Efeitos



Gina se debatia enquanto era praticamente arrastada para a calçada. Os braços que a prendiam a estreitaram um pouco mais, e ela se desesperou, pouco antes de ser levada para dentro de uma casa próxima.


- Calma, Gina, sou eu! - sussurrou no ouvido dela, quando finalmente conseguiu fechar a porta.


- Harry?! - perguntou, confusa, passando as mãos pelos braços doloridos.


- Desculpa ter praticamente te arrastado, mas é que eles não podiam te ver! - falou num tom sério e baixo, tentando espreitar por uma fenda na parede o que estava acontecendo do lado de fora, varinha em punho.


- Eles quem? - Gina também ficou séria, tentando se aproximar de onde ele estava, que a impediu de se aproximar.


- Eu não sei ainda, mas -


- Harry, o que está havendo? - Gina segurou no seu braço, estranhando o frio que se espalhara por onde eles estavam. Ela estava ficando tonta, e teria caído se ele não a tivesse amparado.


- Gina, olhe pra mim! - pediu, tentando reanimá-la. - Coma isso! - sacou do bolso dois sapos de chocolate, que havia comprado enquanto passeava com Cindy, comendo um também. - Preste atenção, ruiva! Eu preciso da sua ajuda!


- Me explique o que está havendo! - pediu, recuperando um pouco das forças.


- Não há tempo! - deu uma rápida olhada para trás, depois de ouvir mais um grito. - Você vai descer por essa escada lateral, - apontou para os degraus atrás dela. - e vai sair no porão da DedosDeMel. Lá você vai achar um alçapão escondido por poeira. Siga o caminho que você chegará a Hogwarts! Vá até a sala de Dumbledore; a senha é sempre o nome de um doce... Da última vez que estive lá era "bolos de caldeirão!"... - acrescentou, pensativo. - Diga ao diretor que precisamos de ajuda, que Hogsmead foi tomada por dementadores.


- Por que você está falando como se não fosse voltar também?


- Porque eu não vou voltar, ruiva! - outro grito o sobressaltou. - Estamos perdendo tempo! - levantou-se, indo para a fresta novamente.


- Eu não vou deixar você aqui, sozinho! - bateu o pé, aproximando-se dele.


- Foguinho, por favor... - gemeu, em tom de súplica. - Você não pode ajudar aqui, e Dumbledore precisa saber do que está havendo!


- Harry, eu -


- Por favor, vá! Não é seguro para você, ficar aqui... - não conteve o impulso, e a abraçou. - Só dessa vez, aceite o que eu te peço! - murmurou, rosto enterrado nos cabelos dela.


A ruiva se afastou do abraço e o encarou, impressionando-se com a expressão no rosto dele; havia seriedade e uma certa maturidade, qualidades estas que ela nunca havia atribuído a ele. Então percebeu que não ia ceder.


- Você não vai, mesmo? - ainda tentou, uma última vez, passando a mão carinhosamente pelo rosto dele.


- Não posso! - segurou a mão dela. - Vá depressa, Foguinho! - a empurrou de leve, para que saísse.


- Você é, sem favor algum, a criatura mais cabeça dura que eu já tive a infelicidade de conhecer! - resmungou, preocupada, ao ter certeza de que ele realmente ficaria ali. - Tome cuidado! - pediu, os olhos brilhando. Encararam-se por alguns segundos, e Gina se aproximou, dando-lhe um beijo, antes de correr para a escada, rumo ao porão da loja de doces.


Gina correu o mais rápido que pôde, preocupada com o que poderia acontecer, não só com Harry, mas com seu irmão e seus amigos, que ainda podiam estar na cidade. Arranhou-se no percurso, mas não parou enquanto não se viu de frente para as gárgulas.


- Professor! - chamou ofegante, depois de dar a senha e subir a escada até a sala do diretor.


- Srta. Weasley? - abriu a porta, espantado. - O que houve? - preocupou-se ao ver o estado da ruiva.


- Hogsmead... Dementadores... Harry... - tentava articular as frases, mas o fôlego ainda não havia voltado.


Dumbledore aproximou-se da sua janela, abriu-a e soltou Fawkes. Em seguida, murmurou algumas palavras, e da ponta de sua varinha saiu um pássaro liquefeito, parecido com a fênix que havia acabado de soltar.


- Gina, obrigado por ter vindo dar o sinal. - virou-se para a garota. - Peço-lhe agora que vá para a ala hospitalar, tratar destes machucados.


- Mas professor, Harry, Rony -


- Não há nada que se possa fazer, a não ser esperar que os aurores cuidem deles e dos seus amigos. - falou rapidamente, praticamente a expulsando da sala, andando rápido para a saída do castelo.


Gina estava nervosa demais para esperar notícias, sentada docilmente na ala hospitalar. Madame Pomfrey em segundos lhe tratou, e ficou alarmada sobre o que estava acontecendo ao lado da escola, preparando-se para, se fosse o caso, receber pacientes em pouco tempo.


Foi para os jardins, e já estava cogitando ir andando até Hogsmead, quando anteviu a multidão que se aproximava, a pé, do castelo. Havia muitos feridos, sendo puxados por macas conjuradas, e Gina tentava ver se Harry ou Rony estava vindo em alguma delas, quando foi quase derrubada.


- Gina! Ainda bem que você está inteira! - Ron quase chorava de felicidade, abraçando a irmã.


- Você também! - foi só o que conseguiu dizer, abraçando o irmão de volta. Era bem verdade que discutiam, mas era inegável que se gostavam. - Cadê a Mione? E o Harry?


- Estão bem, mas - interrompeu-se, e a ruiva se exasperou.


- Mas o quê?


- Liam foi ferido... - falou baixo.


Gina pôde então ver Harry andando agarrado a uma maca, olhos desfocados, como se estivesse se segurando para não chorar na frente de todos. Liam tinha uma expressão cinzenta pouco saudável, e a ruiva teve que se conter para não correr até eles; sentia que aquele era um momento só dos Potter.


* * * * * * * * *


- Mione, me conte o que houve! - suplicou a ruiva.


Ambas estavam desempenhando as suas funções de monitoria, enquanto que Rony estava na ala hospitalar, para auxiliar, se fosse necessário, Madame Pomfrey. Já era noite, e desde que chegaram, ela não conseguia falar com Harry, o que a preocupava.


- Espere um minuto! - falou a amiga, meio desconfiada, observando os corredores, para ter certeza de que estavam sozinhas. Abriu uma sala, entrou e lacrou a porta, depois que a ruiva já tinha passado. - Gina, foi horrível! - Mione deixou que as lágrimas viessem aos olhos, lembrando-se com horror do que acontecera naquela tarde.


A ruiva se sentou, esperando que a amiga se recompusesse e finalmente lhe explicasse o que havia acontecido e como Liam se ferira.


- Hogsmead foi tomada por Comensais, Gina. - Mione fungou. - E o pior foi que eles não vieram sozinhos; trouxeram dementadores!


- Por isso que eu passei mal! - concluiu, pensando alto. - Onde vocês estavam quando começou o tumulto?


- Eu e Rony, assim como boa parte dos alunos, estávamos no Três Vassouras, que foi logo rendido. Quatro comensais entraram, e correram o olhar por todo salão, como se procurassem alguém.


- Quem você acha que procuravam?


- Eu... São apenas desconfianças, ruiva! - Mione torceu as mãos, nervosa.


- Da última vez que você me veio com desconfianças, foi com aquela história que o Harry - interrompeu-se, e fez-se a luz. - Você acha que procuravam por ele? - exaltou-se, e a amiga assentiu, a contragosto.


- Eles saíram do pub e lacraram a porta, e seguiram para as lojas, que também tinha alguns alunos. - argumentou. - Os cerca de dez dementadores deslizavam de um lado para o outro, e eu acho que estavam impacientes. Passado um tempo, os Comensais se irritaram, e começaram a queimar casas e lojas, e foi nesse momento que Harry apareceu, sozinho.


- ELE O QUÊ?


- Eu nunca tinha visto Harry daquele jeito! - falou, como se a amiga não tivesse a interrompido com um grito. - Ele estava irado, mas concentrado. De onde eu estava, não dava pra ouvir direito, mas entendemos que os Comensais mandaram os dementadores atacar Harry, que prontamente lançou um patrono, que eu nem sabia que ele podia executar! - não escondeu a admiração na voz.


- Por Merlin! - murmurou, embasbacada.


- Com os dementadores fora de combate, os cerca de quinze Comensais avançaram por Harry, quase fechando uma roda sobre ele. A partir de então, eu não consegui escutar mais nada, porque todos gritavam dentro do Três Vassouras, apavorados demais com a iminência de ver alguém ser morto, e ao mesmo tempo, sem conseguir evitar de olhar.


- Não me diga que ele derrotou quinze bruxos das trevas sozinho!


- Eu não duvido que ele os teria enfrentado a todos, mas, milagrosamente, aurores apareceram, seguidos por Dumbledore.


- Aurores! - repetiu, lembrando-se deles. - A Ordem não tinha reforçado a segurança de Hogsmead com aurores? Onde eles estavam, antes de irem ajudar Harry?


- Entreouvi eles explicarem a Dumbledore, quando vínhamos para cá, que havia mais de vinte dementadores depois da Casa dos Gritos, e foram todos para lá, sem perceberem que havia sido uma distração muito bem arranjada, para lhes tirar o foco.


- E então, Mione? O que aconteceu? - pediu, impaciente, contendo-se para não roer as unhas.


- Então a luta ficou mais equilibrada, mas ainda assim, os Comensais estavam em vantagem. Lupin foi estuporado pelas costas, depois de derrubar dois; Sirius e Tiago acabaram levando seus oponentes para mais longe do front, e eu imagino que aqueles dois tinham alguma dívida com eles. Harry continuou no centro, junto de Dumbledore e Moody, derrubando-os. Quando perceberam que estavam em minoria, os Comensais bateram em retirada.


- E Liam? O que houve com ele?


- Quando os outros começaram a fugir, Harry baixou a guarda, e virou-se para o onde a gente estava, vindo nos libertar. Então um dos comensais que ainda lutava com Sirius lançou um raio roxo, que acertaria de cheio em Harry, se Liam, sabe-se Deus de onde, não tivesse se jogado entre o irmão e a maldição.


A ruiva não conseguia falar. Era terrível demais! Era informação demais! Harry só tentara protegê-la, e se expôs a todos aqueles perigos. E Liam? Que se sacrificou pelo irmão? A mente dela rodava, aliada às desconfianças de Mione, que nesse momento não pareciam mais tão estapafúrdias.


- Mione, eu tenho que ir à ala hospitalar! - balbuciou, saindo da sala.


Quando chegou à enfermaria, viu muitos leitos ocupados. Muitos alunos estavam em choque, alguns tinham se queimado, durante as "brincadeiras" dos Comensais, e alguns sofreram escoriações na hora da fuga. Estava tão atabalhoada que, naquele momento, não percebeu que não havia sequer um aluno da Sonserina por ali.


Não estavam à vista, e ela seguiu para as alas mais isoladas, onde Harry ficara no Natal passado. Não deu errada; quando passou pela cortina que os isolava, viu um pálido e pétreo Liam prostrado, e, ao lado dele, na mesma posição em que Gina o encontrara no natal, sentado de pernas entreabertas, cotovelos apoiados nos joelhos e rosto enterrado nas mãos, estava um desolado Harry.


- Minha querida, você não pode ficar aqui! - sussurrou a enfermeira, puxando-lhe de leve para longe dos garotos.


- Papoula, não se preocupe! - Dumbledore interveio, e a ruiva se impressionou; estivera tão absorta, que não percebera que os adultos estavam ali, tampouco que a observavam. - Gina, você pode passar a noite aqui, se Madame Pomfrey permitir. - olhou para a garota, e, em seguida voltou o olhar para a enfermeira. - Harry precisa de você.


- Tudo bem, você pode ficar. - a enfermeira concordou com um suspiro. - Mas tenha cuidado para não perturbá-los, certo? Harry está em choque.


Gina agradeceu aos mais velhos, e entrou na ala destinada aos dois. Tinha um nó na garganta; estava horrorizada com o que tinha acontecido com Liam, mas estava ainda mais apavorada porque quem podia estar naquela situação era Harry.


Aproximou-se lentamente, até ficar de frente para o garoto. Sentia-lhe o desespero, e não sabia dizer se estava chorando, se estava dormindo, nada... Tocou-lhe os cabelos, e o chamou, baixinho: "Harry!". Por longos instantes, ele não esboçou reação, e a ela só restava esperar, acariciando-lhe os cabelos.


Sabia que aquela era a dor dele, era o irmão que estava mal, e que tem pessoas que, nesses momentos, preferem se isolar. Percebeu que, por mais que quisesse ajudá-lo, mesmo sem saber como, era uma intrusa ali. Tirou a mão e já ia se virar para sair, quando ele lhe abraçou as coxas, puxando-a para perto, enterrando o rosto na barriga dela, soluçando.


Ficou tão surpresa que demorou para reagir. Afastou-lhe o rosto de si delicadamente, e afrouxou o abraço em suas pernas, deslizando para baixo, até que sentou no colo dele, e o abraçou. Ele enterrou o rosto na curva do pescoço dela, e chorou por muito tempo, enquanto ela lhe acariciava as costas, e sussurrava palavras de consolo.


Agarrado a ela, ele balbuciava "Eles estavam atrás de mim!" ou "A culpa foi minha!", e Gina sempre cortava, dizendo que graças a ele mais pessoas não ficaram feridas, e que Liam ia ficar bem.


Quando ele se acalmou, Gina finalmente percebeu como a posição em que estavam era íntima. Ele passava as mãos pelas costas dela, puxando-lhe o corpo para si. Ela não conseguia se afastar, mas ficou alarmada, quando ele roçou os lábios no seu pescoço.


- Harry... - falou num tom rouco, a muito custo conseguindo afastá-lo. Ele tinha o rosto um pouco inchado, os olhos sem óculos brilhavam, e ela não conseguiu refrear a onda de carinho que lhe invadiu o peito. Passou a mão pelo rosto dele; adorava o toque da barba por fazer na pele fina da ponta dos dedos e palma da mão. Ele fechou os olhos, deliciado com a carícia. - Harry... - falou num tom um pouco mais firme. - Porque V-Voldemort te persegue?


Harry tomou um susto tão grande, que se levantou de um salto. Gina conteve um grito e se pendurou no pescoço dele, que só então havia percebido que quase a jogara no chão, e puxou-lhe pela cintura, impedindo que se estabacasse.


Se a posição anterior era íntima, essa era quase um suplício para os dois; ela era uma cabeça menor que ele, mas estava com os rostos quase na mesma linha. Harry a mantinha segura pela cintura, os pés dela mal tocavam o chão, corpo encaixado ao dele, lábios quase se tocando.


Respirações em suspenso, Gina continuava segura à ele pelo pescoço, e podia ter permitido que o corpo tomasse o controle, beijando-o ali mesmo, mas não podia deixar o assunto "Voldemort" inacabado. Pigarreou e pediu que a pusesse no chão. Pedido atendido, voltou à pergunta.


- Quem te disse isso? - passou as mãos pela cabeça, nervoso, sem perceber que estava confirmando as suspeitas da ruiva.


- Você disse agora há pouco!


- Isso é golpe baixo! - irritou-se. - Usar o que uma pessoa lhe diz quando está desesperado.


- Eu não teria que fazer isso se você fosse sincero! - nem tentou se esquivar das acusações.


- Eu... - tentou começar a falar, mas nada lhe vinha à mente.


- E outra coisa! Eu não precisei que você me dissesse que ele estava atrás de você, porque, como o senhor "eu-posso-fazer-tudo-sozinho" não deve ter percebido, Mione e Rony também desconfiam, e desde o ano passado aliam o que acontece com você a acontecimentos que envolvem V-Voldemort e Comensais! Eu é que sempre achei essa história mirabolante demais! E também achei que, se fosse verdade, você teria confiado nos seus amigos!


- Mas eu não posso... -


- Não me venha com "não posso", Harry Potter! - interrompeu-o bruscamente, precisando de uma força descomunal para manter o tom de voz baixo. - Que você não confia em mim, é fato, e por mais que eu já tenha tentado mudar isso - a mágoa transpareceu na voz. -, não esperava que me contasse, mesmo... Mas os seus amigos precisam saber! Se você não fosse tão idiota e egoísta, talvez o que aconteceu hoje pudesse ter sido evitado.


A ruiva arquejava, com raiva. Ele não tinha argumentos, e tentava achar um que pusesse a baixo as acusações dela, mas não conseguia. Baixou os olhos, e ela se irritou mais ainda, virou-se e saiu, pisando duro, deixando-o lá com todo o peso do mundo nas costas.


* * * * * * * * *


Capítulo curtinho, eu sei, mas é pra ver se posto outro no fim de semana.


Obrigada pelos comments, votos e apoio! Bjos a todos! =D

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