Capitulo XVI



Tinha estado a ponto de estragar tudo, pensou Harry mais tarde. Não sabia muito bem por que tinha reagido assim. Normalmente, não se mostrava furioso e exigente com as mulheres. Talvez aquele fosse o problema.
Sempre tinha sido muito fácil as conseguir.
Gostava das mulheres. Sempre gostou. Gostava da aparência, sua forma de falar, seu aroma. Eram suaves, cálidas e perfumadas, elas eram uns dos aspectos mais interessantes da vida.
Franzindo o cenho, jogou outra vez o cimento e alisou.
As mulheres eram importantes. Gostava de estar com elas. E certamente, também gostava de fazer muito sexo com elas.
A final de contas, era humano.
As casas eram importantes, pensou enquanto aplicava outra cobertura de cimento. Quando consertadas o resultado era satisfatório. Gostava de utilizar suas próprias mãos para transformá-las em algo duradouro. E o dinheiro que obtinha ao final também lhe parecia satisfatório.
Uma pessoa tinha que comer.
Mas jamais se deparou com uma só casa que fosse tão importante para ele quanto aquela.
E jamais se deparou com uma mulher que fosse tão importante para ele quanto Gina.
Além disso, sabia que ela o faria em picadinho se soubesse que a estava comparando com um montão de pedras.
Duvidava que Gina compreendesse que aquela era a primeira vez em sua vida que se concentrava tanto em algo e em alguém.
A casa o tinha cativado sempre, e Gina, ele não tinha visto em sua vida até um mês atrás. Mas agora, as duas grudaram em seu sangue. Não exagerava quando lhe disse que só conseguia enxergar ela. Tinha-o enfeitiçado, igual aos incansáveis fantasmas que enfeitiçavam os cômodos e os corredores.
Quando a viu pela primeira vez, viu-se louco de desejo. Achou que poderia conquistá-la. Mas aquela era a primeira vez que o desejo se mesclava com as emoções, e não estava muito seguro do que fazia.
Disse a si mesmo que deveria ir mais devagar. Se Gina queria espaço, teria que conceder-lhe Tinha tempo de sobra. Além disso, aquele encontro não tinha sido dos que marcam a vida. Talvez Gina fosse única; talvez fosse mais intrigante do que parecia. Mas, a final de contas, só era uma mulher.
Ouviu os lamentos e sentiu um golpe de ar gelado. Deixou a espátula no balde.
—Sim, sim, eu o ouço. — murmurou — Espero que se acostume a ter companhia, porque não penso em ir embora daqui.
Uma porta se fechou de repente. Agora o divertiam aquelas representações contínuas. Passos, rangidos, sussurros e lamentos. Era quase como se ele fizesse parte de tudo aquilo. Decidiu que era o vigia da casa. Fazia a casa habitável para os que não podiam partir nunca.
Pensou que era uma pena que nenhum dos residentes permanentes fizesse jamais uma aparição. Seria uma grande experiência poder vê-los além de ouvi-los. Um calafrio involuntário subiu por suas costas, como se dedos percorressem sua coluna. Além de ouvi-los e senti-los, corrigiu.
Alguns passos soaram pelo corredor quando começou a aplicar a seguinte cobertura. Para sua surpresa, pararam junto à porta. Viu o trinco que começava a se mover um momento antes que se apagasse o abajur com que trabalhava, deixando tudo na escuridão.
Teria sido capaz de ser torturado, antes de reconhecer que seu coração disparava. Murmurou uma maldição e esfregou as mãos, repentinamente suadas, nas calças. Caminhou às cegas para a porta, que se abriu de repente, batendo em seu rosto.
Agora não murmurava maldições; gritava-as. O golpe tinha o ferido, e seu nariz tinha começado a sangrar.
Ouviu um grito e viu a figura fantasmagórica entre as sombras da varanda. Sem hesitar, jogou-se sobre ela como uma bala. O fantasma que tinha tirado seu sangue ia pagar.
Demorou alguns segundos para perceber que o que se debatia entre suas mãos era um ser humano, e mais alguns segundos mais em reconhecer o aroma.
Tinha-o enfeitiçado por completo, pensou com amargura.
—Que inferno esta fazendo aqui?
—Harry? — gemeu, levantando os braços na escuridão acertando ele no queixo antes de conseguir abraçá-lo — Meu Deus, que susto me deu. Pensei que... Não sei. Que bom que é você.
—O que quer de mim. O que faz aqui?
Afastou-a um pouco para olhá-la. O abajur que tinha pendurado na parte superior da escada iluminava fracamente sua pele pálida e seus enormes olhos.
—Comprei algumas coisas em um leilão, e pensei que... Está sangrando!
—Não me diga. — passou a mão por debaixo do nariz — Pelo menos, acredito que não tenha me ferido novamente. Embora faltou pouco.
—Eu... bati em você com a porta? Sinto muito. Toma. — disse, lhe entregando um lenço — Sinto muitíssimo. — repetiu, limpando ela mesma o sangue — Estava... eu não percebi.
Indefesa, tentou ocultar uma gargalhada ou um soluço. Ao final, não pôde conter-se. Colocou as mãos na barriga e rompeu em risos.
—O que tem de engraçado?
—Sinto muito, não posso evitar. Pensei que... Não sei o que pensei. Ouvi-os, ou a ouvi, ou o que seja. Subi para ver se via algo, e, de repente, caiu em cima de mim.
—Tem sorte de que eu não tenha dado um murro em você.
—Eu sei, eu sei.
Olhou-a com os olhos entrecerrados, enquanto se retorcia de tanto rir.
—É tem mais sorte de que não lhe dê um agora.
—Me ajude a levantar. — disse, esfregando os olhos — Têm que deter a hemorragia.
—Não se preocupe comigo. — disse, agarrando seu braço para levantá-la sem muita delicadeza.
—Assustei-o? — perguntou Gina, tentando soar amável.
—Não diga tolices.
—Mas ouviu... Ouviu-o, verdade?
—Certamente, claro que o ouvi. Ouve-se durante toda a noite, e de dia, de vez em quando.
—E não o incomoda?
—Por que ia me incomodar? — perguntou, tentando olhá-la com desdém— É a casa deles também.
—Suponho que sim.
Olhou a seu redor. A cozinha estava muito danificada. Tinham instalado uma pequena geladeira, um fogão com duas bocas, e uma porta sobre cavaletes que às vezes servia de mesa. Harry foi diretamente para a pia e abriu a torneira de água fria. Inclinou-se e lavou o rosto. Gina dobrou as mãos, adotando uma pose envergonhada.
—Sinto muitíssimo, Harry. Ainda dói?
—Sim.
Agarrou um trapo e secou o rosto. Sem dizer outra palavra, abriu a geladeira e tirou uma cerveja.
—Parou de sangrar.
Abriu a garrafa e esvaziou um terço com um gole. Gina decidiu que, dadas as circunstâncias, podia tentar de novo.
—Não vi seu carro. Por isso pensei que não houvesse ninguém aqui.
—Carlos me trouxe .— disse , considerando que, dadas as circunstâncias, podia deixar de ser desagradável com ela— Parece que esta noite cairá uma tempestade de neve, assim pensei que, se trouxesse o carro, ficaria enterrado na neve. Ia ter que dormir aqui, embora sempre poderia ir andando a cidade em caso de alguma necessidade.
—Acho que isso explica.
—Quer uma cerveja?
—Não, obrigado. Não bebo cerveja.
—Pois não tenho champagne.
—A verdade é que eu deveria partir quanto antes. Já começou a nevar. Vim somente para deixar os candelabros e o jogo de atiçadores que comprei. Não podia esperar para vê-los em seus lugares.
—E que tal ficaram.
—Não sei. Deixei tudo na varanda quando entrei e ouvi a... os barulhos.
—Assim decidiu sair e caçar fantasmas em vez de decorar.
—Um pouco parecido com isso. Enfim, porei os candelabros em seu lugar antes de ir embora.
Harry pegou sua cerveja e a seguiu.
—Espero que tenha se acalmado desde esta manhã.
—Não exatamente. — o olhou de esguelha enquanto caminhavam por volta do vestíbulo — Embora estou melhor agora, depois que fiz seu nariz sangrar, apesar de ter sido sem querer. Comportou-se como um estúpido.
Harry estreitou os olhos enquanto Gina agarrava a caixa que tinha deixado na varanda e se dirigia para o salão.
—Só queria deixar clara minha postura. Algumas mulheres gostam da sinceridade.
—Algumas mulheres gostam dos estúpidos. Eu não. Eu gosto de simplicidade, boas maneiras e tato. Coisas das que carece, é obvio. — voltou e sorriu— Mas acredito que, dadas as circunstâncias, seria bom uma trégua.
—Quem quebrou o seu nariz pela primeira vez?
—Rony, quando éramos pequenos. Estávamos brigando no celeiro, e ele teve sorte.
Gina pensou que jamais compreenderia por que o amor fraternal dos Potter incluía ter algum nariz quebrado.
—Vai dormir aqui? — perguntou, apontando o saco de dormir que havia perto da lareira.
—Agora é o local mais aquecido da casa. E mais limpo. Quais são essas circunstâncias que justificam a trégua?
—Não deixe aí essa garrafa sem um descanso. Não pode tratar as antiguidades como se fossem...
—Móveis? —interrompeu, pegando um descanso de copos da cesta chapeada— A que circunstâncias se refere, Gina?
—Para começar, a nossa atual relação é comercial. — desabotoou o casaco enquanto caminhava para a janela — Nos dois queremos conseguir o mesmo com esta casa, de modo que não tem sentido que nos dediquemos a brigar. O que achou dos atiçadores? — perguntou, tirando os da caixa.— Terá que limpá-los um pouco.
—Com certeza são melhor que a barra de ferro que estive usando.
Colocou as mãos nos bolsos e olhou para Gina, que levava o suporte para a lareira e pendurava cuidadosamente cada peça em seu lugar.
—Não sei o que usou, mas é um bom fogo. Continuo procurando a tela protetora adequada. Esta não encaixa muito bem. Ficaria melhor em um dos quartos lá de cima. Suponho que vai querer arrumar todas as lareiras.
—Sim, claro.
Se deu conta de que só fazia algumas semanas que a conhecia. Não entendia por que estava tão seguro de que ela estava lutando consigo mesma. Iluminada pela luz da fogueira, com as costas completamente retas e com a cortina de cabelo que ocultava que olhassem seu rosto, parecia relaxada e cheia de confiança, completamente cômoda. Talvez fosse pelo jeito em que entrelaçava os dedos, ou o fato de que evitava olhá-lo. Mas estava seguro de que estava lutando uma batalha interior.
—Para que você veio aqui, Gina?
—Já disse. — respondeu voltando para junto da caixa— Tenho mais coisas do leilão no carro, mas os cômodos adequados, ainda não estão terminados. Mas estes candelabros ficarão muito bem aqui. Também tenho um vaso. Deveria deixá-lo sempre cheio de flores frescas.
Desembrulhou cuidadosamente dois candelabros de cristal e um vaso, e os colocou no lugar adequado.
—As tulipas ficarão muito bem, mas o problema é que só se conseguem no inverno. — prosseguiu, colocando nos candelabros as duas velas brancas que tinha levado — Mas também ficará muito bom cheio de rosas .—se obrigou a sorrir antes de virar— O que acha?
Sem dizer nada, Harry agarrou uma caixa de fósforos de madeira do suporte da chaminé e se aproximou para acender as velas. Depois, ficou olhando as duas pequenas chamas iguais.
—Eles funcionam.
—Refiro-me ao efeito geral da habitação.
Era a desculpa perfeita para se afastar dele e ficar vagando pela casa.
—Está perfeita. Não esperava menos de você.
—Eu não sou perfeita. — se apressou em responder, surpreendendo a ele e a ela — Me deixa nervosa quando diz essas coisas. Sempre tentei ser perfeita, mas sou humano. Eu não sou organizada cuidadosamente, como esta casa, com cada peça em seu lugar, por mais que me esforce. Sou um caos. —passou a mão pelo cabelo, nervosa — Mas antes não era. Antes não. Não; fique aí .— se afastou rapidamente quando Harry se aproximou — Fique aí, por favor.
Frustrada, acenou com as mãos, como se quisesse afastá-lo. Harry ficou olhando-a, em silêncio.
—Esta manhã me assustou.— prosseguiu Gina — Também me zanguei com você, mas sobre tudo, fiquei assustada.
Para Harry não era nada fácil não tomá-la entre seus braços.
—Como?
—Ninguém nunca tinha me desejado como você. Sei que me deseja. — parou e esfregou os braços com as mãos — Me olha como se já soubesse como ia ser. E eu não tenho controle sobre isso.
—Pensei que cedia o controle ao esperar que você tome a iniciativa.
—Não, não. — repetiu, enquanto gesticulava com os braços — Não tenho nenhum controle sobre o que sinto. Tem que saber isso. Sabe exatamente como afeta às pessoas.
—Não estamos falando sobre outras pessoas.
—Sabe exatamente como me afeta. — acusou, quase com um grito, antes de tentar recuperar a compostura — Sabe que te desejo. Por que não ia desejar ? Como você disse, somos adultos que sabemos o que queremos. E quanto mais me afasto, mais estúpida me sinto.
Os olhos do Harry ficaram sombreados. Gina não podia ver sua expressão.
—Espera que eu fique de braços cruzado enquanto me diz tudo isso?
—Espero ser capaz de tomar uma decisão sensata e racional. Não quero que meus hormônios possam falar mais que meu cérebro — soltou a respiração — Então olho para você e quero arrancar suas roupas.
Harry tinha que rir. Era a maneira mais segura de desativar a bomba que tinha em seu interior.
—Não espere que eu a peça que não faça.— deu um passo à frente, e Gina saltou para trás como se tivesse acionado uma mola.
— Deixe eu terminar a cerveja. Preciso disto.— murmurou, levantando a garrafa e bebendo um longo gole — Então vamos ver. O que é o que temos aqui? Duas pessoas adultas, solteiras e sem compromisso, que desejam o mesmo uma da outra.
—E que apenas se conhecem. — acrescentou Gina — Que apenas arranharam a superfície de qualquer tipo de relação. Que deveriam ter senso suficiente para não se jogar de cabeça ao sexo como se fosse uma piscina.
—Eu nunca me importo de me jogar na água.
—Eu sim. Entro pouco a pouco. — se obrigou a manter a calma e voltou a entrelaçar as mãos — Para mim é importante saber exatamente onde estou entrando, aonde vou.
—Alguma vez improvisa?
—Não. Quando planejo algo, me atenho aos planos. É assim que funciono. — disse a si mesma que já estava calma, que já pensava de forma racional — Tive muito tempo para pensar enquanto ia de carro a Pensilvânia e voltava. Temos que ir mais devagar, examinar atentamente a cena geral.
Perguntou-se se estava tranqüila, porque não podia deixar de retorcer sua jaqueta e dar voltas em seus anéis.
—É como esta casa. — continuou rapidamente — Terminou um quarto, esta muito bonito, é maravilhoso. Mas não empreendeu este projeto sem ter um plano completo sobre o que ia fazer com o resto. Acredito que a intimidade se deve planejar com tanto cuidado quanto a reforma de uma casa.
—Parece razoável.
—Bom. — respirou profundamente e expulsou o ar — Portanto, daremos alguns passos para trás para ver as coisas com maior claridade. É o caminho mais razoável e responsável.
Suas mãos continuavam tremendo quando pegou o casaco.
Harry deixou a cerveja sobre o descanso.
—Gina?
—Sim? — perguntou, parando para olhá-lo enquanto caminhava para a porta.
—Fique.
Gina sentiu que seu corpo deixava de responder. Deixou escapar todo o ar de seus pulmões, com um suspiro entrecortado.
—Pensei que não fosse pedir nunca.
Com uma risada nervosa, jogou-se em seus braços.




Continua...



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