À luz da lareira

À luz da lareira



A neve cobria Hogwarts havia uma semana. Logo, os alunos viajariam para suas casas para festejar o Natal. Os Weasley tinham convidado os Granger para a ceia na Toca. Hermione, portanto, se preparava para uma breve temporada na companhia da mais simpática família de bruxos que conhecia. Vitor Krum também havia recebido um convite, mas o jogador ainda não respondera se poderia ir devido aos compromissos profissionais. Corujas cruzavam os céus para acertar os detalhes do encontro familiar, levando mensagens animadas de parte a parte. Ou quase. Rony não andava muito simpático. Dedicava cada vez mais tempo ao quadribol, o que não fazia sozinho, pois Harry também não parava de treinar. Estavam invictos no campeonato, só que o custo de tudo isso era uma completa desorganização para as outras coisas. Naquele final de tarde ficaram na sala comunal colocando em dia os deveres atrasados.

- Estou tão atrapalhado com as minhas coisas que não estou dando conta de nada. E ainda recebi duas cartas da Cho me cobrando respostas.

- Respostas? Eu também preciso de respostas. O que acontece se eu misturar seiva de salgueiro, rabo seco de salamandra e, eca, teia de tarântula?

- A Cho quer que eu passe o Natal com ela.

- E o que é que você está esperando, Harry? Responda que irá - disse Hermione, que brincava com Bichento.

- É que eu também fui convidado pela mãe do Rony, Convidado ou praticamente intimado a comparecer à festa da Toca.

Rony deixou de escrever por um instante, observando o amigo com interesse. Harry se agitou na cadeira.

- Pare de me olhar desse jeito, Rony. Eu sei o que você está pensando.

- Eu tô pensando que a Mione podia parar de brincar com esse gato e me ajudar com os deveres. Mas já que você começou, termina. O que é que você imaginou que eu estava pensando?

- Que eu posso passar uns dias bem agradáveis na companhia da Cho.

- Disso eu não tenho dúvidas, cara. Em casa você não vai encontrar... ahn... diversão igual - respondeu o ruivo com malícia.

Hermione olhou escandalizada para Rony. Harry ficou sem graça, mas desabafou em seguida.

- Eu me divirto com vocês. Mas não é a “diversão” que está pegando... Bom, na verdade, não me sinto à vontade com a idéia de ir até a casa dos Chang. Imagine ser encarado pelo pai da Cho? Pelo menos, ninguém na família Weasley me intimida - argumentou.

Não era bem assim. Sentia-se profundamente intimidado diante da caçula dos Weasley, temendo que ela descobrisse algo do que ia por dentro dele. Por isso, vinha evitando encontros com Gina na sala comunal ou pelos corredores. Fazia parte do plano “fuja da tentação”. Não tinha ocorrido nada entre os dois. Para Harry, era inegável, porém, a atração física que a garota exercia sobre ele. Ao descobrir o fim do namoro dela com Dino, seu coração bateu descompassado. Mas tratou de apagar o fogo. “Não posso me envolver com a irmã do Rony”, pensou na ocasião. Por outro lado, a relação com Cho estava legal. A garota estava mais serena, mais sorridente, menos chorosa. Era bom poder beijá-la e extravasar os impulsos represados. Às vezes, se pegava pensando em Gina quando tinha um encontro marcado com Cho. E se arrependia em seguida. Sempre que podia, Cho aparatava em Hogsmeade e ficava com Harry na vila até a hora de o rapaz voltar para o castelo.

Outros romances se desenrolavam em Hogwarts. Talvez fosse o clima de guerra que pairava sobre a comunidade bruxa que fez tanta gente se aproximar. O fato é que muitos casais surgiram na escola. Rony e Luna ensaiavam um namoro, que nunca ia para a frente (por causa do rapaz, ainda indeciso se devia tentar algo sério com a loira, claramente apaixonada por ele). Neville andava de mãos dadas com Lilá Brown. Quase todos tinham pelo menos uma paquera. Entre os que estavam sozinhos, podia-se contar Dino, Draco, Hermione e Gina. Dino ainda não se interessara por ninguém desde o fim do namoro com Gina. Draco esnobava as garotas que o procuravam. Hermione namorava Vitor Krum e com ele mantinha constante correspondência (para secreto desespero de Rony). E Gina não dizia nada quando suas colegas lhe perguntavam se estava saindo com alguém. Atualmente, era raro encontrá-la na sala comunal. Das aulas, ia para a biblioteca. Do refeitório, ia para o quarto. Se havia jogo, ela se apresentava, disputava a partida com ânimo feroz, voava para o vestiário e era a primeira a retornar ao dormitório. Desde que torcera o pé - tratado em segundos por Madame Pomfrey - não tinha ido mais a Hogsmeade.




*****




Os rapazes fecharam seus livros, famintos. Estava quase na hora do jantar. Gina surgiu carregando pergaminhos, atravessou a sala comunal dando um “oi” geral e se dirigiu ao quarto. Minutos depois, reapareceu.

- Aonde você vai, maninha?

- Jantar.

- Então, seja simpática e espere pela gente. Arre, faz tempo que você não nos faz companhia.

Rony foi para o dormitório, levando seu material e o do colega. Hermione falava dos planos de Natal para Gina. Harry procurava não olhar para a ruiva. Mas o som de sua voz o atraía. Arriscou uma espiada. Ela estava de frente para a lareira. A luz das chamas dourava sua pele e realçava seus lábios vermelhos. Uma blusa branca de lã cobria parte de seu corpo. A calça jeans moldava suas pernas. Cho podia ser mais bonita, porém não tinha metade do encanto de Gina. Algo queria arrastá-lo até ela. Harry resistiu. Então, Rony ressurgiu e colocou uma mão sobre o ombro da irmã num gesto protetor.

- Hoje você se senta com a gente.

Gina não respondeu, mas sacudiu a bela cabeleireira, concordando. Ela virou a cabeça para trás por um instante, capturando um segundo da atenção de Harry. Sorriu timidamente. Ele admirou o desenho da boca da ruiva. “Será que um dia ainda vou beijar essa garota?”, perguntou-se. Mas não retribuiu o sorriso. “É a irmã do Rony. É a irmã do Rony”, repetia o rapaz mentalmente. Harry afastou os pensamentos à medida que desciam as escadas. Na porta do refeitório, o grupo se deparou com Draco. E todos ficaram num impasse para ver quem dava passagem a quem. Sem abrir a boca, o loiro, então, recuou e abriu espaço para os outros. Quando Gina entrou no salão, Harry viu que Draco fez um movimento como se fosse segui-la. Mas ele parou de repente, mudando de idéia. “O que esse cretino quer com a Gina?”, perguntou-se com o sangue fervendo.

Encanado com isso, Harry mal tocou na comida. Durante o jantar, Mione perguntou a Rony se sua mãe poderia convidar Cho para o Natal na Toca. Aquilo matou a fome de Gina, que colocou as mãos debaixo da mesa para disfarçar o tremor. “Se ela for, não vai ser o fim do mundo. Acho”, atormentou-se intimamente. Como Harry, mantinha-se firme no propósito de não revelar seus sentimentos.

- Ah, nem adianta pedir. A Cho não pode ir. Ela já tinha sondado os pais para ver se havia chance de a gente se encontrar fora da casa dos Chang. E não há - contou o jovem bruxo, sem notar que a ruiva se agitara levemente na cadeira.

O grupo se retirava da mesa. Luna veio rapidamente junto a eles. Rony pousou um braço sobre o ombro dela. Hermione fez que não viu. Gina seguia na frente, doida para se isolar no quarto. Mas deu de cara com Dino. O rapaz a cumprimentou, sem graça. Ela sorriu ligeiramente e trocaram breves palavras. Harry ficou encostado na porta do salão, aguardando os outros e observando a cena, com raiva do colega de quarto. Dino se foi e Gina caminhou até a porta quando percebeu que o rapaz de olhos verdes estava ali, a centímetros dela. Parou um segundo, esperando a chegada dos demais.

- Gina, repare onde você está - disse Luna naquele instante.

A ruiva virou-se para a amiga, sem entender. Estava ao lado de Harry, sob o umbral da porta, todo enfeitado para o Natal.

- Você está debaixo do visgo junto com o Harry. A tradição manda que vocês se beijem - completou a loira.

O rapaz arregalou os olhos. Gina enrubesceu. Rony fez cara de poucos amigos, replicando que aquilo era bobagem.

- Tradição é tradição - ironizou Draco, que tinha se aproximado. - Se um casal parar debaixo do visgo de Natal, tem de se beijar. Ora, vamos não é nada demais... Ou vocês têm medo de um selinho bobo? O que me diz, Gina Weasley? Te falta coragem ou tem algum peso na consciência?

Draco esperava ouvir uma resposta atrevida de Gina e a negativa de Harry. Em vez disso, Gina semicerrou os olhos, irritada. Virou-se para Harry, segurou o rosto do rapaz com as mãos e encostou os lábios nos dele. Era para ser uma mentirinha. Um selinho bobo, como disse Draco. Mas Harry não deixou que assim fosse. Ele retribuiu o beijo com vontade, invadindo a boca de Gina com a língua. Foi um gesto rápido e impulsivo. Surpreendida, ela se afastou e disfarçou. Harry sentiu um arrepio pelo corpo. E Gina, recobrando o espírito, olhou para Draco, com raiva.

- Prontinho. Tradição respeitada. Só não espere que um dia eu faça o mesmo com você - e se foi, deixando atônitos Rony, Hermione, Draco e o próprio Harry.

Já para Luna, a cena não parecia extraordinária.

- Ah, como gosto das brincadeiras do Natal! - disse com jeito sonhador.






*****




Já era muito tarde e Gina não conseguia conciliar o sono. Lá fora, a neve caía espessa, pintando de branco os contornos do castelo. Suas colegas de quarto dormiam pesadamente. A garota atirou a coberta de um lado, saltou da cama, pegou um livro e foi à sala comunal. Com um feitiço, fez um fogo acolhedor crepitar na lareira. Sentou-se no sofá e tentou ler um pouco do volume “A verdade por trás das lendas”, que retirara da biblioteca naquele dia. Procurou se concentrar no capítulo que tratava do Gigante de ‘João e o Pé de Feijão’. Quando releu pela quinta vez o mesmo parágrafo, jogou o volume sobre uma mesa e ficou de pé em frente às chamas, aquecendo as mãos. Plena madrugada e ela só pensava no beijo! Nem fora algo assim sensacional. Tinha sido pouco mais do que um selinho. Mas não importava. Um calor bom percorreu o corpo ao lembrar do toque sensual de Harry em sua boca. Suspirou. “Tomara que Rony não tenha notado que ele me beijou de verdade”. Enfiou os dedos na cabeleira, desarrumando os fios vermelhos. Queria mais, muito mais. “Por Merlin, será isso a carência?”, resmungou. Antes daquela noite, o último beijo que recebera fora de Malfoy. Não contou a ninguém o que tinha acontecido. Nem que, contra sua vontade, o beijo de Draco provocara sensações estranhas. Era muito diferente do que ser beijada por Dino. Aquilo era maluco. Mas não queria se sentir envolvida por ele. Queria outra pessoa. Gina estava mergulhada nesses devaneios quando uma voz se fez ouvir às suas costas.

- Por que não está dormindo?

Ela tapou a boca com uma das mãos, perguntando-se se por algum maldito segundo teria falado qualquer coisa em voz alta. Era Harry que estava ali, com ar tão assombrado quanto o dela. Certamente, não adivinhou que haveria alguém na sala comunal. Gina respirou fundo e silenciosamente, recuperando a calma. E, sem encará-lo, respondeu que perdera o sono e que tinha vindo se aquecer um pouco diante da lareira.

- A noite está fria, não é?! - acrescentou, lembrando divertida da mania inglesa de comentar sobre o tempo.

Harry sorriu, mas observou que Gina não erguera os olhos para ele ainda. Deteve sua atenção sobre ela. Parecia tão delicada diante da lareira. Percebeu que a garota tremia um pouco. Rapidamente, tirou seu robe.

- Tome. Use isto - disse o rapaz, estendendo-lhe a peça de roupa.

Até aquele minuto, Gina não tinha se dado conta que estava de camisola. Aproximou-se mais da lareira.

- Não precisa. Obrigada - respondeu, tímida.

A camisola era branca e de aparência inocente, mas, diante do fogo, se tornava quase transparente. Mordeu o lábio inferior por um instante, o que acabou atiçando o tom avermelhado da boca. Harry continuava segurando o robe.

- Por favor... - murmurou, dando um passo em direção à jovem.

De olhos baixos, Gina estendeu uma das mãos e tentou pegar o robe. Mas Harry não o soltou. A garota puxou, sem sucesso. Não compreendia. Devia ser brincadeira. Se levantasse o rosto certamente o veria rindo. Então, ela o encarou. Trocaram um olhar quente. Harry não perdeu um segundo. Segurou Gina pelo braço e a atraiu junto a si, dando-lhe um beijo ávido. A surpresa a tomou, junto com o calor da carícia. A respiração dele acelerou. Enquanto colava os lábios aos dela, o rapaz a puxou até o sofá. Deitaram-se sem se separar. As línguas se enroscavam. As mãos dele percorriam o corpo de Gina. Ela soltou um gemido sufocado pelo beijo. Harry sugou o lábio inferior da garota, que estremeceu. Ofegante, ele suspendeu o beijo, mantendo a boca a centímetros dos lábios entreabertos de Gina. Os olhos se encontraram e trocaram uma energia intensa. Harry apertou o corpo dela contra o seu. Queria dizer-lhe “Fica comigo”, mas hesitou. Então, entregou-se de novo ao desejo, unindo sua boca à da ruiva, que retribuía o carinho com ardor. O rapaz se arrepiou. “Calma, calma”, pensou enquanto deslizava os lábios pelo pescoço de Gina. Desceu aos ombros, onde deu uma leve mordida. Queria deixar uma marca naquela pele macia e perfumada. Ele estava enlouquecendo. Mais uma vez, deteve-se num beijo apaixonado, molhado, ardente. E seu corpo se retesou, o que fez um alarme soar em sua mente. Estava indo longe demais. Soltou a garota, aturdido com o que estava acontecendo com ele.

- Isso não está certo. Desculpe. Perdi a cabeça - e retornou ao quarto.




*****




Desde aquela madrugada, Gina andava pálida. Quase não via Harry. Quando o encontrava, o rapaz mal falava com ela. E quando falava era apenas cordial. Era como se nada tivesse acontecido. Gina, ao contrário, estava perturbada. Não conseguia comer, brincar, rir. Mesmo assim, a garota queria dizer-lhe que não se preocupasse. Não alimentava ilusões a respeito dele. Mas não surgiam ocasiões para falar a esse respeito. Harry andava o tempo todo com Rony e Hermione.

Aos poucos, entendeu que o melhor era evitar encontrar com Harry. Estava de volta ao antigo refúgio, a biblioteca. Lia com afinco diversos livros, sem, contudo, captar direito o conteúdo. Sua cabeça estava longe. Como seria em casa quando ele estaria lá para o Natal? O espaço era menor e não dava para ficar escondida em muitos lugares. Calculou quanto tempo poderia ficar trancada no quarto sem levantar suspeitas. Na biblioteca, um rapaz a observava atentamente. Percebia que sofria. Sentiu-se tentado a ajudá-la mais uma vez. O ciúme, porém, foi mais forte. “Se está sofrendo por causa do Potter, que se dane”, pensou Draco.

Os dias correram cinzentos. E chegou o momento de viajar. O percurso do trem pareceu mais longo desta vez. Harry conversava sem parar com Rony, Hermione, Neville e Luna. Em algumas ocasiões, falava algo para Gina. Sorria de vez em quando. Mas não ficou perto dela e nem olhava diretamente para seu rosto. A ruiva queria acreditar que se conformava com a atitude do rapaz. Estava claro que Harry não encanara com aquela noite como ela. Gina procurou disfarçar a tristeza. Tripudiou de algumas manias de Rony. Brincou de snap explosivo com Luna. Fez tranças em Hermione. Numa hora, Draco apareceu dizendo apenas olá, surpreendendo o grupo inteiro. Gina deu-lhe uma resposta sarcástica que fez com que os demais rissem. O loiro também sorriu. Sabia que ela estava encenando que tudo corria normalmente.

Na estação de King’s Cross, Harry desejou “feliz natal” a todos. Seu tom de voz era despreocupado. Mas, no seu íntimo, reconhecia que aquilo era uma enganação. Sentia-se corroído, fraco, solitário. Mas tinha de seguir adiante. “Está na hora de parar de fazer bobagem. O mundo no meio de uma guerra, Voldemort matando gente e eu brincando com os sentimentos da Gina. Ela não tem culpa de nada. Sou eu que tenho de me corrigir”, pensou. Despediu-se. Gina ficou surpresa.

- Tchau? Mas ele vai com agente para a Toca, não vai? - perguntou para Hermione.

- Ele não vai. Harry está indo para a casa de Cho. Acho que vai assumir o namoro.

- Estava mesmo na hora - replicou, forçando um sorriso de escárnio.

Gina pegou sua mala e atravessou a parede da plataforma. Tinha pressa em dar início à operação obliviate. Precisava esquecer Harry. “Se ele prefere a Cho, não posso mais gostar dele. Não vou mais”, prometeu-se, magoada.








Este capítulo foi dureza para a Gina. Mas ela vai dar a volta por cima.

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