"Dudoca querido"

"Dudoca querido"



Enquanto esteve no carro, Harry Potter não ouviu nada do que seu tio, Valter Dursley, dizia. Tinha noção de que era algo desagradável. O tom de voz do homem gordo não permitia dúvidas. Vez ou outra, ela se elevava e o sujeito sacudia a mão quase no rosto do rapaz. O efeito era mínimo. Instintivamente, Harry movia a cabeça para mais perto da janela. Seus olhos tristes acompanhavam a mudança na paisagem. Mas nem isso ele parecia registrar. Desde que deixara a estação de King’s Cross, emudecera. O senhor Dursley continuou a ladainha até estacionar o veículo na garagem de sua residência. Bateu a porta com força e prosseguiu o discurso enfadonho.

- É isso mesmo. De agora em diante, chega dessas bizarrices. Não, senhor. Não na minha casa. E pode se preparar. Sua tia conseguiu uma proposta de emprego para você. É bom aceitá-la logo porque não pretendo sustentar vagabundos.

- Já tem um. Para que outro – resmungou Harry, saltando do carro e pegando o malão.

- Não se atreva a chamar o Duda de vagabundo! Ele tem um futuro brilhante pela frente.

- O futuro brilhante que ele tem pela frente é a TV.

- Não banque o engraçadinho comigo, Harry! – disse, irritado e com o dedo em riste. – Duda já é um homem. Olhe para você! Magro e pálido desse jeito parece doente, um fracote.

- É. Gordura dá um ar muito mais saudável. Imagino que meu primo esteja transpirando saúde – ironizou.

O senhor Dursley franziu as sobrancelhas e apertou os olhos. Deu um cutucão no ombro de Harry, que arrastava o malão e a gaiola de Edwiges para a casa.

- Meu filho vai entrar na faculdade e seguir os passos do pai. Todos na firma sabem que ele será meu sucessor. E você? Como pensa que vai se arranjar? Qual a casa de doidos que vai querer empregar um esquisito como você? Que não sabe fazer nada, que não tem onde cair morto, que é preguiçoso e respondão? Diga-me que eu te mando para lá imediatamente.

Harry não quis abrir a boca. Estava tão nervoso que seria capaz de despachar um palavrão logo de saída. Abriu a porta da sala com dificuldade e mau humor. Assim que entrou, empurrou o malão para um canto, fazendo as rodinhas rangerem. Recebeu um olhar desaprovador da tia.

- Será que você não é capaz de ser mais discreto? – resmungou numa voz quase inaudível.

O bruxo deu de ombros. E decidiu ser sarcástico ao reparar que a tia continuava com a expressão dura.

- Ah, se eu estou bem? Estou, obrigado. Espero que a senhora também.
Pegou a gaiola de Edwiges, desejou boa noite com frieza e se preparava para subir as escadas quando ouviu a tia iniciar uma seqüência de “psius”. Fingindo não notar, seguiu em frente e, de repente, se deparou com uma figura desconhecida no alto da escada.

- Oi.

Era uma jovem de cabelos louros, lisos e compridos. Seus olhos verdes e de cílios espessos o encaravam com curiosidade. Às suas costas surgiu o primo, tão alto e forte que parecia ser muito mais velho do que Harry.

- Oi – respondeu, sem entender aquela aparição.

- Saia da frente, Harry. Nós vamos jantar – disse Duda.

O rapaz se afastou para dar passagem ao curioso casal. A loira deu um aceno com a mão delicada e desceu os degraus espalhando no ar um leve perfume adocicado. Assim que chegou ao pé da escada, ela se voltou para Harry e abriu um sorriso.

- Bela coruja!

Intrigado, nem conseguiu agradecer. A bonita garota sumiu de sua vista. Duda também. Só havia uma pessoa encarando-o. Tio Valter o esmiuçava com as sobrancelhas franzidas. Não foi preciso falar nada. Estava clara a mensagem. “Atreva-se a olhar para esta jovem e vai tomar um tapão na cara!” O bruxo levou Edwiges para seu quarto e teria ficado lá até o dia seguinte se não ouvisse sua tia chamando-o para jantar. Harry não queria descer, mas o senhor Dursley fez soar sua voz de trovão.

- Estamos esperando! O jantar vai esfriar!

Harry levantou-se da cama, onde tinha se atirado sem nem ao menos tirar os sapatos. Estava deprimido e procurava afastar de sua mente a imagem de Gina Weasley, a garota que não se despedira dele, que se fora sem um “tchau”, que estava brava com ele e que, provavelmente, se esqueceria dele antes que ele conseguisse apagá-la da memória. Era desse modo que seu cérebro insistia em pensar na irmã de Rony.

Teria recusado jantar com os Dursley se a curiosidade não o atiçasse. Uma garota ali? Quem seria ela?

- Sente-se, Harry. Patrícia não se conformou que você não quisesse jantar, como você disse assim que chegou – disse tia Petúnia, olhando-o temerosa que fosse traída pelo sobrinho.

- Perdão se não me apresentei. É que eu fiquei surpresa. O Dudoca me fez entender que você era um garotinho. Patrícia Barkins. Muito prazer!

- Prazer – respondeu.

O jantar transcorreu num clima estranho. Patrícia não parava de fazer perguntas e Duda parecia misturar alegria e raiva. Ficava feliz quando a garota pedia detalhes sobre ele. E bufava quando o tema não era ele. Os Dursley respondiam animadamente a respeito do filho ou do modo de vida deles. Quanto ao resto, eram monossilábicos. Quase furiosos. Detestavam os vizinhos, julgavam um absurdo ingleses comprando carros franceses e consideravam de mau gosto alguém enfeitar a casa com flores de plástico.

- E você, Harry, o que acha que há de absurdo no mundo de hoje?

Os tios lançaram olhares apreensivos sobre ele. Duda apertou o garfo com força. Mas ele mesmo não se sentia disposto a falar. Como diria o que de fato achava absurdo para aquela garota trouxa?

- Nada é muito absurdo para mim, exceto querer muito encontrar alguém e não ter a menor idéia de como começar a procurar. No momento, é o que mais me deixa espantado.

- Humm, deixe-me adivinhar. Você está falando de uma mulher? Uma namorada?

Harry estava pensando em Belatrix. Se não fosse por isso, pelos sentimentos negativos que a lembrança lhe despertava, teria dado risada da última pergunta.

- Ele nunca teve uma namorada – grasnou Duda.- Nenhuma mulher ia querer esse cara. Esse magrelo despenteado e quatro olhos.

- Dudoca, querido, não fale assim.

Então, Harry compreendeu, embora não conseguisse aceitar a idéia. Duda e Patrícia estavam juntos. Arregalou os olhos. Como alguém podia namorar seu primo não dava para entender. Alegando estar satisfeito, voltou ao quarto e lá ficou até ouvir batidas à porta, já bem tarde da noite. Fechou o livro que McKinley lhe dera e abriu a porta com um movimento da mão. À distância. Estava ficando bom nisso. Arrependeu-se em seguida. Imaginava que seria o tio Walter a entrar disposto a lhe dar alguma bronca. Mas era Patrícia. Ela poderia desconfiar de algo.

- Desculpe te perturbar.

- Ahn, não é nada. Posso ajudar em alguma coisa?

A garota se sentou em sua cama.

- O Duda dormiu logo. E eu queria conversar um pouco. Sabe, é meu primeiro dia numa casa estranha. Aí, saí do quarto para ver se tinha alguém acordado. E felizmente você está – sorriu.

- Meus tios dormem cedo mesmo.

- Você é muito diferente deles, não é?

- Um pouco – disfarçou.

- Eu sinto que você é bem diferente.

- Eu espero! Ahn, quer dizer...

Ela sorriu.

- Sei o que você quer dizer. O senhor e a senhora Dursley são muito caretinhas. Ainda bem que o Duda não é assim.

- O Duda? Acho que vai ser igual aos pais quando ele for mais velho. Ah, deixa pra lá.

- Você ficou sem graça porque percebeu que está falando mal do Duda na frente da namorada dele, é?! – disse rindo.

- Eu nunca imaginei que o Duda fosse arrumar uma namorada – soltou.

- Só por que ele é gordinho?

- Eu não me preocupo com esse tipo de coisa. Você não vai entender. Esquece.

- Já que o assunto é esse, era de uma namorada que você estava falando no jantar, não é?!

- Não era.

- Ah! Pensei que fosse. Você não tem namorada? Não?! Hum. Não tem uma garota em mira? Não de novo?! Sei não. Acho que você não está sendo sincero.

- Não tenho o hábito de falar sobre assuntos tão íntimos.

- Ainda mais com uma desconhecida. Bom, tomara que a gente se torne mais íntimos nos próximos dias. Pretendo ficar algumas semanas aqui.

- E onde você está dormindo? Normalmente, meus tios me pedem o quarto para visitas. Elas são raras, mas...

- Estou no quarto do Duda. Numa cama extra que montaram lá.

- Nossa! É muita novidade para minha cabeça! E você disse que meus tios são caretinhas... – comentou, atônito.

- E são. Fizeram a maior cara de espanto quando o Duda disse isso para eles. Mas é incrível como o Dudoca consegue tudo o que quer, não é? – riu mais uma vez. E saiu do quarto desejando boa noite.





*****


A janela do quarto estava completamente aberta e uma brisa mansa entrava pelo quarto. Gina pulou sobre a cama, sem condições de perceber como a noite estava agradável. Acompanhara em silêncio a longa discussão que Rony travara com seus pais. Eles não queriam que o filho deixasse o curso de auror para depois. Ainda mais depois de terem ouvido do próprio Dumbledore que o rapaz atingira o mínimo necessário para seguir as aulas no Ministério da Magia. O senhor Weasley insistira em lembrar ao jovem que aquela era uma oportunidade de ouro. “Nunca tive essa chance antes em minha vida”, falara num tom levemente triste. Gina se condoera, mas compreendia a atitude do irmão. Rony estava sendo leal a Harry.

A moça se agitou. Harry! O que fazer com ele? A cada dia que passava sentia que gostava ainda mais do teimosão. Afastar-se dele não tinha sido simples. Porém sentia que era preciso. Lamentou não ter olhado para Harry uma última vez antes de ele deixar King’s Cross. Um aceno à distância bastaria. Mas a senhora Longbottom tinha de tropeçar no malão de Neville e torcer o pé?! Por conta do acidente, Gina se atrasara e obrigara a família a vir procurá-la. Recordou-se da resposta que Rony lhe dera a pergunta que formulara assim que viu o irmão retornando à plataforma 9 ½ . “Ah, o Harry já foi. O tio mal humorado estava esperando por ele.”

Gina não conseguia se conformar. Sabia que o professor Dumbledore estudava uma maneira de fazer Harry desistir do propósito de caçar Belatrix. Mas isso parecia pouco diante da insistência do amigo. Inquieta, correu até sua mala e de lá retirou pena e pergaminho para escrever uma mensagem para o diretor. Encontrou também um envelope que Colin lhe entregara quando ela já estava no trem. O colega havia lhe sussurrado que era uma surpresa. Deixou o envelope sobre a escrivaninha. Abriria depois de concluir a carta.

"Caro diretor Alvo Dumbledore, sinto-me muito aflita com tudo que está acontecendo. Ainda mais porque não dá para dividir com ninguém esse sufoco. Exceto com o senhor. Pelo que soube do meu irmão, o Harry vai mesmo partir em busca da Belatrix Lestrange. Já combinou de se encontrar com o Rony no Caldeirão Furado no dia seguinte ao seu aniversário. Diga-me, por favor, que até lá teremos alguma saída. Mandar o Harry para a Sibéria? Aplicar nele um feitiço de esquecimento temporário? Faço qualquer coisa, professor. O que não agüento mais é esperar de mãos amarradas. Obrigada, Ginevra M. Weasley”.

Selou a carta, correu até a janela e chamou Pichi com um assobio. A corujinha logo apareceu e Gina amarrou a mensagem com cuidado na pata da ave. Recomendou que o pergaminho fosse entregue ao diretor de Hogwarts. Ninguém mais. Fez um afago na cabeça da coruja, que piou com satisfação e a despachou.

Só então se lembrou do envelope de Colin. Pegou o papel branco e o abriu sem grande entusiasmo. A profecia de Cassandra continuava a assombrá-la. Em seus sonhos, podia ouvir as palavras da bruxa. Suspirou. Quebrou o lacre que fechava o envelope e dele retirou uma mensagem pequenina e uma foto. “Gina, agora que o Harry deixou Hogwarts e estamos sem capitão no time da Grifinória, acho que você pode pensar em conquistar a vaga. Depois dele, você é quem mais entende de quadribol. Eu quero dizer jogar! Se depender da minha torcida, você já é a capitã. Sério!” A garota sorriu ao ler esse trecho. E prosseguiu. “Ah, e se você está que nem eu (não acreditando que o Harry deixou Hogwarts), guarde esta foto contigo. Eu fiz no dia daquela partida espetacular contra a Sonserina. Lembra? Bom, fico por aqui. Abraços e até o sétimo ano! Seu amigo e admirador, Colin Creevey.

Gina segurou a foto com curiosidade. Harry, Rony e Hermione estavam ali, abraçados e felizes. Atrás deles, uma ruiva exibia um ar enigmático. Era ela. Sua imagem parecia distraída e melancólica, mas ao se concentrar no trio demonstrava um brilho no olhar. Gina corou. Ela sabia por que isso tinha ocorrido, mas Colin teria percebido que a foto traía seus sentimentos? De repente, sua imagem se deu conta de que estava sendo observada e, tímida, partiu para o outro lado, desaparecendo. A garota se recordava de que tentara fugir da lente de Colin. A prova de que fracassara em seu intento estava ali, entre seus dedos. Estava encabulada até o momento em que notou que a imagem de Harry mais de uma vez olhara para trás, procurando por ela. Apesar disso, ele não deixou os amigos.

- Você tem de ser mesmo muito cabeça-dura, Harry. Já estava gostando de mim e nem assim foi me procurar – disse em tom de galhofa.

Quantos minutos ficou ali, olhando a foto, ela não saberia dizer. Vira a cena toda se repetir várias vezes. Os três amigos se abraçavam, Gina olhava para o trio, se assustava, corria para se esconder e Harry virava o rosto para trás, procurando por ela. A expressão dele a comoveu. Gina levou a fotografia para os lábios e deu um beijo suave sobre Harry. Em seguida, se envergonhou.

- Eu estou ficando muito boba.

E atirou a foto sobre a cômoda.





*****



Dois dias depois, o diretor respondeu:

Minha cara senhorita Weasley, confesso que eu andava também muito preocupado. Mas sua carta me trouxe uma luz. Tive uma idéia e precisarei falar com mais alguém a respeito dela. Para isso, terei de abrir a profecia. Garanto, porém, que a pessoa a qual revelarei o segredo é de minha absoluta confiança. No dia em que Harry se dirigir ao Caldeirão Furado, eu estarei lá. E essa pessoa também. É o máximo que posso falar agora. Obrigado por compartilhar suas angústias comigo. Um cordial abraço. Do amigo Alvo Dumbledore.





*****


Era o quinto dia. Harry não sabia mais o que fazer em relação a Patrícia Barkins. A todo instante a namorada do primo vinha procurá-lo, muitas vezes interrompendo a leitura do livro que McKinley lhe dera. O rapaz disfarçara em todas as ocasiões, transformando a obra em uma pequena enciclopédia de fatos do mundo.

- Você está sempre estudando. Não gosta de diversão, não? – perguntou a loira ao entrar pela quinta noite seguida no quarto do bruxo.

- De vez em quando. Escuta, o que você faz para o meu querido primo apagar tão cedo?

- É um segredinho nosso.

Harry fechou o livro disfarçado em enciclopédia. Olhou para a garota. Aquilo era pouco usual. Duda nunca fora de dormir cedo.

- Só queria saber para poder fazer o mesmo num dia em que esteja só.

A loira riu e se sentou na cama de Harry. Já estava se sentindo íntima.

- Você quase não sai do seu quarto. Não tem amigos?

- Tenho. Eles estão de férias.

- E não tem nenhuma garota?

Harry se levantou, andou até a janela. Olhou para a escuridão da rua dos Alfeneiros. Pensou em Gina, mas se forçou a esquecê-la.

- Essa é uma pergunta muito pessoal.

- Se desconversou é porque tem – provocou a garota, percorrendo o quarto com os olhos. Súbito, reparou que havia uma foto sobre a cômoda. Mentalmente, Harry usou o feitiço de imobilização, movendo a mão discretamente em direção ao porta-retrato que exibia a imagem de seus pais. Patrícia pegou o objeto e o analisou com cuidado. – Você se parece muito com eles. Seus olhos são iguais aos da sua mãe.

- Como sabe que são meus pais?

- Deduzi. Sou uma loira inteligente – gargalhou. – Você é a cara deste homem, mas é mais bonito. Ah, ficou vermelho... Isso é tão fofo.

- Pára com isso. Se o Duda escutar vai pensar mal de mim. Não que faça diferença. Ele sempre pensa mal de mim.

- O Duda quase não falou de você para mim. O máximo que ele disse é que você é um moleque muito esquisito e que não era para confiar em você porque você sempre apronta. E que é metido a valentão mesmos sendo um fracote.

- Ah, que gentil. Tem certeza de que falou de mim? – ironizou.

- Tenho. Mas vejo que ele está muito enganado.

Harry não se sentiu confortável com aquela situação. Parecia que a garota estava jogando charme para ele. Duda podia ser um idiota, porém não merecia esse tratamento.

- Patrícia, preciso dormir. Você se importa de me deixar só?

- Não precisa ser formal comigo. Pode até me chamar de Trix. Só meus amigos me chamam assim.

- Obrigado por me considerar seu amigo.

- Tenho um palpite que você vai ser mais do que um simples amigo.

O rapaz arregalou os olhos.

- Err... não fica legal você brincar desse jeito.

- Só porque meu namorado está aí do lado? Não se preocupe. Ele não tem ciúmes de você. O Duda acha que nenhuma garota se interessaria por você – sorriu em seguida. – De novo, ele se engana.

Ele não respondeu. O desconforto persistia. Só que desta vez experimentou uma sensação curiosa. Então, era um cara interessante? Sua mente voou até a Toca. O que ela, a garota de seus pensamentos, estaria fazendo? Triste, olhou para fora mais uma vez, lamentando-se internamente por estarem tão distantes.

- Esse jeito não me engana. Você está pensando em alguém. Quem é? – perguntou a loira, arrancando-o do alheamento.

- Não gosto de comentar assuntos íntimos, Patrícia.

- Trix, por favor. Então, estou certa. Você tem alguém.

- Não tenho namorada, se é isso que quer saber – respondeu, mantendo os olhos fixos no céu noturno.

- Hum, que avanço! Estamos começando a trocar confidências. Qual será o próximo passo? – disse, forçando uma cara de intriga.

- Trix.

- Sim?

- É tarde. Vá se deitar – disse, voltando-se para ela e se afastando da janela com uma expressão determinada.

Patrícia se levantou de um salto e deixou Harry sozinho. O rapaz restaurou o livro, porém não conseguiu prestar muita atenção ao texto. A garota o preocupava. Estaria flertando com ele? Definitivamente, isso não era legal.




*****




Lúcio Malfoy andava irritado. Mais uma vez fora afastado de uma missão. Lord Voldemort tinha se deslocado até Budapeste, onde fizera uma aparição terrível. Aniquilara um bruxo que pertencera ao grupo de aurores do passado. O velho mago vinha arregimentando forças para lutar contra as trevas. Ele não valia nada, mas o milorde tinha um objetivo específico ao agir contra o feiticeiro húngaro. Queria chamar a atenção dos bruxos. O senhor do mal se dirigira à casa do velho, que estava acompanhado de mais quatro homens. Aprisionou a comitiva e usou a maldição Cruciatus. O antigo auror reagiu sem raciocinar direito, movido pela ânsia de defender seus amigos. Era o que Voldemort esperara. Girou a cabeça para trás e mirou o adversário com um desprezo nítido nos olhos de serpente. O homem apontara a varinha, porém não conseguira ser mais rápido do que seu algoz. Mal pudera ouvir o encantamento maldito. Caíra duro no chão. O lorde das trevas, então, deixou os prisioneiros livres com um recado que repercutiria na comunidade bruxa em dois tempos.

- Esse é o destino de quem quiser me desafiar.

Tinha sido uma ação executada somente para que o Profeta Diário informasse a seus leitores por onde andava Você-Sabe-Quem. Uma maneira de enganar Harry Potter.

Tudo isso Lúcio Malfoy soubera. O que o enervara era o fato de não ter sido incluído na comitiva, como Belatrix e Lovett. Isso incomodava o comensal profundamente. Por isso, não se conteve naquela noite, quando o refúgio recebeu o senhor das trevas mais uma vez.

- Milorde, permita-me saber quando assumirei uma missão mais importante dentro de seus planos.

- Está se sentindo inútil, Lúcio?

- Não ouso questionar suas decisões, senhor. Mas acho que em todos estes anos me mostrei leal. E me incomoda ver que Lovett o acompanha em mais ações do que eu.

- Não se incomode. Lovett tem muito a aprender. Além disso, a primeira parte do plano corre bem. E desde que você mantenha as coisas assim, tudo sairá conforme imaginei. Como vai o alvo da sua maldição Imperius?

- Estive hoje com ela. Ordenei que precipite um certo acontecimento.

- Qual a chance de esse acontecimento não ocorrer?

- É pequena, milorde. Mas pelo que conheço do rapaz ou vai acontecer o que calculo ou eu o terei em uma outra armadilha. De qualquer jeito, Harry Potter vai se tornar vulnerável.

Voldemort sorriu diabolicamente.

- Eu sabia que Alastor Moody ainda tinha informações que nos interessariam. Bastava olhar onde achávamos que não havia nada.

- O milorde é grande também pela ampla visão que tem – disse Malfoy, curvando a cabeça.

- Sim, Lúcio. Quem mais pensaria em chegar a Harry Potter pelo lado mais fraco de sua família? O lado que a maioria dos bruxos desconhece?

- O senhor está certo. Somente o milorde poderia rastrear a família daquela rapaz insolente.

- Não, Lúcio. Nem mesmo eu poderia porque Dumbledore protegeu Harry muito bem. Só que ele se esqueceu de um detalhe. O sobrinho de Tiago e Lílian Potter também tem de ir à escola. E nenhuma escola trouxa é inencontrável.

- O milorde é brilhante – comentou Malfoy, em tom solene.

Lord Voldemort fechou o punho e, em seguida, esfregou suavemente os dedos da mão direita. No mesmo instante surgiu uma taça de vinho tinto entre os dedos esqueléticos. “Se tudo seguir como planejado, agora só tenho de esperar para que ele venha até mim.”


*****


Dois dias. Apenas dois dias separavam Harry da liberdade. Estava com tudo pronto. Um plano montado e descrito num longo pergaminho. O rapaz reconhecia que não era algo genial, mas fora o que conseguira montar graças às constantes interrupções da namorada de Duda. O assédio de Trix beirava o insuportável. Sim, estava claro para ele. A bela loira tentava conquistá-lo de todas as formas. No início, era sutil. Mas a sutileza aos poucos foi substituída por ataques cada vez mais ousados. Para o bruxo, era uma situação difícil. Resistia ao jogo da garota por dois motivos. Não achava correto corresponder ao afeto da namorada do primo. E, principalmente, não tirava Gina da cabeça. Por mais que se esforçasse, bastava Patrícia se atirar sobre ele que a imagem da ruiva tomava sua mente.

Já tivera que afastar os braços da loira de seu pescoço no dia anterior, quando a garota o encontrara sozinho no corredor dos quartos. E, naquele dia, ela parecia aflita, ansiosa, tensa.

- Dudoca, querido, você me acompanha até a vendinha do bairro?

- De novo? Esta semana a gente já foi lá duas vezes – queixou-se, preguiçoso.

- É que esqueci uma coisa.

- Está com cara de que vai chover.

- É por causa disso ou por causa das figuras estranhas que vi outro dia? – inquiriu a garota, elevando a voz para que Harry pudesse ouvi-la.

- V-você imaginou que viu algo – gaguejou.

- Não imaginei. Eram dois sujeitos altos e fantasmagóricos. Vestidos como se fossem para uma festa de Halloween.

- E-era isso. Ha-halloween.

- Não é cedo demais para isso? E tem mais. Nem parece que eles iam para uma festa. Foi muito esquisito. Eu me senti como se nunca mais pudesse ser feliz na vida.

Harry se arrepiou ao escutar essa parte da conversa. Parou no ato a limpeza da louça do almoço, tarefa cotidiana que exercia para “pagar o que comia”, como seu tio fizera questão de jogar em sua cara. O que Trix descrevia só podia ser uma dupla de dementadores. Apurou os ouvidos.

- Melhor deixar a compra para amanhã.

- Não. Tem de ser hoje. Mas pode deixar. Eu vou sozinha – disse em voz alta.

Trix deu um beijo no namorado e rapidamente saiu de casa. Estava no segundo quarteirão quando notou que Harry estava ao seu lado.

- Ora, ora. Quem está aqui? O cara que está fugindo de mim todos esses dias.

- Olha, entenda isto apenas como um meio de te dar segurança.

- E se eu quiser entender de outro modo?

- Vai ser um erro. Eu só quero ficar por perto no caso de surgirem... ahn.. essas duas figuras estranhas.

- Tô vendo que você me ouviu conversando com o Duda.

- Como não ouviria? Só faltou você usar um megafone!

A loira riu e parou na frente do rapaz.

- Foi uma boa história que eu inventei, né?! O Duda é tão medroso...

Harry se espantou tanto que deixou o queixo cair.

- Mas você descreveu os... os... – parou no meio.

- Pesadelos do Duda. Tem hora que ele fala dormindo. Foi um bom truque para tirar seu primo de perto. E atrair você.

O bruxo se irritou.

- Não brinque com isso. Nem com os pesadelos do Duda. Nem com os sentimentos dele.

- Como se isso te importasse? Você detesta seu primo.

- Ele tem o que merece. Mas nem por isso você deve tratá-lo dessa maneira leviana.

- Ele tem o que merece. Como você acaba de dizer. Perto de você, o Duda é só um garoto mimado, tolo e sem a menor graça.

- Então, por que está com ele? – perguntou impaciente.

- Quem sabe? Talvez fosse para te encontrar? – sorriu enquanto enlaçava o pescoço dele.

- Vamos voltar para casa – respondeu friamente.

- Para quê? Diga a verdade. Diga que você não se importa com ele.

- Quê? Você ficou louca.

- Pode ser. Você mexe comigo. Diz que não se importa com seu primo. Só isso.

- Não, mas obrigado por tentar – respondeu com sarcasmo.

De repente, Trix aproximou seus lábios e beijou Harry com vontade, surpreendendo-o. Mas o rapaz não correspondeu à carícia. O bruxo se afastou.

- Trix, não sei como dizer... – começou, mas foi agarrado pelo colarinho.

- Experimente dizer sem dentes.

E Duda o atingiu com um soco desferido com fúria. A loira soltou um grito assustado ao ver a cena. O sangue escorria da boca do jovem.

- Controle-se, Duda! – pediu Harry, tentando se recompor.

- SEU VERME! – e o rapaz atingiu o primo com outro soco, desta vez dado no estômago.

Harry se curvou para a frente, sem ar. Era injusto demais. Tinha procurado ajudar o primo e o que recebia em troca? Duda jogou o braço mais uma vez contra seu rosto, mas o bruxo se desviou a tempo.

- Quer saber? Eu realmente não me importo com você, Duda. Vá para o inferno!

Um raio riscou o céu. E a chuva que ameaçava cair despencou sobre eles. Duda despejou uma série de palavrões. Harry abandonou o casal ali. Mal entrou na casa, ouviu as primeiras reprimendas da tia por haver largado os pratos sujos na pia. O rapaz sentia que a boca estava inchando.

- Maldito! – berrou ao passar a mão pelo machucado, que ainda sangrava.

Foi até o banheiro e lavou a boca com cuidado, buscando na memória algum feitiço que desse um jeito naquilo. Seu rosto estava deformado pelo inchaço. Subitamente, a porta foi aberta com estrondo.

- Moleque irresponsável! Eu já te disse mil vezes que não vou sustentar vagabundo nenhum. Volte lá e termine de arrumar a cozinha.

- Antes vou cuidar do machucado que fiz na boca.

- E o que eu tenho a ver com as encrencas em que você se mete?! Se levou porrada, mereceu.

Harry ficou vermelho de raiva.

- Eu não mereci. E muito menos mereço ficar ao lado de vocês por tanto tempo.

- Como se estivesse fazendo um favor para a gente! Você, um fardo inútil?! – gritou tio Valter, completamente roxo.

- Chega!

- Chega mesmo! Suma da minha vista! Saia desta casa!

- Realmente. Acho que agora, a dois dias do meu aniversário, não vai ter problema.

- O que está esperando com isso? Que eu te dê os parabéns?! Parabéns por 18 anos sem fazer algo que preste?!

- Não por isso. Adeus!

- E já vai tarde, seu vagabundo egoísta!

Harry não suportou mais a discussão. Foi para seu quarto e retirou seus pertences. Em poucos minutos, a bagagem estava pronta. Ouviu batidas à porta. Não respondeu tão irritado estava. Mas ela se abriu do mesmo jeito.

- Você vai embora? Então, me leve junto com você.

- Que bobagem, Trix! Você pode ir embora a qualquer minuto – respondeu com azedume.

- Eu não posso. Não consigo.

- É o Duda que te impede? Se for, eu dou um jeito nele agora – disse nervoso e passando a mão na boca ferida e inchada.

- Não é. Mas há algo que me impede. Se pudesse, teria ido embora faz tempo. Se você me levar, eu sinto que posso finalmente deixar esta casa.

- Você pirou de vez. Viu a confusão que aprontou? Bom, eu vou embora e você pode ir também. Mas vamos separados. Cada um seguindo seu caminho.

- Você vai para Londres? Eu sou de lá. Vamos juntos, por favor.

- Não vou para Londres. Vou para a Toca – respondeu sem pensar. E se surpreendeu de ter falado isso. Mas a idéia o agradou.

- O que? Toca?

- É um lugar para onde você não pode ir. Trix, não insista. Volte para sua casa. De preferência agora mesmo.

- Se eu não for com você, não conseguirei sair daqui.

- Vai conseguir. Tchau! Foi um prazer.

- Não me deixe – gemeu assustada.

- Patrícia Barkins, tenha coragem e parta. É só isso – disse, cansado. Na seqüência, desceu as escadas, abriu a porta da casa e saiu se sentindo livre. Não escutou a garota se escorando na parede de seu antigo quarto. “ Não é fácil, Harry Potter, quando não se tem o comando da própria vontade”, murmurou com os olhos febris. De súbito, Trix foi assaltada por um pensamento que lhe causava dor. Em sua mente, ouviu uma voz fria que lhe ordenava seguir para o ponto de encontro habitual. Ela se ergueu e seu rosto voltou a refletir a expressão de costume. Sorria.

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