bruxo achou que havia algo estranho naqueles olhos, mas não conseguiu identificar o quê. Ela sorriu. Um sorriso muito branco, de dentes muito certinhos.
- Anda logo aí isso aqui tá pesado. – reclamou Harry atrás de Snape, que se moveu para dentro da casa.
- Podem colocar ali do lado do sofá. – disse a mulher ainda segurando a porta.
A mulher saiu, abriu a mala do carro e começou a tirar e carregar para dentro da casa alguma caixas de papelão junto com a filha. Enquanto Snape e Harry carregavam as pesadas malas.
- Então o que vocês viram de bom em Surrey? – perguntou Harry fazendo força para carregar uma mala enorme. “O quê elas carregam aqui?” Pensou, “roupas de chumbo?”.
- Na verdade, - disse a menina sorrindo – Eu e mamãe morávamos aqui antes, mas saímos porque...
- Por causa do meu ex-marido – completou a mulher carregando mais uma caixa – Ele era ciumento e possessivo demais, e era violento... Mesmo depois do divórcio ele continuou a me vigiar, e me ameaçava... – ela pareceu um pouco triste ao se lembrar do passado doloroso – A minha vida e a da minha filha estava virando um inferno... Então eu fui para a casa de uns parentes que eu tenho na Irlanda. Fui para fugir dele. Mas agora já se passaram seis anos... Não acredito que ele venha atrás da gente de novo. Eu precisava voltar para cá. Gosto daqui. Não podia deixar que um fantasma destruísse a minha vida... – Os olhos dela ficaram marejados de água, ela colocou mais uma caixa no chão e ficou olhando para os próprios pés, pensativa. A menina colocou sua caixa no chão também e acarinhou o braço da mãe num gesto de carinho.
Harry olhou para elas com compaixão. Snape repousou a última mala do lado do sofá, e disse num misto de elogio e desconfiança:
- Você não tem cara de que já é mãe de uma adolescente. Ela tem quanto? Quatorze, quinze anos? Não adivinharia que eram mãe e filha se não tivessem dito.
A mulher levantou o rosto e abriu um pequeno sorriso para o homem em sua frente.
- Eu a tive muito cedo. Era muito ingênua. Não posso dizer que fui enganada, que não sabia o que estava fazendo, ou que me arrependo de ter tido a minha filha. Mas digo com toda a convicção de que foi ingenuidade, posso não ter sido enganada, mas em parte fui iludida. Acreditei e me deixei levar. – Snape tentou olhar novamente dentro de seus olhos, mas ela desviou o olhar para a filha – Ora, querida, como somos mal-educadas. Nem nos apresentamos para os bons moços que nos ajudaram. – Ela sorriu novamente e estendeu a mão para Snape. – Sofia Sages. E a minha filha, Tiffani McCallister.
- Severus Snape. – respondeu apertando a mão da mulher, a mão dela parecia quente.
- Harry Potter – disse Harry a cumprimentando também. – Por que sobrenomes diferentes? – perguntou curioso.
- Eu não quis ficar com o sobrenome do meu marido. Então voltei ao meu nome de solteira. Mas a Tiffani ainda é filha dele. Não é certo lhe tirar o nome do pai. Por isso, Tiffani Sages McCallister.
- Mas você disse que seu nome é Harry, Harry Potter. – falou a menina um pouco mais descontraída do que no início. Harry fez com a cabeça que sim. – Eu estudei com você, não se lembra? Estudamos juntos até eu os meus nove anos. Até eu me mudar. Lembra não?
Harry forçou a memória. Pouco se lembrava do tempo de escola antes de Hogwarts. Passara cinco anos tentando esquecer. Mas não quis ser indelicado.
- Acho... Acho que me lembro sim. Lembro-me vagamente.
- Harry, nós temos que ir. – disse Snape.
- Mesmo? – perguntou Harry chateado.
- Você não quer achar a Silk? Harry perdeu sua canária de estimação. – Snape sorriu de uma forma falsamente amistosa para as mulheres. – Anda muito chateado com isso, estou ajudando-o a achar.
Harry lançou um olhar ameaçador ao bruxo, mas disse:
- Tá, tudo bem, então vamos.
- Podem voltar quando quiserem – disse Sofia abrindo a porta para eles. – Eu me ofereceria para ajudar a encontrar o pobre passarinho, mas tenho de tirar todas essas coisas de dentro das malas e caixas.
- Tudo bem. – Falou Harry passando pela porta. Snape passou por ela também, segurando seu pacotinho pardo.
- Se puder venham hoje à tarde. Seria muito legal, podemos conversar bastante. E já devemos ter terminado de guardar tudo. – disse Tiffani segurando a porta.
Harry sorriu para ela.
- Se der eu venho.
A menina sorriu.
- Tchau, Harry.
- Tchau.
Tiffani fechou a porta. Harry seguiu Snape até o centro da praça. Ele parecia meio contrariado.
- O que houve senhor? – Harry sabia muito bem o que havia. Mas queria perturba-lo um pouco.
- Nesses tempos difíceis não devíamos confiar em qualquer um. – Snape olhava ao seu redor. – Você sabe disso.
- Ora, mas a gente não fez nada demais. Só as ajudamos a carregar algumas malas. – Harry sorria pelas costas do professor.
- Ah, é mesmo? – Snape se voltou para Harry – Você vai querer me dizer que não vai aceitar o convite da menina de voltar lá? Talvez hoje?
- Eu estava pensando em aceitar sim. Por que não? – Harry fechou o sorriso, tentando parecer sério.
- Eu sei o que está fazendo, Potter. Está tentando dificultar o meu trabalho, me tirar do sério. Mas saiba que não vai conseguir. – Snape assoviou alto com tinha feito mais cedo.
- Num tô tentando fazer nada disso. Você é que procura cabelo em ovo, quando o assunto sou eu. – Harry tentou fazer uma cara de chateado, mas quase riu. – Eu sinceramente não entendo. Numa hora você diz que me faltam namoradas. Na outra fica botando um monte de obstáculos para que eu conheça melhor uma garota legal como a Tiffani. – Cruzou os braços.
Snape estreitou os olhos, e abriu a boca para falar alguma coisa para o menino. Mas não falou. Silk tinha acabado de voar em sua direção. Ele estendeu o braço e ela pousou ali. Com cara de que tinha esperado muito.
- Ora, nós nem demoramos tanto lá, Silk. Pouco mais de vinte minutos.
A coruja olhou dentro dos olhos do dono. E estalou o bico conformando-se.
- Cadê a resposta?
Ela esticou a perna com um rolo de pergaminho amarrado.
- Segura aqui Potter. – Snape entregou o pacote pardo para o menino e tirou o rolo da perna de Silk. A colocou no encosto do banco de pedra e abriu a carta.
A leu por alguns instantes.
- Tudo bem. – falou sozinho – Eu que invente uma desculpa né? – enrolou o pergaminho de novo. Pegou o pacote da mão de Harry e voltou-se para a coruja, sussurrando. – Entrega isso aqui para os elfos de Hogwarts. Depois pode passear um pouco. Mas fique por perto e não dê bandeira. – A coruja olhou para ele como se perguntasse se ela, alguma vez, tinha dado bandeira. Como uma simples coruja podia ter feições tão definidas? Tudo bem que ela não era uma simples coruja…
Ela pulou em cima do embrulho, o segurou pelo barbante com as garras depois voou. Não havia passado nem cinco segundos que a coruja tinha levantado voou e Harry não pôde mais discernir para onde ela havia ido.
- Vamos garoto. – Snape se virou e começou a andar.
- O que dizia a carta?
- Não te interessa.
- Era do Dumbledore?
- Cala a boca, Potter – Disse Snape entre os dentes.
Harry olhou para ele, e decidiu ficar quieto. Passaram numa padaria antes e irem para casa dos Dursleys. Ao chegarem os tios estavam na cozinha. Pareciam ter acabado de acordar.
- Onde vocês estavam? – perguntou Petúnia colocando a garrafa de café na mesa. Harry olhou para o relógio na parede e viu que eram sete e dez da manhã.
- Fomos à padaria. Comprar algumas coisas para o café. – Snape colocou na mesa os sacos com croissants, rosquinhas, pão francês quentinho e outras guloseimas.
- Hum... – Fez tio Valter olhando para as rosquinhas.
- Sirva-se Sr. Dursley. – Snape sentou-se à mesa. Harry fez o mesmo. Pelo menos a comida estava valendo à pena em suas férias.
- Obrigado Sr. Snape. Não precisava. – Petúnia se sentou também. – É um pena que o Duda acorde tarde. Acho que vou guardar algumas rosquinhas para ele, ele vai gostar.
- Disponha Sra. Dursley. E guarde sim. Ele com certeza vai gostar.
Tia Petúnia guardou algumas das rosquinhas e todos puderam apreciar um maravilhoso café da manhã.
- Sr. Dursley, eu... Queria pedir permissão para levar o Sr. Potter a uma clínica médica fazer alguns exames.
- Exames? – perguntaram Valter e Harry, juntos.
- É, para sabermos se ele não sofre de nenhum mal psicológico, ou físico. Como se diz mesmo? Um check-up.
Tio Válter pensou por um instante se deixava ou não, nunca tinha levado o garoto num médico… Tinha medo que pudessem descobrir a sua “anomalia”. Harry pensou por mais de um instante em que mal ele poderia ter. Valter olhou para o rosto impassível de Snape que esperava uma resposta e achou melhor não contrariar.
- Tudo bem. – respondeu, e pegou outro croissant.
- Acontece que é uma clínica em Londres. Todos os exames poderão ser feitos lá. E para marca-los precisamos chegar cedo, antes das seis da manhã, e calculo que sejam algumas horas de viagem. Então eu penso que seria mais fácil se partirmos hoje à tarde, pernoitarmos em um Hotel por lá mesmo, e depois, pela manhã, irmos para a clínica. Chegaremos aqui pouco antes do almoço.
- Só você e o garoto?
- Só eu e o Sr. Potter, Sr. Dursley.
- Tudo bem. – tio Valter respondeu displicentemente.
- Vou subir. – Falou Harry.
Harry subiu para o seu quarto e Snape foi logo atrás. Depois que fechou a porta atrás de si, Harry explodiu contra ele.
- Que história é essa?
- Acalme-se, Potter. – Snape se sentou na cama, olhando para a cara de frustração do menino.
- Eu não preciso de médico!
- Olha só Potter. Acompanha. A carta era do Dumbledore. Lá dizia quando e onde seria a próxima reunião da Ordem. A qual eu tenho que ir. E eu não posso ir sem levar você. E você quer falar com os seus amigos. Eu tinha que inventar uma desculpa. – Snape falava de uma forma pausadamente irritante, como se explicasse o b-e-a-bá para uma criança.
- Não entendi o que isso tem a ver. – Harry parou, cruzou os braços, e olhou para Snape.
- Mas tem o cérebro de um trasgo mesmo… - Resmungou o bruxo esfregando a têmpora com uma das mãos – Acompanha de novo. – falava ainda mais pausadamente - A reunião é hoje. Às 19:30. Na casa dos Weasleys. Você não vai a uma clínica médica trouxa, Potter. Ela nem existe, eu a inventei há pouco. Você vai, comigo, hoje, à Toca.
- Tá brincando né?
- Olha para minha cara e diz se eu tenho cara de homem de perde tempo brincando com garotos de quinze anos.
Realmente ele não tinha cara de brincadeira.
- Então por que você não me disse quando estávamos na rua?
- Analisa a sua pergunta, Potter.
- Que tem ela?
- Estávamos na rua! Qualquer um poderia ouvir! Quantas vezes tenho de dizer que existem centenas de feitiços protegendo esta casa? Não pensou que um deles fosse silenciador? Para que ninguém pudesse ouvir a nossas conversas? Seu cabeça de titica de coruja…
- Dá pra parar de me insultar?
- Dá pra você passar a pensar um pouco mais? Começo a desconfiar que não foi você que fez tudo que dizem durante todos esses anos.
Harry se revoltou.Como alguém podia pensar isso? Tudo bem que na maioria das vezes ele tinha tido ajuda de Rony e Hermione, além de algumas outras pessoas que colaboraram… Mas mesmo assim isso era um insulto!
- Mas parando pra pensar, - Snape coçou o queixo e fez cara de pensativo ironicamente – Nenhum dos seus atos deve ter sido de cabeça pensada não… Quem em sã consciência iria enfrentar não sei quantas provas para chegar até um bruxo das trevas que está mancomunado com o Lord Negro? Ou daria um jeito de abrir e entrar numa Câmara que abriga um monstro de mil anos? Ou daria crédito a um fugitivo para ele contar a sua história, acreditaria e o ajudaria a fugir? Participaria de um torneio no qual não se inscreveu e ainda tentaria ganhar? Ou invadiria o Ministério da Magia atrás do Lord das Trevas?
- Todos eles foram por uma boa causa! – esbravejou Harry. Estava cansado de Snape ficar insinuando que ele fazia isso tudo para atrair atenção. – Tentei chegar até o Quirrel para salvar a pedra, entrei na Câmara para salvar a Gina porque o Lockhart era um incompetente, ajudei o Sirius porque era inocente, me esforcei no torneio porque as provas eu tinha de enfrentar querendo ou não, e invadi o Ministério da Magia em busca do meu padrinho que eu pensei estar sendo torturado! – Falou tudo de uma vez e depois arfou de raiva. Seu estômago parecia um pouco nauseado ao se lembrar da última vez que viu Sirius.
- Não estou duvidando que as suas causas fossem nobres, Potter. – Snape se levantou e se pôs de frente a Harry que teve de olhar para cima para encarar os olhos do bruxo já que este era quase uma cabeça maior que ele – Estou dizendo para pôr um pouco mais a sua mente pra pensar – ele deu três batidinhas com a ponta do dedo indicador na testa do menino – você não pode negar que muitos dos seus atos são feitos no calor do momento, tudo bem que existem coisas para as quais se pensarmos demais, desistimos. Mas você tem de parar para pensar pelo menos um pouco. Alguns atos impensados trazem conseqüências irreparáveis.
E então um pensamento ruim aflorou na mente de Harry, e não era a primeira vez que ele aflorava. Talvez se ele não tivesse se precipitado ao Ministério seu padrinho não tivesse morrido… Seus olhos se encheram d’água ao pensar nisso. Snape olhava diretamente nos olhos do menino. E pela primeira vez em todos esses anos em que Harry conviveu com o bruxo, ele tentou consolar alguém. Mas não obteve sucesso.
- Não foi sua culpa. Black também era um inconseqüente, nem Merlin era capaz de saber o que deu nele para sair da sede da Ordem para ir duelar com os Comensais no Ministério. Foi ele quem escolheu ir. Sabia que estava correndo muitos riscos, de se ferir, de ser pego, ou de morrer… Poderia ter acontecido com qualquer um naquela noite. O que tem de acontecer, acontece.
- Primeiro: talvez ele não tivesse saído de sua casa naquela noite se você não tivesse insistido tanto em infernizar a vida dele dizendo que ele se escondia embaixo da saia da mãe. – As lágrimas desceram pelo rosto de Harry e ele não soube dizer se era de tristeza ou de ódio – Segundo: ele não era inconseqüente, foi mais corajoso que você. – Snape olhava para Harry num misto de surpresa e indignação – Terceiro: quem te deu permissão de entrar na minha mente? Se ela fosse pública ou eu quisesse que alguém soubesse das coisas que penso eu falaria em voz alta. Sai do meu quarto. – Harry secou as lágrimas com as costas das mãos, se dirigiu à porta, a abriu e a segurou aberta – SAI DO MEU QUARTO AGORA!
Snape se preparou para explodir contra o menino. Mas ao olhar seus olhos marejados de água, voltou atrás. Talvez fosse melhor que ele ficasse sozinho. Pelo menos por enquanto.
- Não posso me afastar muito de você. Mas vou te deixar sozinho – sua voz baixa e sibilante. – Se precisar de mim estarei sentado no corredor. Invento uma desculpa qualquer pros seus tios se eles perguntarem.
- Pouco me importa desde que você saia daqui.
Snape saiu e Harry bateu a porta com força.
Harry se esforçou para que a dor não o vencesse, aquilo era um ato de fraqueza, o que diria Sirius se estivesse vivo? Em pé em seu quarto com as mãos nos cabelos, ele tentava se controlar. Mas a dor era forte demais, o ódio machucava seu coração, e ele não podia suportar mais.
Pela segunda vez desde a perda do padrinho, primeira desde que saiu dos terrenos de Hogwarts, Harry se sentou e chorou pela morte de Sirius. E do lado de fora, sentado no chão e encostado na parede do corredor, Snape ouvia silenciosamente os soluços do menino.


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