Fantasmas do passado

Fantasmas do passado



Capítulo 13

FANTASMAS DO PASSADO

A primeira coisa foi a luz vindo das cortinas abertas. A segunda foi café da manhã na cama. A terceira Pansy massageando seus pés. Luz, café da manhã e massagem eram a causa de seu incrível bom humor.


Deixando de lado por hora a noite mal dormida e os pesadelos, Draco apreciou a mordomia, saboreando tudo que tinha direito.


- Nitsy pode trazer mais bolo se você quiser, Draquinho.


- E eu quero – sorriu, abocanhando a torta de frutas. – Quero também mais suco de abóbora. E bolachas... Mais mel não seria ruim. Café com leite é obrigatório para qualquer refeição antes do meio dia...


- Nitsy! – gritou Pansy – Venha cá já!


Em poucos segundos a elfa-doméstica do tamanho de gnomo de jardim vestida com trapos apareceu furtivamente, outra bandeja de comida em cima da cabeça chata. Pansy gritou com a criatura, berrando todos os pedidos de Draco. Nitsy, logo que a oportunidade surgiu, saiu correndo para longe do quarto em que os dois se encontravam.


Draco assistiu a cena com pouco interesse, seus olhos fixados nas torradas e bolachas na bandeja em seu colo. Lambeu os dedos cheios de geléia, sorrindo.


- Quais são seus planos para hoje, Draquinho? – perguntou Pansy, pulando na cama para mais perto dele. – Que tal ficarmos o dia inteiro na cama?


Draco revirou os olhos, passando manteiga em um pedaço de torrada apetitoso.


- Não. Tenho que agüentar o seu marido idiota hoje e Higgs também. Falaram qualquer coisa sobre uma reunião muito “importante”.


Pansy fungou, irritada. Draco podia simpatizar, também não estava muito animado com a possibilidade de ter que aturar por horas aqueles dois.


- Estava pensando em fazer uma festa. O que você acha? Reunir todos nossos colegas de Hogwarts, relembrar os bons tempos – sorriu Pansy, animada com a idéia de se mostrar para outros e contar vantagem.


Draco imaginou a cara de seus colegas ao vê-lo rico de novo. O choque deles em vê-lo bem e o medo do que seria capaz de fazer com eles depois que o traíram seria uma vingança bem-vinda. Por outro lado seriam muitas perguntas petulantes sobre sua vida e as notícias recentes. Sem contar que provavelmente boa parte deles estavam casados, ricos, com filhos para nascer e confortavelmente com seus parentes e amigos próximos fora de Azkaban e saudáveis. Uma lembrança do que Draco poderia ter se tivesse escolhido outro caminho.


Não, uma festa naquele momento seria inconveniente.


- Acho que é uma idéia estúpida – respondeu, ríspido. – Minha mãe está em St. Mungos, minha casa está cheia de poeira e teias de aranha. Sem falar que acabei de sair de Azkaban. Não quero festas.


- Mas Draco, você sempre adorou festas! – reclamou Pansy, surpresa pela resposta.


Quando essas eram oportunidades para mostrar sua superioridade, não quando representavam tudo o que tinha perdido.


- Não agora. Já basta agüentar Higgs e seu marido idiota. Outros imbecis só vão me irritar ainda mais.


A elfa-doméstica apareceu de novo, bandeja na cabeça e uma jarra de suco levitando atrás.


- Coisa imprestável! Onde estava?


Nitsy soltou um grito abafado ao ouvir a repreensão de Pansy, mas continuou seu caminho até a cama de Draco.


- Promete que pelo menos vai pensar no assunto um pouco mais, Draquinho? As coisas estavam tão chatas antes de você voltar, quero animação!


Era isso o que ele significava para Pansy, então. Uma distração, uma diversão para acabar com a vida cheia de tédio de casada. Pegou a jarra que flutuava bruscamente, fazendo a elfa-doméstica dar um gritinho e deixar a bandeja cair no chão.


- Nitsy! Limpe isso já! – gritou com sua voz estridente.


- Pansy, quer parar de gritar! Está me dando dor de cabeça – gritou, batendo a jarra contra a bandeja em seu colo, quase deixando o suco de abóbora dentro espirrar e molhar os lençóis de linho.


A elfa-doméstica e sua dona viraram para Draco, ambas surpresas.


- Mas Draquinho...


- Saia. Você e sua criatura idiota.


Pansy o olhou, ofendida, mas levantou da cama e junto com Nitsy deixou o quarto. Draco colocou a mão na testa, deixando um suspiro de alívio. Sua paciência limitada não agüentava mais a voz esganiçada daquela mulher. Todo o interesse que tinha por ela se perdeu depois de quase três anos em fuga.


Terminou seu café em silêncio, observando o céu azul na janela ao lado, raios de sol batendo em sua cama.


Pansy passou o resto da manhã lhe dando olhares feios e de braços cruzados. Foi um alívio finalmente deixar a mansão Nott, mesmo que significasse aturar Nott e Higgs.



- Então é isso.


Os dois assentiram.


- Ainda podemos nos comunicar por patronos – lembrou Hermione, abraçando Gina. – Se você precisar de qualquer coisa...


- Eu sei, obrigada Hermione.


- Gina, não arranje confusão. Só dessa vez – suplicou Rony, em sua vez de abraçá-la com força. – Fique quietinha, relaxe um pouco, tome um chocolate quente... Qualquer coisa.


- Sem promessas, Rony – sorriu Gina.


- Mas você vai pelo menos tentar, não?


- Talvez. Dormir no sótão da loja dos gêmeos não é algo muito relaxante, afinal.


Quando as despedidas terminaram os três ficaram em silêncio, parados na porta da frente, pensando exatamente a mesma coisa. Gina olhou para dentro da casa outra vez, sabendo que era inútil. Harry não desceria para se despedir. Ainda estava irritada com ele, então tentou não ficar afetada com isso.


- Isso é tão bobo – murmurou Hermione. – Não acredito que ele não vai se despedir de você. Não importa quantas vezes vocês brigaram por nada. Ninguém sabe por quanto tempo vamos ficar separados, podem ser meses...


- Está tudo bem, Hermione. Ele não vai sentir minha falta e...


Rony a interrompeu com uma curta risada amarga.


- Até parece. Ele vai ficar louco de saudades.


- Não, não vai – respondeu, irritada. – Se realmente pensasse assim então não me trataria como me trata. Nem eu nem ele vamos sentir falta um do outro.


- Gina... Não é verdade – falou calmamente Hermione.


- É sim. Ao contrário de certas pessoas, eu não minto – falou alto o bastante para que fosse ouvida dentro da casa.


Ambos Rony e Hermione balançaram suas cabeças mas felizmente preferiram mudar de assunto. Gina os abraçou mais uma vez e levitou suas malas. Os dois entraram na casa logo depois, fechando a porta.


A casa começou a desaparecer lentamente, Gina só teve tempo de levantar a cabeça e olhar as janelas do segundo andar, onde encontrou Harry a observando com rosto sério. Bateram os olhos rapidamente antes de ele se virar e fechar as cortinas.


Gina girou, encarando a rua de frente. A casa onde passou tanto tempo desapareceu atrás dela, dando lugar a um terreno baldio, o que todos que não pertenciam a Ordem viam em seu lugar. Agora ela também veria a mesma coisa.


Suspirou e com um crack desaparatou.



- Sr. Malfoy, o Ministro o verá agora.


Draco levantou da cadeira onde estava sentado pelos últimos dez minutos e, passando pela secretária com cara de sapo, entrou na sala de Terence Higgs.


Levou um pequeno susto logo que pisou no lugar. Um Ministro tradicional e sóbrio não teria coragem para retirar todos os quadros dos bruxos que sentaram naquela mesma cadeira anos atrás. As paredes estavam vazias, apenas o tom mais claro marcando onde anteriormente haviam pinturas penduradas. Um Ministro mais ortodoxo também não aceitaria um Comensal em sua sala, muito menos o libertaria, concluiu Draco, percebendo que não deveria ficar surpreso.


Terence Higgs engordara muito desde que saíra de Hogwarts, no segundo ano de Draco. A posição de apanhador geralmente pedia por um jogador fino, magro e leve para garantir velocidade. Era muito óbvio que Higgs desistira da carreira de Quadribol há muito tempo. Foi uma decisão esperta, afinal lhe rendera o posto mais importante do mundo mágico.


Higgs se levantou e ofereceu sua mão assim que Draco anunciou sua presença com um pigarro.


- Ah, Draco Malfoy! A lenda em pessoa. Bem vindo – sorriu falsamente Higgs, cumprimentado-o e depois indicando que se sentasse, fazendo o mesmo.


- Como um panaca como você conseguiu chegar a Ministro, hein, Higgs? – zombou enquanto sentava.


- Por quê? Quer umas dicas? – continuando a sorrir largamente. – Acredito que agradecimentos são necessários. Se não fosse por você a Ordem não estaria para ser capturada agora.


- O prazer foi meu – disse simplesmente, apesar de não conseguir deixar escapar um leve tom de ironia.


- E meu. Não é melhor quando todos nós trabalhamos juntos para o bem comum? – riu. – E pensar que eu queria seguir a carreira de Quadribol! Política é muito mais gratificante. Ouvi dizer que você também jogou um pouco em Hogwarts?


Draco apenas assentiu, mais interessado em apressar a conversa do que relembrar sua vida escolar. Higgs percebeu.


- Falando francamente, Draco...


- Malfoy – corrigiu secamente, Higgs o ignorou.


- ...Eu não te chamei aqui para conversa fiada. Assim que Nott atravessar aquela porta tudo que falarmos aqui é altamente confidencial, compreendeu? – disse, seu tom carregando levemente uma ameaça. – Não queremos que depois de todo nosso trabalho algo resolva estragar nossos planos.


- Não tenho nada a ganhar em falar para meio mundo que vocês estão pensando em acabar com san...


- Fico feliz que entende nossa situação – interrompeu, sério, o sorriso falso desaparecendo rapidamente do rosto.


- Só Nott vai aparecer? Nenhum outro velho amigo meu? – perguntou, sarcástico.


- Hoje não.


- Então quem está puxando as cordas aqui? – sorriu Draco, aproveitando a deixa para provocá-lo. – Nott parece bem confiante que é ele.


- O que ele acha ou deixa de achar não é minha preocupação – sorriu de volta Higgs. – Algumas pessoas se apegam a mentiras para fugir da realidade.


Draco não respondeu, a rixa entre aqueles dois não lhe interessava. Não tinha intenção alguma de entrar em qualquer que fosse o plano que tinham em mente. Agora só o que lhe interessava era retomar sua vida e megalomania não se incluída nela.


Nott apareceu alguns minutos depois, irritado como sempre. Parecia nascera com algo preso no traseiro.


- Você está atrasado, Nott.


- Azkaban não funciona sozinha, Higgs.


- Não é o que relatórios recentes dizem...


- Arranjem um quarto – interrompeu Draco. – Eu tenho pressa.


Nott olhou para ele, claramente não estava contente com sua presença não tão “importante” reunião.


- Ah, olá Draco. Vejo que finalmente tomou um banho. Espero que não tenha doído muito.


- Se vamos cooperar para fazer esse plano funcionar vocês dois terão que parar de se irritar – foi a vez de Higgs interromper. – Agora, sente-se Nott para finalmente começarmos essa reunião.


Relutantemente Nott obedeceu, ainda olhando irritado para Draco.


- Muito bem... Não sei o quanto você foi informado sobre a situação atual do mundo mágico mas saiba que as coisas mudaram um pouco desde que... Desde que você foi embora. Em primeiro lugar, depois que Voldemort foi derrotado as famílias tradicionalistas estão sendo vistas com apreensão. Não é tão fácil ser puro-sangue hoje em dia...


- E ainda assim você é Ministro – interviu Draco, irritado.


- Simplesmente porque eu não fiquei gritando minhas opiniões para meio mundo. O que as pessoas querem é segurança e certeza. Os últimos governos, como você bem sabe, foram um completo fracasso. A moral do Ministério está baixa. O bruxo comum prefere confiar em um grupo de loucos do que na minha autoridade. Felizmente, e em parte graças a você, isso está mudando.


- Eu fiz minha parte. Ainda estou esperando você fazer a sua – disse, não deixando passar a oportunidade de lembrá-lo de sua dívida.


- Sim, sua fortuna. Não se preocupe, está tudo sendo arranjando. A chave da sua mansão, se quiser, será entregue a você assim que sair dessa sala. O dinheiro e os documentos que lhe regularizam, porém, vão demorar mais algumas semanas.


- Não se esqueça que posso retirar tudo que falei para a imprensa.


Nott gargalhou.


- E voltar para Azkaban? Não sabia que você tinha gostado tanto de ser meu hóspede, Malfoy – riu.


- Não mais quanto gostaria de ver o Ministério se explicando por ter solto um Comensal culpado para que Potter fosse falsamente acusado. Não seria bom para a imagem do governo não é mesmo? – ironizou.


Ambos, Higgs e Nott, encararam-no, irritados.


- Três dias, Malfoy, e você terá sua herança de volta – retrucou Higgs. – Melhor?


- Muito – sorriu vitorioso.


- Ótimo, agora que passamos das ameaças de praxe... Me deixe iluminá-lo com minha visão. Sem Potter como concorrência, sem nenhum candidato com força o bastante para me tirar daqui, imagine as possibilidades...


- Ele não tem imaginação, Higgs. Como todos Comensais – interrompeu Nott.


- Vá se catar, Nott.


Higgs soltou um longo suspiro de cansaço, batendo os dedos contra sua mesa, impaciente.


- É muito irritante quando você interrompe meu discurso, Theodore. Estava chegando ao momentum e você o arruinou.


- Que tal se você deixasse o discurso pomposo para alguém que realmente caísse nele, Terence, nos poupando assim de perdemos tempo precioso com essa reunião ridícula? Malfoy claramente não compreende o que nós pretendemos fazer e não oferece nada de útil...


- E que tal se vocês dois calassem a boca e me escutassem? – falou alto Draco, irritado. Não deu chance para que os outros dois protestassem. – Seja lá que plano idiota vocês inventaram, por maior que for a recompensa em participar... Eu não tenho interesse. Leiam os meus lábios: Não tenho interesse. Vocês perderam seu tempo tentando me recrutar.


- Eu não disse? Draco Malfoy não tem visão. Não sabe o que é ser sutil.


- Dane-se o que você acha, Nott. Eu não vou entrar em uma fria outra vez. Aprendi minha lição. E vou estar de camarote vendo vocês aprenderem a de vocês.


- Está dizendo que não tem interesse em acabar com a influência dos trouxas no mundo mágico? Que não quer garantir o lugar de superioridade que nós merecemos? – perguntou, pasmo, Higgs, pego de surpresa pela negação tão feroz. – Não acredita mais...


- O que eu acredito ou deixo de acreditar não te interessa. Eu não acabei de recuperar a minha vida para jogar tudo fora em um plano louco de dois panacas brincando de conquistar o mundo. Não de novo.


- Você não falaria assim se soubesse o que queremos fazer. Não vai nem ouvir? – insistiu Higgs.


- Não precisamos dele! – exclamou Nott mais uma vez.


- Não vou ouvir – “Ou então poderia ficar tentado” pensou. – Assim não perco nem o seu ou o meu tempo.


- Então por que veio aqui? Se sabia...


- Não sabia mas percebi depois de toda essa ladainha – disse, levantando e saindo da sala. – Boa sorte para vocês e seus planos estúpidos. Vocês vão precisar.


Bateu a porta atrás de si. Que perda de tempo. “Duas horas da minha vida que não vou ter de volta”, pensou, irritado.


Higgs era o completo idiota que sempre imaginara e Nott estava mais irritado do que o costume, provavelmente por causa de Pansy.


Definitivamente aquele não estava sendo um bom dia. Uma pena, começara tão bem...



Gina abriu seu malão em cima da cama debaixo do beliche, olhando dentro com certo desgosto suas roupas empilhadas. Passara a manhã toda desempacotando coisas até o ponto que não havia mais espaço no sótão minúsculo, duas caixas tiveram que permanecer fechadas e foram encostadas no canto do quarto.


Estava começando a reconsiderar a idéia de continuar n’A Toca, fugitiva ou não.


Levitou as roupas para dentro do armário, a única peça da mobília além de um criado-mudo pequeno e do beliche. Terminado a arrumação, sentou na cama debaixo e colocou as mãos no queixo, os cotovelos em cima dos joelhos, inclinada para frente e quase batendo o rosto do armário.


Como tantas coisas haviam acontecido em um período tão curto de tempo? De repente sua vida mudou totalmente. E tudo culpa de Draco Malfoy.


Quem podia imaginar que uma semana antes Gina conversava com ele regularmente sobre os assuntos mais diversos, desde Quadribol até a história da família Black e Malfoy? Sem contar a falta de respostas sobre a memória na penseira, que ainda era uma incógnita para ela.


Uma semana antes podia jurar que estavam até começando a se entender... Por mais que noção de tal coisa fosse absurda.


Como Harry podia culpá-la de ter ido a St. Mungos? Se ele soubesse o quanto se sentiu mal com as mentiras de Malfoy... Mas principalmente tentava com todas as forças não se sentir responsável pelo o que tinha acontecido. Não saía de sua cabeça que se tivesse feito algo diferente Malfoy não teria feito o que fez.


A parte racional de Gina gritava para que parasse de pensar besteira. Era impossível que Malfoy não perdesse a oportunidade de sair de Azkaban. E ainda assim ela continuava a se sentir traída.


Nada podia ser mais frustrante e confuso do que se sentir assim. E se não bastasse ainda havia a questão de sua saída definitiva da Ordem e os constantes desentendimentos entre Harry e ela.


Quim mandara uma mensagem logo que entrara na loja dos gêmeos falando para que ela não voltasse ao Ministério até que a poeira baixasse nem oferecesse oportunidades para a imprensa colocar mais lenha na fogueira. Segundo ele havia uma investigação sendo feita por todo o Departamento para identificar qualquer funcionário que ajudara a Ordem. O que significava que o próprio Quim estava sendo alvo das atenções do Ministro. Seria difícil escapar daquela vez.


Oficialmente Gina Weasley estava de férias. Olhou ao seu redor. Eram as férias mais estranhas que já tivera.


Lembrando da última coisa que faltava fazer, abriu um pacote que Fred deixara em cima de uma das camas antes de voltar para a loja. Era de sua mãe e dentro havia o “básico” kit Molly Weasley: um suéter azul com a letra G, vários sanduíches de mortadela e uma carta com todas as recomendações, preocupações e desejos de boa sorte como de costume. Sentiu saudades imediatamente de sua casa e do passado, de todas as coisas felizes que passou. Guardou o suéter no armário já lotado e a carta em uma das duas gavetas do criado-mudo. Mas parou para contemplar os sanduíches por um momento.


Era um pouco estranho que dois pedaços de pão com mortadela a fizessem lembrar de Draco Malfoy. Entre tantas outras coisas para recordar era ele quem via. O seu olhar faminto, quase salivando, por um simples sanduíche, nunca seria esquecido.


Mas aparentemente Gina era única que se lembrava. Malfoy foi rápido ao se esquecer, pelo que parecia. Em St. Mungos voltara a ser o arrogante e estúpido fuinha que era em Hogwarts. Era pura ingenuidade dela, porém, esperar o contrário. Não era como se os dois tivessem ficados amigos ou algo parecido em Azkaban, afinal. Era ilógico sentir-se traída quando Malfoy nunca lhe prometera nada, muito menos amizade.


E por que ela desejava ser amiga dele, em primeiro lugar? Só porque o viu se contorcendo em uma memória não significava que ele fosse uma pessoa boa.


Talvez Gina não quisesse que fosse bom, apenas que fosse bom com ela.


Merlin, o que estava pensando?


Irritada, deixou os sanduíches dentro do pacote, prometendo que os daria para um dos gêmeos. Não estava com a mínima vontade de comer mortadela.


Entre Draco Malfoy e Harry Potter, Gina estava perdida. As duas pessoas mais improváveis ocupavam juntas a mente dela, atormentando seus pensamentos.


O último era não era menos complicado ou confuso. Devido a tudo que passaram juntos era frustrante perceber o quanto ela pouco compreendia a cabeça de Harry Potter. Há um tempo atrás jurava que o conhecia melhor que ele próprio, agora sabia que isso era mentira.


Mesmo tão diferentes os dois homens surtiam a mesma dúvida nela. Não os conhecia. Estava longe de entender e descobrir os segredos que guardavam. Teria Draco algum arrependimento debaixo de todo o orgulho e egoísmo? O que Harry realmente sentia, o que escondia atrás da fachada de herói e distância?


Era comum as pessoas falarem que mulheres sempre foram incompreensíveis mas homens não eram menos complicados.


Sem perceber, estava deitada na cama de barriga para cima, fixando os olhos na madeira da cama acima. Para passar o tempo, evitando pensar mais nos dois assuntos, resolveu descer e ver em que poderia ajudar os gêmeos na loja.


Antes que pudesse fazer isso, porém, uma raposa prateada familiar entrou pela pequena janela redonda do sótão. O patrono de Rony! Seu coração soltou um pulo, ansiedade e preocupação logo a dominando.



Quando o portão rangeu preguiçosamente, abrindo para seu dono por direito, Draco sabia que um coração em disparada seria apenas o começo. O familiar jardim, motivo de orgulho de sua mãe, agora estava apático e mal cuidado. Ou melhor, sofrendo pela falta de cuidado. Tudo crescera e se espalhara sem organização alguma, cobrindo muitas estátuas de folhagem e os caminhos de pedra desapareceram embaixo de folhas caídas. A antiga e gloriosa fonte principal não jorrava água mais, seca e suja.


Três anos haviam acabado com a glória do jardim Malfoy, sem o controle de jardineiros bem pagos as plantas tomaram conta, impulsionadas magicamente e pela falta de supervisão.


Devagar caminhou entre as árvores e arbustos, relutante em ver o estrago que decaíra pelo resto da propriedade e, principalmente, dentro da casa.


A chave dourada continuava firmemente em sua mão, a única coisa que o impulsionava a continuar seguindo até entrada da mansão. De longe nada parecia ter mudado, o prédio ainda retinha o ar imponente, como se fosse um velho rei que ainda inspirava admiração mesmo sem possuir poder verdadeiro.


A grande porta da frente abriu sozinha, sentindo a presença familiar de Draco e a chave em sua mão. Respirando fundo, entrou.


O Hall de Entrada lhe recebeu, mesmo que de forma seca. O mármore aos seus pés, antes reluzente, não passava de um cinza sem vida, o cheiro de mofo e pó invadiu suas narinas e o ar abafado o incomodou a ponto de obrigá-lo a tossir fracamente. Podia jurar, apesar de não ser muito possível, que viu nuvens de pó levantar quando andou pelo tapete que se alongava pelo hall subindo as duas escadas principais.


Havia tantos cômodos que queria rever, não sabia por qual começar. Decidiu ir até seu quarto, concluindo que seria onde encontraria menos lembranças depressivas. Subiu uma das escadas, desistindo de colocar a mão no corrimão, não querendo sujar as mãos de poeira. Tantas vezes sentou nos degraus daquela escada para ver escondidos pessoas que visitavam seus pais quando era menor e não podia ficar acordado muito tarde.


A cada passo era como se visse uma imagem dele próprio, mais novo, andando pela casa. Passou pela sala de estudos, sua porta aberta, e viu sua mãe lendo um livro sentada ao lado da lareira, enquanto ele atormentava o elfo-doméstico, Dobby, fazendo-o bater com a cabeça repetidamente no relógio antigo de seu avô, o que lhe garantia um olhar reprovador de sua mãe, que mandava Dobby bater em outra coisa menos cara ou preciosa.


Todos os quadros do corredor longo que dava aos quartos estavam cobertos e Draco podia ouvir alguns poucos roncando. Não tinha pressa em tirar os pesados panos brancos e encarar seus ancestrais e seus olhares reprovadores. Poucos teriam paciência ou tolerância para a atual situação de seu herdeiro.


Finalmente abriu a porta de seu quarto, encontrando toda sua mobília coberta pelos mesmos panos brancos. Sentia como se tivesse em uma casa fantasma, seus ocupantes há muito tempo mortos. Não estava longe da verdade.


Retirou um dos panos de sua cama de quatro postes, poeira dessa vez claramente levantando. Não satisfeito, tirou uma a uma todas as cobertas de cada móvel do quarto. Mesmo depois, a sensação assombrada não diminuiu. Abriu a porta de seu armário e sentiu-se mal ao ver todas suas antigas roupas ainda exatamente onde havia as deixado. Eram as peças que menos gostava, suas favoritas estavam perdidas definitivamente, deixadas em Hogwarts no quarto da Sonserina. Fechou o armário, não querendo mais encarar para aquele pedaço de seu passado, congelado no tempo.


Encontrou do lado seu baú, onde estava tudo seu que era mais precioso. A maioria de seus livros de Artes das Trevas e sobre Poções, álbuns de fotos e brinquedos antigos continuavam intactos lá, cobertos de poeira. Não resistiu e abriu “Maldições Imperdoáveis – Um Estudo Completo”, folheando as folhas amareladas em um misto de amargura e saudades, porém o largou rapidamente, vendo outro livro. “História das Famílias Tradicionais Mágicas”, edição especial e limitada, presente de seu pai no seu nono aniversário. Não precisou olhar no índice, abrindo exatamente no capítulo que passou anos lendo e relendo: “A Linhagem Malfoy”. Seu lado Black às vezes era esquecido, a família de seu pai sempre foi motivo de mais curiosidade.


Encarou a primeira página do capítulo por um ou dois minutos antes de colocá-lo de volta dentro do baú e o fechar com força.


O quarto ainda estava sombrio demais e faltava algo para que voltasse a ser seu quarto e não o de um estranho. Percebeu que o cômodo não via luz em três anos e abriu a grande janela com um certo esforço, o trinco estava começando a emperrar.


Logo que a luz banhou o quarto e ele viu a paisagem percebeu que cometera um erro. Tinha se esquecido completamente o que cresceu observando por aquela janela.


Como grande parte das famílias mais tradicionais mágicas os Malfoy enterravam seus membros da família em mausoléus em sua propriedade. No caso em mausoléu não tão distante da mansão, no jardim atrás do prédio. Sua janela possuía uma vista “privilegiada” da construção sinistra.


O que restava de seu pai estava lá.


Rapidamente fechou as cortinas verdes grossas, tampando a vista e tossindo, sua garganta incomodada com toda a poeira sendo espalhada no ar.


Quem sabe... Quem sabe não deveria vender aquela mansão...


Passou a mão no cabelo loiro, sabendo muito bem que nunca venderia sua casa. Muitas memórias ruins podiam estar impregnadas ali mas Draco estava determinado deixar fantasmas para trás e reviver o nome Malfoy e toda a tradição que envolvia. E o nome Black também, que fora jogado ao lixo por Voldemort e Potter.


Faria uma de suas prioridades recuperar Grimmauld Place, com certeza o testamento do traidor Sirius Black não podia ser válido e com Higgs como Ministro as coisas podiam de repente favorecê-lo... Potter não podia ficar com a mansão (se ele já não tivesse se livrado dela, vivendo em Godric’s Hollow), era uma desgraça para a família Black.


Durante o resto do dia fez de sua tarefa retirar de todos os móveis os panos que os cobriam por toda a casa. Isso lhe garantiu distração suficiente para não pensar no que o aguardava no jardim atrás da mansão.


Quando chegou o fim da tarde percebeu que não havia almoçado e que os quartos que restavam não poderia entrar sem se sentir mal. Passara longe do quarto de seus pais e do escritório de seu pai, não pretendendo entrar em nenhum dos dois lugares sem companhia ou muita bebida afetando seu cérebro.


Cansado do ar abafado e do silêncio inquietante, saiu pela porta da cozinha e foi para o corujal. Pegasus, sua coruja majestosa marrom, não estava mais lá, nem as outras corujas da família. Ao invés encontrou o lugar vazio, como tudo ali.


Pareciam séculos desde que sua mãe o chamou perto da entrada daquele mesmo lugar, avisando-o que ele não iria para Durmstrang, e sim Hogwarts. Fazia realmente nove anos?


Percebeu que o sol desapareceria em breve. Não podia mais evitar, era melhor ir até lá agora, antes que escurecesse. Não precisava ficar muito, apenas o bastante para dizer a si mesmo que teve coragem.


Seguiu para o mausoléu, o estomago vazio dando voltas.



Gina passou o dia inteiro discutindo sozinha, debatendo o que deveria fazer. Se era certo, errado, estúpido, estranho ou completamente insano o que pretendia.


Era capaz que, de tanto andar de um lado para o outro, fizesse o chão desabar. Perdeu a conta de quantas vezes bateu o pé ou o braço na cama que insistia em ficar em seu caminho. Só percebeu que falava alto sozinha quando George bateu na porta do quarto, perguntando se estava com algum namorado lá dentro sem avisá-los. Depois disso tentou tomar mais cuidado.


Tudo por causa de Draco Malfoy, de novo. O que aquele infeliz queria fazer com ela? Por que de repente se via cada vez mais em situações que a forçavam encará-lo?


A mensagem do patrono de Rony continuava a se repetir em sua mente. Hermione pediu que avisasse Gina de algo que tinha percebido. Se Hermione estivesse certa, o que ela sempre estava, Draco Malfoy era o alvo mais provável de um novo ataque de Bellatrix.


Era irônico que justo o que lhe trouxe liberdade seria a razão de sua provável e dolorosa morte. Gina tinha certeza que Bellatrix não deixaria passar a “traição” de Malfoy, era impossível que não tivesse visto a notícia da primeira página.


Rony tinha dito que os dois acharam que ela teria interesse em saber e pediram que passasse essa informação para Quim, sem saber que estava praticamente proibida disso devido às investigações em seu departamento.


E, claro, suplicaram para que ela não fizesse nada sobre o assunto. O que era muito ingênuo da parte deles, não podiam sinceramente acreditar que ficaria parada com Bellatrix tão próxima de ser capturada?


E isso não tinha relação nenhuma com o fato que estava com uma pitada de preocupação... Não, nenhuma.


Passou a tarde considerando se ir atrás de Malfoy para avisá-lo do perigo era ridículo, insano ou o certo a fazer. Acabou concluindo que era as três coisas ao mesmo tempo.


Assim não se arriscava, por mais tentador que fosse, a se expor mais ainda tentando capturar Bellatrix e ao mesmo tempo aliviaria sua consciência (não preocupação...) avisando Malfoy. E se ele não lhe desse ouvidos, o que provavelmente aconteceria, não seria sua culpa.


Agora só precisava achar o infeliz e conjurar coragem suficiente para sair daquele sótão.



Draco encarou a placa prateada, sem perceber que suas mãos tremiam. As palavras em relevo eram simples e concisas. Um nome, data de nascimento e de morte. Todas as outras do lado daquela placa possuíam títulos importantes e mensagens descrevendo grandes feitos e qualidades.


Mas não podia reclamar, pelo menos o tinham enterrado junto com sua família, como a tradição que tanto prezava. Era mais do que Draco faria por um inimigo.


Estava começando a ficar frio, a noite trazendo uma ventania gelada. Uma perfeita desculpa para ir embora daquele lugar e voltar para a mansão Nott.


Infelizmente aquele dia estava destinado a ser imensamente ruim.


Sentiu a ponta de uma varinha em seu pescoço.


- Olá sobrinho querido. Sentiu minha falta?


Foi tudo que ouviu antes de perder a consciência, xingando sua má sorte.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.