Ao Tempo o que é do Tempo



Os comensais estavam muito agitados e se entreolhavam com desconfiança. Os poucos que não usavam máscara, como Bellatrix, eram do círculo mais próximo do mestre. Para a maioria, Voldemort estava muito fraco, desde que tinha assassinado à queima-roupa Lucius Malfoy em sua própria casa. Inclusive, o fato de seu mestre ter matado um de seus fiéis seguidores não foi bem visto pelo grupo.


Sirius se espantava com o que entreouvia. Do ponto em que observava o acampamento improvisado, não tinha noção do que estava por trás deste ataque. Bellatrix dava ordens ao marido, que acatava resignado.


Então ela se voltou para onde Sirius estava, como se sentisse que estava sendo observada. Na forma do enorme cão negro, moveu-se mais para a escuridão, mas não tinha certeza se ela o tinha visto.


Bellatrix se voltou para os outros comensais que estavam próximos, deu outras ordens e depois seguiu em direção à floresta, sozinha.


Sirius não sabia se se mantinha vigiando o acampamento ou se ia atrás dela, mas a dúvida mal durou um segundo. Cuidadosamente, ele a seguiu por vários minutos, cada vez mais embrenhando na floresta. Encontrou-a sentada em uma pedra, à beira de uma fonte de água, com o olhar perdido à frente.


-- Alguém te seguiu, Sirius?


-- Não, Bella. -- respondeu frustrado por ter sido tão rapidamente percebido, depois de voltar à forma humana.


Ambos se mantiveram calados por um tempo. Ela continuava olhando para a frente, desarmada. Ele se mantinha alerta, varinha em punho, aguardando qualquer movimento dela.


-- Por que você me atraiu até aqui, Bella?


Ela deu um sorriso triste, mas não se virou para Sirius. Pegou algumas pedrinhas e começou a jogá-las na água.


-- Espero que o garoto tenha sido bem treinado. -- ela quebrou o silêncio. -- Se ele não derrotar Milorde hoje, não haverá mais chance.


-- Do que você está falando? -- perguntou, desconfiado. “Será que o espião de Dumbledore deu com a língua nos dentes?”, pensou.


-- Não são muitos os comensais que sabem da profecia feita antes de o moleque nascer, mas eu nunca fui uma qualquer, você sabe... Quando Snape contou ao mestre o que havia escutado, eu estava lá! Eu vi, sob a máscara de descaso, um brilho de medo nos olhos de Milorde! Quanto mais se aproximava da noite de Halloween em que os Potter foram atacados, mais ele nos requeria, testando a nossa lealdade. À época, os únicos considerados como dignos de confiança fomos eu e o Malfoy, e Milorde nos entregou, como salvaguarda, alguns objetos para que cuidássemos como se fossem nossas vidas.


Sirius não entendia porque ela estava contando tudo aquilo, mas continuava a apontar a varinha para seu peito, aguardando qualquer movimento suspeito.


-- Era necessário que nos mantivéssemos na surdina, Milorde havia deixado claro, pelo menos para mim, que voltaria. Apesar de eu odiar me esconder, parece que foi o que fiz a vida inteira! -- desabafou, cansada, e olhou para Sirius.


-- Bella, não tenho tempo a perder com este seu teatro! Se tem algo a me falar, aproveite bem o momento, pode ser a sua última chance!


-- Eu poderia dizer o mesmo para você, não é? Esta pode ser a última chance que você tem de me dizer algo...


-- Você está louca? Nada do que está acontecendo esta noite em Hogwarts diz respeito a nós, seja lá o que “nós” signifique!


-- Como sempre, você mal consegue enxergar um palmo diante do nariz! Não por acaso o animal no qual você se transforma apela para o tamanho e a ferocidade para ganhar uma batalha.


-- Terminou com o chilique? Ou esse papinho mole é um joguete seu, um chamariz, para me tirar da vigília do acampamento?


Bellatrix deu um sorriso triste e se levantou de onde estava sentada. Sirius segurou com mais energia a varinha, mas ela andou até ele, com as mãos nuas.


-- Eu te trouxe até aqui porque precisava falar para você o que aconteceu, Sirius... Até porque está claro para mim que um de nós provavelmente não sobreviverá a esta noite...


Sirius parou de se debater mentalmente entre o dever de voltar e a curiosidade. No fundo, ele também esperou a vida inteira por uma oportunidade de esclarecer algumas coisas que tinham acontecido.


-- Hoje, esta guerra, da forma como a conhecemos, se encerra. Um dos lados triunfará e, independente de qual ganhe, sabemos que não somos muito misericordiosos...


-- Não nos compare aos comensais, Bella!


-- Há muitas maneiras de se matar alguém, mesmo que se mantenha a pessoa viva... Mas não é para conjecturar sobre como vocês vão agir conosco, caso ganhem, que eu te trouxe aqui. Sei que meus atos durante todos estes anos não merecem perdão, mas o pouco de nobre que fiz foi por você, Sirius...


-- Nobre? Como? Do que... Do que você está falando?


-- Após o desaparecimento de Milorde, muitos comensais queriam vingar nosso mestre... Mas eu sabia que, caso os Potter fossem caçados, você também seria... Além de mim, o único que se mostrou também contra uma ofensiva foi Snape.


-- Ranhoso? Ranhoso quis poupar os Potter?


-- Eu também achei estranho, mas não questionei a motivação dele, assim como ele nunca questionou a minha. Conseguimos convencer a maioria dos comensais a fingirem que estavam sob a maldição Imperius e negar seu envolvimento consciente nas atividades de Milorde. Não foi difícil fazer isso, muitos tinham receio de apodrecer em Azkaban... O único que se rebelou foi Bartolomeu Crouch Jr., que tentou recrutar, sem sucesso, um grupo para atacar os Potter. Mesmo sozinho, ele tentou atacá-los, mas a Ordem da Fênix o impediu e o levou preso.


-- Você acha mesmo que eu vou acreditar que os comensais recuaram porque você e Ranhoso não queriam que nós morrêssemos? Vocês agiram assim por medo, isso sim!


-- Medo? Você realmente não me conhece, Sirius! Eu nunca tive medo por mim!


-- Então teve medo pelo seu precioso Lestrange!


-- Eu já te disse que nunca gostei dele, seu idiota!


-- E ficou todo esse tempo fazendo o quê, além de brincar de família feliz?


-- Eu não sei onde estava com a cabeça quando me apaixonei por um imbecil como você!


-- SE VOCÊ ALGUM DIA TIVESSE ME AMADO, NÃO TERIA ME EXPULSADO DA SUA VIDA!


-- E SE VOCÊ TIVESSE ME AMADO, NUNCA TERIA ME DEIXADO IR!


Encararam-se, ofegantes, muito próximos um do outro. Bellatrix foi a primeira a quebrar o contato visual e se afastou.


-- Eu sabia que os objetos que estavam sob a nossa guarda tinham um poder além da nossa compreensão, mas eu também tinha consciência de que Milorde não deixaria algo importante e que qualquer um pudesse utilizar... Então eu fiz uma cópia do objeto que estava comigo e fiz com que chegasse aos ouvidos de Dumbledore que o original estaria no porão da Borgin e Burkes. Depois eu fiz com que Lucius achasse ter sido ideia dele infiltrar o diário que Milorde havia lhe confiado em Hogwarts.


-- E por que você fez isso, Bella?


-- Eu já disse: tinha certeza de que Milorde voltaria. Quando ele voltasse, ele iria querer se vingar. Eu também sabia que você estaria no seu raio de destruição. E a maneira que eu tinha de fazer com que vocês tivessem armas para se defender e até sobreviver era essa.


-- Se realmente você realmente fez tudo isso por mim, porque nunca me procurou, ou me contou isso? Podíamos ter pensado numa saída juntos!


-- Você não acreditaria em mim ou mesmo entenderia, Sirius...


-- Bella... -- ele tentou puxá-la pra ele.


-- Nosso tempo já se foi, Sirius. Preciso voltar. -- ela se desvencilhou dele e se encaminhou para a clareira.


Sirius se transformou novamente no Sinistro e caminharam lado a lado, ela fazendo carinho na cabeça dele, ambos fingindo que a guerra ao redor não existia.


* * * * * * * * *


Voldemort se mantinha de pé, de posse das duas varinhas, mas o esforço para fazê-lo era evidente.


Harry deitou Gina delicadamente no chão e se levantou, resignado. Havia chegado o momento de enfrentar o seu vaticínio, aquilo que havia sido previsto antes mesmo que nascesse. Andou na direção do seu algoz, na tentativa de que se afastassem de onde a garota estava.


Voldemort arqueou uma das sobrancelhas nuas, com ar de descrença por aquele insolente, indefeso, andar calmamente em direção a ele.


-- Não posso negar que você é um rapaz impressionante, mas não tenho dúvidas de que seu destemor seja fruto da sua ignorância!


Nagini se agitou, interpondo-se entre os dois, sibilando. Harry parou, mãos para cima, encarando Voldemort nos olhos. Se fosse para morrer, que fosse de cabeça erguida.


-- Calma, Nagini! A paciência é uma virtude que não temos, mas desconfio que não perdemos por esperar! -- a cobra parou de sibilar, mas se movimentava ameaçadoramente, encarando Harry o tempo inteiro. -- Agora me diga, garoto... Me diga como um fedelho como você pode ter sobrevivido a um ataque meu, tirando os meus poderes?


Harry ignorou a pergunta. Não entraria neste joguinho pérfido.


-- Quanto mais falar, mais viverão, você e a garota... -- ameaçou, num pretenso tom doce.


-- Ninguém sabe por que você perdeu seus poderes ao me atacar-- disse Harry abruptamente. -- Nem mesmo eu sei. Mas sei por que você não pôde me matar. Foi porque minha avó morreu para me salvar -- acrescentou, sacudindo-se de raiva reprimida. -- Ela impediu você de me matar. E isso foi o que restou de você: uma ruína.


-- Então, sua avó morreu para salvar você... É, isso é um contrafeitiço poderoso. Estou entendendo agora... Afinal de contas você não tem nada especial. No final, foi um simples acaso que salvou você de mim... Mas já não há mais ninguém para se sacrificar por você, garoto! Quem vai te salvar do maior bruxo do mundo, agora?


-- Você não é o maior bruxo do mundo -- disse Harry, respirando depressa. -- Desculpe desapontá-lo, mas o maior bruxo do mundo é Alvo Dumbledore. Todos dizem isso.


-- E onde está seu precioso Dumbledore, que não o vejo?


-- Ele não está tão longe quanto você imagina! -- Harry falou sem pensar, querendo apavorar Voldemort e desejando que o diretor já estivesse ali.


Então ouviram uma música vinda de algum lugar. Voldemort se virou para percorrer com os olhos a câmara vazia. A música se tornava cada vez mais alta. Era misteriosa, de dar arrepios, sobrenatural; fez os cabelos de Harry ficarem em pé e o seu coração parecer inchar até dobrar de tamanho. Então a música atingiu tal volume que Harry a sentiu vibrar dentro do peito, e chamas irromperam no alto da coluna mais próxima.


Um pássaro vermelho do tamanho de um cisne apareceu, cantando aquela música esquisita para a abóbada do teto. Tinha uma cauda dourada e faiscante, comprida como a de um pavio e garras douradas e reluzentes que seguravam um embrulho esfarrapado.


Um segundo depois, o pássaro voava direto para Harry. Deixou cair a seus pés o embrulho que carregava, depois pousou pesadamente em seu ombro. Quando fechou as asas enormes, Harry ergueu os olhos e viu que tinha um bico dourado, longo e afiado e olhos redondos e escuros.


O pássaro parou de cantar. Sentou-se imóvel e cálido junto à bochecha de Harry, olhando com firmeza para Voldemort.


-- Fawkes? -- sussurrou Harry, e sentiu as garras douradas do pássaro apertarem gentilmente seu ombro.


-- Uma fênix... E isso... -- disse Voldemort, agora examinando o embrulho esfarrapado que Fawkes deixara cair -- seria o velho Chapéu Seletor?


E era. Remendado, esfiapado, sujo, o chapéu jazia imóvel aos pés de Harry.


Voldemort começou a rir. Riu tanto que se engasgou. Ficou tossindo por muito tempo, e Harry aguardava que o acesso terminasse, observando tudo o que podia ao redor, a cabeça girando velozmente, em busca de uma saída.


-- Isto é o que Dumbledore manda ao seu defensor! Um pássaro canoro e um velho chapéu! Você se sente cheio de coragem, Harry Potter? Sente-se seguro agora?


Harry não respondeu. Talvez não entendesse qual era a utilidade de Fawkes ou do Chapéu Seletor, mas já não estava sozinho e esperou, com crescente coragem, Voldemort parar de tossir.


-- Agora, Harry, vou lhe dar uma liçãozinha. Vamos medir os poderes do Lord Voldemort, herdeiro de Slytherin, com os do famoso Harry Potter, e as melhores armas que Dumbledore pôde lhe dar! -- Ele lançou um olhar divertido a Fawkes e ao Chapéu Seletor, em seguida se afastou.


Harry, o medo se espalhando pelas pernas dormentes, observou Voldemort andar com bastante dificuldade, parar entre as altas colunas e olhar para o rosto de pedra de Slytherin, muito acima dele na obscuridade.


Voldemort abriu bem a boca e sibilou, mas Harry entendeu o que ele estava dizendo.


-- Fale comigo, Slytherin, o maior dos Quatro de Hogwarts.


Harry se virou para olhar a estátua, Fawkes balançava em seu ombro.


O gigantesco rosto de pedra de Slytherin se mexeu. Espantado, Harry viu a boca da estátua se abrir, cada vez mais, e formar um enorme buraco negro. E alguma coisa estava se mexendo ali dentro; alguma coisa começava a escorregar para fora de suas profundezas.


Harry recuou até bater na escura parede da câmara e, ao fechar os olhos com força, sentiu a asa de Fawkes roçar sua bochecha quando o pássaro levantou vôo. Harry queria gritar "Não me deixe!", mas que chance tinha uma fênix contra o rei das serpentes?


Algo descomunal bateu no piso de pedra da câmara. Harry sentiu-o trepidar, ele sabia o que estava acontecendo, sentia, podia quase ver a cobra gigantesca se desenrolar para fora da boca de Slytherin. Então ouviu a voz sibilante de Voldemort:


-- Mate-o.


O basilisco estava vindo em sua direção; ele ouviu aquele corpo gigantesco deslizar pesadamente pelo chão empoeirado.


Com os olhos ainda fechados, Harry começou a correr às cegas para os lados, as mãos estendidas à frente, tateando o caminho. Voldemort dava risadas que acabavam em longos acessos de tosse. Harry tropeçou. Caiu com força no chão e sentiu gosto de sangue -- a cobra estava a uma pequena distância, ele a ouviu se aproximar.


Logo acima dele houve um som alto, explosivo e aquoso e então alguma coisa pesada bateu em Harry com tanto ímpeto que o esmagou contra a parede. Esperando ter o corpo atravessado por presas ele ouviu mais sibilos raivosos, alguma coisa irrompendo por entre os pilares.


Ele não aguentou: abriu os olhos o suficiente para espreitar o que estava acontecendo.


A enorme cobra, de um verde luzidio e venenoso, grossa como um tronco de carvalho, erguia-se no ar e sua enorme cabeça chanfrada balançava bêbada entre as colunas. Trêmulo e pronto a fechar os olhos se a cobra se virasse, Harry viu o que distraíra a cobra: Fawkes sobrevoava sua cabeça e o basilisco tentava abocanhá-la, furioso, com as presas finas como sabres...


Fawkes mergulhou. Seu longo bico dourado desapareceu de vista e uma chuva repentina de sangue escuro salpicou o chão. O rabo da cobra chicoteou, errando Harry por pouco e, antes que o garoto pudesse fechar os olhos, ela se virou -- o garoto olhou direto para a sua cara e viu que os olhos, os dois olhos bulbosos e amarelos, tinham sido furados pela fênix; o sangue escorria no chão e a cobra espumava de dor.


-- NÃO! -- Harry ouviu Voldemort gritar. -- DEIXE O PÁSSARO! DEIXE O PÁSSARO! O GAROTO ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ! VOCÊ AINDA PODE FAREJÁ- LO! MATE-O!


A cobra cega balançou, confusa, mas ainda letal. Fawkes descrevia círculos em volta de sua cabeça, cantando aquela música estranha, atacando aqui e ali o nariz escamoso da cobra, enquanto o sangue jorrava dos seus olhos destruídos.


-- Me ajudem, me ajudem -- murmurou Harry --, alguém, qualquer um...


O rabo da cobra voltou a chicotear o chão. Harry se abaixou. Uma coisa macia bateu em seu rosto. O basilisco varrera o Chapéu Seletor para os braços de Harry. O garoto agarrou-o. Era só o que lhe restava, sua única chance. Enfiou-o na cabeça e se atirou ao comprido no chão quando o rabo do bicho tornou a golpear, passando por cima dele.


“Me ajudem, me ajudem” -- pensou Harry, os olhos bem fechados sob o chapéu. -- “Por favor, me ajudem...”


Nenhuma voz lhe respondeu. Em lugar disso, o chapéu encolheu, como se uma mão invisível o apertasse com força.


Uma coisa dura e pesada bateu na cabeça de Harry com força, deixando-o quase desacordado. Com estrelas piscando diante dos seus olhos, ele agarrou a ponta do chapéu com firmeza para tirá-lo e sentiu uma coisa comprida e dura em seu interior.


Uma refulgente espada de prata aparecera dentro do chapéu, o punho cravejado de rubis rutilantes, do tamanho de ovos.


-- MATE O GAROTO! DEIXE O PÁSSARO! O GAROTO ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ! FAREJE, FAREJE!


Harry estava de pé, pronto. A cabeça do basilisco foi baixando, o corpo se enroscando, batendo nas colunas ao se torcer para atacá-lo de frente. Harry viu o corpo imenso, as órbitas ensanguentadas, a boca escancarada, grande suficiente para engoli-lo inteiro, cheia de dentes compridos como a sua espada, pontiagudos, faiscantes, venenosos...


A cobra atacou às cegas. Harry evitou-a e bateu na parede da Câmara. Ela atacou de novo, e sua língua bifurcada golpeou o lado de Harry. Ele ergueu a espada com as duas mãos.


O basilisco tornou a atacar, e desta vez na direção certa. Harry pôs todo o seu peso na espada e enfiou-a até a bainha no céu da boca da cobra. O sangue encharcou os braços de Harry, e a cobra pesadamente tombou, ao lado do garoto.


Voldemort encarava a cena visivelmente espantado, ao ver que Harry havia derrotado o basilisco.


-- Não faz diferença. – falou, com desprezo -- Na realidade, prefiro assim. Só você e eu, Harry Potter... Você e eu... -- E ergueu a varinha.


O corpo inteiro tremendo, Harry se levantou. Sua cabeça rodava como se tivesse acabado de viajar quilômetros com o Pó de Flu. Com um violento puxão, retirou a espada faiscante do céu da boca do basilisco, e se virou para o seu algoz.


Mas a adrenalina do momento não foi suficiente para impedi-lo de sentir a dor excruciante no seu ombro. Uma das presas do basilisco havia se afundado na sua pele, e ele podia sentir o veneno se espalhando no seu corpo.


Harry deixou a espada cair no chão, pouco antes de suas pernas não conseguirem mais sustentá-lo. Voldemort observava a cena em êxtase.


-- Nagini, em breve você poderá se deleitar com carne fresca! -- silvou, na língua das cobras. -- Mas antes do seu banquete, vou finalmente assistir Harry Potter morrer!


Harry tentava se manter sentado, para morrer com o mínimo de dignidade, mas sentia-se exaurido. Voldemort mal continha a felicidade. Fawkes pousou no ombro do garoto, soltou um pio triste e uma lágrima escorreu do seu olho.


Harry sentiu o líquido quente tocar o seu ferimento e não pôde evitar chorar junto. Voldemort havia se aproximado de Gina e passava os longos e esqueléticos dedos pelo rosto da garota, com um olhar cobiçoso.


-- Que pena que você não vai viver para presenciar o auge do meu poder... -- falou, sarcástico, para Harry. -- Agora me faça o favor de morrer logo, não gosto de voyeurs! -- e tornou a tocar a garota, deixando as varinhas de lado.


Harry subitamente percebeu que suas pernas não estavam mais dormentes e sua mente estava começando a desanuviar. Olhou para o ombro e percebeu que o ferimento havia fechado, graças às lágrimas de Fawkes.


Deslizou o corpo para o chão, fingindo agonizar, e levou a mão até onde havia sido atingido. Voldemort já não lhe dava atenção, e Nagini se aproximava, estalando a língua no ar, pronta para se alimentar. Harry pressionou a tatuagem e tentou se comunicar com Gina.


-- Foguinho! Foguinho! Você precisa acordar, precisa sair daqui! – ao longe ele percebeu que ela se movimentava, como se estivesse despertando. -- Quando eu der o sinal, você vai tentar se desvencilhar e fugir, entendeu? -- Harry esticou o braço até sua mão se fechar no punho da espada. -- AGORA!


Gina empurrou Voldemort que, surpreso, não reagiu. Ela deslizou o corpo para longe dele e se levantou, apavorada. Harry, que já estava esperando o ataque de Nagini, desviou do seu bote e contra-atacou. Num golpe certeiro, cortou fora a cabeça da última horcrux de Voldemort.


Gina correu na direção de Harry, enquanto Voldemort urrava de raiva e pegava as duas varinhas no chão. Harry se colocou na frente da ruiva, numa atitude protetora.


-- Acabou a brincadeira, Harry Potter! Entregue a garota e eu pouparei a sua vida!


Harry deu um riso de descrença e ignorou a proposta descabida.


-- Foguinho, saia desta câmara! Dumbledore e a Ordem estão a caminho! Vá, que eu tentarei atrasá-lo! -- sussurrou de canto de boca, para que apenas ela escutasse, olhos fixos em Voldemort.


-- Eu não vou deixar você aqui, sozinho!


-- Não discuta, pelo amor de Merlin! Vá embora!


Gina parou de se debater, deu um beijo nele e correu em direção ao túnel que levava para fora dali, enquanto Harry fazia uma barreira entre ela e Voldemort, que o encarava em completo desespero.


-- Vocês... Vocês... Você é o Guardião? Vocês fizeram o ritual? -- gaguejou, incrédulo, mas era uma pergunta retórica, ele já sabia a resposta. -- Garota estúpida!


Voldemort se movimentou com uma agilidade que Harry não o julgava capaz e lançou um Avada Kedavra na direção de Gina.


Harry não pensou, apenas agiu; colocou-se na frente do raio verde e usou a única coisa que tinha à mão para se proteger: a espada. O impacto do feitiço foi tão intenso que o jogou uns 5 metros para trás.


Gina parou de correr e olhou para a arena, que agora reverberava sinistramente o estrondo que o feitiço havia gerado.


-- Harry? -- a garota chamou, recebendo apenas o eco em resposta.


Nada se movia na câmara, apenas as esmeraldas dos olhos da estátua de Salazar Slytherin brilhavam igual a ondas em um mar revolto, como se estivessem prestes a chorar.


Gina ignorou o que Harry havia lhe pedido e correu de volta. Encontrou o namorado desacordado, respirando muito lentamente.


Tremendo, ela se levantou e foi até onde Voldemort estava. Diferente de Harry, ele já não respirava. Na realidade, por dentro das vestes havia um cadáver em avançado estado de putrefação. Ao lado dele, as duas varinhas estavam caídas, em cruz, como se fizessem parte de uma lápide improvisada.


* * * * * * * * *


Harry acordou sobressaltado. Lily estava adormecida ao lado da sua cama, na ala hospitalar. Eles estavam num espaço reservado por um biombo, e o garoto não podia ver mais ninguém. Súbito, o atordoamento passou e ele se lembrou de que tinha estado na Câmara Secreta.


Tateou os óculos e a varinha em cima do criado mudo e tentou se levantar com o mínimo de barulho. Saiu do seu isolamento para a ampla ala hospitalar, aparentemente desabitada. Então ouviu um sussurrar de vozes por detrás de um biombo no extremo oposto de onde estava, e para lá se encaminhou.


-- Alvo, ele vai melhorar? -- Tiago perguntou, muito preocupado.


-- Não lhe dizer, meu caro... Algumas feridas nunca fecham completamente, e depois do que ele passou, da forma como passou... Eu realmente não sei...


As vozes que sussurravam eram urgentes e tensas. Harry deu a volta no biombo, tentando entender de quem estavam falando, com muito medo de ser dele mesmo.


-- C-Como vamos dizer a ele que ela não foi possível salvá-la?


Harry sentiu o estômago afundar. O que teria acontecido? Será... Será que Gina havia morrido? Não suportando a tensão, Harry entrou no espaço reservado. Porém, o que viu o deixou ainda mais confuso.


Tiago o puxou para longe da cama que estava isolada, com Sirius prostrado ao lado do leito. Dumbledore os acompanhou e ajustou o biombo, de forma que não os ouvissem. O alívio por não ser Gina quem estava deitada ali o tinha deixado de pernas bambas.


-- O que aconteceu?


-- Filho, como você se sente?


-- Eu estou bem, mas não estou entendendo o que está acontecendo. Como eu saí da Câmara Secreta? Onde está Gina?


Dumbledore contou brevemente que, quando chegaram à Câmara Secreta, Voldemort estava morto, Harry desacordado e Gina desesperada.


-- E onde ela está?


-- Estava muito agitada, porque você ainda não havia retomado consciência. Como ainda estava se recuperando do incidente ocorrido na última partida de Quadribol, optamos por sedá-la. Ela está na cama ao lado da sua, talvez você não a tenha visto por causa do biombo...


-- E o que houve com Voldemort?


-- Apesar de julgar não ser necessário, queimei seu corpo e o da cobra, a última horcrux, por via das dúvidas.


-- E os comensais? O que houve com eles? Por que Bellatrix está aqui?


-- Em respeito a Sirius, acho que seria mais prudente que conversássemos sobre este assunto e alguns outros amanhã pela manhã, no meu escritório. Por ora, aviso que Hogwarts não corre risco iminente e que, depois de tudo o que houve, você merece descansar.


Tiago acompanhou o filho até sua cama, mas Harry precisava ver Gina. A garota estava dormindo tão placidamente, que nem parecia que tinham vivido tanta coisa naquela noite. Despediu-se do pai e se deitou ao lado da garota. Abraçou-a e, finalmente, sentiu-se seguro.


* * * * * * * * *


Gina se aconchegou ao peito de Harry, enquanto ele sorria. O garoto pegou uma mecha de cabelo ruivo e começou a passar no rosto dela, para ver se finalmente acordava. Em instantes ela recobrou a consciência e o encarou, entre felicidade e incredulidade.


-- Estamos vivos? O que está acontecendo é real?


Ele a puxou para si e murmurou no seu ouvido.


-- Eu me sinto muito mais vivo do que deveria, observando que estamos tão próximos, mas sem privacidade!


Ela riu, mas entendeu a deixa. Os dois se afastaram e saíram da cama reservada. No meio da ala hospitalar havia sido improvisada uma mesa de café da manhã, onde Lilian, Tiago e Sirius os aguardavam.


Harry deu um abraço em cada um deles, especialmente no padrinho, que ainda se mostrava bastante desgastado. Enormes olheiras escuras despontavam em seu rosto, e ele apenas bebericava um café, não comia nada.


Apesar de todas as perguntas que ansiava fazer, respeitou o silêncio que faziam e se sentou entre as ruivas.


Pouco depois, a porta da ala hospitalar foi aberta por Minerva McGonagall, que solicitou que fossem ter com o Diretor, na sua sala.


-- Quero me desculpar por convocá-los até aqui quando deveriam estar descansando, mas realmente é necessário esclarecer alguns pontos da noite de ontem. Harry, você poderia, por favor, nos contar o que aconteceu?


Harry narrou desde o momento em que tinha se separado de Rony e Hermione, imaginava que os amigos já tivessem prestado seus esclarecimentos. Contou-lhes como encontrou Gina desacordada, a conversa com Voldemort, a chegada de Fawkes e do Chapéu Seletor, a luta com o basilisco e o último momento em que teve consciência: quando Voldemort lançou o Avada Kedavra em Gina.


Gina prosseguiu a narrativa, descrevendo para os demais o estado que Voldemort ficou, até que Dumbledore e os demais chegaram até a Câmara e os retirou de lá.


Dumbledore, que ouvia a tudo atentamente, deu um sorriso orgulhoso para Harry.


-- Antes de mais nada, Harry, eu quero lhe agradecer -- disse Dumbledore, com os olhos cintilantes. -- Você deve ter mostrado verdadeira lealdade a mim, lá na Câmara. Nenhuma outra coisa teria levado Fawkes a você. -- Harry ficou vermelho.


Dumbledore esticou o braço para a estante ao seu lado, apanhou a espada de prata suja de sangue e entregou-a a Harry. Embotado, Harry revirou-a e os rubis rutilaram. E então viu o nome gravado logo abaixo da bainha: Godric Gryffindor.


-- Somente um verdadeiro membro da Grifinória poderia ter tirado isto do chapéu, Harry --concluiu Dumbledore, com simplicidade. -- E somente alguém tão corajoso e justo poderia tê-la encontrado e usado, depois de todos este tempo desaparecida. Ouso dizer que sua bravura será lembrada por muitos e muitos anos!


Se possível, Harry ficou ainda mais vermelho. Estava quase do tom dos cabelos de Gina.


-- Mas agora eu gostaria de ouvir de Sirius, se tiver condição de falar, o que aconteceu na Floresta Proibida.


Sirius soltou um longo suspiro e Tiago lhe deu uns tapinhas de encorajamento, no ombro.


-- Bella havia me atraído para longe da clareira onde os comensais estavam. Ela... Ela queria me dizer o que tinha feito para... para ajudar a Ordem da Fênix! Bella contou que plantou um objeto que Voldemort tinha confiado a ela na Borgin e Burkes...


-- Eu não sabia que isso tinha sido obra de Bellatrix, mas um dos espiões da Ordem havia me passado esta informação, que se mostrou verdadeira. -- Dumbledore contou.


-- Depois de todos esses anos, ela me confessou que havia feito tudo isso por minha causa! -- Sirius continuou, em choque. -- Estávamos voltando para a clareira onde estavam os comensais, quando, a cerca de 5 metros, ela soltou um grito de dor e caiu no chão, se debatendo.


Sirius voltou à forma humana e tentou conter os espasmos de Bellatrix, enquanto os gritos dos outros comensais tomavam conta da Floresta Proibida.


-- Milorde morreu! -- ela balbuciou, febril, puxando furiosamente a manga esquerda da sua blusa.


Sirius olhou para o seu braço e viu a Marca Negra em brasa. Era como se a tatuagem estivesse se partindo em milhares de cacos, e começando a se espalhar pelo corpo dela, queimando.


-- Bella, o que está havendo? -- perguntou, assustado.


-- Agora eu estou livre para pagar por tudo o que fiz, Sirius. -- falou, entre contrações de dor. -- Eu... Eu queria te agradecer pelo que tivemos, foram os dias mais felizes da minha vida!


-- Pare de falar assim, Bella! Você vai sobreviver!


-- Não, eu não vou. E você também sabe disso. -- ela falou, num sorriso triste e cansado. -- Agora você está a salvo! -- o sorriso dela se iluminou. -- Viva por nós, Sirius!


-- Não, Bella! Pare com isso!


-- Viva por nós dois, meu amor... -- ela passou a mão pelo peito dele, parando em seu coração descompassado.


Então, tão súbito quanto havia começado, a Floresta Proibida se encheu de um silêncio tão absoluto, que doíam os ouvidos de Sirius.


-- Eu o encontrei já quase na escola, trazendo Bellatrix nos braços. -- Tiago tomou a palavra, quando Sirius não conseguiu prosseguir. -- Voltei até a clareira, todos os comensais estavam mortos.


-- Como isso é possível? -- Harry perguntou.


-- Acredito que Tom tenha, de alguma forma, ligado a sua vida à dos seus Comensais... Isso explicaria como ele conseguiu juntar forças desde o ataque que lhe tinha feito, Harry, até recuperar seu corpo. Talvez seus seguidores entendessem que tivessem uma espécie de simbiose, isto é, uma relação vantajosa para ambos os lados. Mas agora, ao final, acredito que ele tenha sido um tipo de parasita, que se utilizava indiscriminadamente dos seus hospedeiros...


Um silêncio pesado se instaurou na sala. Era impressionante a capacidade de Voldemort de surpreender para o mal.


-- Tiago, Lilian, vocês fariam a gentileza de acompanhar Sirius de volta à ala hospitalar? -- Dumbledore solicitou, perante o estado em que Sirius se encontrava, de terror e choque.


Depois que os adultos saíram, Dumbledore abriu uma gaveta, retirou dela uma caixa de madeira incrustada de runas e a destampou. De dentro delas, ele tirou um pergaminho, endereçado a Harry e Gina.


Meus queridos e bravos amigos,


Se estão lendo esta carta, isso quer dizer que nossa empreitada foi um absoluto sucesso. Sei que vocês não devem estar entendendo a que me refiro, mas tenho certeza de que o mundo com certeza está muito melhor, graças a vocês.


Espero ser aquele que lhes entregou esta missiva, assim, poderei lhes explicar melhor o que houve.


Muito obrigado por nunca terem desistido.


Saudações cordiais,


Alvo P. W. B. Dumbledore


-- Professor, o que significa isso? E por que esta carta está com data de daqui a 4 anos? -- Harry inquiriu, confuso.


-- É fascinante o poder do tempo, não é? -- Dumbledore lhes deu um amplo sorriso. -- Meus caros, pode parecer muito insólito, mas a realidade que vivemos hoje é fruto de uma intervenção de vocês no passado.


-- Mas essa carta é datada do futuro, como pode fazer referência ao passado? – Gina balbuciou, absolutamente perdida.


-- Harry, e se quando Voldemort o atacou, quando você tinha pouco mais de 1 ano, tivesse realmente matado seus pais? E se você tivesse sido criado pela irmã da sua mãe, que odiasse magia e quisesse te impedir de vir para Hogwarts?


-- Do que o senhor está falando?


-- Harry, num universo paralelo a sua vida foi assim. Você não teve irmãos, foi criado sem amor, mas chegou até Hogwarts, se destacou, fez grandes amigos, como Rony Weasley e Hermione Granger, foi Campeão do Torneio Tribruxo, foi caçado por Voldemort e seus comensais, muito mais fortes naquela realidade do que nesta, até finalmente derrotá-lo e se tornar um recluso, se afastando de todos que amava, com medo de que fossem mortos por sua causa.


-- Isso é um absurdo! Eu não tive família? Eu abandonei meus amigos? Isso não pode ter acontecido!


-- Você tinha 21 anos, estava se escondendo fora da Inglaterra, quando eu soube que havia um ardil para enviar ao passado dois comensais da morte, cujo plano era matar seus pais, para que você não nascesse e não derrotasse seu mestre.


-- Professor, se o que conta é verdade, por que Gina seria envolvida nisso?


-- Porque ela é a Herdeira e você, seu Guardião. Além do futuro obscuro e terrível que teríamos, se você não nascesse, Gina correria um risco incomensurável. -- explicou. -- Sei que é um tema bastante complexo, talvez seja mais fácil de entender se eu lhes mostrar.


Dumbledore depositou sua Penseira sobre a mesa e os convidou a entrar nas suas lembranças do dia em que Harry e Gina chegaram a Hogwarts, em 1978.


A estranheza de se verem mais velhos, mas no passado, quase deu um nó em suas cabeças. Ouviram o Harry da lembrança explicar o que os tinha levado até lá, confirmando tudo o que Dumbledore lhes havia contado.


-- Vocês acabaram mudando o passado. Com isso, um novo tempo despontou, e era necessário acompanhar os efeitos desta mudança de perto. E o passado, meus caros, se protege. É como se ele tivesse dentes afiados, fincados em alguns pontos que não se alteram. Como o ataque de Voldemort, a sua vinda para a escola, você e Gina se apaixonarem, derrotar Voldemort... São como nós cegos dentro da teia intrincada do tempo.


-- E como o senhor sabe de tudo isso, se aconteceu em outra realidade?


-- Perdoem a minha pouca modéstia, mas o meu eu deste futuro original já imaginava que vocês mudariam os rumos da nossa história. Quando vocês me entregaram o primeiro pergaminho explicando por que estavam no passado, dentro dele havia vários pergaminhos, lacrados e endereçados magicamente, onde só poderiam ser lidos se estivessem na mão do destinatário e de acordo com a especificação da carta. Havia um para entregar-lhes caso falhassem, outros individuais, caso acontecesse o pior com algum dos dois, e alguns para mim, para serem abertos no decorrer do tempo, para monitorar alguns fatos que são mais fortes que a nossa intromissão pueril no tempo.


-- Se Voldemort também perdeu seus poderes após me atacar, como ele voltou à vida, neste outro tempo?


-- Ele tinha infiltrado um Comensal da Morte em Hogwarts, que enganou a todos e transformou a Taça do Torneio Tribruxo numa chave de portal.


-- Por que o senhor não tentou impedir que isso ocorresse novamente? Por que permitiu que Cho Chang fosse morta?


Dumbledore abaixou os olhos, constrangido.


-- Havia coisas que precisavam acontecer, mesmo as mais terríveis... Eu sabia que Cho Chang estava sob a maldição Imperius, quem a proferiu foi Severo, a mando de Voldemort. Se eu tentasse impedir que isso ocorresse, poderia haver desdobramentos imprevisíveis.


-- Como o senhor pode conviver com isso?


-- A vida consiste em tomar decisões e arcar com as suas consequências, meu caro. Eu precisava escolher, e escolhi você.


Harry se calou. Sabia o que significavam as escolhas da vida, e também teria que conviver com seus próprios demônios.


-- Senhor, se ficamos quase um ano no passado, quem mais sabe que estivemos lá, ou mesmo que o futuro havia sido alterado?


-- Horace e Ellis lhes deram aula naquela época e se lembravam de vocês. No tempo original, Ellis seria morto antes de vocês nascerem. Ele foi um dos que mais trabalhou para que levantássemos o máximo de subsídios para auxiliá-los para enfrentar tudo o que imaginávamos estar nos seus caminhos. Além deles, Lílian, Tiago, Sirius e Remo sabem e sempre cuidaram de vocês.


-- Sei que o senhor já nos deu provas que atestam a veracidade de tudo isso, mas ainda está difícil de acreditar! -- Harry comentou, atordoado. -- Mas como alteramos o tempo? E o que aconteceu com os nossos “eus” do passado? Ou melhor, do futuro? Ah, o senhor entendeu!


-- Vocês descobriram que eram Herdeira e Guardião durante a missão e desapareceram logo após realizarem o ritual, a partir de então, de acordo com os pergaminhos de monitoramento, o tempo já havia sido alterado. -- contou o diretor. -- Sobre vocês, suponho que, quando alcançarem a idade dos seus “eus” do passado, talvez eles retornem.


-- Caramba? Se isso acontecer, nos lembraremos do que aconteceu nesta realidade? -- Harry se preocupou.


-- Talvez sim, talvez não... Não há registros sobre experiências semelhantes.


-- Harry, sinceramente, você acha mesmo que isso importará? Se conseguimos mudar um futuro sombrio, com certeza poderemos lidar com o que quer que aconteça... -- Gina falou, segurando a sua mão. A felicidade dela era quase palpável, haviam se livrado da ameaça renitente de Voldemort.


-- Concordo com a Srta. Weasley! Um mundo cheio de possibilidades os aguarda lá fora, é momento de aproveitar!


* * * * * * * * *


O ano letivo terminou e Harry resolveu esperar Gina concluir Hogwarts para seguirem juntos para a Escola de Aurores do Ministério da Magia. Os dois viajaram pela Europa durante as férias, já antevendo um período de distância necessário para que a ruiva se dedicasse aos estudos.


Durante o 7º ano dela, Harry, a pedido do pai, acompanhou Sirius em viagens para lugares mais distantes e exóticos, e o padrinho começou a sair do seu luto. Durante estes momentos, os dois conversavam muito sobre o passado e faziam conjecturas para o futuro.


Quando Gina terminou Hogwarts, os dois foram morar juntos, em Londres. Os dois se esforçavam ao máximo para superarem seus próprios limites e se ajudarem no processo para se tornarem aurores.


Harry continuava a implicar com ela, Gina respondia à altura e tudo isso mantinha o relacionamento dos dois aceso e empolgante. Não havia muita rotina na vida deles, mas isso não era novidade para nenhum... Se havia algo que ambos sabiam é que a vida é algo absolutamente imprevisível.


Casaram-se pouco depois de se formarem. Finalmente livres das obrigações, saíram pelo mundo, em lua de mel, por três meses. Após mudarem de destino a cada duas semanas, estavam às vésperas de voltarem para a vida real, numa vila trouxa, nos alpes franceses.


-- Foguinho, você está bem?


Harry estava preocupado com a palidez de Gina. Tinham acabado de aparatar, ela não vinha se sentindo bem desde o dia anterior, quando comeram alguns frutos do mar e ela teve algum tipo de reação alérgica.


Ele a amparou e entraram no primeiro estabelecimento que viram. Uma jovem garçonete foi até eles, perguntando em um arranhado inglês se poderia ajudá-los. Harry explicou que Gina estava passando mal, e pediu um chá com limão.


A dona do restaurante se juntou aos três, trouxe a xícara fumegante e pediu que ela bebesse devagar, que iria se sentir melhor.


A garçonete, muito educada, perguntava a Harry de onde estavam vindo e o que Gina poderia ter comido, para estar daquele jeito. Harry respondia à francesa, ele mesmo também tentando entender o que estava acontecendo.


-- Vocês não preferem que eu saia, para que fiquem mais à vontade para continuar esta conversa? -- Gina falou, irritada, entre um gole e outro do chá. A garçonete captou a mensagem e saiu de perto deles.


-- Eu não vou nem dizer quão mal educada e injusta você foi agora, porque você está passando mal, mas isso não se faz, Gina! -- Harry falou baixinho, ruborizado de vergonha.


-- Ótimo! Você fica acintosamente paquerando com essazinha enquanto eu estou passando mal, e a culpa é minha? -- exaltou-se. -- Por que você não vai atrás dela, então? -- sussurrou, já começando a chorar.


Harry a olhava sem saber o que dizer ou fazer. Ela chorava tanto que mal conseguia respirar. Num impulso, levantou-se e saiu correndo, na direção do banheiro feminino. A senhora o impediu de segui-la, e foi ela mesma até o banheiro, levando consigo uma grande garrafa com água.


-- Madame! -- a senhora chamou Gina, que estava trancada dentro de um box, soluçando. -- Por favor, Madame, a senhora precisa se acalmar e se hidratar. Ficar assim pode fazer mal para o bebê.


Gina parou de chorar, em choque. Ela começou a fazer as contas nos dedos, e percebeu que estava atrasada há, pelo menos, um mês. Se realmente estivesse grávida, explicaria o enjoo que tinha sentido nas últimas manhãs, a fome descomunal e até a instabilidade emocional.


-- Madame? -- a senhora bateu na porta, aflita com o silêncio.


Gina abriu a porta e aceitou a água que lhe estava sendo oferecida. Agradeceu a ajuda e a atenção, e se desculpou pelo chilique ocorrido há pouco.


-- Não há problema, conversarei com Brigitte, ela entenderá. Logo desconfiei que Madame estava grávida, mas entendi que os dois não tinham consciência do fato.


Gina lavou o rosto e, quando saiu do banheiro, parecia outra pessoa: vinha sorrindo, conversando com a senhora e agradecendo pela ajuda.


Harry assistiu sua esposa ir até onde a garçonete estava e conversarem baixinho. Ele se levantou, com medo que Gina tivesse alguma reação destemperada, mas aparentemente ela estava pedindo desculpas. “Será que essa senhora lhe deu uma Poção para Acalmar?”, perguntou-se, desconfiando que tinham entrado em um estabelecimento bruxo, no meio da vila trouxa.


Gina agradeceu mais uma vez à senhora, pegou Harry pela mão e o levou pra fora dali, rumo ao chalé que tinham alugado.


-- Você pode me dizer o que está havendo?


-- Eu não quero ter este tipo de conversa no meio da rua, vamos!


Harry trancou a porta da casa e se virou pra ela, esperando. Gina o puxou, mais uma vez, pela mão e o guiou até que se sentasse na cama, ainda calada.


-- Foguinho, a ansiedade está me matando! O que foi? Foi alguma coisa que eu fiz?


-- Sim, Harry, foi algo que você fez... -- ela falou, num tom solene.


-- Eu já disse que eu não estava paquerando com ninguém, pelo amor de Merlin!


Ela fez um sinal para que ele calasse a boca. Harry estava assustado: não compreendia o que estava acontecendo e não entendia as reações de Gina. Ela pegou a mão direita dele a pousou sobre o coração dela, que batia descompassado.


-- Por favor, me diga o que está acontecendo! -- ele suplicou, desesperando-se.


Ela então trouxe a mão esquerda dele e a colocou sobre a sua barriga. Ele continuou momentaneamente confuso, até finalmente entender o que estava havendo.


-- Você... Nós... Desde... Desde quando? -- gaguejou, ainda sem acreditar.


-- Já deve fazer mais de um mês, mas eu só soube há pouco. Foi a senhora no restaurante que me abriu os olhos e acho que, se eu estiver mesmo grávida, isso explica muita coisa... Inclusive que sim, a culpa é sua, e sim, foi algo que você fez!


Harry gargalhou alto e depois a abraçou com força, feliz. Daí pra comemoração propriamente dita foi questão de segundos.


-- Harry... -- Gina o chamou, abraçada a ele, na cama. -- Eu quero ter certeza de que estou grávida... Sei que ainda temos dois dias aqui, mas eu acho que podíamos ir pra casa e confirmar se você vai ser pai agora ou não...


-- Foguinho, desde quando eu consigo te negar alguma coisa?


Em vinte minutos já estavam no apartamento, em Londres. Harry saiu para comprar um teste na farmácia e comida, e Gina limpou a casa, com um girar de varinha. Quando o teste deu positivo, os dois finalmente puderam comemorar a vinda daquela criança.


Deitados no seu quarto, imaginavam a reação de cada familiar quando contassem que estavam grávidos.


-- E pensar que, se não fosse por nós, meus pais não estariam aqui para comemorar seu primeiro neto, meus irmãos não teriam nascido, nós provavelmente não estaríamos juntos...


Gina o beijou e se aconchegou nos seus braços, sonolenta.


-- Não quero nem imaginar como poderia ter sido a nossa vida, caso o passado não tivesse sido mudado...


Harry a abraçou mais uma vez, agradecendo intimamente por terem tido a sorte de viver em um novo tempo.

FIM 


* * * * * * * * *


Foram quase 10 anos para escrever esta fanfic. Neste período eu vivi muita coisa, viajei, mudei de cidade, mudei de trabalho, mas sempre tive a esperança de conseguir terminar de escrever esta história.


Nunca imaginei o alcance que essa fic teria, muito menos a quantidade de pessoas que a leram (e lerão), mas é muito gratificante ler cada comentário, cada elogio, cada crítica...


Agradeço a todos os que nunca desistiram, os que cobraram, os que ainda mantém o universo Harry Potter pulsando!


Obrigada pela oportunidade de mostrar um pouco das loucuras que habitam a minha cabeça por aqui e, principalmente, pela paciência!


O exercício de escrever me dá um prazer imenso. Não por acaso, mesmo com o tempo cada vez mais exíguo, acabei me atrevendo a escrever uma terceira fic (não relacionada com esta saga temporal, Novo Tempo encerrou o ciclo de Mudando o Passado -- e vice-versa) :P

Mando um abraço especial para as pessoas que comentaram e aguardavam este capítulo desde dezembro: Beatriiiz Potter, Fraancy, Gessica Lirio da Silva, loucapotterygina, Martha Weasley e sasa lovegood.


Beijo grande, voltem sempre e nos vemos na Ferrão e Espinho (http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=46841) .


:***


p.s. na próxima semana vou dar uma enxugada na trama desta fic, mas não será nada que comprometerá a história!

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Comentários (4)

  • allissandra

    Adorei. Umas das melhores fics que já li. 

    2016-06-24
  • Fer

    Foi uma surpresa  muito boa entrar nesse site depois de tantos anos e ver que você  tinha concluído  essa fic!  Obrigada  e parabéns!  Adorava essa fic e adorei o final dela! :)

    2016-05-07
  • carolina.akasha

    Uau amei... li desde o inico essa fic, e olhava sempre, mesmo nos periodos de hiatos.... parabéns o final foi ótimo

    2015-06-30
  • LuaVenas

    Eu tentei pensar em um comentário realmente bom pra fazer, mas  não consegui nada a altura.Ótimas Fics! 

    2015-04-23
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