Capitulo XV




—Quer um café?
—Não, obrigado, não tenho tempo. Só queria perguntar, e se devo tomar alguma precaução, já que Luna e os meninos vão ficar em minha casa.
Carlos a encarou em silêncio. Conhecia-a a há três anos. Gostava dela, e tinha conversado com ela em algumas ocasiões. Agora via por que tinha atraído seu irmão. Tinha sangue-frio e senso, mas também estava disposta a fazer algo para ajudar os outros.
Perguntou-se se Harry compreenderia a mudança que podia experimentar sua vida com aquela combinação.
—Por que não se senta um momento? — insistiu — Tenho algumas coisas a dizer.


Na segunda-feira pela manhã, Gina levantou cedo, com uma canção nos lábios. Em algumas horas enviaria os primeiros móveis à casa da colina. Depois de pegar o pagamento, investiria o dinheiro em um leilão que ia acontecer àquela tarde na Pensilvânia.
Aquela ocasião justificava por que não ficava com a loja aberta o dia todo.
Encheu e ligou a cafeteira e colocou o pão na torradeira. De repente, ouviu um ruído a suas costas e se virou sobressaltada.
—OH, Connor. — disse rindo — Me deu um susto.
—Sinto muito.
O garoto era magro e pálido. Tinha enormes olhos azuis. Os olhos de sua mãe, pensou Gina, sorrindo.
—Não tem problema. Pensei que todos estavam dormindo. É muito cedo. Quer tomar o café da manhã?
—Não, obrigado.
Conteve um suspiro. Não era normal que um menino de oito anos fosse tão cortes. Levantou uma sobrancelha e pegou uma caixa de seus cereais favoritos e a agitou.
—Não quer tomar uma tigela comigo?
O menino sorriu com tanto acanhamento que Gina sentiu que seu coração se apertava.
—Bom, já que vai abrir a...
—Por que não vai tirando o leite da geladeira? — doeu-lhe observar o cuidado com que o menino desempenhava uma tarefa tão simples — Ouvi pelo rádio que vai nevar. É provável que caia uma boa neve.
Agarrou as tigelas e as colheres e os deixou na mesa. Quando esticou um braço para acariciar seu cabelo revolto, Connor ficou paralisado. Amaldiçoou Draco Malfoy, mas não deixou de sorrir.
—Aposto que esta manhã o colégio não ira abrir. — comentou.
—Eu gosto de ir ao colégio. — disse o menino, mordendo o lábio.
—Eu também gostava. — disse, disposta a mostrar-se alegre — Sempre me alegrava ter algum dia livre de vez em quando, mas a verdade é que eu gostava de estudar. Qual é sua matéria favorita?
—Literatura. Eu gosto de escrever coisas.
—Mesmo? Que coisas escreve?
—Histórias. — encolheu os ombros e baixou o olhar — Tolices.
—Tenho certeza de que não são tolices. — disse com a esperança de não cometer um erro entrando em um território que talvez deveria deixar aos psicólogos — Deveria ficar orgulhoso. Sei que sua mãe está muito orgulhosa de você. Me disse que você ganhou um prêmio no colégio por uma redação.
—Ela disse isso?
Debatia-se entre sorrir e voltar a baixar a cabeça. Mas Gina colocou a mão em seu rosto. Sentiu morno. Seus olhos se encheram de lágrimas antes que pudesse evitar.
—Minha mãe chora de noite.
—Eu sei, meu bem.
—Ele sempre estava batendo nela. Eu sabia. Ouvia-os. Mas nunca fiz nada para que parasse de bater. Nunca a ajudei.
—Não é sua culpa. — sentou ele em seu colo e o abraçou — Não poderia ter feito nada. Mas agora os três estão a salvo, e poderão cuidar um do outro.
—Eu o odeio.
—Ssssss.
Arrasada ante a intensidade da raiva que podia sentir uma pessoa tão pequena, Gina apertou os lábios contra seu pescoço.
No corredor, Luna deu um passo para trás. Ficou um momento olhando, tampando a boca com a mão. Depois voltou para o pequeno quarto extra para acordar sua filha e mandá-la para o colégio.
Gina chegou à casa dos Barlow à frente do caminhão de mudanças que tinha contratado. O alegre ruído das obras a saudou quando abriu a porta. Nada poderia ter melhorado mais seu humor.
A entrada estava cheia de trapos e andaimes, mas as teias de aranha tinham desaparecido. O pó que agora cobria a casa estava fresco, e em certo modo, limpo.
Parecia que era uma espécie de exorcismo. Surpreendida pela idéia, contemplou a escada. Para fazer um teste, começou a subir.
O ar frio a sobressaltou, fazendo que descesse dois degraus. Ficou em pé, com uma mão no corrimão e outra no estômago, lutando para recuperar o fôlego que o ar frio tinha roubado.
—Você tem estômago. — murmurou Harry atrás dela. Embora continuasse com os olhos muito abertos pela impressão, virou para olhá-lo.
—Perguntava-me se teria sido minha imaginação. Como os operários se sentem, com esses passos para cima e para baixo...?
—Nem todo mundo percebe. Suponho que os que notam apertam os dentes e pensam no valor do salário. — subiu alguns degraus para agarrar mão dela — E você?
—Não teria acreditado nisso se não tivesse vivido por mim mesma. — deixou que Harry a levasse para o andar de baixo sem protestar — Quando abrir, isto provocará interessantes conversas entre seus hóspedes.
—Conto com isso. Pode tirar o casaco. Já esta funcionando o aquecedor nesta parte da casa. Está fraco ainda, mas serve para tirar o gelo.
—Estou vendo. — disse agradecida, colocando o cabelo para trás — O que faz lá em cima?
—De tudo um pouco. Estou instalando um banheiro novo. Quero que me consiga uma banheira com pés de garras, e um lavabo da época. Acho que posso me conformar com reproduções se não tiver sorte de encontrar peças originais.
—Me dê uns dias. — esfregou as mãos, não por causa do frio, mas sim pelo nervoso — Vai me mostrar o que já adiantou, ou terei que pedir de joelhos?
—Claro que vou mostrar.
Estava ansioso para mostrar a Gina o que já tinha feito. Ficava o dia todo olhando pela janela a cada cinco minutos, com a esperança de vê-la chegar. Mas agora que estava na sua frente se sentia nervoso. Tinha trabalhado sem cessar durante uma semana, variando entre doze e quatorze horas ao dia, para fazer que aquela casa ficasse perfeita.
—Acho que a pintura ficou muito boa. Forma um bonito contraste com a ornamentação e o piso. Deu-me um pouco de trabalho instalar as janelas, mas ao final eu consegui.
Gina não falou. Durante um momento, limitou-se a contemplar o salão da entrada. Depois, lentamente, entrou na estadia.
Estava linda. As altas e elegantes janelas, com seus graciosos arcos, iluminavam o chão de pinheiro antigo recém cortado. As paredes tinham um tom de azul cremoso, que contrastava com o ornamento de cor marfim.
Tinha transformado o assento da janela em uma confortável poltrona, e tinha limpado o mármore da lareira até fazê-lo resplandecer. A moldura do teto florescia com delicados desenhos que tinham sido ofuscados pelo passar do tempo.
—Precisa de móveis, cortinas, e aquele espelho que escolheu para colocar em cima da lareira. — disse Harry, desejando ouvir algum comentário de Gina — Ainda tenho que arrumar a porta. — colocou as mãos nos bolsos — O que houve? Esqueci algum detalhe fundamental?
—É absolutamente maravilhoso. — disse Gina, saindo de seu mutismo, enquanto passava o dedo pelo marco de uma janela — Perfeito. Não imaginei de que você fizesse reformas tão bem. — riu nervosa e se virou para ele — Espero que não tome isso como um insulto.
—Fique tranqüila. A verdade é que eu mesmo me surpreendi, é a primeira vez que me dou conta de que sirvo para construir algo.
—É mais que isso. Devolveu vida a esta casa. Deveria estar orgulhoso.
Harry percebeu que se sentia emocionado e um pouco envergonhado.
—É um trabalho. Só se precisa de umas ferramentas e bom olho.
Gina inclinou a cabeça, e Harry olhou o sol que atravessava a janela para arrancar brilhos dourados de seu cabelo. Deu-lhe água na boca, mas ele não demonstrou.
—Jamais esperei de você uma demonstração de modéstia. — comentou Gina — Deve ter se matado de trabalhar para conseguir tanto em tão pouco tempo.
—Tinha uma aparência ruim, mas não estava tão mal.
—Fez algo incrível. — murmurou, dando uma volta completa para contemplar o resultado — Verdadeiramente incrível.
Antes que Harry pudesse comentar nada, Gina estava de quatro, passando as mãos pelo chão.
—Brilha como um espelho. O que usou no chão? - como Harry não respondia, sentou-se no chão — O que houve? Por que me olha assim?
—Fique de pé.
Quando Gina se levantou, Harry se manteve a certa distância. Não se atrevia a tocá-la naquele momento. Se o fizesse, não seria capaz de parar nunca.
—Fica muito bem aqui. Deveria ver. Encaixa-se perfeitamente. É tão perfeita e impecável quanto esta casa. Desejo-a tanto que só posso ver você.
O coração de Gina disparou.
—Vai me fazer gaguejar outra vez. — Tinha que fazer um esforço consciente para respirar.
—Quanto tempo mais vai me fazer esperar? Não somos crianças, e deveríamos ser adulto suficiente para sermos sensatos.
—Essa coisa de sensato soa como um discurso antigo. Certamente, o sexo tem que ser responsável, mas não tem nada de sensato.
A idéia do sexo completamente irracional fez que despertassem todos os nervos do corpo de Gina.
—Não sei como agir. — prosseguiu — Não sei o que fazer com a forma em que me faz sentir. Normalmente sou boa em enfrentar situações. Suponho que teremos que falar sobre isto.
—Suponho que você precise. Eu já disse o que tinha que dizer.
Incrivelmente frustrado, furioso com sua própria resposta para ela, virou para a janela.
—Seu caminhão está aqui. — disse — Tenho que ir lá para cima para trabalhar. Ponha as coisas onde achar melhor.
—Harry... — disse Gina, levantando a mão. Ele a deteve, deixando-a congelada antes que chegasse a encostar-se em seu braço.
—Estou certo de que não quer me tocar agora. — disse em tom frio e controlado — Seria um erro, e você não gosta de cometer erros.
—Isso não é justo.
—Que inferno! De onde tirou que sou justo? Pergunta a qualquer um que me conheça. O cheque está em cima do suporte da lareira.
Furiosa, Gina correu atrás dele pelo corredor.
—Potter!
Harry se deteve e virou para olhá-la.
—Sim?
—Não me importa o que pensam ou digam outros. Se eu fosse assim, nunca teria se aproximado de mim. — olhou pra cima quando a cabeça de um operário curioso apareceu pela escada — Tomo minhas decisões quando eu acho que chegou o momento. — acrescentou, abrindo a porta para os trabalhadores que levavam os móveis — Pergunte a quem quiser.
Quando se virou para olhá-lo, Harry tinha desaparecido, como um de seus fantasmas.



Continua...


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