O Outro Professor



Os três desaparataram ao lado de uma caçamba de lixo num beco escuro. Harry olhou para cima e pôde ver o céu cinza claro de um fim de manhã. Mais que depressa, eles enfeitiçaram uns aos outros com o Feitiço da Desilusão e se cobriram com a Capa da Invisibilidade, que a essa altura só cobria até os joelhos.


Seguiram para fora do beco e a claridade do início de primavera inundou os seus olhos. A rua estava muito movimentada, casais apaixonados iam fazendo as suas compras para o dia de São Valentim, e o trio invisível fazia contorcionismos para desviar da massa que caminhava na contramão.


Precisavam achar um lugar tranqüilo para pensar, então, quase que por milagre, um prédio surgiu diante deles. Harry achou aquele letreiro particularmente acolhedor:


 


BIBLIOTECA PÚBLICA DE CHIPPENHAM


 


“Abençoada seja Madame Pince!” pensou Harry, a bibliotecária sempre dizia que o melhor lugar para pensar era a biblioteca.


 


CAPÍTULO 4 – O OUTRO PROFESSOR


 


Cruzar a rua foi um desafio em especial. Visto que na Inglaterra se você põe o pé na rua todos os carros param, se você não estiver invisível. Também há um tipo especial de semáforo, com um botão que você aperta para que ele fique vermelho. Mas também era muito estranho um semáforo ficar vermelho para que o vento atravessasse a rua.


Após esperar que alguém apertasse o dito botão, eles atravessaram a rua, e quando chegaram do outro lado houve uma outra briga com a porta automática.


- Vamos pela escada – disse Rony, não por claustrofobia mas sim porque não queria perder mais uma meia hora esperando alguém ir para o exato andar que eles queriam.


Eles chegaram à entrada da biblioteca, que ficava no terceiro andar do prédio, e julgaram o ambiente vazio o suficiente para despir a Capa e ficar apenas com os Feitiços de Desilusão. Eles podiam se ver e ver uns aos outros, uma vez que foram eles que conjuraram os feitiços.


Harry e Hermione contornaram uma pequena prateleira que continha os “mais requisitados livros infanto-juvenis”, mas Rony se ateve em observá-la por um tempo:


- Que estranho Harry – ele sussurrou – aqui tem um livro que o título tem o seu...


- Ora Rony, não temos tempo para isso! – Hermione foi até onde Rony estava e o arrastou para perto da mesa onde estava a única visitante da biblioteca naquele horário.


Harry admirou-se da sua própria sorte: a moça – que se chamava Vanessa, pelo que Harry viu no cartão que ela deixou sobre a mesa – estava lendo exatamente uma reportagem no jornal que mostrava com exatidão as áreas afetadas pelo apagão. Harry até sabia qual era essa localização, mas só tinha pontos de referencia bruxos, e desconfiava de que o professor estava escondido no mundo trouxa.


Ele abaixou a cabeça o máximo que pôde sem encostar-se a ela, para estudar melhor o infográfico no pé da página. No centro dos círculos concêntricos em dégradé estava a cidade para onde eles deveriam ir.


Devizes, que ficava a apenas meia hora de carro na direção sudoeste de Chippenham.


Harry se afastou e foi seguido pelos amigos. Como se soubesse que poderia ir embora, a moça se levantou, dobrou o jornal e recolocou-o numa pilha ao lado da mesa da bibliotecária.


Antes de sair, ela emprestou um dos livros da estante que Rony admirara e foi saindo quando Hermione sussurrou:


- Corram se não querem esperar a porta automática!


Eles seguiram a garota e conseguiram entrar no elevador um segundo antes da porta se fechar. Ela parece que não deu muita atenção ao ar deslocado pela entrada repentina dos três, porque virou para o vidro na parede do elevador e começou a arrumar o cabelo.


Quando as portas se abriram, eles se cobriram mais uma vez com a Capa e correram para passar junto com ela pelas portas automáticas:


- Ufa! – disse Hermione, que lembrou que também havia o semáforo – ela vai cruzar a rua!!


E correram mais um pouco atrás dela, tendo que desviar da imensa fila em um caixa eletrônico. Quando chegaram do outro lado, Rony quase caiu em cima de um carrinho de bebês ao conseguir tropeçar nos dois centímetros de altura do piso tátil para cegos na calçada. Os gêmeos começaram a chorar e a mãe se apressou em consolá-los.


- Rony, tenha mais cuidado! – reclamou Hermione, sentando num banco de praça ao lado de um playground de plástico, mas teve que levantar rapidamente, pois por pouco que a mesma mãe não senta em cima dela.


- É um pouco difícil quando se está invisível – Rony retrucou, e Hermione foi forçada a concordar – cadê o Harry?


Rony deu pela falta do amigo, que estava observando os cartões postais numa banca de jornal ali perto. Encontrara um de Devizes, com uma vista aérea de uma igreja murada cercada de árvores muito verdes no canto inferior esquerdo, e uma praça com o que parecia um memorial de guerra cercado de barraquinhas de feira. Ao redor da praça também havia dezenas de ruas tortuosas onde se enfileiravam casas idênticas com tijolinhos à vista. Aquilo já era o suficiente para garantir que eles desaparatassem no local correto. Harry não gostava de se guiar pelo nome dos lugares, como fazia Hermione.


 


Desaparataram naquela praça, e o cartão postal pareceu ganhar vida. Era exatamente a mesma cena retratada. E exatamente o mesmo trabalho para desviar da multidão que contornava a praça ou saía da igreja. Parecia haver uma pequena exposição de carros antigos naquele dia, e Harry não pôde deixar de notar um pequeno rebuliço em torno de um Ford Anglia idêntico ao do Sr. Weasley, que parecia ter sido usado num filme muito famoso.


Seguiram para o lado direito da praça, na direção contrária à multidão, até que chegaram num beco sem saída: um estacionamento vazio, que dava para um corredor extenso. Era muito difícil dizer que aquele era o lugar certo, mas o instinto de Harry estava apitando.


Foram caminhando pelo corredor, escutando os ecos da praça distante, até que chegaram a um rústico pórtico em forma de arco. Entraram. O pórtico dava para um pequeno pátio com grama no centro, e ali havia diversas janelas. Seria seguro espionar?


Não era preciso. Harry lembrou-se do que Dumbledore havia lhe dito: “Magia, e especialmente magia das Trevas, deixa vestígios” e ele podia praticamente sentir seu cheiro no ar, fosse pela movimentação na praça, ou pela moça recém saída do restaurante italiano que estava pondo o lixo da manhã para fora.


Ela olhou na direção dos três. O que era estranho, uma vez que não podiam ser vistos. Então Harry lembrou-se de que talvez o feitiço estivesse perdendo o efeito.


- É bom vocês não querem nada com esse cara que mora ali – ela largou o saco de lixo dentro da caçamba para abafar a voz – ele é pirado – só agora Harry notou o estreito corredor que continuava para além do pátio, com uma porta de madeira escondida pela sombra do prédio – Acho que é por causa dele que a cidade ficou sem luz semana passada... – Harry não ouviu mais nenhuma palavra, aquela era a confirmação de que precisava.


- Bem, obrigado – ele disfarçou – só estamos aqui de passagem...


- De nada, se vocês quiserem comer, eu sou do restaurante ali da esquina...


- Obrigada, mas nós já comemos – agradeceu Hermione.


- Uma pena então, a comida é ótima – ela foi saindo de perto da caçamba – é melhor voltarem para a praça – ela repetiu, virando de costas para os dois. Quando ela estava quase saindo do outro lado do pórtico, Harry apontou a varinha e ordenou:


- Obliviate! – e ela parou por um segundo, antes de recomeçar a andar, e antes deles se esconderem atrás da caçamba de lixo.


- O que nós vamos fazer? – perguntou Rony.


- Não precisa se preocupar, ela foi obliviada, não vai se lembrar de nada! – garantiu Harry.


- Não! – reclamou Rony – estou falando de como nós vamos entrar ali – ele apontou para a porta nas sombras.


- Acho que eu já sei como – Harry se levantou e seguiu pelo corredor até a saída da igreja, onde encontrou um grupo de turistas que não perceberam sua aproximação, uma vez que ele havia reforçado o Feitiço da Desilusão.


Conseguiu arrancar uma boa quantidade de cabelo dos três, sem que tomassem conhecimento. Tendo o cuidado de não misturar os três tufos, ele voltou para onde Rony e Hermione estavam:


- Espero que você tenha guardado os frascos de Poção Polissuco que Neville me deu – Harry disse para Hermione, exibindo os três tufos de cabelo, e dando um para Rony e outro para Hermione.


- C-claro que sim – ela estava confusa – Harry, você não está pensando em...


- Qual é o problema disso? – ele indagou – é a forma mais segura de nos aproximarmos dele. E sabe Deus de que lado ele está!


- Mas Harry, não temos roupas! – lembrou Rony.


- Não se preocupem – ele tranqüilizou – não escolhi os trouxas assim, a esmo. Eles são mais ou menos do nosso biotipo. Poderemos usar essas mesmas roupas.


Eles foram seguindo para um supermercado próximo, onde poderiam se trocar com um pouco mais de privacidade – e aquilo lembrava estranhamente a Harry a primeira vez que usara Poção Polissuco.


Harry e Rony entraram no banheiro masculino e Hermione no feminino, e trataram de se encontrar ao de onde se guardavam os carrinhos de compras.


- Saúde – disse Rony para Harry, no reservado ao lado do seu.


- Saúde – Harry respondeu. Seu último brinde havia sido quatro anos depois. Estranho.


Uma vez reguladas as vestes, eles saíram do banheiro e tiveram certa dificuldade em encontrar Hermione, porque estavam receosos que sua figura fosse a da trouxa verdadeira.


- Psiu! – ela estava encostada ao lado do contador de moedas – sou eu!


- Ah! – Rony tentou disfarçar o quão confuso ele estava – é claro que é você


- Então Harry, está pronto pra disparar o interrogatório? – perguntou Hermione.


- Acho melhor você fazer isso – ele riu – você tem mais experiência.


- Nem tanto – ela se fez de modesta.


A verdade é que Harry nunca estivera tão preparado para algo em toda a sua vida. Seu único pensamento era retornar para os braços de Gina o mais rápido possível.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.