Engano



Deitado, folhas sob seu corpo.


Onde estava? Harry inspirou e o cheiro ácido de terra inundou as suas narinas. Abriu os olhos, Hermione estava de pé ao seu lado, a aparência aflita.


- Onde nós estamos? – ele fez um esforço tremendo para levantar, mas suas pernas ainda formigavam por causa do tranqüilizante.


- Eu sei que parece loucura – ela suspirou – mas parece que fomos seqüestrados.


Hermione só podia estar brincando. Aquilo não devia ser verdade.


- Seqüestrados? – Harry levantou-se, mancando – Por quem?


- Eu acredito que a pergunta correta seja “pelo quê”.


 


 


CAPÍTULO 4 – ENGANO


 


- Eu não estou entendendo mais nada.


Hermione concordou com o olhar, achando aquilo realmente plausível. No entendimento de Harry, aquele jardim era desabitado, ou numa análise mais profunda, habitado por plantas.


O que era bastante óbvio.


Mas não conseguia imaginar como plantas poderiam seqüestrá-los. Lembrou do muro que quase conseguiu matá-los com um mínimo esforço e reconsiderou. O lugar onde estavam não devia ser maior do que um banheiro comum; na verdade, era escuro, úmido e exalava um cheiro forte – que não chegava a ser de fato malcheiroso.


Sob um olhar mais atento, aquilo era uma cela: três paredes, uma grade, nada mais. E o último aspecto deixou Harry aturdido, pois não havia mais ninguém além dele e Hermione.


A coisa era pior do que ele imaginava.


- Eu pensei que plantas não fossem inteligentes!


- Não estou falando de plantas – corrigiu Hermione – estou falando disso...


Ela apontou para fora da cela onde, para a surpresa de Harry, caminhava uma estranha e minúscula figura.


Parecia um bizarro cruzamento entre um Tronquilho e uma melancia. Com a pele caindo em dobras por todo o corpo, parecia um toco nodoso e com pernas, não devia ter mais de cinqüenta centímetros de altura.


Aquela criatura seguiu na direção deles, acompanhada por outros dois. Ao chegar perto, encostou momentaneamente sua “mão” na grade, e ela tornou-se flexível como cipó. Ela aproximou-se dos dois e olhou fundo em seus olhos – não possuía boca – e Harry conteve a inoportuna vontade de rir, visto que os olhos daquela criatura pareciam duas azeitonas pretas enormes. Sinceramente esperou que aquilo fosse uma máscara, e que alguém saísse detrás dela.


Mas, nada aconteceu; aqueles olhos permaneceram opacos e sem vida, e pelo entendimento de Harry eles seriam transferidos para outro local.


Sentindo-se estupidamente tolo, Harry seguiu as duas melancias andantes. Hermione apertou sua mão, pudera, ela era vinte anos de puro academicismo, e ver aquilo tudo era com certeza um choque de conceitos. Mesmo assim, algo no interior da sua consciência dizia que aquilo não era o pior, ainda.


Atendo-se aos detalhes, chegava-se à conclusão mais óbvia: eles estavam debaixo da terra. Aqui e ali ainda era possível ver alguns vermes rastejantes que, no entanto, não ofereciam risco algum – fugiam ao menor sinal da luz que as criaturas produziam para afugentá-los dali, como se oferecessem um risco mortal para elas.


A luz.


Mesmo estando vários metros abaixo da superfície, Harry ainda enxergava com nitidez, porém a matiz azul dominava sua retina: o túnel era sustentando por raízes, raízes da árvore verde-azul acinzentada que vira anteriormente. Em alguns cantos ainda cresciam alguns arbustos daquela planta – na realidade réplicas exatas daquela árvore, porém em tamanhos diferentes, todos interligados numa mesma raíz.


O túnel ia se alargando conforme iam vencendo os metros, e então começava a serpentear, descer e subir; como se fosse obra das raízes da planta, e realmente eram.


Então a luminosidade aumentou drasticamente. O túnel se abria em um espaço muito amplo, uma grande caverna, e Harry pôde ver tantos outros túneis que convergiam para a mesma. As raízes se emaranhavam pelo chão daquele grande salão rochoso, se adensando cada vez mais até se encontrarem diante de uma das coisas mais bonitas que ele já vira na vida.


Um cedro – que obviamente não era um cedro – com quase setenta metros de altura dominava aquele ambiente. Era intero luminescente e suas folhas pareciam milhões de vagalumes.


Seguiram por uma ponte que parecia ter sido esculpida na rocha. Ela contornava a árvore e era larga o bastante para que seis daquelas criaturas caminhassem lado a lado, mas Harry e Hermione tinham que tomar extremo cuidado para não caírem vinte metros abaixo.


A associação mais lógica para aquilo seria um gigantesco formigueiro, pois a presença de estrangeiros ali não era confortável para as criaturas. Elas pareciam de alguma forma venerar aquela árvore, não como um deus, mas faziam de tudo para protegê-la – já que tudo estava organizado ao redor daquele largo espaço.


Harry estava ficando impaciente, mas ao mesmo tempo buscava entender o que era aquilo tudo. Então, no meio, uma coisa minúscula chamou sua atenção.


Uma flor, a mesma planta descrita nas anotações de Brandon.


Era aquela árvore.


De alguns dos seus galhos saíam ramos mais desenvolvidos da mesma flor, diferentes estágios de crescimento. As flores “fecundadas” formavam casulos que iam aumentando até que ficassem de um tamanho que a planta não suportaria.


Do tamanho de melancias.


Harry achava aquilo o absurdo do absurdo. Ainda assim, era uma excelente estratégia de sobrevivência uma planta que produzia soldados dispostos a protegê-la. Só não entendia onde eles entravam naquela história.


Eles passaram por mais um túnel muito comprido e chegaram à cela onde Rony estava com Lavalle.


- Não fale nada! – Rony interrompeu antes mesmo de Harry abrir a boca – Eu também não estou entendendo!


- Ninguém está entendendo nada – disse Hermione, olhando preocupada para Lavalle.


- Essas coisas – Rony apontou para fora – são plantas, não são?


- Parece que são um meio-termo – acrescentou Harry.


- Não há nada que possamos fazer por ela? – Rony também estava preocupado, afinal, eles não sabiam quanto tempo haviam ficado sedados.


- Na realidade há sim – todos olharam para Harry – vocês não notaram? – ele reclamou – a planta que está matando Lavalle é a planta que está lá fora!


- Você chegou a essa conclusão bem rápido, a Girdanius Calostoporus é na verdade o veneno mais poderoso que já existiu, mais que o do próprio basilisco.


Harry olhou para os lados, buscando o dono da voz. Aparentemente também já estava ali fazia algum tempo. Ele usava roupas folgadas, tinha feições um pouco orientais, mais era jovem, dezenove anos no máximo, e o cabelo era negro, crescendo rebelde até o meio das costas.


- E, ah – ele acrescentou, com os olhos verdes bem abertos – eu sou Christopher Lawliet!


Um silêncio sepulcral se fez, agora é que ninguém estava entendendo nada!


- Como? – perguntou Hermione, rompendo aquela bolha de silêncio.


- Eu sou Christopher Lawliet – ele repetiu, como se estivesse dizendo “o céu é azul”, e com um olhar de esguelha para Hermione quis encerrar a discussão.


Hermione corou levemente.


- Acontece que pensamos que o senhor estivesse MORTO! – Rony frisou a última palavra, ciumento.


- Verdade?! – Harry já estava querendo dar um soco em Lawliet, mas reconsiderou, Hermione já estava esfregando seu exemplar de “OS SEGREDOS DO TEMPO POR ADALBERTO GROSKI” no nariz dele.


- Adalberto, seu safado! – Lawliet terminou de ler o texto.


Os outros três se entreolharam.


- Está tudo errado aqui! – ele devolveu o livro para Hermione, assumindo uma posição mais séria – Primeiro, o mais óbvio: eu estou vivo. Segundo, aquilo que todos esqueceram: eu sou um Professor...


- VOCÊ É UM PROFESSOR?! – os três exclamaram em uníssono.


- E vocês são bruxos, não é o máximo? Agora vamos unir nossas mãos em roda e girar pelados em campo aberto homenageando a Lua!


- Escute – Harry interrompeu – o assunto aqui é um pouco sério...


- Eu sei como é, já fui raptado por essas melancias uma porção de vezes...mas creio que o problema maior seja ela ali, não é?


- Isso está bem claro – disse Rony.


- Pois bem, então vocês realmente precisam de ajuda – ele retomou um tom sério. Era impressionante a rapidez com a qual transitava entre uma personalidade e outra. Em outras ocasiões Harry teria suspeitado daquilo, mas ele estava oferecendo ajuda e ele não podia se dar  ao luxo de negar.


- Digamos que Adalberto não está de todo errado – Lawliet continuou – o normal ao se virar Professor é parar em uma localidade totalmente aleatória. Eu devo ser o único que permaneceu no mesmo lugar, não é normal, então ele presumiu que eu estivesse morto. A energia resultante do meu feitiço errado fez com que, além de tornar-me um Professor, que essas plantas se desenvolvessem acima do normal. Para terem uma idéia, a planta que hoje delimita este jardim tinha dez centímetros de altura!


“Desculpem se ela lhes fez algum mal, é que ao organizar minha estufa deixei as plantas mais violentas perto das entradas por medida de segurança. As mais valiosas ficavam mais para o centro, como no caso da Girdanius Calostoporus. Não vejo problemas em ficar aqui, tomo medidas para evitar que as autoridades descubram este local, já que temo que a minha existência esteja ligada à destas plantas. O problema é, como sempre, a Girdanius Calostoporus.”


- Como assim? – perguntou Hermione.


- A maioria das plantas deste jardim não me identifica como ameaça. Creio eu que tenham notado o fato do ataque do muro pouco afetar a sua amiga – ele apontou para Lavalle – as plantas pensam que sou eu.


“Isso também explica como Brandon entrou aqui” pensou Harry.


- Mas com a Girdanius Calostoporus é diferente – Lawliet fixou os olhos no teto – ela já é extremamente venenosa por natureza, não precisa de outras defesas, mas ainda assim cria aqueles soldadinhos: sementes na verdade, e igualmente venenosas. Eu devo tê-la tratado mal para ela agir dessa forma.


- Você fala de plantas como se tivessem sentimentos – Harry observou.


- Eu sou herbologista, é inevitável criar um vínculo forte. Certa vez uma folha daquela árvore caiu na minha cabeça, eu fiquei em êxtase por uma semana, eu acho. Felizmente, são necessárias doses cavalares para matar um Professor, mas mesmo assim eu evito chegar perto dela, embora precise destruí-la se quiser continuar vivendo aqui, já que a cada dia ela se apodera de mais espaço. Por isso sempre acabo sendo capturado por essas criaturas.


- Mas você não disse que pode morrer se o jardim for destruído? – perguntou Rony.


- Eu disse, mas esse é um risco que pretendo correr – ele suspirou – além disso, estaria destruindo apenas uma planta, o resto do jardim sobreviveria, apesar do tamanho descomunal da árvore.


- E essa árvore é venenosa apenas para Professores? – perguntou Harry. Ele queria saber agora como Brandon soube da existência daquela àrvore.


- Acredito que sim – Lawliet suspirou novamente – mas não tenho a menor idéia de como destruí-la. Por mais que destrua a principal, existem incontáveis árvores menores que podem continuar vivas, não sei ao certo. Além disso, ainda há milhares de sementes por aí que germinariam ao menor sinal de ataque á árvore-mãe.


“Pelo que entendi nessas últimas tentativas, se ainda existir uma árvore-filha conectada à mãe, e a árvore-mãe for destruída, a filha toma seu lugar. Mas se a filha for removida da mãe e a mãe morrer, ambas morrem.”


- Mas como você disse, existem milhares de filhas – lembrou Rony.


- Espere! – todos olharam para Hermione.


- O que? – Lawliet pareceu ofendido pela interrupção.


- Você disse que se a filha estiver desconectada da mãe quando a mãe morrer, ambas morrem, certo?


- Sim – ele acenou positivamente com a cabeça.


- E o que exatamente pode ser considerado “árvore-filha”?


- Qualquer ramificação da planta, na verdade. Mesmo que ela fosse triturada até virar pó, continuaria sendo uma filha. Por quê?


- Hermione, você é um gênio! – exclamou Harry, que agora precisava descobrir um jeito de destruir uma árvore de setenta metros de altura.

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