Addie.



Capítulo Três; Addie.



Era o dia da aula de vôo.

Eu estava no meu quarto, sentada na cama, respirando fundo e tentando controlar o enjôo. Eu tenho muito, muito medo de altura mesmo. Não consigo nem olhar pela janela da torre da Grifinória sem ficar sem ar, de verdade.

Mas, como eu já tinha perdido as aulas da semana passada, fingindo estar doente – Madame Hoot ensina uma vez por semana só -, teria que ir de qualquer jeito.

Me levantei e vesti a roupa de sempre. A saia quase-meio-que-curta, blusa de botões branca com as mangas enroladas até o cotovelo, gravata dourada e vermelha, meias compridas e pretas e sapatos. Tão sem graça, pensei. Fui até a minha cabeceira e peguei dois elásticos, prendendo meu cabelo castanho em duas tranças. Lembro de como minha mãe prendia meu cabelo em tranças baixas e dizia que eu ficava muito fofa assim, embora eu sempre achasse o contrário.

- Licy, você não vai acreditar no que acabou de acon...

Ao olhar pra porta escancarada do meu dormitório, meu olhar se encontrou com o de Johanna. Ela divide o quarto comigo e sua cama fica do lado da minha.

- Ah, oi – ela falou, meio tímida. – Desculpa, Allie. Você viu a Felicity por aí?

- Acho que ela já foi pra aula – respondi. Johanna suspirou e se virou para sair. – E o nome é Addie, não Allie.

Não sei se ela ouviu, porque continuou andando.

Eu já estava acostumada em não ser notada nem pelas minhas colegas de quarto, mas meio que doía perceber que uma delas esqueceu meu nome. Todas elas eram tão populares, e eu tão, tão... normal.

Johanna era filha de um inglês muito rico, trouxa, mas as más línguas diziam que eles não mantinham uma boa relação. Sua mãe era bruxa e quando nova havia desfilado para várias revistas e ficado famosa. Johanna era tão bonita, com cabelos negros e lisos, e olhos castanhos. Os meninos de Hogwarts sempre arrumavam uma desculpa para falar com ela.

A melhor amiga de Johanna se chamava Felicity e vinha de uma família americana totalmente bruxa. Sua mãe trabalhava no Ministério da Magia dos Estados Unidos e morava com seus irmãos e seu pai e ela moravam na Inglaterra juntos. Felicity era quase tão bonita quanto Johanna, com olhos verdes e cabelos tingidos de rosa. Sua beleza era exótica, diferente do estilo clássico de sua melhor amiga.

Eu de certa forma invejava a relação das duas.

- Você não vai chorar. Não vai. Não vai. – murmurei para mim mesma. Era como um mantra, eu costumava repetir isso muitas vezes por dia quando minha mãe entrou em coma. Me ajudava a clarear os pensamentos. E, bem, a controlar as lágrimas.

Respirei fundo e tomei o caminho do campo de quadribol.




Madame Hoot estava usando seu uniforme de sempre, com um chapéu azulado e uma vassoura bonita ao seu lado. Apenas alguns alunos da Grifinória do sexto ano estavam lá, cada um com sua vassoura em mãos. Quem não tivesse uma – o que é o meu caso – usaria uma da escola. Infelizmente aquela coisa velha machucava meu bumbum e suas cerdas tortas e sujas não me passavam nenhuma confiança. Havia várias turmas do sexto ano de vôo, já que eram tantos alunos que não caberiam em uma classe só.

Fiquei olhando para o chão, como sempre faço. De verdade, a grama é muito mais interessante que qualquer grifinório metido e chato. Eu sabia que Johanna e Felicity estavam naquela aula, além de um menino que costumava ser meu amigo antigamente mas virou popular e agora me ignorava. Seu nome era Ashton Ludmoore, e ele tinha cabelos lisos e loiros, compridos, batendo em seu ombro, e olhos verdes pequenos. Ele estava rindo e conversando com um outro menino e uma menina.

Lembro de ter ficado muito, muito triste quando ele parou de falar comigo no início do Segundo Ano. Chorava o tempo todo, e nem o mantra da minha mãe me ajudou naqueles tempos. Desde o início de Hogwarts, quando viemos para a escola no mesmo vagão, nos tornamos inseparáveis. Líamos juntos debaixo de uma árvore perto do lago nas tardes de verão e dividíamos a xícara de chocolate quente no inverno. Ashton me ajudava a estudar e eu o ajudava também. Eu o via como o irmão que nunca tive, como alguém com quem sempre poderia contar e que sempre me ajudaria. Porém, parece que ele pensava de outro jeito.

Certo, eu odeio flashbacks, mas fazer o quê?

Flashback.

Estávamos correndo, eu e ele, por um dos corredores de Hogwarts. O sol já estava se pondo, e todos os alunos estavam no Salão Principal jantando. Todos menos nós, porque decidimos aproveitar aquela hora para brincar de pega-pega no corredor vazio.

- Addie, você é muito lerda! – Ashton disse rindo. Naquela época seu cabelo estava curto, chegando em sua orelha.

- Calma, Ash! Você... Você que não me espera! – ofeguei. Me canso muito rápido, sempre foi assim. – Pára um pouquinho... Por favor...

- Tá bom, sua boba. – Ele deu língua. Sentei no chão, com as costas encostadas na parede de pedra fria e os olhos voltados para o entardecer que podia ser visto da janela. Ashton se sentou ao meu lado.

Eu nunca precisara de amigos antes; eu o tinha. Ash era meu melhor amigo, e se ele estivesse comigo, eu tinha certeza que tudo ficaria bem. Deitei minha cabeça em seu ombro.

- Você me promete uma coisa? – perguntei.

- Qualquer coisa.

- Você vai ser meu amigo pra sempre, Ash? Promete que vai, por favor. E que nunca vai me deixar, que estaremos sempre juntos.

Era o meu maior desejo naquela época.

- Eu prometo que estarei sempre ao seu lado e que nunca te deixarei... Mas não vou ser seu amigo pra sempre.

- Por que não? – perguntei, levantando minha cabeça e o olhando intrigada.

- Porque eu não quero ser só seu amigo, Addie. Quero ser mais que seu amigo.

- Hm? Não entendi, Ashton – falei, confusa. Nenhum garoto jamais havia se declarado para mim, então eu não tinha a menor idéia do que ele estava falando. – Como assim mais que amigo? Me explica, por favor.

- Desse jeito, ó.

E então ele me beijou.

O beijo não foi nada de mais, apenas um encostar de lábios singelo e inocente. Mas, mesmo assim, me deixou chocada, porque não é todo dia que alguém rouba o seu primeiro beijo.

- O que... O que você fez? – perguntei, com a mão na boca e olhos arregalados.

- Te beijei. – Ash sorriu. – Quer ser minha namorada, Addie?

- Eu... Não posso.

Ashton era, como já disse, um irmão. E beijar um irmão já era nojento demais, imagine namorar com um! Eu simplesmente não queria que aquilo acabasse. Que nossa amizade mudasse e fosse embora, como folhas levadas por uma brisa, como algo que não fora importante.

- Desculpa, Ash, mas eu te enxergo como um irmão. E eu não posso namorar um irmão. Desculpa, desculpa mesmo! – E então, lágrimas começaram a descer dos meus olhos.

Seu rosto se contorceu de raiva e ele se levantou. Fiz o mesmo.

- Então pode me esquecer, porque não somos mais amigos.

E foi embora. Simplesmente virou-se e foi. Todos os meus sonhos, todas as minhas esperanças para um futuro com ele ao meu lado foram despedaçadas como uma xícara de porcelana que se quebra, os pedacinhos espalhados por todos os cantos e muito, muito difíceis de se catar. Algo que nunca voltaria a ser como antes, mesmo que eu colasse pedaço por pedaço, já que as cicatrizes sempre estariam ali para me lembrar do passado.


Fim do Flashback.

Chorei durante toda a semana que faltava para as férias de verão, e depois chorei no vagão, onde viajei sozinha, chorei também na estação, esperando meu pai vir me buscar, e por fim dormi chorando. Meus olhos pareciam duas maracujás enrugadas, secos e sem lágrimas, já que eu havia posto todas para fora.
Todos os dias eu esperava uma carta dele, sentada em minha janela e analizando o céu a procura de corujas. E embora todos os dias eu fosse para a cama frustrada, continuava a voltar todas as manhãs, a esperar. Porém, nenhuma carta chegou, e a única coisa que consegui ao ficar sentada em minha janela fora uns bons hematomas no bumbum.

Dois meses depois, na volta para Hogwarts, uma pequena chama de esperança se acendeu em mim, e eu esperava que Ashton tivesse esquecido os acontecimentos do passado e voltado a falar comigo. Quando cheguei na estação e dei adeus ao meu pai, passei meus olhos pelos alunos, o procurando. Não deveria ter feito isso, já que minhas esperanças foram embora tão rápido como haviam chegado.

Ash estava rodeado de outras pessoas, na maioria meninas, rindo com seus novos amigos. Seu cabelo estava maior, e ele tinha furado a orelha. Suas roupas estavam diferentes, eram agora de marcas caras e bonitas. Até o seu jeito havia mudado, como pude notar de longe.

Algum tempo passou até que eu parasse de pensar no que havia acontecido. Minhas notas baixaram precariamente, parei de comer e faltava aulas – quero dizer, ainda falto. Mas isso não vem ao caso agora -, e isso continuou por um bom tempo. Até que um dia, quando percebi que estava encarando um vidro de calmantes com desejo, resolvi dar um basta. Aquilo já havia ido longe demais, e suicídio não resolveria as coisas, apenas daria um fim covarde à elas.

- Estão todos aqui? – A voz de Madame Hoot interrompeu minhas lembranças melancólicas, e eu a agradeci em pensamento. – Muito bem. Como vocês já estão mais do que iniciados na arte de voar, iremos tentar algo um pouco mais radical hoje. Cada um terá que arrumar um parceiro, e os dois irão tentar algumas acrobacias no ar. A atividade será feita em dupla para diminuir o risco de lesões, já que muitos aqui, infelizmente, ainda não conseguem pilotar uma vassoura direito.

Meu coração começou a bater forte de medo, minhas mãos começaram a suar e meu rosto ficou gelado. Trabalhos em dupla eram meu pior pesadelo, já que eu nunca conseguia alguém para ser meu parceiro e tinha sempre que passar pela humilhação de o professor – ou, nesse caso, professora – perguntar em voz alta se alguém estaria disposto a me encaixar em seu grupo. Normalmente, depois de alguns segundos constrangedores em que todos ficavam em silêncio, o professor me colocava em um grupo qualquer, girando os olhos diante da minha total incompetência social.

As duplas já estavam se formando, e eu continuava plantada lá como uma idiota, olhando pra maldita grama e pros meus sapatos surrados.

- Os grupos já estão formados? Ótimo – Madame Hoot disse, assentindo positivamente.

Fui abrir minha boca para dizer algo, provavelmente falar que não tinha dupla, mas alguém entrelaçou seu braço no meu. Apesar da situação constrangedora de ter uma pessoa desconhecida encostada em mim, suspirei em alívio. Merlin é bom e existe!, pensei.

- Prestem bem atenção, pois só irei mostrar uma vez. – falou Madame Hoot, subindo em sua vassoura e se lançando no ar.

Nem me importei, estava mais interessada no meu salvador. Olhei toda feliz para a cara do dito-cujo e quase caí para trás. Porque o meu par agora era aquele loirinho irritante que havia esbarrado em mim no dia anterior.

- Você! – quase gritei, soltando meu braço do dele.

- Sim, eu, que beleza, não? – Ele sorriu.

- Ah, claro, a melhor coisa que poderia ter me acontecido – Girei os olhos. – Idiota. Eu não quero ser sua dupla.

- Hm, então tá. Mas você sabe que não vai arrumar outra pessoa, né? Que vai ficar igual uma coitadinha ali na frente, enquanto a professora arruma um grupo para você se encaixar, porque você é a excluída, a perdedora fracassada e sem amigos.

Engoli o choro. Não vou chorar, não vou. Não posso dar a esse imbecil o prazer de ver lágrimas caindo dos meus olhos.

Infelizmente falar é muito mais fácil do que fazer, e uma lágrima teimosa caiu antes que eu pudesse impedir. Acho que sei porque aquilo doeu tanto. Porque é verdade.

- Entenderam? – Madame Hoot perguntou, voltando ao chão. Esfreguei os olhos e forcei um sorriso. – Agora podem ir. Irei observá-los daqui.

- O que temos que fazer? – perguntei para o menino idiota. Foi aí que percebi que até agora não tinha idéia do nome dele. Dane-se, eu é que não vou perguntar.

- Sei lá, tava distraído conversando com você – ele respondeu. Perfeito, minha nota em vôo já é péssima, agora é que melhora mesmo. – Vamos improvisar!

Ele piscou para mim. Como todos estavam voando em duplas, com duas pessoas na mesma vassoura, o menino me disse para montar em sua garupa. Ele tinha uma vassoura linda, provavelmente a mais nova do mercado, com cerdas brilhantes e bem-arrumadas. O cabo tinha inscrições em ouro, e a madeira era escura. Admito, amo vassouras, pena que odeio a idéia de voar em cima de uma delas.

- Eu não vou subir aí, não vou mesmo – falei, dando um passo para trás. – Eu só vôo a, no máximo, trinta centímetros do chão. É sério, menino, eu tenho medo. Mesmo.

- Deixa de bobeira, garota – ele disse, e, num puxão, me colocou em cima da vassoura com ele. Soltei um grito abafado, arregalando os olhos quando o troço começou a subir cada vez mais. – Eu não vou deixar você cair.

- Não olha pra baixo, não olha pra baixo, não olha pra baixo – murmurei para mim mesa, apertando a cintura do garoto e enterrando minha cara em suas vestes. Ele tinha cheiro de baunilha com lavanda. Era bom, embora seja vergonhoso admitir. – AAAAH!

A vassoura começou a dar rodopios desenfreados no ar, e eu me senti como se estivesse em uma montanha-russa gigante, cheia de curvas e loopings. Aos poucos, os outros alunos desceram pro chão e ficaram nos observando. Ouvi o barulho de algumas palmas.

- Me tira desse troço! Me tira daqui AGORA! – gritei, esmurrando as costas do idiota.

- Ai, garota, como você é chata! – ele reclamou. Olhei pra cara estressada dele e corei ao perceber o quão bonito ele era. Seus cabelos loiros estavam balançando com o vento e seus olhos azuis refletiam a luz do sol. O soquei de novo, mais para me livrar dos pensamentos esquisitos do que para puní-lo por me xingar. – Tá bom, tá bom! Afee, mas que droga, hein?

Suspirei em alívio quando ele voltou para a terra firme. O menino desceu da vassoura, que estava flutuando perto do chão, e levantou uma sobrancelha.

- Como é? Não vai descer?

O problema é que eu sabia que assim que pusesse meus pés no chão minhas pernas cederiam e eu cairia no meio de toda aquela gente. Uma cena linda de se ver, com toda a certeza.

Mas eu não podia ficar naquela vassoura para sempre, então arrisquei apoiar o pé direito no gramado, fazendo uma careta ao sentí-lo ceder.

- Hm, será que você... Bem, será que você pode me ajudar? – perguntei com vergonha, não encarando seus olhos.

- Que seja – o loiro respondeu, rolando os olhos. Ele veio até mim e passou meus braços pelos seus ombros – musculosos, é verdade -, segurando minha cintura com sua mão livre. Fiquei vermelha e rezei para que ninguém estivesse prestando atenção na gente.

Há, doce ilusão! Toda a turma, inclusive Madame Hoot, nos olhavam embasbacados, com queixos lá no chão. Desviei os olhos para os meus sapatos mais uma vez, e continuei a andar com o apoio do idiota.

- Quer ir para a enfermaria? – ele perguntou, tirando a franja dos olhos.

Assenti levemente com a cabeça, sentindo que meu estômago se revirava mais a cada minuto. Tinha medo de vomitar ali no meio de toda a classe, então apressei o meu passo o máximo que pude com a ajuda dele.

Aos poucos fomos nos afastando do campo, e não demorou muito tempo para chegarmos na porta da Ala Hospitalar. Madame Pomfrey nos recebeu com um sorriso e pediu que eu sentasse em um dos leitos enquanto ela preparava uma poção revigorante ou algo do tipo.

- Pode ir embora, menino – falei para ele, que estava parado ao meu lado com uma expressão entediada.

- Não antes de ouvir a palavrinha mágica – ele disse com um sorriso sarcástico.

- Eu não vou te agradecer. Pra começar, foi você que começou tudo isso me colocando na sua vassoura e me levando lá pro alto, seu... seu... Argh! – exclamei, enterrando minha cabeça no travesseiro.

- Hm, foi mal – o menino disse, me surpreendendo. – Eu não levei a sério quando você disse que tinha medo de altura. Me perdoa?

Ele estava com uma cara tão fofa de cachorrinho abandonado que fiquei com pena. Sério.

- Tudo bem – falei, desconfiada. – Ah, e... Obrigada também, por me trazer aqui, sabe como é. - Corei, e mordi o lábio inferior.

- Sem problemas. A propósito, quer sair comigo?

Acho que meus olhos devem ter ficado do tamanho de pratos, porque o menino me olhou com uma cara estranha. Respirei fundo, contei até vinte e sete e estrangulei o lençol discretamente com uma mão para conter a raiva.

- Não.

A resposta foi curta e grossa, mas ao contrário do que eu esperava, ele riu.

- Eu já esperava por isso. – E então, piscando, ele mandou um beijinho no ar para mim e saiu da enfermaria com um sorriso no rosto, me largando lá com uma cara chocada e, bem, vermelha.




N/A: sinceramente, eu não gostei muito desse capítulo não, e até pensei em tirar a parte do Ashton da estória, mas acabei deixando porque gosto dele *-* aah, já até coloquei o perfil dele no capítulo dos Personagens. (: não sei se as pessoas vão reconhecer o cara na foto do Ashton, mas a du.dy conhece, né não? ;D [pra quem não sabe, é o Kyle Burns, baterista do Forever The Sickest Kids] ... e, pra falar a verdade, eu não gostei nem desse capítulo, nem do próximo, que vai ser sob o POV do Robert. mas o capítulo 5 vai ser melhor, e eu to com uma idéia legal *-* 'Brigada a todo mundo que comentou e quem passou na fic também. eu sempre vou no perfil de quem passa aqui [e comenta, lógico], e se eles tiverem fic, eu visito [e leio... às vezes :x] o capítulo 4 já tá pronto, mas vou esperar terminar o 5 pra postar. Beeijo !

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