Ócio



Retornaram para o Alasca, e Harry desejou que aquela fosse a última vez. Quando finalmente recuperaram os sentidos, notaram um silêncio no ar: Lavalle e Derose já estavam trabalhando, e não havia tempo para discutir com Frederich o fato de Lavalle ser a única especialista mulher.


Brandon nem cumprimentou os outros dois Especialistas, e já correu para a escrivaninha, como se soubesse – e sabia mesmo – o que deveria ser feito. Lavalle e Derose estavam escrevendo o que parecia ser uma imensa e intrincada árvore genealógica, e ninguém se atrevia a chegar perto.


 


CAPÍTULO 8 – ÓCIO


 


- Eles ainda vão demorar um bom tempo – Frederich saiu do seu cantinho – sabe Deus quanto tempo, mas ainda será bem menos do que eu demoraria. Quer dizer, para planejar um único dia na vida de vocês três eu demoraria mais de um ano. Imaginem o resto da vida de vocês!


- É – Harry ainda olhava para os Especialistas – é bom sermos pacientes.


- Querem que eu prepare alguma coisa, um chá? – Frederich ofereceu – quer dizer, têm muitas plantas no jardim que podem ser consumidas...


E eles foram para o jardim. Harry olhou para o céu pela primeira vez em muitas horas. Já estava um pouco escuro, e ele não sabia dizer se o que via era a aurora boreal ou o reflexo dos feitiços e proteção ao seu redor.


- São os feitiços de proteção – respondeu o professor, ao notar o interesse de Harry na cúpula semitransparente – eles são tão fortes que eu chego a tropeçar na barreira se me afastar um pouco mais – ele se abaixou para colher algumas ervas – não chega a ser como um muro de tijolos, você não vai quebrar um braço se for correndo na direção dela, mesmo assim é muito mais forte que qualquer feitiço comum.


Ele se levantou, como na casa não tinha fogão – pois o professor não precisava comer – ele improvisou uma fogueira no chão, assim que Hermione conjurou um pequeno bule e um conjunto de xícaras de porcelana.


- Espero que gostem – Nadal indicou o líquido amarelado nas xícaras – há 286 anos que eu não preparo uma dose de chá – todos riram. Foi um segundo muito agradável, pois todos pareciam velhos amigos.


- Professor – Harry começou – o senhor confia neles para deixá-los tão perto de suas invenções?


- Meu jovem – ele respondeu em tom paternal – se eles não ficarem perto das minhas invenções agora, eu talvez nunca poderei saber se elas funcionam!


- É verdade – concordou Hermione, mais para a sua xícara.


- Bom e, professor – Harry continuou.


- Sim?


- O que o senhor acha que acontece com as pessoas que convivem com a gente, caso... caso...


- Caso vocês não possam voltar – o professor completou, ainda no tom paternal – eu receio que isso seja impossível de se descobrir, como boa parte dos “porquês” que envolvem as questões temporais. Bem, eu acho que elas começam a viver de novo, mais ou menos isso, a partir do ponto que conheceram vocês, de um modo completamente diferente.


Todos ficaram em silêncio, absorvendo a profundidade daquilo tudo. Até que o professor continuou:


- A existência humana é algo valiosíssimo. Se quando uma pessoa morre já acontecem várias coisas graves, imaginem no meu caso! Sempre tendemos a pensar que tudo continuou bem, que isso pode ser superado, mais mexer com o tempo, assim como a maioria dos atos em circunstâncias normais pode não ter volta, e mudar para sempre uma vida.


- Às vezes não se pode voltar atrás – disse Rony, que foi seguido de silêncio.


- Mas ainda podemos tentar – disse Harry.


- Sim – concordou Frederich – se existe uma possibilidade de conserto, ou não, nunca saberemos se não tentarmos consertar os nossos erros.


 


Mas eles estavam demorando um pouco demais, na opinião de Harry. É claro que ele queria que tudo desse certo, e como sabido: a pressa é inimiga da perfeição. No entanto, com as semanas se alongando cada vez mais, eles tendo que dormir nos colchões de quinta categoria conjurados por Rony, comendo o que Frederich arranjava para eles, ou o que Hermione havia estocado no seu kit de emergência da bolsinha de contas.


E os Especialistas não paravam nem para respirar. Como ninguém tinha coragem de se aproximar para inspecionar aquele incessante trabalho, era quase impossível não sentir-se impotente.


Quase um mês daquilo e eles já começaram a ficar entediados, e o frio parecia estar passando pelos feitiços de proteção. Foi numa noite muito escura que ele encontrou Rony e Hermione no segundo andar do escritório, olhando a lua.


- Não há muito que possamos fazer, não é? – ele se aproximou enrolado num cobertor feito por Hermione. Os dois estavam abraçados, observando as estrelas.


- Esses dias têm sido péssimos pra mim – disse Hermione – não consigo dormir mais do que duas horas por noite, e mesmo assim acordo a cada meia hora.


- Me dá muito medo o fato de eles não dormirem! – disse Rony – é assustador demais!


Harry tinha que concordar. Conseguir adivinhar nomes, pensamentos e características era uma coisa – o fato de não comer eles achavam engraçado, até certo ponto – mas não dormir era demais. Além do mais, eles ficavam pensando milhões de coisas ao mesmo tempo.


- É verdade – ele disse quando se sentou no peitoril da janela – como disse, não há muito que possamos fazer.


- A não ser esperar – finalizou Hermione.


 


Esperar era realmente a única coisa que poderia ser feita sem comprometer o progresso feito até ali.


O tempo parecia mesmo não surtir efeito naquele lugar, por mais que gastassem suas horas jogando Snap Explosivo ou Xadrez de Bruxo, não adiantava muito. O pior de tudo era que eles não tinham sequer uma muda de roupa, e tinham que ficar enrolados no cobertor durante alguns minutos, enquanto os feitiços de Hermione tratavam de lavar a roupa.


Após pouco mais de dois meses de espera, Harry se encontrou com Frederich no jardim. Era engraçado, pois só alguns flocos de neve conseguiam passar pela barreira dos feitiços, e devia estar tão frio fora dela que era possível sentir uma brisa suave e cortante entrando pelo portão.


- Professor, eu estive pensando...


- Sim? – ele parou de observar os flocos passando um após o outro pela barreira, como numa vagarosa peneira.


- O que vai acontecer se eles errarem?


- Ora, isso é obvio! Decerto sua consciência já sabe a resposta, mas não quer admitir...


- Com toda a certeza – Harry ficou sem graça.


- Bem, eu acredito que não irá dar certo se você estiver consciente dos riscos – ele retomou a contagem dos flocos – mas, por outro lado, ficar com esses pensamentos ruins na cabeça só vai atrair coisas ruins.


- Hum – resmungou Harry, sentando com força na grama, chegando a levantar um pouco da neve fina como pó que se acumulava sobre ela – só queria poder fazer alguma coisa!


- Eu sei como você se sente – o professor ergueu Harry do chão – acredito que não adianta você se preocupar agora. Você vai ter que enfrentar o que vier quando vier.


Harry teve um pequeno vislumbre. Tivera aquele mesmo pensamento ao fim do quarto ano. Por que será que havia se esquecido daquele conselho que Hagrid lhe dera?


- Harry, venha aqui, por favor – Hermione lhe chamou da porta e interrompeu o seu raciocínio. Ela havia voltado a tricotar. Tinha um novelo de lã e agulhas na bolsinha de contas para ela passar o tempo no caso de ficar presa em um abrigo subterrâneo. Ela estava fazendo agasalhos para Rony e Harry, visto que os professores não sentiam frio – quero medir o comprimento do seu braço para encaixar a manga.


- Claro – e foi lá para dentro, deixando Frederich a sós com a sua contagem dos flocos.

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