Feliz aniversário, Harry

Feliz aniversário, Harry



Fazia um forte calor na região da Toca. Assim que Harry aparatou diante da porta dos Weasley sentiu a temperatura umedecer sua testa e aumentar o inchaço da boca. Largou a gaiola de Edwiges, mais o malão, numa sombra e se aproximou de uma das janelas da sala. Não estava mais tão à vontade de surgir de uma hora para a outra na casa de seus amigos. Pelo contrário. O desconforto só fazia crescer. “Não consigo mais ficar em lugar nenhum. Gosto de todos aqui, mas a Gina não quer mais me ver”, lamentou-se enquanto deslizava a mão pelo lábio ferido. Pensou também que não estava nada apresentável. Estava com o rosto deformado pelo machucado, a pele suada devido ao calor e com as piores roupas de que dispunha. Harry não tivera condições de vestir algo decente. Ora, pouco tempo atrás ele estava lavando a louça na cozinha de tia Petúnia. “Impossível entrar na Toca desse jeito”. A última coisa que queria era receber o olhar desaprovador de Gina.

Intimidado, ficou parado no jardim, observando a sala vazia da Toca. Talvez os Weasley tivessem saído. Talvez tivessem ido até o lago das fadas. Talvez estivessem recolhidos em seus quartos. Uma temperatura daquelas era de amolecer qualquer um. Não se moveu dali, torcendo para que Rony descesse logo para que assim pudesse chamá-lo e convencê-lo a partir imediatamente para o Caldeirão Furado. Edwiges se agitou em sua gaiola e deu um piado impaciente. Ela também sentia o calor e estava doida para voar e se refrescar um pouco. Harry fez “psiu” para a coruja, mas a ave soltou outro piado, desta vez mais alto. O rapaz correu até ela.

- Você está do meu lado ou não? Não quero ser denunciado!

Edwiges fez pouco caso. Sacudiu as asas, espalhando algumas penas e repetiu o som alto. No mesmo instante, Pichi surgiu de uma janela. A coruja pequenina saltou para o ar, descrevendo um vôo amalucado e piando de felicidade. Desesperado, Harry liberou a ave branca. Edwiges logo ganhou altura e partiu rumo ao lago, seguida por Pichi. “Sua ingrata! Vai me deixar sozinho nesta agonia enquanto se diverte”, pensou, à medida que empurrava o malão e a gaiola para trás da árvore. Foi sua sorte. Gina colocou a cabeça para fora da janela e chamou a corujinha. Harry conseguiu se esconder e ainda pode ver que a garota estava usando tranças. O peito se contraiu. Engoliu em seco. “Nunca mais vou gostar de ninguém. Isso dói demais”, ressentiu-se. Esperou um minuto e voltou a olhar para a janela. Gina não estava mais lá.

O rapaz já estava arrependido de ter aparatado na Toca quando ouviu o ruído da porta da frente se abrindo. Era Rony, que saiu com a varinha a postos. A testa franzida sinalizava preocupação.

- Bicho ou gente, é melhor aparecer. Vai ser pior se eu tiver de te procurar! – falou em tom ameaçador.

Harry saiu de trás da árvore. Rony abaixou a varinha, mas manteve o ar intrigado.

- Opa, temos um bicho novo no jardim! O que aconteceu com você, Harry?

- Rá-rá-rá. Por que você não me lembra de rir da sua próxima piada? – retrucou com deboche.

- Isso foi obra de algum comensal?

O jovem bruxo explicou que tinha levado um soco de Duda e as circunstâncias que envolveram o episódio. Falou de Trix ligeiramente envergonhado.

- Pelo menos valeu a pena?

- O que?

- A garota é bonita? Beija bem?

- Ah, é bonita. Mas faz diferença? Não estou interessado nela. Ainda mais que é a namorada do meu primo.

- Vamos conversar mais em casa. Aqui está quente que nem o inferno.

- Quero ir para o Caldeirão Furado. Vim te chamar para ir comigo.

- Agora? Eu mal arrumei minhas coisas. Pensei que a gente ia se encontrar depois do seu aniversário. Bom, entra e me espera na sala enquanto eu vou jogando o resto das minhas roupas na mala.

- Não vou entrar. Quero ir embora já.

- Ok. Você é que sabe. Só vou te dizer mais uma coisa. Você não passou despercebido. A Gina sacou que tinha alguém ou algo do lado de fora. Ela que me pediu para dar uma olhada aqui. Vai ficar chato se você não entrar para dizer pelo menos “oi” para o pessoal.

- Diga que era só um gnomo mais taludo.

- Um gnomo taludo e desfigurado. Escuta, minha mãe arrumaria isso aí num minuto.

- Isso vai passar sozinho – cortou Harry, irritado com a insistência. - Anda logo que eu estou cansado de ficar neste calorão.

Rony deu de ombros e deixou o amigo, que se sentou no chão encostado no tronco da árvore. Mais uma vez, deslizou os dedos pelo inchaço na boca. E com as costas da mão enxugou a testa. “Arre, esse é um dia daqueles”, resmungou. Então, ouviu a porta se abrir novamente. Ficou imóvel, pensando se tratar de Rony. Mas era Gina que parou ao seu lado.

- Olá, senhor “gnomo”. Meu irmão disse que o senhor invadiu nosso jardim e eu estranhei que ele não tivesse te arremessado para fora. Se bem conheço o Rony, seria a primeira coisa que ele faria já que nossa mãe não gosta de ver as árvores e os arbustos lotados de... gnomos.

- O Rony não consegue mesmo enganar ninguém – disse, virando o rosto para o outro lado, procurando esconder o machucado.

- Nem você. Era melhor ter inventado outra história e ter instruído a Edwiges a ficar camuflada. Olha lá em cima – emendou, apontando a coruja branca descansando no alto da árvore onde Harry se apoiava.

- Ingrata e traidora – disparou o bruxo, mirando a ave.

Edwiges fez de novo que não se importou. Harry não sabia quanto tempo poderia manter o rosto voltado para o outro lado e sentiu que o suor aumentava de intensidade por causa da tensão. De repente uma brisa começou a soprar, amenizando a temperatura e trazendo alívio.

- Ah, o vento! Que bom que ele voltou – suspirou Gina, que continuava de pé ao lado de Harry.

A brisa levou até as narinas do bruxo um perfume suave e silvestre que emanava do corpo da garota. “Isso é uma tortura”, pensou, enxugando o suor da testa pela milésima vez. No afã de disfarçar o movimento, sem querer resvalou na ferida. Um gemido escapou de sua boca. Gina perguntou o que ele tinha. Harry negou que tivesse algo, mas virou o rosto ainda mais para o lado. Sem hesitar, a ruiva se abaixou diante do amigo, disposta a conferir o que perturbava o rapaz.

- Não – ele disse, afastando-se dela, envergonhado de seu estado.

- O que você está escondendo? Posso ver?

- Não quero que você me olhe. Por favor, me deixe em paz.

- Só vou te deixar em paz depois de te olhar direito. Não seja covarde!

- Não sou covarde! – reagiu imediatamente, voltando-se para ela.

Gina fez uma careta. Harry se sentiu ridículo de ter se exposto tão facilmente, com uma simples provocação dela.

- Hum, está feia a ferida. O lado esquerdo do seu rosto está todo inchado e tem uma mancha roxa que vai da boca até a bochecha, pegando parte do nariz. Mas o corte não parece assim tão grande.

- Obrigado pelo consolo – respondeu, abaixando a cabeça, louco para se esconder. “Nunca estive tão horroroso na vida”, lastimou-se.

- Muito bem, senhor gnomo. Vamos dar um jeito nisso.

A garota pegou a varinha e a apontou para a ferida de Harry. "*i*Desinflare et fredo*/i*”, disse com firmeza. O rapaz sentiu um toque frio no rosto, como se um vento polar o atingisse no local machucado. Não se atreveu a mexer. O incômodo durou alguns segundos. O suficiente para desinchar a face esquerda. Aos poucos, o hematoma foi cedendo ao feitiço.

- É como aplicar gelo, só que a ação é bem mais rápida e eficaz – explicou a ruiva ao recolher a varinha, finalizando a magia. E acrescentou bem humorada – Aprendi com a minha mãe. Sabe, em casa de homens estabanados é legal dominar essas técnicas.

- Obrigado – murmurou Harry, passando os dedos pelos lábios que tinham recuperado o formato normal. Sentia-se grato e com vontade de beijá-la.

- O corte ainda está aí, mas deve sumir entre hoje e amanhã. Ah, você não deve tomar nada muito quente. Aliás, venha comigo e te ofereço um chá gelado.

Harry ficou tentado a segui-la, mas se controlou. “Basta ficar perto dela para esquecer tudo o que tenho de fazer. Melhor esquecer”, matutou.

- Ahnn, eu pretendo ir direto daqui para o Caldeirão Furado.

- No Caldeirão Furado você não terá quem acompanhe a evolução de sua ferida. Aqui você tem duas pessoas: eu e minha mãe. Além disso, como forma de me pagar o atendimento, você teria de acatar meu pedido. Vamos. Acompanhe-me.

A garota se ergueu e esperou que o rapaz se levantasse também. Harry não teve outra saída. Mal ficou de pé, no entanto, desabafou o que vinha lhe machucando havia algum tempo.

- Gina, ahn, você... naquele dia, você disse que... não queria mais andar ao meu lado...

Ela olhou para Harry sem falar nada. Cruzou os braços à altura do peito. “E agora? O que digo”, pensou, em dúvida quanto a fazer o que sentia vontade – o que significava abraçá-lo – ou resistir enquanto aguardava uma carta com instruções de Dumbledore. Porque ela, Gina Weasley, certamente escreveria ao diretor contando que Harry estava ali, na Toca, e não na rua dos Alfeneiros, como se esperava. Decidiu-se por não ceder ao desejo.

- Não vou andar ao seu lado. Vou andar a sua frente – e, com um piparote na varinha, começou a arrastar o malão e a gaiola de Edwiges.

Harry abaixou a cabeça. Não mais para disfarçar a ferida na boca, mas para esconder a dor que a frase lhe causara no coração. “Ela não quer mesmo mais nada comigo”, acreditou. Ainda assim a seguiu. Reconhecia que Gina tinha um dom especial de fazê-lo mudar de idéia.





*****




Rony examinava os pergaminhos de Harry. Lia com cuidado, avaliando cada ponto, cada detalhe do plano. Meneou a cabeça.

- A gente devia pedir ajuda para a Hermione. Vi tudo e ainda acho que tem muita coisa para resolver. Por exemplo, se depois de investigarmos a casa da prima do Malfoy, da velha Ingrid, onde mais vamos encontrar uma pista da Belatrix?

- Nós vamos encontrar pistas na casa da mulher. Tenho certeza disso.

- Imagino que a velha não tenha escondido na mansãozinha dela um mapa que leva ao refúgio do tal Lovett.

- Rony, se você não quer me ajudar, avise logo. Não fui eu que te chamei – respondeu aborrecido.

- Eu vou, eu vou. Ainda mais que você vai bancar meus custos. Prometo que não vou comer muito – tripudiou, embora seu rosto ficasse vermelho. Não se sentia à vontade de não ter dinheiro o bastante para se manter por tanto tempo fora de casa. – Felizmente, agora tenho tempo para arrumar minhas coisas. Graças à minha mãe, que te convenceu a passar seu aniversário conosco.

- Para ser franco, não estou nem um pouco a fim de festa.

- Não vai ser uma “festa”. É mais um almoço especial. Cara, relaxa um pouco. Divirta-se antes de a gente partir para essa aventura maluca.

- Não é maluca – retrucou, com uma expressão pouco amistosa.

- Ugh. Tá difícil lidar com você, amigão. Você só fica manso com a Gina. Isso porque a mulher tá mordendo. Aliás, minha irmã está meio mandona com você, não é?! Que foi que fez para ela?

- A resposta mais correta é “nada”. Eu não fiz “nada” – disse, lembrando com pesar do dia em que a aconselhara a sair de sua vida.

- Por Merlin! Você nunca faz nada e as mulheres que te rondam estão sempre tomando atitudes extremas. Se quiser ser feliz, você vai ter de procurar e escolher uma garota bem equilibrada.

- Não enquanto eu estiver atrás da Belatrix! E não enquanto Voldemort estiver por aí para me destruir – respondeu, trocando a ira pela amargura no comentário final.

- Bom, de certa forma, você já fez uma escolha. De todas as mulheres do mundo, você escolheu a Belatrix - ironizou.

- Na minha vida não há espaço para romances.

- Por tabela, não vai ter na minha – debochou de si. – Tenho a impressão que essa caçada vai demorar. Tanto que, se eu tivesse uma namorada, teria de terminar agora para deixá-la livre.

Harry olhou para Rony, imaginando que o amigo estivesse pensando em Hermione. Afinal, para ele estava claro que Rony tinha uma queda pela garota. Recordou-se em seguida de Luna, que estivera acompanhando o ruivo nos últimos dias.

- No final das contas, você chegou a namorar a Luna?

- Humm, nós namoramos um pouco. Mas achei melhor não insistir. Ela podia começar a gostar de mim de verdade e eu não estou envolvido desse jeito – explicou.

- A Luna não me parece o tipo de pessoa que se envolve com alguém. Não é aérea demais? Como alguém desligado como ela pode pensar em beijar?

- Mas pensa. E beija. E até... ah, deixa para lá – comentou um tanto atrapalhado.

- Até o quê? – perguntou Harry, intrigado.

- Ahn, nada.

- Agora você vai falar.

- É que eu e a Luna... você sabe... no começo do ano... assim que a gente voltou da folga do natal e reveillon...

- Vocês dormiram juntos?

- Psiu. Fale baixo! É. Foi isso.

O bruxo riu, como há muito não fazia. Rony abriu um sorriso também, embora estivesse ficando vermelho. A confissão tinha quebrado a seriedade do momento. Mas eles procuraram recuperá-la. Harry guardou na mochila o pergaminho com o plano que estabelecera, junto com alguns livros. Os dois rapazes ficaram quietos por um tempo. Então, explodiram em novas risadas.

- E aí? Vai me contar se foi bom para você? – perguntou Harry divertido.

- Esses assuntos a gente não comenta muito – falou Rony, com pompa.

- Qual é? Para cima de mim, não.

- Foi legal. Eu nem tinha a intenção, mas quando vi já tinha um clima. Serviu para elevar minha auto-estima também. Eu não estava me achando grande coisa para as mulheres – disse, transformando a expressão para uma cara agoniada. – Se bem que depois da Luna nenhuma outra garota se interessou por mim. O que vai abalar de novo minha auto-estima. Ou seja, é melhor a gente mergulhar logo nessa caçada para eu não ficar pensando nisso.

- Eu imaginei que você... humm... bom, até agora você não arriscou nada com a Hermione, não é?!

- A Hermione? Que bobagem. Somos apenas amigos – respondeu Rony, fingindo que não se importava com o comentário do amigo.

- Ela sabe que você e a Luna...

- Nem vai saber. Para quê? Isso é um assunto íntimo. Só estou abrindo para você – interrompeu o ruivo. E emendou – E você? Teve algo com a Cho?

- Não! Ahn, acho que da parte dela talvez rolasse. Mas eu não tive essa ligação com ela. Faltou algo.

- Eu também não tinha nenhuma ligação especial com a Luna. Só que daí pensei que não valia a pena esperar por alguém que... – atrapalhou-se. - Bom, mesmo existindo essa pessoa, para rolar algo ela precisa, no mínimo, sentir que a gente tem essa “conexão”. E isso não acontece.

- Que pouca fé você tem – tripudiou Harry. – Se você contasse a verdade para ela, é possível que sua primeira transa fosse com essa garota.

- Não vou ficar fantasiando. Ainda mais quando ela tem um namorado que é muito melhor do que eu. Que pode dar tudo, satisfazer todos os desejos, que é um super star...

- Estamos falando de quem eu imagino? – cortou.

- Estamos falando de uma hipótese – murmurou Rony, sacando do bolso uma carteira surrada. O jovem abriu um compartimento discreto e de lá retirou alguns envelopes pequenos e quadrangulares. – Tome. Isto aqui são camisinhas bruxas. Meu pai me deu uma cartela faz algum tempo. Eu estava preparado no dia em que rolou e nas outras vezes em que fiquei com a Luna. Meu pai disse que estas camisinhas se parecem muito com as feitas pelos trouxas. Com a diferença de que você não sente que está usando uma.

- Camisinha na carteira?! A história com a Luna ainda está rendendo?

- Eu já te disse que a gente não tem mais nada. Mas é bom você ter algumas. Nunca se sabe... – brincou.





*****




Kreacher, o elfo doméstico que pertencera aos Black, carregava uma bandeja com xícaras de chá e um bule fumegante para servir ao seu senhor e ao senhor de todos os senhores, Lorde Voldemort. Na sala também estava sua senhora, Belatrix Lestrange, e um sujeito com o qual não ia muito com a cara. Ainda assim, precisava tratá-lo bem porque aquele homem era dono da casa onde se abrigavam.

O elfo sempre se interessava pelas conversas daqueles bruxos que julgava muito elegantes e distintos. Bruxos de sangue puro. Bruxos que faziam parte da sociedade freqüentada pela senhora Black. Como sentia falta dela! “Oh, minha senhora”, lamentou-se enquanto depositava a louça sobre a mesa.

- Pare de resmungar, seu elfo estúpido. Saia logo daqui – irritou-se Lovett.

- Não tente dar ordens ao meu elfo.

- Não tente dar ordens em mim, Malfoy. Esta casa é minha e nela mando eu – respondeu o bruxo, lançando um olhar enviesado ao Comensal.

- Quieto, Lovett. Malfoy, entregue-me a carta que foi interceptada.

Malfoy exibiu um sorriso de satisfação e entregou a Voldemort um pergaminho lacrado. Ouviu-se um piado de protesto na sala. Era Pichi, a coruja que Gina Weasley utilizara para enviar uma carta ao professor Dumbledore, avisando-o da presença de Harry em sua casa. O senhor das trevas rompeu o lacre e leu a mensagem rapidamente. Seus olhos de serpente brilharam. Sem pronunciar uma palavra sequer, conjurou um pergaminho alvo que trazia o brasão de Hogwarts. De seus dedos longos e esqueléticos saiu uma luz branca e densa, que marcou o papel com uma letra floreada. Exatamente a caligrafia do diretor da escola de bruxarias. Senhorita Weasley, não avise a mais ninguém que Harry está com vocês. Pretendo visitá-los no dia do aniversário dele. Por favor, avise-o que estarei aí em breve. Quanto ao resto, não se preocupe, minha jovem. Tenho tudo sob controle.” Ao final, a luz se dissipou assim que a assinatura do professor se fixou no pergaminho.

- Vejam e aprendam, meus discípulos. Basta um dia ter copiado a letra do remetente com a magia certa para fixá-la na mente. Fiz isso algumas vezes em meus tempos de Hogwarts.

- É perfeita, milorde – observou Belatrix. – As cópias que faço nunca ficam idênticas.

- Capriche mais, Bela, que você conseguirá. Malfoy aprendeu o feitiço muito bem. Ao contrário do meu caro Lovett... – disse, mirando o Comensal com frieza.

Lovett abaixou a cabeça. Sentia-se humilhado. Desde que falhara na captura de Tonks, recebia indiretas do senhor das trevas. O bruxo se empenhava durante as missões para se mostrar mais poderoso do que de fato era. A estratégia, entretanto, não estava sendo suficiente para conquistar o posto que mais almejava. Aquele que era ocupado por Malfoy.

- Perdão, milorde. Prometo que vou superar minhas deficiências.

- Acho bom, Lovett. Enquanto isso, contarei com os serviços de seus colegas. Malfoy conseguiu tirar Harry da casa onde se protegia. E Belatrix teve a brilhante idéia de obrigar a garota trouxa a recolher todos os fios de cabelo que pudesse obter do nosso... amiguinho.

- Obrigada, milorde, mas eu só tive a idéia. Apenas o senhor é capaz de executar o encantamento do corpo presente – disse Belatrix, fazendo uma reverência.

- Oh, para que serve essa magia? – perguntou Kreacher, sem se conter de curiosidade.

Irritado por descobrir o elfo ainda na sala, Lovett levantou-se e desferiu um tapa violento em Kreacher. “Eu te mandei sair daqui”, gritou. Imediatamente, Malfoy se ergueu da cadeira. “Ele só obedece ao lorde, a mim e a Belatrix. E eu não o ordenei que se retirasse”, replicou num tom ainda mais alto. Com um movimento da varinha, Voldemort atirou os dois bruxos de volta às cadeiras. Em seguida, voltou-se para o elfo.

- Criatura imbecil! Não se dirija a mim desse jeito. Não tenho por que dar atenção a espécies inferiores. Mas ainda assim lhe darei a resposta. Afinal, ela servirá também para o intempestivo dono desta cabana miserável, que como você desconhece a utilidade dessa magia.

Voldemort semicerrou os olhos de serpente e se dirigiu a Lovett com uma voz seca, claramente aborrecida.

- Não tente disfarçar, meu caro. Posso ler em sua mente a sua ignorância. Está na hora de se aprimorar, se quiser continuar ao meu lado. Caso contrário de nada valerá você ter me procurado para oferecer os segredos para chegar à passagem de Nephasta. Ainda te dou crédito por isso, Lovett, mas você precisa fazer muito mais para ser um bruxo das trevas digno de me acompanhar. Agora, vamos à lição. O encantamento de corpo presente criou a ilusão de que Harry Potter continua na casa dos tios. Somente por isso Dumbledore não soube que ele deixou o abrigo mágico que montou para escondê-lo de mim. Compreendeu? O feitiço do velho professor não conseguiu “perceber” que a magia se quebrou já que o corpo de Harry está lá! E nem seus parentes estão falando mais no assunto, graças à poção do esquecimento que Bela preparou.

- Mais uma vez, perdão, milorde. Por favor, desejo aprender mais. Ensine-me o encantamento – disse Lovett, num tom súplice.

- Veremos – encerrou Voldemort, girando o rosto branco para Malfoy. – Despache a coruja de volta para a garota, mas não se esqueça de apagar a memória desse pássaro idiota para que ele não possa nos localizar. Creio que não preciso cuidar dessas questões menores. E Lovett, volte ao submundo e me traga Zarkis. Tenho de acertar alguns detalhes com ele.

O lorde levou a xícara aos lábios ressequidos, sem se importar com os olhares de ódio trocados pelos dois bruxos.





*****




Harry abriu os olhos preguiçosamente. Mal acreditava que Dumbledore não ficara bravo com ele por ter saído da casa de seus tios. Gina havia recebido durante o jantar uma mensagem do diretor de Hogwarts e comunicara que o velho professor viria visitá-los no dia do aniversário de Harry. A senhora Weasley ficara bastante feliz com a notícia e perguntara se podia chamar alguns dos antigos colegas de quarto de Harry para o almoço. Depois de ter concordado, arrependeu-se. E era nisso que pensava enquanto terminava de se vestir. “Só falta o Dino Thomas aparecer!” Não tinha nada contra ele, exceto o fato de o rapaz ter sido namorado de Gina.

Desceu as escadas rumo à cozinha. Quem estava preparando o café era Gina. Rony também estava lá, mas se limitava a ler o jornal. Harry se aproximou com cuidado e ficou entretido vendo a garota mover a varinha de um lado para o outro, fazendo com que torradas saltassem da chapa quente sobre um prato voador. Numa outra boca do fogão, uma frigideira dourava ovos mexidos por uma colher de pau. A ruiva acabava de separar algumas laranjas para fazer um suco quando deixou uma escapar da mão. Antes que a fruta tocasse o chão, Harry a atraiu com um gesto rápido dos dedos. Os irmãos Weasley foram pegos de surpresa.

- Uau, Harry. A cada dia que passa você está ficando mais poderoso. Acho que nem precisa mesmo estudar para ser auror – disparou Rony.

- Não é? – brincou o rapaz, caminhando em direção ao local onde Gina estava. – Posso?

- Pode o quê? – estranhou a garota.

- Estou vendo que você está fazendo um monte de coisas. Deixa que o suco eu faço. Posso também cuidar do café. Eu estava acostumado a preparar a mesa para os Dursley.

Ela franziu a testa.

- Não temos aparelhos trouxas, Harry. Aqui se faz tudo com as mãos ou com magia. Melhor eu...

Mas o bruxo pegou as laranjas e as abriu por magia, fazendo com que o sumo caísse diretamente numa jarra. Em seguida, colocou um bule sobre o fogão e acendeu o fogo com um estalo dos dedos. Com um toque gentil, fez com que Gina se sentasse ao lado de Rony, que olhava para os objetos se movendo com um ar divertido. Num minuto, a mesa estava posta.

- Até que está bem – disse a garota, sem querer dar o braço a torcer.

- É. Está faltando algo – respondeu Harry, que conjurou um vaso e fez surgir no colo da ruiva um pequeno ramalhete de margaridas. – Está melhor assim?

Gina riu. Colocou as flores no vaso e convidou o amigo para o café da manhã. “Isso foi muito doce, mas não posso amolecer”. E assim como começou o dia, a tarde foi findando. Harry cobriu Gina de gentilezas. Não se sentia suficientemente forte para resistir ao charme da garota. Deixou o coração solto. Ela também foi diminuindo a resistência.

Os Weasley tinham saído, cuidando de compras e afazeres para o dia seguinte. Harry dissera que não queria dar trabalho, mas os donos da casa responderam que era um prazer organizar a pequena celebração pelos 18 anos dele. Rony convidou os dois a jogar um pouco de quadribol. Ele seria o goleiro e os dois seriam adversários. Ganharia quem fizesse mais gols. A partida tinha sido bem equilibrada e o desempate coube a um lance mais ousado de Gina. Harry parara sua vassoura no ar e aplaudira a jogada com entusiasmo. As pupilas dela brilharam de alegria. “É tão bom ficar assim com ele”, pensou enquanto descia até o chão. Durante todas aquelas horas não se falou nenhuma vez em Belatrix Lestrange e em planos de vingança. Gastaram a tarde em conversas amenas, risos e deboches. A senhora Weasley chegara a enxotá-los porque queria arrumar a sala e eles não cansavam de fazer brincadeiras e disputar jogos.





*****




Já era tarde quando Harry decidiu se deitar. A família estava em seus quartos. Apenas ele e Rony tinham permanecido na sala, discutindo os últimos pontos da partida. O senhor Weasley resolvera subir logo ao dormitório porque sua esposa começara a chorar durante o jantar, comentando que em breve seu pequenino Ronald deixaria a casa e que na Toca só ficariam “nós, os velhos” e Gina. De fato. Os gêmeos viviam em Londres, junto com Percy, porque era melhor para os negócios. Era no quarto deles, aliás, que Harry estava dormindo.

- Uaaaaa, Harry, vamos deitar que amanhã tem um mundo de pendências para resolver.

- Nem é tão tarde assim – protestou.

- Só porque você perdeu o sono isso não significa que eu tenha perdido o meu.

- Ok. Vai nessa. Eu vou guardar os papéis.

- Guarde principalmente os cálculos de quanto vamos gastar por dia – disse Rony, já subindo as escadas.

- Você só pensa em dinheiro – resmungou.

- Você nem sabe quanto – disse, desanimado.

Harry recolheu os pergaminhos e os cálculos. Depois, cruzou os braços atrás da cabeça e se encostou melhor no sofá. Estava tão perto de iniciar sua jornada que um frio no estômago era inevitável. Não saber quantos dias, meses, anos seriam necessários para cumprir seu plano o angustiava. Ainda mais naquele dia em que experimentara horas muito boas ao lado de Gina. Aos poucos, a braveza dela passara, sendo substituída pela doçura com a qual se acostumara no verão anterior. Estava difícil se concentrar com a garota ali, ao alcance de seus olhos, mãos, ouvidos, narinas. Seus sentidos ficavam atiçados perto dela. Pena que não conseguira exercitar o paladar, pensou sentindo um calor subir pelo corpo. Em seguida, refletiu que até aquele instante não dissera com todas as palavras o quanto se afeiçoara. O quanto estava preso ao amor por ela e o quanto se deprimia com medo de que o sentimento de Gina não sobrevivesse à sua ausência.

Jogou a mochila às costas e subiu as escadas em silêncio, pensativo e triste. Dentro de mais alguns minutos faria 18 anos. E dentro de mais algumas horas, estaria longe de Gina. Talvez definitivamente. Parou diante da porta do quarto dela, com vontade de entrar e pedir-lhe que esperasse por ele. Mas não bateu. “Ela vai esperar para quê? E se eu voltar apenas como um cadáver? É justo pedir uma coisa dessas?”, amargurou-se. Estava se afastando ao ouvir um clique na porta. Parou, espantado, e viu Gina sair vestindo um robe e carregando um envelope. Assim que o notou, a garota deu um pulo para trás, de susto.

- Nossa, quase morri do coração!

- Eu pensei que você estivesse dormindo.

Ela enrubesceu levemente.

- Na verdade, eu estava indo para o seu quarto. Quer dizer, eu ia enfiar este envelope debaixo da sua porta.

- Que tal me entregar agora? Assim você não precisa ter o trabalho.

- Certo. Mas leia apenas amanhã – disse um pouco nervosa, depositando o envelope nas mãos de Harry.

- Por que esperar? – perguntou, abrindo o papel. – Hum, aqui não tem luz suficiente. Você se importa de eu entrar para ler direito?

- Entrar? Claro que não – respondeu, enquanto se dava conta de que o rosto estava quente.

Gina fez com que Harry a seguisse. O rapaz entrou e prestou atenção nos detalhes do quarto. As margaridas que ele dera à garota naquela manhã estavam num vaso à beira da cama. Observou a delicadeza de alguns desenhos emoldurados em pequenos quadros, reproduzindo lances de quadribol. Num deles, vislumbrou uma jogada que ele, Harry, executara como capitão do time da Grifinória. Recordava-se bem dela. E ficou satisfeito de ver que Gina também tinha apreciado aquele momento. Ergueu os olhos e se viu no espelho de uma penteadeira antiga. Reparou que a ruiva o observava com uma expressão indecifrável. Descoberta, desviou o rosto. O sangue de Harry acelerou e ele se forçou a caminhar normalmente em direção à única cadeira do quarto. Mas Gina deu um salto.

- Ah, sente-se na cama mesmo. Eu não levei minhas roupas para a lavanderia... Sei lá por que fiz isso. Eu não costumo fazer essa bagunça – interrompeu, juntando as peças, envergonhadíssima.

- Eu não ligo para isso – sorriu, ajeitando-se na cama para retirar o que havia dentro do envelope. Sacou dele um cartão onde letras fosforescentes davam “Parabéns” e um porta-retrato que continha uma foto até então desconhecida para ele. Lá estavam ele, Rony, Hermione e Gina, que corria para fugir do enquadramento.

- Foi o Colin que tirou quando vocês estavam comemorando a vitória sobre a Sonserina. Não era para eu ter aparecido – disse a ruiva num muxoxo, sentando-se ao lado dele.

- E eu digo que esse retrato não teria graça se você não estivesse nele. Ainda que você se esforce em escapar do fotógrafo – comentou, com um sorriso amplo.

Com os dedos percorreu lentamente as bordas da foto até que parou por um segundo sobre a ruiva fotografada. Gina ficou escarlate e conteve a respiração, imaginando que ela podia ser ouvida junto com as batidas do coração. “Não vou dar bandeira, não vou dar bandeira, não vou”, repetia mentalmente.

- Como esse foi um momento muito feliz, pensei que você gostaria de tê-lo. Por isso, reservei essa foto e mais o porta-retrato, que eu fiz, para seu presente de 18 anos.

- Está tudo perfeito – disse Harry, olhando profundamente para a garota.

- Seus olhos... – murmurou Gina, absorta com a visão.

- O que têm eles? – perguntou entre curioso e divertido.

- Estão claros, tão verdes... – respondeu encantada como se fosse uma criança descobrindo um brinquedo novo.

- Eles sempre foram – riu Harry.

Gina não contou a verdade. Estava feliz de rever aqueles olhos verdes que a seduziam. Entretida com isso, estendeu a mão para afastar umas mechas de cabelo que insistiam em cair sobre os óculos de Harry. Ele se arrepiou. Ficaram quietos por instantes, esquecendo o resto do mundo.

- Através deles, dá para ver que você tem uma alma boa. Muito boa – disse. E emendou com preocupação – E por isso não deveria permitir que um sentimento tão ruim tomasse conta de você.

Harry abaixou a cabeça e suspirou.

- Tudo isso, então, é uma tentativa de me fazer mudar de idéia.

- Não! – cortou, apressada. - É óbvio que eu gostaria que você esquecesse seu plano de vingança. Mas não é isso. O presente é genuíno. Queria te dar de presente um dia bonito. Ou a lembrança de um. Foi só.

- Você precisa entender, Gina, que eu tenho de fazer com que a Belatrix pague pelo que fez. É a única maneira de aliviar a culpa que eu carrego. Creio que não há nada capaz de alterar meu projeto. Até porque eu o vejo como uma sina, como algo que preciso cumprir.

- Incrível como você joga para fora o seu futuro – desabafou com a tristeza umedecendo seus olhos.

- Eu não tenho direito a pensar no futuro – respondeu abatido.

- É, mas também joga o presente – replicou com a voz embargada.

Gina fez menção de se levantar. Harry puxou o braço da garota para si. Ficaram de frente e ele a abraçou fortemente. Ela retribuiu o carinho, sentindo o coração se inundar de alegria, como costumava ocorrer todas as vezes que se via entre os braços do bruxo. Harry afagou os cabelos vermelhos e a apertou ainda mais contra o peito. Mais do que nunca, queria permanecer ao lado dela.

- Se eu te pedir, você me acompanha? – perguntou, segurando o rosto da ruiva entre suas mãos.

- Se eu te pedir, você fica? – rebateu.

- Não pos...

Foi interrompido por um beijo dado por Gina. E não resistiu mais. Entregou-se completamente ao momento, extravasando seus sentimentos pela garota. A ruiva também não fez por menos. A sucessão de beijos, abraços e afagos que se seguiu roubou o fôlego de ambos. Quando se separaram, a temperatura de seus corpos estava alta, a respiração ofegante e os olhos brilhantes.

- Como pode você me beijar desse jeito e não querer ficar comigo?! – disse, trêmula pelas sensações despertadas.

- Eu quero muito! Sou maluco por você, Gina Weasley. Eu te amo – murmurou, quase sem voz.

Ela sentiu as pernas amolecerem e se felicitou por não estar de pé. Não conseguiria se sustentar diante da revelação de Harry. O coração tinha perdido o ritmo e estava definitivamente com as batidas fora de compasso. Tremia tanto que pensou que talvez fosse o frio. Mas não. Não havia frio algum. E sim um clima diferente, que a aquecia. Harry, por sua vez, estava tão nervoso que quase se esqueceu de respirar. Ansiava por qualquer comentário dela naquele preciso instante, porém ele não vinha, o que o torturava. Não vinha porque Gina não conseguia articular nenhuma palavra. Seus olhos derramaram lágrimas, assustando o rapaz até a hora em que ela finalmente se pronunciou.

- Então, fica comigo porque eu também te amo...

Harry teve a impressão de que a energia liberada em seu peito teria iluminado uma cidade. Voltou a segurar o rosto dela entre as mãos e a beijou com uma intensidade nova por se saber amado. Sentia-se mais poderoso do que nunca e em seu íntimo uma certeza começou a se formar. A de que seu destino estava ligado ao dela.

- Eu fico, Gina – disse, sincero, enquanto a estreitava entre seus braços. - Agora, nada mais pode me separar de você. Nada. Ninguém.

A garota riu. Uniu sua testa a de Harry e repetiu as palavras ditas por ele. Beijaram-se uma vez. E outra. E mais outra. Até que descobriram que estavam deitados na cama, com o sangue fluindo célere e a pele arrepiada pelo desejo da entrega absoluta. Uma dúvida se acendeu no olhar do bruxo, mas antes que ele pudesse falar algo, Gina tocou seus lábios com os dedos e sussurrou com um rubor crescente na face.

- Posso te contar que eu sempre sonhei que a minha primeira vez seria com você?

- Eu também só comecei a pensar nisso por sua causa. É sério. Mas eu não sabia se você me queria.

- Eu quero. E estou preparada. E você?

- Eu estou pronto – e sorriu, conjurando a proteção que recebera no dia anterior.

No mesmo minuto, os dois jovens ouviram o relógio da sala tocar meia-noite. Gina depositou um beijo delicado nos lábios do bruxo.

- Feliz aniversário, Harry – falou baixinho e... apaixonadamente. E desse modo se amaram.










*br*
Bom, este é um capítulo romântico. E também importante, como vcs notarão depois. No próximo, teremos mais ação... Obrigada pelos comentários! Bjs, K.

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Comentários (1)

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