O primeiro ano do resto de nos

O primeiro ano do resto de nos



O primeiro ano do resto de nossas vidas

Quando Harry finalmente entrou no dormitório sentiu que não tinha mais energia para continuar de pé. Tomara uma sopa para se alimentar, com medo de voltar a enjoar. Achava curioso que depois de ter encontrado Gina não sentira mais o problema. No entanto, não queria facilitar. Passara por Hermione na sala comunal e lhe prometera que mais tarde conversariam. A única coisa que desejava naquele momento era a cama, embora suspeitasse que não conseguira pegar no sono. De toda forma, não a teria tão logo. Rony estava sentado na cama, esperando por ele. Os demais alunos estavam concluindo os trabalhos de restauração do castelo, junto com os professores.

- Oi, Harry. Ainda não tivemos chance de conversar desde a outra noite.

- A noite passada, você quer dizer.

- É que ela parece já tão distante.

- Sorte sua se parece assim. Para mim ainda está muito viva.

- Soube dos detalhes da batalha. Você foi bem corajoso.

- Eu não sei de nada. Só sei do que vi – murmurou. – Não prestei atenção no discurso do Dumbledore.

- Bom, desta vez tem até gente me chamando de herói – riu, sem graça.

- Verdade? Legal, cara. Ao menos, a gente tem um na escola – sorriu amarelo.

- Não sou eu.

- Nem eu – disse, enquanto tirava a camisa e, espantado, notava pela primeira vez os vergões e hematomas no corpo.

- É. Você é magro demais para ser herói – comentou Rony, tirando sarro do amigo. E voltou a falar com seriedade – Não consigo me sentir herói porque no saldo final a gente perdeu o Hagrid.

Harry arregalou os olhos.

- É isso mesmo o que eu sinto!

- Os outros não entendem como isso abala a gente. Claro que a maioria das pessoas gostava dele. Mas nós tínhamos uma ligação especial. Você, então, nem se fala.

- Rony, ainda bem que você entende. Eu tô quase enlouquecendo e me sinto cobrado de todos os lados. Até para lidar com assuntos que eu não tenho condições de encarar agora, mesmo querendo muito.

- Que assuntos?

- São... coisas – respondeu, com o rosto afogueado, escondendo do amigo a história com Gina. – Só sei que tenho algo certo na minha vida daqui para a frente. O resto eu não sei mais.

- Ser auror?

- Não. Isso vai ter de ficar para depois. Eu decidi que vou atrás da Belatrix Lestrange. Vou vingar o Sirius e o Hagrid! – disse, irado e sentindo o enjôo voltando.

Rony ergueu as sobrancelhas. E esfregou os braços por causa do frio súbito que se fez no dormitório.

- Você é que sabe, cara. Já tem um plano?

- Vou começar do zero. Estou pensando em sair da estação de King’s Cross e ir direto para o Caldeirão Furado. Eu tenho dinheiro para me manter lá até montar meu... plano de caça!

- Já falou com o Dumbledore?

- Por que eu tenho de falar com ele? – irritou-se.

- Só porque ele te acompanha desde que você era um bebê. Por uma questão de consideração, no mínimo, Harry.

O amigo suspirou. Concordava.

- Você está certo, Rony. Ultimamente, eu não estou conseguindo ser muito legal com as pessoas. Eu me sinto estranho – e disparou, com a voz embargada. – Estou com tanta raiva do mundo – disse, entre dentes. - E de mim... que eu já pensei que seria melhor se eu não existisse.

Suas mãos tremiam, os olhos escureceram, o enjôo se intensificou. Rony o observou por um segundo.

- Eu também já tive raiva do mundo. E de você – disse, em tom de galhofa. – Mas, sem brincadeira, nunca questione a sua presença no mundo. Você já faz parte da história de Hogwarts. E se isso não faz diferença, então saiba que você faz parte da minha história. É meu melhor amigo! Se você não existisse, certamente eu seria um Rony muito mais sem graça do que sou. Muito menos corajoso. E jamais, oh, jamais, algum dos loucos daqui iria me chamar de herói.

Os dois riram. O enjôo sumira de novo. Harry olhou para o amigo, agradecido.

- Vocês, Weasley, são como um bálsamo para mim.

- Ei, me disseram que a Gina foi fantástica.

- Ela é fantástica! – murmurou, dividido entre o carinho e a angústia. Teria perdido a garota de vez?

- Puxou ao irmão – disse Rony, arrancando Harry do devaneio. E o ruivo riu mais uma vez. – Puxou ao Gui.

- Nem vem. Não diminua seu valor. A Mione tentou me contar umas coisas. Pelo que compreendi, ela disse que você foi o herói do castelo.

- Outra louca – debochou.

- Nada. Ela parecia bastante impressionada com você.

- Você acha? – perguntou, enrubescendo ligeiramente.

Harry confirmou com um “uhum” e comentou que tentaria dormir. Rony jogou-lhe um caramelo. “Madame Pomfrey me deu este doce especial. Ele tira os sonhos e faz com que a gente durma o necessário para o corpo descansar. Sem dores e sem interrupções. Talvez pensem que você morreu se demorar para acordar amanhã. Mas vou escrever um bilhete avisando o pessoal. Com um adendo: na dúvida, sua Firebolt já é minha”. O apanhador da Grifinória deu um sorriso discreto e fez que sim com a cabeça. Ainda se sentia triste, mas parte do peso nos ombros se fora.





******




O trem de Hogwarts mal tinha chegado a estação de King’s Cross e o coração de Harry se estreitou. Os últimos solavancos da velha locomotiva lhe trouxeram a mente que talvez não voltasse mais para o castelo. E parecia que todos tinham pensado o mesmo. Ele não sabia como tinha acontecido, mas súbito notou que muitos veteranos se abraçavam e juravam amizade eterna. Simas brincava com as irmãs Patil. Neville dava um tapa carinhoso nas costas de Dino. Susana Bones estalava um beijo no rosto de Justino. Estava acabando.

Harry arrastou o malão pela estação ouvindo o resto de uma discussão boba entre Hermione e Rony. Mal acreditava. Uma etapa se encerrava em sua vida. E para isso bastava atravessar a parede da plataforma e entrar no mundo trouxa. Hesitou. Parou e ficou olhando os amigos, com os quais tinha conversado longamente. Para sua imensa alegria, conseguira o apoio de Rony. Mione ainda era contra a idéia de arquivar o projeto de virar auror. Mas ao menos não se sentia mais incomodado com o fato de não receber palavras de incentivo ao seu plano de vingança.

De repente, percebeu Gina se aproximando. Durante o trajeto, ela não se manifestara. Na verdade, tinha permanecido pouco tempo com o trio. Andara muito pelos corredores do trem. Os olhares se cruzaram e a garota também parou. O contato visual foi breve. Luna surgiu do nada para falar com ela.

- Vamos, Harry. Não é tão difícil quanto parece – tripudiou Rony, empurrando-o contra a parede.

O rapaz atravessou o portal sem vontade. Não queria deixar Hogwarts para trás. Por outro lado, sabia que isso era necessário caso quisesse seguir o plano de perseguir Belatrix. Rony e Hermione logo chegaram na plataforma trouxa de King’s Cross. Os três se encararam.

- Quem diria? Somos bruxos aptos a conduzir nossas vidas – disse Mione.

- Bom, eu ainda não sou totalmente. Sem dinheiro não posso dizer que ‘vou conduzir a minha vida’ – resmungou Rony meio amargo.

- Você vai conseguir ganhar bem se você se formar como auror – objetou a jovem.

- Isso vai ter de ficar para depois. Eu e o Harry temos outro compromisso pela frente.

- Não tem mesmo jeito de vocês mudarem de idéia?

- Não, Mione – respondeu Harry com convicção. – Daqui eu e o Rony vamos direto para o Caldeirão Furado.

Então, eles se abraçaram. Hermione estava chorosa, mas segurou a emoção. O senhor e a senhora Weasley apareceram e também abraçaram os colegas do filho. Despediram-se de Rony e Harry.

- Estamos aqui pela Gina. Depois do que o Rony nos contou... Ah, não sei se vou conseguir suportar a separação do meu filhote – fungou a senhora Weasley.

- Coragem, Molly. Eles sabem o que fazem. E tenho certeza que vão eliminar Belatrix Lestrange da face da Terra – confortou o marido.

Harry tinha olhado mais de uma vez para a parede esperando ver Gina atravessando o portal. Teve de desistir porque Rony já caminhava para a saída. Baixou a cabeça e seguiu em frente. Passou perto de um enorme relógio e ouviu seu nome. Virou-se. Era Gina, que corria pela estação até alcançá-lo. O coração disparou. A garota pulou em seus braços, assombrando os transeuntes.

- Quase te perdi! Eu não podia!

O calor subiu pelo corpo. E Gina o beijou na frente de todos. Alguns estudantes de Hogwarts soltaram gritos animados. Rony deixou o queixo cair. A ruiva separou seus lábios dos de Harry.

- Pensei muito no seu plano. Por mais maluco que ele seja, quero te ajudar a realizá-lo. Eu te amo e farei qualquer coisa por você.

Harry não cabia em si de alegria. Mas deixou transparecer a preocupação. Segurou o rosto da garota com as mãos, fixando seus olhos nos dela.

- Gina, eu já te disse que vai ser perigoso.

- Eu fico com você até a hora que você decidir que tenho de me afastar. Vou para onde você for. Ou para onde você quiser que eu vá.

- Tem certeza?

- Tenho!

Ele sorriu.

- Este verão que tal ficar comigo no Caldeirão Furado? Eu alugo um quarto para você.

- Agora? – perguntou com um ar atrevido.

- Já!

Gina voltou a beijá-lo. Harry apertou o corpo da jovem contra o seu. A temperatura só fazia subir. O rapaz deslizou os lábios para o pescoço da ruiva, ainda incrédulo. Era como ter faturado o prêmio principal da loteria bruxa.

- Só que não pense que vai ser tão fácil assim – provocou a garota, fugindo da carícia apenas para atiçar Harry ainda mais.

- Não foi nada fácil, Gina – disse, tocando com a ponta dos dedos a boca vermelha da garota. – Mas fala. O que você quer em troca?

- Quero que você prometa que vai atender um desejo meu – murmurou brincando de aproximar e afastar os lábios, sem concretizar o beijo.

- Eu estou entregue! O que você quer que eu faça? – inquiriu, tentando beijá-la de todo o jeito.

- Acorde.

- O quê? – estranhou.

- Acorde, Harry!

Ele sacudiu a cabeça. Não podia ser. Sentiu que alguém o empurrava. Resistiu. Gina estava sumindo. Estendeu o braço para pegá-la. Mas não tocou em nada. Espantado, arregalou os olhos. Estava deitado.

- Cara, que diabos você estava sonhando? Ficou gemendo, rolando na cama. Você estava muito estranho. Não sabia se era pesadelo ou algo bom – exclamou Rony, de pé ao lado de Harry.

O jovem bruxo esticou a mão para pegar os óculos sobre a cômoda. Sentou-se na cama, contrafeito. Tinha sido um sonho!

- E então? Vai me contar ou não?

- Sonhei que tinha ganhado na loteria.

- Isso depois de ter escapado na corrida de um bando de rinocerontes raivosos. Olha como sua respiração está agitada!

- Deixa pra lá.

- É. Deixa. Ah, desculpa ter te acordado assim. Mas achei melhor. Como já são sete horas, pensei que seria bom te chamar agora porque o Dumbledore quer falar contigo antes da festinha de despedida que os veteranos estão organizando.

- Ele quer falar comigo tão cedo?

- Cedo?! São sete da noite. Você devia estar só o pó!

- Como dormi tudo isso? Ai, que droga. Não fiz nada e eu tenho de arrumar minhas coisas.

- Não se preocupe. A Gina e a Mione fizeram tudo por você. Elas entraram aqui e tomaram conta do pedaço.

- A Gina veio aqui?

- E a Mione. As duas ficaram preocupadas com você. Falaram com a Madame Pomfrey e tudo. Ouvi uma bronca de 15 minutos. Mas depois o sargentão admitiu que o caramelo tinha sido bom para você se recuperar. Essa foi a primeira bronca do dia. É. Não se espante. A segunda foi a dos meus pais. Eles me mandaram uma coruja falando sobre o curso para auror e eu respondi que iria esperar para ver o que você quer fazer da vida. Meus pais estão achando que eu não tenho vontade própria. E eu disse que era exatamente isso o que eu estava fazendo: cumprindo a minha vontade. Nossa, ouvi um monte.

- Rony, você não precisa abrir mão dos seus planos.

- Eu não estou abrindo mão. Estou adiando. Porque se você pensa que eu vou te abandonar sozinho nessa história, está muito enganado.

Harry riu. Quem sabe o sonho virava realidade?! Rony voltou a se ocupar com o malão, ainda desorganizado, e o aconselhou a procurar Dumbledore naquele instante. O amigo concordou. Trocou de roupa e saiu apressado.





*****




Dumbledore andava de um lado para o outro em sua sala. Não sabia quanto tempo teria de esperar até receber a visita de Harry. Mas isso não o preocupava. Enquanto isso, pensava em diversos argumentos para derrubar o projeto do rapaz de sair em perseguição a Belatrix. Era fundamental barrar a idéia em seu nascedouro. Então, ouviu as batidas na porta. Harry!

- Entre.

O jovem bruxo abriu a porta e entrou sem muitas cerimônias. Apenas um breve cumprimento e logo se sentou diante do diretor. Dumbledore foi direto ao assunto. Tinha conversado com Rony e sabia dos propósitos de Harry. O rapaz o olhou sem fazer comentários.

- Harry, o que você pretende fazer da sua vida?

- O senhor já tem idéia do que farei assim que sair daqui. Para que fazer mais perguntas? E não adianta tentar me influenciar. Desta vez, a decisão é minha. Totalmente minha.

- Admiro o seu desejo de independência. Isso me orgulha. Prova que você não é alguém que esmorece. Ainda assim, gostaria que você me ouvisse mais uma vez. A título de sugestão e de esclarecimentos. Já te falei que vivendo na casa de sua tia você tem uma proteção contra Voldemort.

- Perdão, mas desta vez eu quero ser encontrado. Pretendo resolver o mais rápido possível...

- Você quer ser encontrado ou quer encontrar Belatrix Lestrange? – interrompeu Dumbledore.

- Eu vou dar o troco para Belatrix! Já que ninguém mais da Ordem se habilita! – disse se erguendo e apoiando as mãos sobre a mesa do diretor com firmeza.

- O desejo de vingança, Harry, já destruiu muitos bruxos. O ódio não nos permite raciocinar direito.

- Se tiver que me destruir, destrua! Não me importo! – respondeu irritado, fazendo a mesa vibrar.

- Você nunca se deixou dominar pelo ódio. Não deixe que isso aconteça agora.

- Para o senhor é fácil falar! – exclamou em voz alta.

Quadros começaram a despencar das paredes, fazendo alguns diretores gritarem “cuidado”. Dumbledore também se ergueu e encarou Harry com firmeza. Porém, ao contrário do rapaz, seus olhos azuis se mantinham límpidos e transparentes.

- Não é fácil para mim também. Passei por coisas desagradáveis demais em minha vida e tive de superar outras tantas. Sei quanto é difícil vencer os sentimentos destruidores que aniquilam a pureza da alma.

- Parabéns, professor, por dominar seus sentimentos tão bem! Eu não sou assim! E eu não vou ficar parado! – disse, alterado.

Um vento cortante derrubou os objetos da mesa de Dumbledore e revirou livros e pergaminhos. As paredes estremeciam. Fawkes, ainda um filhotinho, piou tristemente.

- Você precisa se controlar, meu jovem.

- NÃO! EU PRECISO ACABAR COM BELATRIX LESTRANGE!

- Acalme-se, Harry, ou você vai acabar com a minha sala.

Foi assim que o rapaz se deu conta do estrago em que se encontrava o ambiente. Estranhou a desordem absoluta e sua falta de percepção. Os antigos diretores de Hogwarts reclamavam em voz alta e Fawkes piava sem parar. Não tinha escutado e nem visto nada disso. Olhou para o Dumbledore.

- Quem fez... – começou, intrigado.

O diretor pediu que esquecesse a pergunta, apontou-lhe a cadeira outra vez e lhe estendeu um lenço de papel. Harry percebeu que um suor frio cobria sua testa. Sentou-se e limpou o rosto ainda confuso.

- Não vou insistir mais nesse assunto, Harry. Mas você acaba de ter uma amostra do que o ódio pode fazer conosco. Ao mesmo tempo em que pode potencializar nossa magia para certas situações, ele rouba nosso controle. Nossas emoções interferem nos encantamentos. Para o bem e para o mal. O segredo, Harry, está em saber usá-las para tirarmos o melhor proveito de nossos dons. Apesar de ter concluído Hogwarts, meu jovem, você ainda é um aprendiz. Alguns bruxos param por aqui. Não tem necessidade de ir adiante. Mas não você. Seu potencial é para muito mais. Em todos estes anos de dedicação a esta escola, só encontrei dois alunos com um domínio de magia digno dos grandes nomes do nosso mundo. Um se entregou para o lado das trevas e eu não preciso dizer quem é. O outro, Harry, é você. Não desperdice, portanto, a dádiva que você carrega.

- Não vou desperdiçar, professor. Eu só quero fazer o que acho justo.

- Faça, então, direito! Aprimore sua magia. Você ainda não conseguiu enfrentar Belatrix de igual para igual. Se for correndo atrás dela do que jeito que está, você será facilmente eliminado.

- O senhor não acredita que eu posso vencê-la?! – perguntou, sentindo-se ofendido.

- Bem preparado você pode vencer Voldemort! Que é muito mais perigoso do que Belatrix. Mas não subestime seus adversários. Por isso, peço para que não abandone seu plano de se tornar auror. Era o que você queria. Você disse isso para Minerva! Harry, entre agora para o curso no Ministério da Magia. Você atingiu notas para isso.

- Não vou entrar enquanto continuar lembrando da imagem de Belatrix rindo enquanto Hagrid tombava. Eu vou atrás dela – respondeu raivoso.

Dumbledore baixou os olhos. Sentia-se cansado. Mas não podia desistir.

- Harry, a magia que te protege na casa de sua tia também protege seus familiares. Em nome da segurança deles, fique mais um tempo lá. O feitiço tem efeito até a noite em que você completar 18 anos. Quando te deixei naquele endereço, muitos anos atrás, tinha pensado nessa data porque imaginava que a vida não seria tão complicada como está. Além disso, isso me dará tempo para pensar numa alternativa para eles.

- O senhor está brincando comigo!

- Não estou. Isso é muito sério.

O rapaz bufou. Minutos antes, estava feliz por não ter de retornar mais para a rua dos Alfeneiros. Agora era obrigado a voltar para aquela casa onde só era maltratado. No entanto, o perigo que os Dursley poderiam correr o decidiu. Ele concordou, trazendo alívio para o diretor. “Ao menos, consegui alguma coisa”, pensou Dumbledore. Harry se lamentou pela escolha. Mas sabia que não tinha opção. Afinal, jamais deixaria alguém sob a ameaça de Voldemort. Mesmo que fossem os piores representantes da raça humana.





*****




O trem de Hogwarts estava chegando à estação de King’s Cross. O coração de Harry dava saltos. Lembrava perfeitamente do sonho. E recordava-se da noite anterior. Os veteranos tinham feito uma festinha na sala comunal e Gina estivera lá por uma hora. Nesse tempo, só conseguira conversar miudezas com a ruiva. Parecia que todos prestavam atenção a eles! Tentou avaliar se a garota continuava com raiva dele. Não aparentava. Mostrava-se como a Gina dos dias em que ainda não sabiam do sentimento do outro. Inseguro, procurou ficar perto da jovem para demonstrar que estava atento, que queria cuidar dela. A caçula dos Weasley não dava sinais de que notava o esforço do rapaz. Quando Harry oferecia um copo de cerveja amanteigada ou um doce da Dedos de Mel, ela recusava. Mas aceitava se a oferta viesse de Neville, Simas, Colin. Discretamente, Gina se afastava dele para falar com os demais veteranos. Harry sentia-se triste pelo descaso. De manhã, durante o café, ela não ficou distante. Fisicamente. Porque a mente não estava em Hogwarts. Isso aumentou a insegurança do rapaz.

Logo após o discurso de despedida de Dumbledore, em tom nada festivo como costumava ser, os estudantes se abraçaram. Não houve papel picado, nem chapéu atirado ao ar. Não havia condições de celebrarem por causa do impacto da morte de Hagrid. Harry foi um dos mais abraçados pelos alunos. Emocionou-se. Estava deixando seu verdadeiro lar. Quando parecia já ter recebido os afagos de todos, buscou Gina com o olhar. Ela estava com a cabeça apoiada nos ombros de Dino, que a envolvia com carinho. Sentiu uma fisgada no estômago.

A professora Minerva McGonagall ordenou que os alunos se dirigissem para as carruagens. Rony e Hermione se aproximaram para saírem juntos. Harry voltou a procurar Gina e percebeu que Draco Malfoy estava ao lado dela. Enciumado, estava a ponto de ir até a garota e abraçá-la diante do rival, mesmo que ela não quisesse. Mas Thelonius McKinley surgiu de repente para se despedir do trio e entregar para o jovem bruxo mais um de seus velhos livros. Harry agradeceu, satisfeito de ver que a obra era um tratado sobre magia negra, algo que precisava estudar para cumprir seu plano.

- Obrigado, professor. Vou sentir sua falta.

- Que é isso, garoto?! Vou estar nas reuniões da Ordem. A gente vai se reencontrar.

- Mas eu não vou ter muito tempo para a Ordem.

- Não diga isso. E, aliás, quem sabe o que será o amanhã? – riu McKinley.

- A professora Trelawney? – ouviu-se uma voz feminina às costas dos dois.

- Oh, Gina Weasley. Quase que te perco – disse o professor, passando a mão nos cabelos vermelhos da garota. E tirando outro livro do bolso, continuou – Este é para você. “Feiticeiras – grandes mulheres da nossa história”. Suspeito que em breve teremos um capítulo dedicado a você.

Gina sorriu ruborizada e deu um abraço em McKinley.

- A velha despedida dos veteranos! Mas o veterano aqui é o Harry. Já deu um abraço nele? Então, dê. É assim que se faz em Hogwarts – brincou.

Os dois se abraçaram sem jeito e mudos. Ao se afastarem, porém, trocaram rapidamente um olhar. Era de carinho. Harry quis falar com a garota, só que Gina tratou de se despedir e rumou para uma carruagem com sextanistas.

Os últimos solavancos da velha locomotiva trouxeram Harry de volta à realidade. Tinham chegado a King’s Cross. O bruxo arrastou o malão pela estação ouvindo o resto de uma discussão entre Hermione e Rony. Mal acreditava. Parecia muito com o sonho. Uma esperança se acendeu no peito. Gina poderia estar arrependida de ter brigado com ele. O olhar que a garota lhe dirigira depois do abraço sugeria isso.

Diante da parede da plataforma, parou. Sim, como fizera no sonho, refletiu que uma etapa se encerrava em sua vida. Bastava cruzar aquela fronteira que o separava do mundo trouxa. Hesitou. Ficou olhando os amigos, que continuavam discutindo. “E qual o problema de eu ir ao Caldeirão Furado no dia seguinte ao aniversário do Harry? Perigo tem em todo lugar, Mione”, resmungou Rony. Nesse instante, Gina e Luna surgiram. As duas também pararam, esperando que Harry se movimentasse. O rapaz olhou mais uma vez para a ruiva. O rosto da garota se coloriu discretamente. E ela falou uma bobagem qualquer para a amiga, disfarçando.

- Vamos, Harry. Não é tão difícil quanto parece – tripudiou Rony, empurrando-o contra a parede.

O rapaz espantou-se. Exatamente como no sonho. Atravessou o portal com urgência. Rony e Hermione também cruzaram a fronteira e se juntaram a Harry. Os três se encararam.

- Quem diria? Somos bruxos aptos a conduzir nossas vidas – disse Mione.

Harry se arrepiou. As frases eram iguais. As cenas se repetiam.

- Bom, eu ainda não sou totalmente. Sem dinheiro não posso dizer que ‘vou conduzir a minha vida’ – resmungou Rony meio amargo.

O rapaz sentiu que o coração pulava como se fosse um cavalo selvagem. “E se o sonho for premonitório?”, perguntava-se febrilmente.

- Você vai conseguir ganhar bem se você se formar como auror – objetou a amiga, dirigindo-se a Rony.

Harry engoliu em seco. “Tem de ser premonitório. Tudo está acontecendo como no sonho”.

- Isso vai ter de ficar para depois. Eu e o Harry temos outro compromisso pela frente.

O jovem bruxo quase gritou. Isso significava que Gina viria até ele. Que a garota ainda o queria. Mesmo depois do que dissera na trilha da floresta.

- Não tem mesmo jeito de vocês mudarem de idéia?

- Não, Mione – respondeu Harry, com o pensamento voltado para a ruiva e a ansiedade a mil por hora. – Eu e o Rony vamos nos encontrar no Caldeirão Furado para montarmos um plano.

Harry calculou que era o momento de se abraçarem e tomou a iniciativa. Com o braço esquerdo pegou Rony pelo ombro. Com o direito, puxou Hermione para fecharem um círculo.

- Vocês são a minha família – disse, com o coração aos pulos.
Hermione tentava segurar a emoção. Queria chorar. Abraçou os amigos separadamente. Quando estava com Rony, derramou algumas lágrimas. O ruivo apertou os lábios, mas não disse nada. O senhor e a senhora Weasley apareceram e se juntaram, emocionados, ao trio. Depois de apertos de mão e beijos sapecados no rosto, eles se despediram de Harry.

- Ah, Harry, depois do que o Rony nos contou... não sei se vou conseguir suportar a separação do meu filhote – fungou a senhora Weasley.

- Coragem, Molly. Rony vai ficar em casa por um tempo ainda. E eles sabem o que fazem – confortou o marido, não tão seguro quanto parecia no sonho.

Isso, entretanto, não incomodou Harry. Sua decisão de ficar com os Dursley tinha alterado um pouco o roteiro. Era o que imaginava. “Mas ela vai aparecer já, já”, pensou. Estava confiante. Tinha olhado mais de uma vez para a parede esperando ver Gina atravessando o portal. Apenas porque estava ansioso. Sabia que tinha de se separar dos Weasley e caminhar em direção à saída. Disse tchau para todos e seguiu em frente. Viu o tio Valter esperando por ele. Estava com cara de poucos amigos. “Isso não tem jeito. Tinha de acontecer”, resmungou para si, embora não sentisse raiva. A idéia de que Gina logo o chamaria e o beijaria proporcionava um alívio incrível para seu espírito. Harry passou perto de um enorme relógio. Como na premonição. E ouviu seu nome. Virou-se, sentindo que um calor bom tomava seu corpo. Gina diria que o amava.

- Quase que te perdi! Eu não podia!

Mas era Luna. A garota falou apressadamente que seu pai tinha solicitado uma colaboração de Harry. “Ele quer um artigo seu comentando a guerra e o que cada um deve fazer para derrotar a força das trevas. Você pode escrever para a revista?”, perguntou sem perceber o ar aflito do amigo. Harry respondeu que estaria muito ocupado, mas que enviaria uma resposta pela Edwiges. Olhava desesperado de um lado para o outro, doido para localizar a ruiva.

- Luna, você viu a Gina? – apelou.

- Claro. A Gina estava se despedindo do Neville e da senhora Longbottom. Eles ainda não tinham atravessado a plataforma. Daqui a pouco estão aí.

Tio Valter demonstrou claramente seu mau humor ao gritar para Harry que estava atrasado para assuntos “realmente importantes”. Luna se afastou com seu jeito alienado. Depois de esperar alguns segundos onde estava, Harry olhou para o alto. Viu o relógio. Recuou três metros, intrigando o tio, que ficou ainda mais impaciente. “Acho que eu tenho de me afastar do relógio. No sonho, eu não estava debaixo dele. Passei do lado. Foi isso”, pensou. Mudou a direção e arrastou o malão caminhando rumo à saída, mas indo mais à direita. Tinha a esperança de ouvir a voz de Gina. Andou devagar. Passou perto do relógio. Nada. Tio Valter mexeu o corpo imenso e também se dirigiu à saída. Harry manteve o trajeto e a velocidade. Quando estava a um metro da porta, diminuiu o ritmo, agoniado. “Ela vai me chamar!”. A essência do sonho tinha virado realidade. Gina teria de aparecer a qualquer momento. Estava a um passo de ganhar a rua. Não agüentou e se virou. Não via mais ninguém. Ninguém com jeito de bruxo. Ninguém de cabelos vermelhos. Sentiu-se tão triste que abaixou a cabeça.

- O que você tem? Essas aberrações acabaram de te enlouquecer de vez?

- Não é nada. É só o destino me pregando peças - murmurou, rouco.

- Vamos embora logo daqui. Você está chamando a atenção dos outros com essa coruja enorme na gaiola e essa cara de doente mental.

Harry não se importou com os insultos. Abatido, deu o passo que faltava para sair da estação. Estava deixando Hogwarts para trás.














No capítulo seguinte, os Dursley estão de volta! Mas aguardem surpresas. Obrigada, K.
Tive de colocar o nome do capítulo no alto porque ele não quer aparecer completo...

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