Um tempo para a solidão

Um tempo para a solidão



A rua dos Alfeneiros estava mergulhada num silêncio profundo. Faltava pouco para a meia-noite. E o barulho da chuva caindo sobre a casa convidava ao sono. Mas com tudo isso um rapaz de cabelos negros e olhos verdes continuava absolutamente desperto. Ergueu-se da cama e olhou pela janela. Em breve completaria 17 anos e não se sentia nem um pouco animado. Estava longe de seus amigos e saberia que receberia mensagens de felicitações. A amargura, no entanto, o impedia de ficar feliz com a perspectiva. Seria um ano difícil. Mais um. Harry Potter sentou-se no peitoril, aguardando a volta de Edwiges, sua coruja que estava fora havia dois dias.

Olhos fixos no horizonte escuro, Harry repassou os acontecimentos mais recentes de sua vida. O sexto ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts tinha sido o mais difícil de todos. Não apenas porque todos andavam com medo de Lorde Voldemort e seus Comensais da Morte, tornando o ambiente tenso. Mas ele também estava transformado. Apesar de ter pouca paciência com as pessoas, guardava a irritação no íntimo. Assim como suas frustrações e tristezas. Desde a morte de seu padrinho, Sirius Black, o rapaz se fechara. Em alguns momentos, explodia e nessas horas poucos conseguiam lidar com seu estado de espírito. Harry reconhecia que dificultava os relacionamentos. Felizmente, ainda havia gente que o apoiava. Rony Weasley e Hermione Granger, seus melhores amigos, jamais o abandonavam, mesmo nas ocasiões em que seu humor estava azedo. Neville Longbottom também se revelara um companheiro confiável e bastante tolerante. "Até demais. Cada uma que fiz com ele. Eu bem que merecia ficar sozinho", pensou. E Luna Lovegood com seu jeito avoado fora mais uma a lhe ajudar. Sem perceber, evidentemente. Com a colega da Corvinal podia falar sem recear que ela o julgasse. Sorriu ao lembrar de Hagrid. O guarda-caça de Hogwarts sempre dizia que Dumbledore, o diretor da escola, era um grande sujeito. Hagrid parecia não ter idéia de sua importância. Sem ele por perto, teria passado maus bocados na guerra contra Voldemort.

Nada se alterara no mundo dos bruxos. A guerra continuava. O Ministério da Magia mantinha aurores em constante vigilância. Algumas batalhas foram travadas. Se fosse uma partida de quadribol, o confronto estaria empatado. Quim Shacklebolt, um dos integrantes da Ordem da Fênix, a sociedade secreta criada por Dumbledore, morrera. Era mais uma vítima de Belatrix Lestrange. Harry estremeceu de raiva. Odiava aquele nome e alimentava o desejo de se vingar dela. Nunca mais se encontraram desde o dia da morte de Sirius. E ela quase destruíra Remo Lupin, outro membro da Ordem. O antigo professor teve de ficar muito tempo em St. Mungus até se reestabelecer. Voldemort perdera alguns comensais. Em compensação, dementadores tinham atacado Azkaban e resgatado Lúcio Malfoy, agora tão procurado quanto seu padrinho fora no passado. Harry tentou controlar o sentimento ruim que se espalhava pelo peito. Lembrou-se, então, de que mais uma vez Voldemort não conseguira acabar com sua vida. Escapara dele na Floresta Proibida, para onde fora atraído por uma armadilha montada pelos Comensais. Graças à ajuda de Hagrid, Rony, Hermione e Gina. Para ser bem sincero, a caçula dos Weasley era a responsável direta por ele ainda estar vivo. Harry deixou escapar um lamento. Estava devendo essa para a menina. "Aposto que ela vai continuar me olhando com aquele arzinho superior, achando que pode me dar lições", resmungou. Pensando melhor, com quem Gina tinha aprendido a se defender tão bem das trevas? Então, riu. "Comigo, ora".

À distância, um relógio soou. Meia-noite. E Edwiges surgiu entre as nuvens. Atrás dela, vinha outra coruja, Pichi. O rapaz sorriu de novo. Não estava só.




*****


Rony Weasley soltou um longo bocejo. Ainda estava de pijama e começava a devorar seu café da manhã. Tinha acordado faminto. Pudera. À noite tinha travado a mais disputada partida de quadribol que a família Weasley já assistira na Toca. Seu pai, Arthur Weasley, se divertira muito vendo os filhos fazendo evoluções fantásticas no jardim. Fred e Jorge eram ótimos. Gui, muito bom. Carlinhos lidava com a vassoura como se tivesse nascido sobre ela. Rony estava se revelando um excelente goleiro. Mas com que se emocionara de verdade fora com Gina. Nunca tinha imaginado que sua pequenina poderia voar com tanta destreza e determinação. A garota deixara boquiaberto o pai, que também participou do jogo, embora tivesse se queixado de estar velho demais para o quadribol.

- Arre, gastei tanta energia ontem à noite que poderia comer duas dúzias de panquecas - disse Rony, atacando o primeiro prato que a senhora Weasley colocou sobre a mesa.

- Vocês são realmente fascinados por quadribol. Nem acreditei que a família inteira iria jogar - comentou Hermione. Ela estava na Toca a convite de Rony e Gina.

- Eu não joguei, querida. Não se esqueça disso. E, por mim, Gina também não teria disputado essa partida. Ela podia se machucar no meio de tantos homens - riu Molly.

- O que é isso, mãe? Não confia em mim. Sei me cuidar - protestou a garota.

- Sabe mesmo. Garanto que nesse quesito a Gina se sai melhor do que o Rony - respondeu Fred, que estava se sentando para o café da manhã.

- Ei, por que vocês não me deixam em paz? A Gina pode ser realmente muito boa, mas se a gente for falar de "saber se defender", eu também me saio bem. Afinal, quem acompanhou o Harry em todas as aventuras que ele teve em Hogwarts? - perguntou, emendando outra frase em seguida. - Quer dizer, quem além da Hermione? Não precisa me olhar assim, Mione.

- Já que mencionaram o nome do Harry, está na hora de se aprontarem. Daqui a pouco, seu pai vai chegar com ele. Não quero que vocês o recebam de pijama. Olhem como a Hermione está arrumada. Gina, vá trocar essa camisola. Quero te ver bem bonita.

- Para quê? - bufou Gina.

Enquanto os jovens subiam aos quartos, Mione permaneceu ao lado da senhora Weasley. Estava ansiosa em encontrar Harry. Esperava que as férias de verão, apesar dos Dursley, tivessem suavizado os sentimentos do amigo. Isolar-se um pouco poderia ter feito bem, pensou. A garota sentia que Harry represava sensações ruins na tentativa de se mostrar imune à ação de Voldemort. Procurava dar a impressão de ser inatingível. Talvez quisesse, com isso, aumentar a confiança dos outros. Poderiam, assim, vê-lo como alguém capaz de enfrentar o maior inimigo da comunidade bruxa. O ar de frieza não combinava com Harry. Para ela, não passava de uma couraça que criara para não sofrer mais.

De repente, saltando da lareira, surgiu o rapaz com a cicatriz em forma de raio. Ao lado dele estava o senhor Weasley. Tinham usado o pó de Flu, embora Harry já estivesse habilitado para aparatar. Hermione não se importou com as cinzas e correu para o amigo, dando-lhe um forte abraço. Nesse instante, entraram na sala Rony, Gina e os gêmeos.

- Harry, Harry. Que bom te ver. Gostou do presente de aniversário que te mandei? - perguntou Hermione.

- Uma máquina fotográfica sempre é interessante. Mas não sei se sou bom nisso. Se você quiser ser minha cobaia, podemos testar meus talentos - brincou.

Pigarreando, Rony separou Hermione de Harry. Deu um tapa nas costas do amigo, seguido de um abraço. Os gêmeos deram ao convidado outros tapinhas amistosos, comentando que também tinham presentes de aniversário.

- Direto das Gemialidades Weasley, Harry. A loja vai muito bem - disse Jorge.

- Assim vai ficar chato. Eu não tenho presente nenhum. Oi, Harry - falou Gina num muxoxo. Mandou-lhe um tchauzinho e um sorriso por sobre a roda que os irmãos tinham feito em torno do convidado.

- Não precisa. O do Rony foi bem legal. Para mim, vale como se fosse seu também.

Mas Gina não se conformou. Sentia que estava sendo indelicada com o melhor amigo do irmão. Como nunca lhe ocorrera dar um presente a Harry? Quer dizer, antigamente tinha pensado várias vezes em entregar-lhe bilhetes com corações, flores, sapos de chocolate. Tudo anonimamente. Então, ficou vermelha. Tinha esquecido daquela queda por Harry. Para compensar e fugir de possíveis olhares inquisidores - "será que alguém aqui lê mentes?" -, resolveu voltar para o quarto e se entreter com a última mensagem que Dino Thomas, seu namorado, escrevera para ela.

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Comentários (2)

  • Letícia

    Primeiramente, gostaria de parabenizar pela belíssima escrita! Esta vai ser a fic que ficarei horas lendo!

    2019-08-31
  • Allice Lestrange

    Adorei sua fanfic! foi tão bom por um momento pensar em um final de Harry Potter sem as mortes de Edwiges, de Fred e do Lupin. Gostei muito da sua escrita e tenho uma certa curiosidade do rumo que essa história vai tomar. Parabéns.

    2014-08-21
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