Uma nova profecia

Uma nova profecia



A morte de Hagrid calou fundo em Harry. E a reação do jovem bruxo foi a pior que Dumbledore poderia imaginar. Quando Sirius se foi, ele ainda tentara negar o acontecido. Mas ali não havia jeito. Negativas eram impossíveis. Da absoluta dor e pesar – que explodiram num grito amargo - o coração do rapaz passou para a ira violenta e surda. O rosto se transfigurou e adquiriu um tom cinzento e uma expressão furiosa. Via-se os músculos retesados, a boca apertada, o cenho franzido e carregado. Mas o que mais assustou o diretor foi notar que os olhos verdes escureceram subitamente. A mudança também foi percebida por Gina, que derramava lágrimas silenciosas, chocada com a cena que testemunhara, com o fim de Hagrid. A garota se aproximou do apanhador da Grifinória com cuidado porque os Comensais ainda atacavam. Harry permanecia em pé, imóvel, observando o amigo caído no solo, sem vida. Gentilmente, ela estendeu a mão para tocá-lo, algo que queria ter feito antes. Assustou-se. O corpo dele estava gelado. Ele moveu a cabeça em sua direção. Seu olhar era duro e a bela cor verde estava tão escura que Gina custou a reconhecer o amigo naquelas retinas.

- Harry – murmurou.

Sua voz terna, no entanto, não alterou o semblante do rapaz. Ele parecia surdo. Sensível, Gina percebeu estranhas vibrações no corpo do amigo. O olhar dele mudou de direção, rumo à luta ainda travada pelos Comensais contra Dumbledore e Snape, que os defendiam a todo custo. O escudo transparente resistia e através dele Harry enxergou Belatrix. O jovem bruxo começou a tremer vigorosamente, seus olhos se tornaram negros, os cabelos se arrepiaram e seu rosto ficou contorcido pelo ódio profundo que sentia. Uma ponta de medo tomou conta de Gina. As mudanças no amigo causavam-lhe um aperto no peito. “Isso não é bom”, pensou.

Enquanto outro toque de trombeta soava, apressando os orcs, Voldemort despejou um jato azul que congelou o escudo e com outro disparo da varinha destruiu finalmente a barreira de Dumbledore. A risada de Belatrix decidiu Harry, que avançou sem temor pela campina, movido puramente pelo desejo de vingança.

- Espere – gritou uma assustada Gina, saindo em seu encalço e lembrando que Hagrid agira do mesmo modo.

O Lorde das Trevas apontou a varinha uma vez mais para Harry, porém Dumbledore se antecipou. Invocou todas as forças que lhe restavam e atingiu o inimigo. Ferido, Voldemort lançou um olhar furibundo para o diretor de Hogwarts e se deu por vencido. Apenas por aquela noite. E berrou para Malfoy abrir o portal.

Harry prosseguiu em sua caminhada cega e surda atrás de Belatrix. Gina tentou segurar o braço dele, mas ele sacudiu o ombro, livrando-se. Voldemort ergueu sua varinha para o alto e com um feitiço assombroso conseguiu atrair com uma rajada de vento forte os orcs que ainda marchavam na floresta. Zarkis estava entre eles. Com outro gesto, destruiu a varinha que impedia a magia aparatadora. E convocou os Comensais que estavam perdidos pela campina com sua marca no céu. Aos poucos, eles surgiram, aparatando ao lado do mestre. O portal aberto por Malfoy era imenso e logo os aliados do Lorde das Trevas correram até ele.

As hordas de Zarkis atravessaram o portal e foram seguidos pelos Comensais, que recuavam diante do ataque de Dumbledore e Snape. Aparentemente, não viam Harry nem Gina se aproximando. Belatrix enfrentava o professor de Poções com um sorriso de desdém e conseguiu acertá-lo no minuto em que ele estuporara um Comensal completamente vestido de negro. Ela riu e, para dar mostras de quanto desprezava seu oponente, ergueu o colega estuporado com um movimento da varinha e baixou sua defesa, caminhando para o portal. Nesse instante, Harry, já bem perto da bruxa, parou. Estendeu a varinha e a energia que Gina tanto estranhara voltou a se manifestar, mas desta vez com força redobrada, fazendo com que uma bruma gélida se espalhasse ao seu redor. A garota teve um pressentimento terrível. A angústia a oprimiu e pela primeira vez na vida teve medo de Harry.

- Avada Kedavra! – urrou o rapaz.

Gina agiu por impulso. Sem ter a menor idéia do que fazia, atirou-se contra o braço de Harry e alterou a rota do feitiço. A maldição atingiu um carvalho que se partiu ao meio, como se tivesse sido destruído por um raio vindo dos céus. Belatrix olhou para o jovem, espantada. E sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Voldemort gritou para que ela entrasse rapidamente. Harry apontou a varinha mais uma vez para a bruxa, decidido a acabar com ela. Antes de acionar a magia maldita ouviu a voz de Gina.

- Expelliarmus!

A varinha de Harry saltou de suas mãos. E ele se virou revoltado para a amiga. Seus olhos continuavam negros.

- POR QUE VOCÊ FEZ ISSO?

- Eu não sei. Segui o que meu coração mandou. Achei que você não devia...

Harry não quis mais ouvi-la, conjurou sua varinha e correu em direção ao portal. A gigantesca passagem ainda estava aberta. Apenas para receber Belatrix, a última dos Comensais. Assim que ela atravessou o portal, Voldemort lançou um olhar desafiador para o jovem bruxo.

- Nós nos veremos em breve, Harry.

O portal se fechou e Harry disparou uma azaração atrás da outra contra o lugar onde antes ele estivera aberto. De nada adiantou. Voldemort e seus aliados tinham sumido. Harry usou todos os nomes feios que sabia, gritou tudo o que podia, chutou o que via pela frente. Desesperado, agoniado, furioso. Não notou que as lágrimas rolavam aos montes pelo rosto.

- O show já acabou? – perguntou zombeteiro Snape, com um feio corte no rosto.

Harry apontou a varinha para o professor, transtornado.

- Cale a sua boca! – respondeu, irritado.

- Basta de agressões por esta noite – interrompeu Dumbledore, caminhando em direção aos dois. – Os ânimos estão acirrados. E nossos corações, pesados. Creio que agora podemos voltar para o castelo.

- EU NÃO VOU SAIR DAQUI SEM O HAGRID!

- Harry, por favor, não grite – começou Gina.

- VOCÊ TAMBÉM FIQUE QUIETA. POR SUA CULPA, HAGRID NÃO FOI VINGADO.

- Ninguém sairá daqui sem o Hagrid – cortou Dumbledore, com uma tristeza aguda na voz. - Ele será velado e enterrado em Hogwarts, com todas as honras, Harry. Faço questão que ele receba o que nenhum diretor jamais recebeu por aqui: o direito de repousar eternamente nestas terras.

As palavras de Dumbledore fizeram com que Harry pensasse em quanto Hagrid gostava de Hogwarts. O rapaz abaixou a varinha e seus olhos foram clareando. A discreta bruma que o acompanhava se dissipou. Não disse mais nada desde então. Dumbledore locomoveu o pesado corpo de Hagrid com magia e, juntos, os bruxos iniciaram a jornada de volta num silêncio doloroso. A escuridão da noite preservou o choro de Gina e também o estado desolado do diretor. Ambos sabiam que algo mudara em Harry. Mas enquanto a jovem se limitava a lamentar a assustadora reação do amigo, o velho professor carregava uma suspeita terrível. As trevas estavam fazendo uma nova vítima.





*****




Minerva McGonagall retorcia as mãos. Aguardava ansiosamente por algum sinal dos professores de Hogwarts. Da floresta, porém, nenhum aviso chegava. E nem os aurores embrenhados na mata haviam mandado alguma coruja para comunicar novidades. Os bruxos da guarda especial do Ministério da Magia tinham conseguido capturar alguns Comensais, mas os orcs e os bewolfes tinham sido carregados por um repentino vento gelado. Voldemort os recolhera. “Deve ser parte do trato que ele fez com as criaturas do submundo”, observara Flitwick para o chefe da missão auror.

Os arredores do castelo estavam maltratados. As paredes de Hogwarts, parcialmente destruídas. Madame Sprout tratou de providenciar os reparos com a ajuda de alguns estudantes, entre eles Hermione. A garota queria saber como Rony estava, mas seu auxílio havia sido solicitado. Suspirou.

- Ele deve estar bem. A gente já saberia se algo de ruim tivesse acontecido com o Rony – observou Neville.

Hermione ficou vermelha. Devia estar dando na cara sua preocupação com o amigo. Disfarçou.

- Queria saber dos outros também...

Tonks se aproximou. Seu rosto estava mortalmente pálido, o que era ressaltado pela vistosa cabeleira negra que adotara naquela noite. Depois de cumprimentá-los, justificou o atraso. Tinha sido atacada, provavelmente por um Comensal.

- Pelo que entendi, o meu gato, o Mefistófeles, me salvou. Bem que ele tentou me avisar, só que eu não captei a mensagem. Acordei com o danado lambendo o meu rosto. E depois o Lupin apareceu em casa porque recebeu o recado do senhor Nigellus.

- Eles estão chegando! – interrompeu McGonagall, apontando um grupo que vinha da floresta.

A professora notou que Dumbledore andava com uma certa dificuldade e carregava Hagrid por magia. Ela não segurou o grito de horror ao se dar conta do acontecido. Hermione não compreendeu. Olhou para o corpo de Hagrid sendo conduzido no ar. Devia estar ferido. Em seguida, desviou sua atenção para Gina. A amiga estava com os olhos muito vermelhos. E Harry? O rosto dele estava pétreo, com os músculos tensos, como se estivessem segurando fortemente suas emoções. Dumbledore e Snape não abriam a boca. Então, ela finalmente decifrou as expressões dos amigos e o silêncio dos professores. E as lágrimas começaram a descer aos borbotões.

- O que aconteceu? Onde está o professor McKinley? – perguntou Neville à professora McGonagall.

Ninguém respondeu até que Dumbledore se aproximou. A luz de Hogwarts iluminou melhor o grupo e todos puderam ver que Hagrid não se movia.

- Minerva, providencie, por favor, que o salão principal seja arrumado para velarmos... – sua voz falhou. Pigarreou e se esforçou para falar. – Nosso querido Hagrid... ele se foi...

Logo a notícia se espalhou pelo castelo. Muitos estudantes choraram a morte do professor de Trato de Criaturas Mágicas. Depois de terem ajudado na defesa de Hogwarts, os elfos domésticos correram para executar as tarefas necessárias para o velório. Enquanto consertavam o que estava quebrado e montavam arranjos de flores e velas, todos derramaram lágrimas porque sabiam que perdiam um amigo generoso e compreensivo.





*****




Harry não queria conversa. Desejava apenas ficar ao lado de Hagrid até o momento em que fosse enterrado. Mas não era isso que estava na mente de Dumbledore. O diretor tocou-lhe o ombro assim que Snape tomou o corpo do guarda-caças para levá-lo até o salão.

- Precisamos trocar algumas palavras, Harry.

- Não quero – respondeu soturnamente.

- É importante.

- Agora não há nada a ser dito.

- Pois é nesta hora, quando se pensa que nada mais resta, que devemos nos abrir. Não se aprisione, Harry.

- O senhor está enganado. Quem disse que nada nos resta? Resta, sim. Resta a gente se vingar – e os olhos voltaram a escurecer. – Resta a gente destruir Belatrix Lestrange – despejou com tanta fúria no coração que a voz saiu tremida.

Um vento gelado passou por eles e arrepiou Hermione, que estava por perto. Mal conseguira falar com Gina. A ruiva tinha partido para a enfermaria em busca de informações de Rony, porém lhe dera um recado. “Mione, Harry não está normal. Ele está agressivo demais, muito estranho. Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas tome cuidado com as palavras”.

- Não vou pedir para esquecer Belatrix Lestrange, Harry, porque isso não será possível. Mas peço para deixá-la de lado neste momento. Pense em Hagrid. Em quanto ele fez bem para todos nós.

- Sim. Ele foi muito bom para nós. Para mim, especialmente. Assim como Sirius foi importante para mim. E é por isso que a gente tem de se vingar. Eu me recuso a esquecer de Belatrix. Ela vai pagar por tudo que fez para a gente. Por Sirius e por Hagrid, não vou descansar enquanto ela estiver viva! – disse, rilhando os dentes, tão alterado que o rosto ficou vermelho e o olhar adquiriu uma sombra sinistra.

- A vingança nunca é um bom caminho – observou o diretor em voz baixa.

- É a única coisa que senhor tem a me dizer? Então, obrigado por nada – retrucou o rapaz, encolerizado.

- Se quiser discutir com os membros da Ordem que estão aqui presentes, podemos convocar uma reunião para daqui a dez minutos em minha sala.

- Acho melhor – resmungou e saiu em direção ao salão principal.

Hermione aproximou-se do diretor e sussurrou para que Draco, ainda preso a ela, não pudesse escutá-la.

- Professor, como ele está?

- É natural que Harry esteja abalado - começou. - Mas este é um assunto para ser analisado mais tarde. Por gentileza, pode convocar Lupin, Tonks, Gina e Rony para uma reunião na minha sala em dez minutos? É claro que conto com a sua presença.

- Não sei como Rony está... Ele foi direto para a enfermaria – disse cabisbaixa.

- E o que está esperando, senhorita Granger? Vá até lá. Senão me engano, é um de seus melhores amigos, não é?! Vi que estava ajudando nos consertos do castelo, mas Snape já está tratando disso. Pode ir.

A garota não esperou um segundo e saiu em disparada. Draco resmungou. “Primeiro, fica de cochichos. Agora, me arrasta sem nem me avisar para onde vai”. Hermione não respondeu. Lamentou apenas não ter procurado antes a professora McGonagall para por fim ao feitiço que a amarrava ao capitão da Sonserina. Entraram na enfermaria e se depararam com Luna na cabeceira de Rony e Gina tocando de leve o rosto do irmão. Hermione sentiu um aperto na garganta ao ver a loira sentada junto ao amigo. Draco sorriu ao ver Gina, mas a ruiva não lhe deu atenção. Estava com o coração inquieto com tudo que vira acontecer a Harry.

- Como ele está, Gina? – perguntou Hermione.

- Madame Pomfrey deu uma poção revigorante para o Rony. Os ossos quebrados foram remendados. O que ele feriu por dentro também já foi tratado. Ele está bem. Só precisa de muito descanso. Agora pouco ele tinha acordado, mas voltou a dormir.

- Eu conversei com ele, Hermione. Disse tudo o que aconteceu com a gente e expliquei que você não podia vir porque estava com o Malfoy – emendou Luna.

Ao ouvir isso, Gina olhou curiosa para Draco. O rapaz franziu o cenho.

- Não estou com ela porque quero – respondeu apressadamente.

- Eu não perguntei nada.

- Mas faço questão de esclarecer!

- Vocês estão namorando? – inquiriu Luna com um jeito avoado, como não se importasse de verdade com o assunto.

Foi a vez de Hermione ter a curiosidade atiçada. Gina ficou vermelha e negou com tanta energia que acabou por despertar Rony. O ruivo se sentia muito fraco, porém assim que viu Hermione tentou se ajeitar melhor na cama.

- Você está bem?

Hermione balançou a cabeça e não encontrou palavras para dizer quanto estava orgulhosa dele. Draco avançou um passo para observar melhor Rony e ficar mais perto de Gina. Para impressioná-la, decidiu comentar sua atuação na batalha.

- Weasley, eu salvei a Hermione de dois orcs quando vinha para cá. Pergunte para ela.

Rony olhou para Draco com uma ponta de ciúmes, embora a razão gritasse em sua mente que não havia possibilidade de Hermione se interessar pelo sonserino. Nunca o achara tão detestável quanto naquele momento.

- Se você fez isso, Malfoy, a gente só tem a agradecer - resmungou.

- Também ajudei a Gina na floresta.

- Na floresta?! O que é que você foi fazer na floresta? – agitou-se e procurou se sentar na cama. Mas deu um gemido porque as dores se acentuaram e Madame Pomfrey surgiu zangada ao lado dos jovens.

- Chega de conversas. Ele precisa descansar!

Rony insistiu que queria saber mais da batalha. Perguntou de Harry e dos outros. Gina e Hermione abaixaram as cabeças, enquanto Madame Pomfrey colocava todos para fora. O rapaz insistiu num grito e Draco foi o único a responder.

- O Hagrid morreu, o McKinley não voltou e o seu amigo, o mister Maravilha, parece meio louco. Mas Hogwarts se manteve de pé, se é isso que quer saber.





*****




Harry caminhou pelo castelo sem olhar para os lados. Não percebia que estava pisando duro e que chamava a atenção dos outros estudantes. A extrema fraqueza que experimentara nos minutos finais da batalha se fora. Restava-lhe uma fúria que o fazia ficar de pé, que lhe atenuava o cansaço, que tomava sua mente, sua alma, seu corpo. Passou por um grupo de alunos sem tomar conhecimento deles e entrou no salão principal. Viu os elfos domésticos executando feitiços para terminar de arrumar o lugar para o velório de Hagrid. Alguns deles apontavam o guarda-caça em dúvida se deviam ajeitar-lhe os cabelos e a barba. Quando ouviu um deles comentando que seria bom trocar-lhe a roupa por uma mais bonita, ele se manifestou.

- Deixem o Hagrid como ele gostava de ficar.

O tom imperioso de sua voz fez com que os elfos domésticos se afastassem. Isso abriu espaço para ele, que se colocou ao lado do corpo. “Não dá para acreditar, Hagrid. Não dá. Você não podia ter ido embora”, pensou sentindo a garganta se fechar. Notou as mãos feridas, as marcas de queimaduras que Snape tratara. “Não você, Hagrid. Você que fez tudo por mim! Você não merecia o que sofreu”, lamentou-se em silêncio. Recordou-se de Grope, também morto na campina. Sentiu-se impotente. “Achei que eu podia vencer hoje, Hagrid. Acreditei de verdade. Mas eu falhei. Falhei”, murmurou para si. A garganta ardia. Estava tão apertada que tinha a sensação de que não conseguia engolir nem mesmo a saliva. Os olhos se encheram de água e recuperaram a cor verde. “Desculpe, Hagrid. Se eu tivesse resistido melhor ao ataque de Voldemort, você não teria ficado fora de controle como ficou e podia estar vivo. Mas eu não resisti. Não consegui”, disse baixinho e com as lágrimas descendo pelo rosto.

- Harry Potter, meu senhor, necessita de algo?

Era Dobby que estava ao seu lado, com as orelhas cobertas com meias de cores vivas. O elfo o examinava com interesse e tristeza. O rapaz não respondeu.

- Talvez precise dormir um pouco. Já é tarde e o senhor lutou bravamente pelo que o diretor Dumbledore comentou com os professores.

- Não! Eu fracassei!

- Não diga isso, meu senhor. Se tivesse fracassado, não o teríamos aqui conosco.

- Mas HAGRID não está mais conosco! Ou você ainda não se tocou disso, Dobby?!

- Dobby ‘se tocou’ sim, meu senhor. Dobby sabe que Hagrid é mais uma vítima de Você-Sabe-Quem.

- NÃO É VÍTIMA DE VOLDEMORT! É DE BELATRIX! FOI ELA QUEM TIROU A VIDA DE HAGRID.

- Ela é uma mulher muito má – disse Dobby se encolhendo ante o grito de Harry.

Os olhos do rapaz voltaram a escurecer. Precisava falar com os membros da Ordem. As prioridades tinham de mudar. Deixou Dobby para trás e galgou rapidamente as escadas. Assim que entrou na sala do diretor encontrou Lupin, Tonks e a professora Minerva conversando. Dumbledore fez um sinal para que se sentasse. Logo surgiu Hermione, seguida de perto por Draco Malfoy. Para Harry, foi impossível conter a raiva ao vê-lo ali.

- O que você está fazendo aqui, Malfoy? Alguém te convidou? – perguntou com rispidez.

- Você é sempre tão agradável, Potter.

- Sem discussões, rapazes. Senhor Malfoy, acho que podemos encerrar o feitiço. Já conversei com o professor Dumbledore a seu respeito. Por favor, dirija-se ao chefe da missão auror. Ele quer conversar com você.

- Eu já disse que não fiz nada. Não sou um Comensal.

- Não se trata disso, senhor Malfoy – respondeu McGonagall. – São apenas algumas perguntas.

- Que bobagem. Existe alguém capaz de confiar num Malfoy? – cortou Harry, irritado.

Gina tinha acabado de entrar na sala quando Harry e Draco se enfrentavam verbalmente. McGonagall tinha pedido silêncio mais uma vez e os dois rapazes se encararam com hostilidade. Mas o capitão da Sonserina teve uma idéia e sorriu enquanto a professora rompia os cordões mágicos com um movimento suave da varinha.

- Talvez sejam poucos os que confiam em mim. Mas não estou interessado em quantidade. Olhe para você. Quantos acreditam que você vai salvar o ‘nosso mundo’? E quantos vão ficar decepcionados por ver que você ainda não salvou, de fato, ninguém?

Pálido, Harry pensou imediatamente em Hagrid. Hermione e Gina lançaram olhares irados ao rapaz de cabelos platinados. Então, se ouviu uma voz calma e fria.

- Senhor Malfoy, melhor se calar se não tiver nada de útil a dizer – interrompeu Snape, o último membro da Ordem a chegar para a reunião.

- Eu já estava de saída, professor. Só queria contar ao Potter que a Gina confiou em mim e graças a isso pude ajudar a defender o castelo, algo que ele não fez.

Harry virou-se para a ruiva, surpreso e alterado por um ciúme que não queria deixar transparecer. Ao vê-la, reviveu o momento em que tentou destruir Belatrix. Reviveu os dois gestos dela que o impediram de cumprir seu plano de vingança. Sentiu um peso no peito. Por sua vez, a garota enrubesceu com o comentário de Malfoy, porém permaneceu quieta enquanto o sonserino deixava a sala. O olhar da ruiva cruzou com o de Harry. Mas nele só encontrou um brilho gélido. De novo, a cor verde escurecera.

- Mais uma vez nos encontramos reunidos aqui, meu jovem. O que deseja da Ordem, Harry? – inquiriu Dumbledore em voz alta, fatigado pela batalha e desgastado com tanta discussão.

- Acho que diante da terrível... – fez uma pausa, engoliu em seco e prosseguiu - perda de hoje, a gente deveria estabelecer uma nova prioridade. Voldemort é e continuará sendo nosso inimigo número um, mas agora é hora de darmos atenção a alguém que roubou a vida de dois importantes membros da Ordem: Sirius e Hagrid.

A voz tremeu ao pronunciar os nomes, porém os olhos estavam febris. Notava-se um timbre de cólera mal contida. O diretor ajeitou os óculos de meia-lua.

- A Ordem foi criada para nos protegermos das forças das trevas. É isso que temos feito. Vingança não é nossa missão.

- As forças das trevas não se limitam a Voldemort – sibilou Harry. – Temos de caçar Belatrix Lestrange. Temos de encontrá-la de qualquer jeito. Ela não pode ficar impune!

- O ministério...

- Tonks, o ministério está mais preocupado com Voldemort. A gente tem de ir atrás da Belatrix. Agora! Ou então ela vai ficar rindo de nós. De todos nós! Que raios! Ela tirou a vida de duas pessoas!

- Todos sentimos essas mortes, Harry – ponderou Lupin.

- Mas que droga é essa que a gente sente e não pode fazer nada! Quem é que vai pagar por isso? – insistiu nervoso, esbarrando na mesa do diretor e derrubando um vaso que se espatifou.

- Acalme-se, meu jovem. Reparo! – e consertou o vaso sem usar a varinha.

Lupin ergueu as sobrancelhas, preocupado com o estado de Harry. O rapaz andava de um lado para o outro, irritadiço. Mal prestava atenção aos demais membros da Ordem. Queria arrancar de todo jeito a autorização de Dumbledore para que se iniciasse uma perseguição a Belatrix. O diretor, no entanto, parecia que não iria ceder. Fez-se um silêncio pesado na sala, que Gina decidiu quebrar.

- Mais cedo ou mais tarde, Belatrix vai ser encontrada e julgada. Só temos de esperar.

O rapaz fixou suas pupilas na ruiva. E a lembrança dos gestos que impediram sua vingança pesou mais uma vez em seu coração. Respondeu com dureza e amargura.

- Não cabe a você decidir o que deve ser feito!

- Nem a você. A decisão é do grupo – replicou Gina, ferida com o comentário ácido.

Atento à cena, Dumbledore perguntou logo se havia alguém que concordasse com a proposta de Harry. Ninguém se pronunciou e o líder da Ordem decretou que nada se alteraria nos objetivos da sociedade secreta. Harry bufou e cerrou fortemente os dentes. Teria soltado um palavrão se não fosse por isso.

- Já que estou sozinho nessa, não vejo mais sentido em ficar aqui – e se dirigiu para a porta.

Gina o conteve por um dos braços.

- Harry, você não está sozinho. Você tem o nosso apoio. O meu, o do Rony...

- Seu apoio? Não esqueci o que aconteceu na campina! Se você não tivesse feito o que fez, o Hagrid estaria vingado. Agora, por causa do seu gesto, Gina Weasley, ele não vai dormir em paz. Nem eu – murmurou com os lábios crispados. E alfinetou, desvencilhando-se bruscamente da garota. - Por que não oferece apoio para o Malfoy? Ele pareceu gostar do seu ‘voto de confiança’.

Assim que o rapaz deixou o recinto, Dumbledore aconselhou que todos procurassem dormir um pouco porque o enterro de Hagrid aconteceria assim que nascesse o sol. Os membros da Ordem saíram de sua sala um a um até que restou Gina Weasley, de pé, ainda espantada com a reação de Harry.

- Vá se deitar, minha jovem. Você já fez muito por hoje. E é tarde.

Ela o olhou, indecisa. Pensou em contar da sensação que tivera na campina quando Harry tentara jogar a maldição máxima sobre Belatrix. Dumbledore notou sua hesitação. Antes de fazer qualquer pergunta, entretanto, Sibila Trelawney invadiu a sala, carregando sua bola de cristal.

- Dumbledore, Dumbledore. Céus, que difícil é falar com você! Minerva quase não me deixa entrar. Tive de mostrar o estado da minha bola de cristal para poder conversar com você.

- Oh, Sibila, sinto não ter te dado a devida atenção. Mas você deve ter percebido que andei muito ocupado. Minerva me contou que esteve preparando um plano de fuga para os alunos.

- Mas não é disso que vim tratar – e virou-se para Gina. – Pode ir, querida. Tenho um assunto muito importante a falar com o diretor.

O velho professor fechou os olhos por um segundo, lamentando a aparição de Sibila. Gina se despediu de ambos, porém assim que se afastou ouviu uma pancada no solo. A bola de cristal escorregara das mãos da vidente e deslizou pelo chão até tocar seus pés.

- Cuidado, menina! Essa bola é uma herança de família.

Gina se abaixou para pegá-la e entregá-la à dona. O interior da bola começou a se tornar denso e Sibila deu um gritinho excitado. “É isso que está acontecendo, Dumbledore. Essa nuvem branca é um claro sinal de que os problemas não terminaram. Um grave perigo nos ronda! Traga-me aqui a bola, querida. Rápido”. A garota tentou devolvê-la, mas assim que a bola foi tocada por Sibila, a nuvem deixou o objeto e subiu até o rosto da antiga professora de Adivinhação. Gina captou uma vibração violenta e, assustada, soltou a esfera no colo de Sibila. O diretor se agitou em sua cadeira.

- Sibila?

A bruxa não respondeu. Seu rosto estava inexpressivo. Gina arregalou os olhos.

- De-desculpe. A senhora está bem?

- Diga o que quer saber de Cassandra – respondeu Sibila numa voz forte, áspera, totalmente diferente do tom etéreo da bruxa.

Dumbledore ficou de pé, diante dela.

- O que quer nos contar, Cassandra?

No entanto, ela não abriu a boca. Gina sentiu-se angustiada. Nunca vira a professora tão estranha. O diretor andou em torno de Sibila. Chamou Cassandra três vezes, sem obter resposta. E compreendeu que a famosa vidente, a trisavó de Sibila, se manifestara não por conta de sua presença. Mas da caçula dos Weasley.

- Gina, pergunte algo do nosso futuro à professora Trelawney. Chame-a de Cassandra que ela te atenderá – orientou enquanto conjurava uma pequena esfera de vidro para gravar as palavras da vidente. Mais uma profecia que deveria ser guardada a sete chaves.

A jovem concordou e decidiu expor suas dúvidas, mesmo sem entender direito a situação.

- Cassandra, o que aconteceu com o Harry? Ele está diferente e eu não entendo o que mudou nele.

- Aquele de quem pergunta foi tomado pela força das trevas.

- Sim, eu vi. Mas Vol-Vol-Voldemort saiu do corpo dele.

- Ele permaneceu tempo demais no corpo daquele de quem me pergunta. Tempo suficiente para que as trevas encontrassem a semente que fez germinar a força negra.

- Que semente?

- O ódio. O coração daquele de quem me pergunta está mergulhado nas sombras.

Gina tremeu. Lembrava-se perfeitamente do frio que sentira ao lado de Harry. Da névoa gelada. Dos olhos escurecidos. Virou-se para Dumbledore, perturbada.

- Professor, eu senti que isso estava acontecendo. Quando ele foi lançar a maldição imperdoável sobre a Belatrix...

- Aquele de quem me pergunta está condenado. A maldição imperdoável é marca das trevas. E marca quem a ela recorre. As sombras dominarão o coração daquele de quem me pergunta.

- Não pode ser! Harry não é um bruxo das trevas! – exclamou alterada.

- Ele será – respondeu Cassandra no tom monocórdio com o qual iniciara a conversa com Gina.

Dumbledore retesou o corpo. Com um gesto, pediu que a aluna se tranqüilizasse. Gina queria gritar para Sibila que nada daquilo podia ser verdade.

- Peça a Cassandra, senhorita Weasley, que nos diga se há algum meio de evitarmos isso.

Gina fez a pergunta para Sibila. Roeu uma unha esperando pela resposta e viu que o diretor também estava angustiado.

- Aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas será dominado pelas sombras se outras marcas negras forem feitas em sua alma. A maldição máxima abriu as portas para as sombras. E a maldição máxima destruirá sua resistência. A maldição máxima o fará se perder. Uma vez mais e será o fim. Aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas está condenado. Enquanto estiver mergulhado nas sombras, não haverá escapatória. Ele sucumbirá ao objeto do ódio.

- Mas tem de haver um jeito de impedir essa barbárie – gemeu a garota.

- O objeto do ódio não pode perecer por suas mãos. Mas se o objeto do ódio for afastado de seu caminho, haverá uma chance. Para isso, um grande sacrifício será cobrado.

- Que sacrifício? – exasperou-se Gina.

- Só uma pessoa poderá responder. Aquela que é a sétima criança e a primeira mulher de muitas gerações de bruxos puro sangue.

- Quem? Eu?! Eu não sei de nada! Eu não sou adivinha! Professor, o senhor conhece mais alguém assim?

- Neste momento, minha jovem, não consigo pensar em mais ninguém.

Ambos olharam para Sibila, cujo rosto continuava inexpressivo. Dumbledore girou a esfera de vidro entre os dedos, com um ar profundo e pesaroso. Gina cobriu a cabeça com as mãos. Aquela noite terrível parecia que nunca ia terminar. “Harry, não. Harry não pode sucumbir às trevas.” E de repente lhe veio uma idéia.

- Professor, basta que Harry não execute mais nenhuma maldição imperdoável. Ele precisa saber disso. Faça com que ele ouça a profecia.

- Aquele que está mergulhado nas sombras não resistirá ao horror do conhecimento. Ele voltará sua magia contra si e assim terminará tudo. Ele se extinguirá.

Gina soltou um grito.

- Chega! Não quero ouvir mais nada.

Depois se arrependeu. Mas era tarde. Cassandra tinha ido embora. A cabeça de Sibila pendeu para frente e a bola escapou de seu colo, rolando outra vez pelo chão. A bruxa pôs a mão na testa, confusa. Olhou para Gina, pálida e estática diante dela.

- Menina, ainda não me devolveu a bola! Preciso mostrar ao diretor...

- Pode deixar, Sibila. Já entendi que um grave perigo nos ronda. Agradeço seu aviso e peço-lhe que agora repouse. Você prestou um auxílio inestimável e creio que necessitarei de seus préstimos daqui a algumas horas, quando Hagrid for enterrado.

- Realmente, Dumbledore, eu me sinto esgotada! Engraçado. Não tinha percebido como estou fatigada. Parece que exauri minhas energias. Bom, preciso mesmo me deitar. Depois conversamos mais.

Quando Sibila Trelawney se foi, Dumbledore pousou uma mão sobre o ombro da jovem.

- Por enquanto, minha cara, este será um segredo só nosso. Não o diga nem mesmo aos seus pais. É um fardo pesado, reconheço. Mas não devemos perturbar mais ninguém, por ora.

- Professor, pode chamar Cassandra de volta? A gente precisa saber que sacrifício é esse.

- Cassandra não se manifesta segundo nossa vontade. É pelo visto a resposta quanto ao sacrifício caberá a você. Ou a outra pessoa que se encaixe dentro daquele perfil. O que podemos fazer é afastar Harry desse desejo de vingança. Temos de afastar Harry do objeto do ódio. Que para mim só pode ser...

- Belatrix – completou Gina.

- E sem que ele suspeite do que está acontecendo.

Ela assentiu. Despediu-se do diretor e abriu a porta, pronta a se dirigir para o dormitório. Só que ficou cismada com algo.

- Mas, professor, e em relação à outra profecia?

- Receio, senhorita Weasley, que uma não exclui a outra – respondeu abatido antes de desejar boa noite à garota.

Gina só pode pensar uma coisa. A noite não poderia nunca ser boa à altura dos últimos acontecimentos.










Gente, o capítulo não saiu exatamente como eu gostaria. Não deu para revisar direito. Mas ou saía agora ou só depois do Natal. O final de ano está fogo! Vou torcer para ser mais rápida nesta semana. Obrigada. K.

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