Os Harrys



Harry levantou-se, mas logo se deu conta que não poderia ir muito longe dali. Afobado, começou a dar voltas ao redor da mesa – que já havia se esvaziado – seus ocupantes também se levantaram.


- Acho bom que descanse um pouco Harry – disse Brandon – isso tudo tem sido muito exaustivo para você. E nós também precisamos refletir com nós mesmos – ele gesticulou abrangendo os professores – Volte para seu quarto, o nosso próximo encontro será no meu observatório.


Então, Brandon distribuiu novos panfletos para os presentes, que saíram da sala o mais rápido possível. Brandon desapareceu ao lado da lareira, e Harry também saiu. As paredes pareciam prestes a engoli-lo.


 


CAPÍTULO 7 – OS HARRYS


 


A porta fechou-se mais uma vez às suas costas, e Harry sentiu novamente a retina arder. Não era por causa do brilho do corredor.


Harry estava chorando.


Novamente parecia aquele mesmo menininho de onze anos de idade que acabara de descobrir como os pais haviam morrido. Felizmente, o som dos seus suspiros não se espalhava pelo corredor.


Foi então que percebeu que havia esquecido de pedir a Brandon um novo mapa para encontrar o seu quarto.


Ele se perguntava o que seria mais digno: morrer preso num labirinto de corredores ou ser morto duas vezes pela mesma pessoa, sendo que nesse último caso ele mesmo teria providenciado a própria morte.


Harry caminhava a esmo pelos corredores. Não tinha em mente o objetivo de encontrar o seu quarto, em vez disso, queria ficar ali. Ele havia encontrado certo aconchego naquelas paredes pálidas e sem vida. Não havia nenhuma distração. Ninguém preocupado em ajudá-lo, ninguém disposto a receber ajuda.


Era apenas ele.


E seus problemas.


Agora mais do que nunca Harry tinha a convicção de que a culpa era dele. Se ele não tivesse nascido, nada disso teria acontecido. Seria aquela a solução então? Voltar e pedir delicadamente que seus pais não se apaixonassem?


Não.


 


Voldemort continuaria sendo perverso, com Harry ou sem Harry. Ou será que as coisas teriam sido diferentes? Era impossível saber.


Mas Harry computou que naqueles últimos meses, “impossível” queria dizer “sob uma dura pena”. E talvez agora essa pena fosse um preço pequeno a pagar. É claro que seria tolice arruinar a própria existência, mas não via alternativa.


Era absurdo, pois as pessoas lutam para viver num mundo melhor, e não morrem para viver num mundo melhor. Harry afastou isso da sua cabeça e admirou-se de como estava sendo egoísta. Lembrou-se dos seus amigos, muitos dos quais morreram por ele, abrindo mão de tudo o que mais prezavam para garantir um futuro melhor. Harry tinha que fazê-lo, muito embora o futuro fosse arruinado de qualquer jeito, seja pelo retorno de Voldemort, ou pela morte de Harry num tempo que não lhe pertencia. De qualquer forma, ele não seria visto como um covarde.


Agora, caminhando pelo extenso corredor, a idéia que o assombrava era o que iria acontecer com Gina, e com o seu filho, se Harry morresse ali. Tudo era muito confuso. Voldemort iria matar o Harry de 1998, mas o Harry de agora permaneceria ali, sem nenhum objetivo, sem nenhuma possibilidade de retorno.


E o que dizer a respeito do outro Harry, o professor?


De alguma forma, Harry via nessa resposta uma possibilidade de êxito. No entanto, teria que lançar mão de todas as suas energias para fazer com que aquela peça sobrando se encaixasse no quebra-cabeça.


Harry abriu outra porta.


Ouviu uma melodia executada com perfeição no piano. Desconfiou de quem seria aquele quarto. Quando notou que começava a chover, teve certeza.


Aquele era o quarto do outro Harry.


A música que ele tocava era extremamente doce e realmente parecia chegar aos seus ouvidos como uma garoa. Talvez fosse por isso que estava chovendo na sala. Conforme a densidade da música ia aumentando, a intensidade da chuva também crescia. A garoa passou rapidamente para chuva e tempestade.


Harry estava encharcado, e sua camisa grudava no seu peito. O mesmo não se podia afirmar do seu xará, que estava impecavelmente seco, completamente absorto nos acordes, ignorando os raios que agora caíam ao seu redor.


A chuva caía de tal forma que era impossível divisar um palmo na frente do nariz. Mas a música ainda era perfeitamente audível. Como esperado, quando “Harry” parou de tocar, toda a tempestade parou, como se nunca tivesse acontecido.


Harry aproveitou a calmaria para observar o quarto. Era exatamente igual ao de Harry, exceto por ser inteiramente branco: a colcha, os móveis e a tapeçaria. As paredes estavam repletas de desenhos, também brancos, mas que eram visíveis – e Harry não pôde deixar de admirar-se com isso – por terem sido bordados no mármore. Pareciam contar uma história épica: uma espécie de Coluna de Trajano em duas dimensões, e Harry já imaginava qual história seria aquela.


- Eu sei o que você procura – Harry, que estava distraído observando o quarto, assustou-se quando “Harry” o chamou.


“Harry” estava vestindo um belíssimo sobretudo preto, de aspecto tão macio que parecia feito de uma espécie de gel. Era a única coisa que tinha cor – embora o preto não fosse uma cor – no cômodo, pois o piano também era branco. A roupa destacava seus olhos verdes, que eram iguais aos de Harry; e sua pele, que era um pouco mais clara que a dele. Também tinha bem menos cicatrizes pelo corpo mesmo não sendo isso visível, mas o seu aspecto não era o de uma pessoa mais feliz. O cabelo estava escandalosamente idêntico ao de Harry, contudo sua testa não tinha uma cicatriz em forma de raio.


- É o mesmo que você? – perguntou Harry, seguido por um instante de silêncio.


- O que você acha?


- Não tenho certeza se sim – respondeu Harry de imediato – não tenho certeza nem se o conheço – ele acrescentou após hesitar.


- Pare de bancar o tolo – desafiou-o “Harry” – nós nos conhecemos há muito tempo, e nos reconhecemos de imediato. É você quem não quer aceitar isso.


- Então você sabe que você sou eu? – Harry perguntou, admirado e com certa dificuldade para formular uma frase gramaticalmente correta.


- Eu sei que nós dois somos a mesma pessoa – “Harry” respondeu – mas não espero que você pense que somos pessoas iguais.


- Com toda certeza nós não somos iguais, apesar de sermos a mesma pessoa – concordou Harry – mas por que você me faz essa pergunta?


- Não foi uma pergunta, mas serviu para deixar claro uma coisa extremamente importante.


- E qual seria essa coisa? – ao contrário do que “Harry” pensava, Harry estava muito confuso.


- Sente-se – “Harry” suspirou, afastando-se para o lado no banquinho do piano, onde Harry sentou-se – vou lhe explicar, mas deixe suas dúvidas para o fim. É muito provável que você as responda sozinho.


“Harry” começou:


- Eu nasci no dia 31 de julho de 1980, filho de Tiago Potter e Lílian Evans, no vilarejo de Godric’s Hollow, onde fui criado até os onze anos de idade, quando entrei em Hogwarts. Meus pais eram muito amáveis e me criaram da melhor forma possível. Tínhamos um gato, eu o adorava e desde pequeno coloquei-o sob minha responsabilidade. Os vizinhos também eram muito amáveis, perto da nossa casa morava Batilda Bagshot – a famosa historiadora da magia – que foi quem me alfabetizou até os dez anos, nutrindo por mim um imenso carinho. Minha maior alegria foi aos nove anos, quando meu pai deu para mim a minha primeira vassoura de verdade, na qual eu o desafiava em pequenas partidas de Quadribol. Meu padrinho, Sirius, vinha me visitar de vez em quando, assim como outros velhos amigos do meu pai. É claro que eles aproveitavam para jogar também. Meu pai havia sido um famoso apanhador, e desde pequeno me ensinava as suas técnicas.


“Também recebíamos a visita de vários bruxos famosos que se correspondiam com meu pai, por ele ser auror, então mesmo antes de entrar para Hogwarts eu já tinha uma grande noção dos feitiços de defesa, e um virtuoso contato com os meus futuros professores. Todos diziam que eu estava destinado ao sucesso, e esperavam – assim como eu – que isso se confirmasse quando eu entrasse para a escola.


Quando isso aconteceu, bem, eu era um excelente aluno, mas não se podia dizer que fosse famoso. Não fazia nada de extraordinário, apenas o que normalmente se esperava de um filho de um auror com boa reputação. Amigos eu tinha bem poucos, na realidade não tinha nenhum. Não conseguia entender por que aquilo vinha acontecendo, mas escondia isso a todo custo dos meus pais.


Aguardava ansioso os feriados no Natal e na Páscoa, para que pudesse retornar ao meu quarto e ficar ali, no único lugar onde eu realmente me sentia livre. Quando era obrigado a retornar eu o fazia, mas porque sabia que não havia muitas opções. Mesmo com todos me dando total apoio, parecia que estava faltando alguma coisa: parecia que faltava um pedaço da minha alma.


Com o passar dos anos, a situação foi ficando tão insuportável que eu decidi reverter o que eu havia feito. Passei a me corresponder secretamente com bruxos de diversas partes do mundo, que estavam dispostos a me ajudar a consertar o meu erro. Então, após alguns anos, eu pus meu plano em prática e bem, como pode ver ele não deu muito certo.”


Harry ouviu àquilo tudo com a maior concentração, quase não respirava ou piscava, no entanto, não era capaz de chorar. Então era assim que teria sido: sua vida sem Voldemort seria também uma vida sem nada.


Harry sabia que a sua ligação com o bruxo era forte, mas aquilo era inacreditável. “Faltava um pedaço da minha alma”, ele repetiu mentalmente as palavras. Harry sabia que muito do que havia feito se dava pelo pedaço da alma de Voldemort junto da sua, mas aquilo ia muito além da ofidioglossia.


E além do mais, como aquilo era possível?


Como era possível alguém viver simultaneamente a ele, sem todos os seus problemas, e sem ele tomar conhecimento?


- Como... – Harry começou mas não precisou terminar. A resposta já estava sendo formulada.


- Ao contrário de você, eu já nasci com plena consciência do que aconteceria comigo. Não tinha coordenação motora, mas as minhas habilidades mentais (e mágicas) eram equivalentes às de atualmente. Então, você pode imaginar o que aconteceu quando Voldemort atacou os meus pais naquela noite.


- Você o matou? – Harry estava perplexo. Como aquilo era possível?


- Apenas contribuí para que meu pai desse cabo dele. A partir daí, foi apenas uma questão de tempo até que Dumbledore encontrasse e destruísse as Horcruxes. Armei meu plano de tal forma que até mesmo a Profecia seria cumprida.


- “Plano”? – Harry indagou – como pode um bebê planejar seu próprio nascimento?


Harry lembrou-se da parte “decidi reverter o que eu havia feito”. Então o que ele havia feito?


- Acho que você está começando a chegar onde eu quero. Você nunca quis saber como seria a sua vida sem Voldemort?


Aquela era uma pergunta que não precisava ser respondida.


“Harry” continuou:


- Eu encontrei um modo que proporcionasse isso. Um professor. Ele tinha uma máquina que fazia a pessoa voltar no tempo não como um mero observador, mas como um agente. No meu caso, eu voltei a ser bebê, por isso sabia o que iria acontecer comigo, e o que deveria ser feito. Com isso pude ter uma das experiências mais felizes da minha vida, no entanto, sabia que também estava perdendo muita coisa, como Gina, Rony e Hermione.


- E quando você quis voltar atrás isso já não era possível – Harry entendeu.


- Sim – disse “Harry” – eu havia percorrido um caminho no qual era muito difícil fazer o retorno.


- Então a sua vigem de volta não deu certo – completou Harry.


- E eu acabei me tornando um professor.


Harry estava atordoado, mas ao mesmo tempo estava absolutamente concentrado. Temia vomitar a qualquer momento, pois parecia que havia uma pedra imensa no seu estômago, e outra maior ainda sobre sua cabeça. Nunca iria imaginar passar por uma situação como aquela.


Mas ainda havia um ponto a ser esclarecido.


O porquê de “Harry” estar ajudando Voldemort.


- O que nos leva ao ponto atual – “Harry” continuou sem que Harry precisasse perguntar – Mesmo com todos os erros que cometi, consegui pensar numa forma de reaver a vida que eu havia perdido.


- E que forma seria essa?


- Tomar o meu próprio lugar – “Harry” respondeu – ou seja, me matar e assumir a minha própria identidade.


Harry gelou, a forma tão natural como aquelas palavras saíam da boca de “Harry” eram assustadoras, mas, ponderando a situação, talvez ele estivesse disposto a fazer isso para recuperar sua felicidade.


- Entendo – disse Harry.


- Mas é claro que eu seria incapaz de matar a mim mesmo, isso sem contar na possibilidade de eu morrer também – “Harry” riu – Também sabia que ninguém iria ter coragem de te matar, visto a esperança que você produzia em todos, exceto uma pessoa. Havia apenas uma pessoa que eu tinha certeza que não iria hesitar em matar você.


- Voldemort.


- Exato – “Harry” continuou – no entanto, tal qual era a minha certeza que Voldemort pudesse realizar essa tarefa, era a certeza que ele seria derrotado nessa tentativa. Por isso, fiz com que ele me procurasse.


- “Se eu for derrotado, volte no tempo e me explique como posso matá-lo” – Harry disse essas palavras conforme uma cena muito vívida ia se formando em sua cabeça.


“Harry” suspirou:


- Depois disso seria necessário apenas mexer alguns pauzinhos e Voldemort estaria morto, e eu com minha vida renovada. Mas essa ligação foi tão forte que trouxe você junto. E agora estamos aqui. Três Harrys lutando por objetivos diferentes, mas incrivelmente parecidos e conectados.


Harry absorveu aquela última frase durante um tempo, depois perguntou:


- Então tudo aquilo que você me disse em sua casa não passou de embolação?


- Quando descobri quem você era, fiquei sensivelmente intrigado, pois sabia que o fato de você estar aqui era devido a uma falha no meu plano, por isso achei melhor averiguar.


- E você nunca pensou em procurar o professor novamente?


- Procurar? – repetiu “Harry” – eu pensei sim em procurá-lo, mas, de alguma forma, deve ter acontecido alguma coisa nesse processo todo, que fez com que eu me esquecesse completamente de como ele é ou de onde ele mora e tudo mais. Se foi intencional ou não eu não sei, mas acho que o nome dele é Brud...não! É como jogador de futebol! Bringle...Bradley...


- Brandon? – Harry arriscou.

- Isso mesmo! – “Harry” acenou positivamente com a cabeça – é esse mesmo o nome!








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Acho que este é um dos capítulos mais aguardados de toda a fic.
Desculpem o atraso, foi realmente muito importante fazer essa pausa
Mais uma vez agradeço a compreensão de  todos.
Espero que continuem comentando e votando muito
Atenciosamente,
AUGUSTO 

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