Ratos, ruivas e varinhas

Ratos, ruivas e varinhas



Capítulo 2 – Ratos, ruivas e varinhas


Mansão Malfoy

Julho – 1997

O som dos talhares de prata cortando suavemente a carne no prato de louça francesa e a respiração quase inaudível e constante quebravam o silêncio da mesa de jantar Malfoy.

Os dois únicos membros da família comiam calmamente e nada pareceria fora do lugar se não fosse por um detalhe.

Havia um lugar vazio, uma cadeira sem dono.

A sua frente a comida estava servida, vinho no copo e talheres esperando para serem usados. Mas não seriam.

Era ridículo, sua mãe estava agindo como se nada estivesse acontecendo. Isso o enfurecia, porque muita coisa estava acontecendo.

O elfo-doméstico apareceu na porta da sala de jantar, seus pés imundos pisando de leve no tapete persa e se aproximando da cadeira vazia.

Colocando-se na ponta dos pés ele alcançou o prato intocado, fazendo um movimento para pagá-lo e coloca-lo em sua bandeja.

- Deixe onde está. – a voz de sua mãe o advertiu – Saia.

Como se tivesse sido atingido por um raio o criado se retirou rapidamente, quase tropeçando em seus próprios passos. Repugnante.

Quando estavam a sós mais uma vez, Draco não conseguiu se segurar mais.

Sua mãe estava ficando louca! Ignorava completamente a falta de seu pai. Ao contrário dele que a sentia com um ódio intenso louco para explodir.

- Isso é ridículo! Ele não está aqui para comer! Não finja que não aconteceu nada!

- Abaixe sua voz. Estamos jantando.

Draco se levantou, batendo o punho na mesa de madeira nobre.

- Pro inferno se você acha que vou abaixar a minha voz! Ninguém vai tirar ele de lá? O lorde das trevas – sua voz era sarcástica – não vai ajudar o fiel servo?!

- Não ouse faltar com respeito com Lord Voldemort – o tom da mãe era perigoso. – E sente-se, onde pensa que está?

- Na minha casa, jantando com a minha mãe insana! – ele gritou – Que serve comida para um fantasma! Não acredito que você simplesmente está parada ai! Meu pai está na maldita Azkaban e ninguém faz nada para tirar ele de lá!?

- É cedo ainda. Sente-se e faça silêncio! Não tolero esse comportamento infantil.

- Não! Eu não vou sentar! Não vou ficar quieto! Você sabe o que eu tive que agüentar em Hogwarts? Potter estava lá todo feliz! Comemorando a vitória dele! E não posso fazer nada porque aquela porcaria de lugar é um antro de fãs do Dumbledore! Eu achava que a gente estava do lado vencedor, mãe.

- Se você duvida disso, não merece estar servindo Voldemort.

Um tapa, foi como levar um tapa.

Ela estava duvidando da lealdade dele? Ele nunca ia trair Lorde Voldemort. Muito menos seu pai.

- Pela última vez, Draco, sente-se. Se quiser ouvir uma explicação, faça isso.

Ele obedeceu.

- Seu pai falhou.

- Não! Ele...

- Não me interrompa. – a voz dela estava começando a perder sua frieza, dando lugar à impaciência e secura. – Ele não serviu o lorde das trevas como devia. A profecia está perdida. A arma está com o inimigo, mais uma vez. E por isso, ele ficará em Azkaban até que Lord Voldemort decida o contrário. Um novo plano será traçado e não irá falhar. Sua iniciação continuará como o planejado e você vai continuar seu sexto ano em Hogwarts. Agora pare de fazer perguntas inconvenientes, aqui não é o lugar para isso. As paredes têm ouvidos.

Draco parou de falar.

Depois de alguns momentos em silêncio os dois voltaram a jantar em uma falsa calma.

Os olhos frios dele de vez em quando se voltando para a cadeira vazia de seu pai.


Draco olhou para o prato em sua frente, nojo crescendo a cada minuto. Um ovo com gema esverdeada, um pedaço de pão velho e uma cerveja amanteigada da semana passada.

Esse era seu café da manhã. E o pior de tudo é que ele não estava revoltado com isso, comida ruim virara rotina.

Ele sentiu uma ânsia de vomito subir até a sua garganta. Infelizmente ela não tinha nada a ver com a refeição que ele agora se preparava para comer.

Aquela odiosa mulher passava suas mãos engorduradas e sujas no cabelo dele. Seu lindo cabelo loiro. Certo, ultimamente não estava tão lindo, mais para sujo e molhado...De qualquer forma, a mão dela “massageando” (mais para unhando) seu coro cabeludo não ajudava em nada na tarefa árdua de aproximar o pedaço de ovo verde da sua boca.

Por mal ou por bem, ele parou o movimento. Alguém se aproximava de sua mesa e ele duvidava que era para tira-lo desse aperto.

É nessas horas que Draco tinha certeza que Merlin estava contra ele.

Ultimamente o velho mago não parecia ter interesse em dar uma mãozinha amiga para o ex-filho abastado da Sonserina, nada estava dando certo em sua vida.

- Ora, ora. Se não é Draco Malfoy. Que coincidência encontrar você nesse lugar tão cheio de ratos. Pensando melhor, não é coincidência alguma. Ratos atraem mais ratos.

Ele não tinha idéia alguma de quem era aquela garota infeliz, mas sabia de cara que ela não era flor que se cheire...Nenhuma flor decente cheira a suor e shampoo barato.

Até o momento Draco estava com seu rosto abaixado, encarando seu prato e segurando um garfo com o pedaço de ovo que ele pretendia comer. Agora ele era forçado a levantar o olhar e considerar quais eram as chances dele sair correndo dali sem ser pego na tentativa.

A garota de pé na frente de sua mesa era pálida (o que era ruim, porque significava que ela não era uma local), rosto básico e corpo sem graça. Apenas uma característica era chamativa: cabelos ruivos. E isso bastava para confirmar que Draco estava cada vez mais atolado em bosta de camelo.

Para irrita-lo mais ainda ela brincava ridiculamente com sua varinha, a passando entre os dedos da mão direita como se fosse uma pena. Fazia isso rápido demais para ele focar seu olho na direção em que a varinha apontava. Devia haver leis contra esse tipo de brincadeira. É muito engraçado até que alguém perde um olho. E esse alguém ia ser ele, é claro.

A múmia que sentava no seu colo olhava a ruiva como se ela fosse insana (o que Draco não duvidava que fosse verdade), parecia ofendida com a insinuação de que haveria ratos em seu estabelecimento.

O que seria muito engraçado se não fosse muito triste, já que ele comia ali. Há alguns minutos antes ele jurava que ouviu ela gritando para o cozinheiro matar uma ratazana “do tamanho do nariz da Esfinge.”

- Quem você pensa que é, mocinha? Esse é um bar respeitável.

A ruiva deu uma risada e Draco aproveitou para abaixar fora da vista dela sua mão livre, delicadamente ele a colocou dentro do bolso de seu casaco, atrás da sua varinha.

Enquanto isso a conversa entre as duas bruxas continuava.

- Está vendo aquilo ali? - Quishabe indicou com a mão livre, que não passava no cabelo de Draco, uma placa com os dizeres “Não é permitido varinhas” em inglês. Na verdade estava escrito “Não é permitido quereres”, mas se lido dentro do contexto... – Essas coisas aí não podem entrar aqui, benzinho!

Draco revirou os olhos para cima. Não só ele como a ruiva também tinham certeza que todos os bruxos mal encarados e feios que estavam ali continuavam com suas varinhas bem prontas para serem usadas.

Nem mesmo o gordo com cara de mamão que estava sentado sozinho em uma mesa perto da porta, fingindo que dormia, seria estúpido o suficiente para não ter sua varinha em um bar cheio de bruxos de reputação duvidosa e que não tomavam banho há algumas semanas. Só o cheiro bastava para deixar o nervo de qualquer um à flor da pele.

- Escuta, minha senhora...Eu tenho autoriza – a ruiva foi interrompida por um berro.

- Senhora?! Você me chamou de senhora? Está dizendo que eu sou uma velha? Sua idiotinha!

“Imagina...Você é tão novinha...Uma múmia de 200 mil anos invejaria as suas rugas, sua velhoca.” Ele pensou, mas desta vez segurou sua língua, era mais interessante que as duas continuassem a discutir, dava tempo para ele pegar a sua varinha e sair da...

Draco tateou seu bolso, sem encontrar nada.

“Merlin, você me odeia tanto assim?”

Suor escorreu de sua testa oleosa. Maldito calor.

Ele precisava ficar calmo...Ia dar tudo certo. Provavelmente não colocou a mão no lugar correto...Em pouco tempo ele teria sua varinha, estuporaria a ruiva e ia sair pela porta da frente como se...

Ele tateou novamente, agora mais desesperado. Vazio!

Como podia ser? Ele tinha certeza que estava lá!

Pânico agora já era notado em seu rosto.

Mais uma busca resultou em uma conclusão terrível: a droga do bolso estava furado. Sua mão esquelética passou pelo buraco no pano velho e deu direto com ar.

Um furo do tamanho da bunda da Pansy!

Era isso que dava usar roupa de pobre.

- O que eu estava falando é que eu tenho autorização. Auror inglesa, entendeu? Agora será que você não se importa de calar a boca e me deixar recolher o lixo?

- Sua...!

- Cala boca, Quishabe. – interrompeu Draco.

A cara chupada da mulher se virou para o loiro, um sorriso medonho abrindo em seus lábios berebentos.

- Fala de novo, macaquinho! Eu adoro quando você fala manso comigo!

Mais uma vez a mão dela unhou as maçãs do rosto de Draco, o obrigando a fazer um bico.

Ele pode ver que a ruiva se divertia com a miséria que ele passava. Ela segurava uma risada.

- Acha engraçado isso, é? – ele perguntou, no tom mais ameaçador que conseguia sem sua varinha em mãos e com sua boca espremida pelos dedos da múmia.

- Com certeza. Eu chamo de justiça poética, na verdade – ela riu.

Draco perdera a paciência. Ele nunca a teve, falando a verdade. Mas agora nem um café da manhã de reis valia a pena passar aquela humilhação por mais tempo.

Que seu estomago que se danasse. Ele duvidava que ia conseguir comer, de qualquer jeito. Pelo o que parecia teria sorte se conseguisse escapar ileso dali. E de preferência sem uma passagem só de ida para Azkaban. Fome era o último de seus problemas.

Ele empurrou Quishabe para o chão, tirando o peso, infelizmente, vivo de seu colo. A velha tombou com o traseiro enrugado e cheio de estrias (Draco teve calafrios quando percebeu que de alguma forma sabia disso) fazendo um barulho considerável.

Ignorando as exclamações de “Macaquinho inglês feio! Você sabe que eu tenho um bumbuzinho delicado!” ele encarou a ruiva, com a melhor cara mascarada que pode.

Ele precisaria blefar muito bem se quisesse convencer a auror que ele tinha uma varinha.

- O que você quer comigo?

- Eu não quero nada. A Inglaterra sim. Draco Malfoy você está preso. – ela disse calmamente, ainda passando sua varinha de dedo em dedo. – Você tem o direito de calar a boca, me poupando de ouvir sua ladainha e qualquer porcaria que você falar vai ser, definitivamente, usada contra você. Várias e dolorosas vezes.

- Qual a acusação?

Ele sabia muito bem qual era, mas precisava enrolar para poder pensar em algo. Qualquer coisa que o salvasse de anos em Azkaban.

- A lista varia de “rico esnobe” até “assassinato”. Não vou gastar meu tempo com isso. Levante as mãos para onde eu possa vê-las.

- Eu não acho que você gostaria disso. – mais um blefe.

Ele estava ficando desesperado agora.

Todos esses meses para nada? Todos aqueles esconderijos nojentos e sujos para ser pego ali, agora? Depois de tanto esforço e sacrifício ia acabar seus dias infernais em Azkaban?

- Por quê? Você por acaso tem uma varinha escondida na manga? – ela levantou sua sobrancelha ruiva com um sorriso.

- Quem sabe?

- Eu sei. – ela parou de brincar com a varinha. – Você está desarmado.

- Você está pronta para apostar a sua vida nisso?

- Claro. A menos que você tenha conseguido criar uma nova por mágica, eu estou com a sua varinha.

Draco arregalou os olhos e os fixou na varinha que ela utilizava como brinquedo há poucos segundos atrás. Reconheceu o cabo imediatamente.

A única coisa que restava de sua velha vida. Quando a comprou aos onze anos de idade no Olivaras, ficou decepcionado com a aparência normal dela e convenceu seu pai a deixa-la mais única. Agora em seu cabo marrom havia o nome “Draco Malfoy” gravado em prata.

“Maldita ruiva”

- Achei ela bem ali – ela apontou para um ponto qualquer no chão do bar. – Devia cuidar melhor dela.

Ela fez um movimento rápido e com a outra mão retirou sua própria varinha do bolso da calça trouxa que usava. Apontando as duas na direção do loiro.

Draco considerou a possibilidade de mudar de tática. Acabar com a hostilidade e buscar outros caminhos. Caminhos que talvez não fossem tão familiares para ele, mas novamente: sobreviver hoje, lamentar amanhã.

Ele levantou as mãos, mostrando que aceitava a derrota, temporariamente pelo menos.

- Você ficou um pouquinho inteligente, Malfoy. Parabéns. Agora levante daí e venha até mim, devagar.

Ele obedeceu, raiva sendo segurada pelo fato que sua varinha estava mais próxima de seu alcance. Mais alguns centímetros ele ia recupera-la.

Os seres esfarrapados que estavam no bar observavam o evento com o máximo interesse que um bando de bêbados era capaz. Se uns estavam apenas acordando de uma noite de perdição alcoólica, outros acabavam de começar a beber, prontos para fazer o mesmo no dia seguinte.

O plano era simples: chegar perto, partir para cima da garota, recuperar a varinha e sair correndo para bem longe dali. Fácil.

Ele pensou que era pelo menos. A execução foi mais complicada do que previra.

A questão era que ela manteve a varinha apontada para ele todo o tempo e quando mais ele se aproximava mais aquela ponta de madeira fazia sua testa suar.

Era nessas horas que trastes analfabetos como Crabbe e Goyle faziam falta. Eles davam bons escudos para feitiços chatos.

Draco Malfoy não era um covarde. Ele só não apreciava dor, pelo menos não quando era ele quem sofria. Então ele não estava exatamente ansioso para colocar seu plano em ação.

Ele considerou a possibilidade de tentar usar o velho charme Malfoy na ruiva. Mas era esse o problema, ela era ruiva.

E ele tinha uma leve impressão que, se sua memória não estivesse errada, o lacaio do Potter tinha uma irmã ruiva. O que deixava claro que mesmo se ele estivesse pintado de ouro ela não ia cair na dele.

Restava então algumas opções menos dignas...Do tipo “Estou apontando porque tem alguma coisa muito feia e grande atrás de você, então vire-se para que eu possa fugir daqui”, “ops, preciso amarrar o cadarço do meu sapato e depois te dar uma rasteira” ou então “sou tão desastrado quanto o Longbottom, vou tropeçar e cair em cima de você enquanto pego minha varinha, não repare, por favor”.

Nenhuma delas foi usada. Não houve tempo.

De repente ele ouviu a voz horrenda de Jasmine dando um berro. A ruiva e ele se viraram para ver o que se tratava. Quishabe ainda estava caída no chão quando um rato gigante apareceu e subiu na sua barriga. Ela ficou desesperada e gritou, levantando rápido e correndo que nem uma louca na direção da ruiva.

A trombada foi digna de uma foto.

A ruiva ficou tão surpresa com o grito, que ficou parada até que era tarde demais. Caiu dura no chão com a velha múmia em cima dela e o rato no cabelo.

Draco deu uma risada e pegou sua varinha que ela tinha largado no chão.

Ia pegar a varinha da ruiva, quando essa chutou Quishabe para longe com um xingamento. Draco desistiu do movimento preferindo correr para a saída.

Estava gargalhando de felicidade quando se aproximou da porta.

Talvez por isso não percebeu quando um homem ruivo (malditos ruivos) alto parou na frente dele, o impedindo de sair.

- Olá, você deve ser Malfoy, não é? Eu sou Gui e esse é o meu punho, diga olá para ele.

Foi a última coisa que ele ouviu antes de cair inconsciente no chão.


Não é permitido quereres: Em inglês varinha é wand, e querer é want. Portanto a placa teria errado no d. Eu ia fazer algo com varinhas mesmo, seria narinas, mas...Eu sou chata, hahaha.

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