Caminhos separados

Caminhos separados



Resumo do cap. anterior – Harry tortura Belatrix. Dumbledore se dispõe a enfrentar o rapaz se ele persistir na idéia de vingança. Mas é Gina quem o desarma. O espírito maligno procura persuadir Harry a aceitar o poder de Voldemort. Mas Gina é capturada pelos Comensais, obrigando o rapaz a negociar com Lúcio Malfoy a entrega de Belatrix e a vida da garota em troca da varinha de Voldemort. Lúcio e Zarkis lutam pela varinha e o orc aniquila o bruxo. Harry retoma o objeto e faz com que Zarkis afunde no rio. O espírito maligno volta a se insinuar, dando a entender que o rapaz se tornará tão forte que poderá fazer qualquer coisa, inclusive ressuscitar os mortos. Mas Harry se recusa a receber o poder de Voldemort. O ser sem rosto decide, então, destruir o que resta de Nephasta. Belatrix aproveita a confusão e rapta Petúnia. O rapaz parte em sua perseguição. Gina o impede de destruir a Comensal. Belatrix, ao mirar em Harry, acerta a tia e a mata, fugindo em seguida e aumentando o ódio do bruxo. Eles escapam da destruição provocada pelo rio Flama e resgatam também Snape e Hermione. A cidade é lacrada. E Harry, obstinado, diz a Dumbledore que nada, nem ninguém é mais importante do que sua vingança. Gina o escuta, mas se cala. De volta à Toca, Harry, transtornado e magoado, se prepara para partir. Discute com Dumbledore e Snape, porém é convencido a alterar seus planos. McKinley se oferece como professor do programa de ensino à distância para aurores. Rony se oferece como seu assistente. Os três ficarão inencontráveis e se manterão afastado de todos. Gina sobe para seu quarto, numa tentativa de combater a tristeza de ver que Harry a detesta por tê-lo impedido de se vingar. Ele a culpa indiretamente pela morte da tia. Os dois brigam. Harry diz que ela deve jogar no lixo o pingente que representava o que sentiam um pelo outro. Ofendida, Gina faz o que ele pede, mesmo sofrendo com isso. Harry faz o mesmo. Ela se retira e ele pensa que jamais poderá ser feliz. No entanto, resgasta os dois pingentes. Harry parte junto com Rony e McKinley rumo ao desconhecido.








Thelonius McKinley iluminou o caminho no meio do nada. Estava escuro e a única coisa que era possível enxergar sob a fraca luz das varinhas era uma trilha de pedregulhos. A garoa não fez com que o bruxo acelerasse os passos.

- Impervius! Ah, melhor assim. Não seria nada agradável chegar à casa de Mestre Lao com as roupas molhadas.

- Mestre Lao? – estranhou Rony, fechando a capa para se abrigar do frio. – Brrrrrr. Onde estamos para estar esse gelo?

- No interior da China. É uma região montanhosa. Por isso, está frio. Mestre Lao é um velho conhecido meu. Alvo não o conhece muito bem, mas sabe de quem se trata.

- Então eu estava certo. Dumbledore tem idéia de onde vim parar – disse Harry, com mau humor.

- Não. Ele não sabe. E isto é sério, Harry: não tenho o hábito de mentir. Acontece que Alvo conhece de nome todos os grandes bruxos dos nossos tempos. Aqui, na China, temos Mestre Lao. Se der, vocês conhecerão outros. Bom, voltando ao Mestre Lao, ele não é um sujeito de falar muito. O que é bom já que este lugar é um tanto isolado. Mas não desanimem, jovens. Com algumas horas de caminhada, chega-se a uma cidadezinha bem simples. Os moradores pensam que Mestre Lao é um velho fazendeiro e um estudioso da arte da esgrima.

- Mestre Lao utiliza algum feitiço de ilusão para que os moradores não saibam quem ele é? – perguntou o ruivo.

- Não. Ele quase nunca utiliza a magia quando está fora de sua propriedade. Pelo que eu saiba, ultimamente ele recorreu mais à magia para cultivar hortaliças e legumes e cuidar de suas criações do que para outra coisa. Afinal, ele é um homem velho e praticamente cego.

- Ah é? E o que nós viemos fazer aqui? Aprender a cultivar cenouras?

McKinley riu da pergunta de Rony.

- Seria interessante. Não é qualquer bruxo que faz as cenouras crescerem saudáveis e saborosas. É preciso dominar a magia certa. Provavelmente, vocês se dariam melhor nisso se usassem o método trouxa. Mas não se preocupe, senhor Weasley. Há muitas coisas que Mestre Lao pode ensinar.

- Já que estamos só nós três, professor, o senhor pode nos chamar pelo primeiro nome. Fica melhor.

- Ok. Abandonemos o formalismo. Mas o Mestre Lao será sempre Mestre Lao para vocês. Certo, rapazes?

- Ouvi alguém me chamar – disse uma voz serena vinda da escuridão.

Aceleraram o passo e logo se viram diante de um homenzinho que usava vestes cinzentas e um chapéu comprido e largo. O bigode fino e branco e uma barbicha comprida e cor de neve se destacavam no rosto magro.

- Ora, ora, Mestre Lao. Veio nos receber?

- Eu imaginava que viria daqui a dois dias, sir McKinley. Mas quando senti que havia gente estranha perto da propriedade, resolvi investigar.

- Sir? O senhor nunca nos contou que é sir... – começou Rony, espantado.

- São coisas da vida, Rony. Como vai, Mestre?

- Eu vou bem, obrigado. Mas aqui fora está frio. Vamos para casa – e começou a andar rapidamente pela trilha, sendo seguido pelos demais e ouvindo os passos com atenção. - Sir McKinley, pensei também que estaria acompanhado de apenas um rapaz. Não de dois.

- Como sabe que são dois? – perguntou Rony.

- Tenho um bom ouvido, meu jovem. Chegamos.

Com um gesto, Lao fez uma porta de madeira bastante gasta se abrir, dando passagem para a entrada de sua fazenda. Caminharam mais alguns minutos por um chão batido e finalmente chegaram a uma casa iluminada apenas por lanternas. Era espaçosa e pouco luxuosa. O mestre chinês ofereceu um prato de sopa como jantar, o que foi aceito de imediato por McKinley e Rony. Harry ainda não abrira a boca.

- Sopa e uma boa cama são tudo o que eu preciso nesta noite. Vivemos muitas aventuras hoje, meu caro – comentou McKinley.

- Terá a tranqüilidade desejada. Aqui é um lugar esquecido – disse Lao, servindo também chá para seus convidados. - Para ser sincero, apenas soube que algo importante aconteceu hoje porque o velho dragão me avisou. Ele pressentiu a mudança e soltou duas longas baforadas. Dragões são animais sensíveis demais.

- Dragões? Tenho um irmão que se especializou em dragões. O senhor tem um dragão?

- Eu não tenho um dragão. Conheço um. O mesmo que me tornou quase cego. Ele vive numa caverna aqui perto.

- Se o senhor sabe onde esse dragão vive, por que não vai até ele para acabar com quem quase te deixou cego?

- Ah, finalmente ouço sua voz, Harry Potter – sorriu Lao. E sorveu um pouco de chá.

- O senhor nunca pensou em destruir o dragão? – insistiu.

– Uma vez. Eu era jovem e tolo quando invadi a caverna desse dragão. Meu pai já se referia a ele como uma criatura lendária, dotada de grandes poderes mágicos. Ninguém se atrevia a se aproximar do lugar e eu, na minha coragem estúpida, resolvi provar que era melhor do que todos os meus colegas. Entrei na caverna, desarmei as armadilhas criadas pelo dragão, venci os feitiços de ilusão e quando me aproximei, armado com minha espada e disposto a acabar com a vida daquela criatura, ele apenas lançou uma baforada sobre meu rosto. Por pouco, meus olhos não secaram por inteiro. Tive de voltar rastejando pelo chão. Embora me achasse um tanto ignorante e orgulhoso, o dragão tinha poupado minha vida porque me achou habilidoso e destemido. Viu algum futuro em mim. Anos depois, retornei à caverna e passei pelas mesmas armadilhas. Quando fiquei diante dele, simplesmente ofereci minha espada. Não podia mais enxergar como antes, mas isso me obrigara a desenvolver outras qualidades. O dragão, então, passou a me respeitar. Lançou suas chamas sobre minha espada, tornando-a poderosa. As fagulhas que saíram de minha espada me atingiram e eu adquiri uma visão diferente. Posso ver os contornos das pessoas, a aura que cada um carrega. Isso é muito útil. Principalmente quando encontro alguém com mau humor.

- Aura é um conceito que eu não domino – disse Harry, após alguns minutos de silêncio.

- Poucos dominam e menos ainda podem colocar o conhecimento em prática – respondeu o bruxo, fazendo sinal para um gato que acabara de entrar na sala miando. O felino meneou a cauda e o homem falou algo numa língua que os rapazes não compreenderam.

- Ah, voltou a ter discípulos? – perguntou McKinley. – Fazia muito que não tinha, não é mesmo?!

- Admirável como, passados tantos anos, ainda se lembra da língua.

- O professor McKinley pode se lembrar e entender. Só que nós não sabemos nada e estamos completamente por fora – interrompeu Rony, mergulhando o último pedaço de pão no que restava da sopa em seu prato. Logo se arrependeu do gesto. Uma garota apareceu e o encarou como se nunca tivesse visto alguém com cabelos vermelhos. Atrás dela, um rapaz com uma expressão serena.

- Senhores, estes são meus alunos: Jin Leung e Mei Lin. Jin é meu sobrinho-neto e veio de Hong Kong. Fala inglês muito bem. Mei é descendente de uma tradicional família chinesa destas redondezas. Se quiserem se comunicar com ela, sugiro que o façam por meio de Jin ou por meu intermédio. Mei se recusa a falar inglês.

- Ora e por quê? – inquiriu Rony, ficando de pé para cumprimentar os jovens. Estendeu a mão. – Muito prazer. Meu nome é Ronald Weasley. Mas podem me chamar de Rony.

A garota olhou para a mão dele com desconfiança. Encarou-o mais uma vez e fez uma ligeira reverência com a cabeça. Jin tratou de se apresentar rapidamente, apertando a mão estendida com força.

- Não se aborreçam com Mei. Seu avô foi morto por Você-Sabe-Quem anos atrás. Por isso, ela não gosta de ingleses. Eu já disse a ela que isso tem de mudar. Mas esta garota é muito orgulhosa.

- Como algumas que eu conheço – murmurou o bruxo de cabelos pretos. – Oi. Eu sou Harry Potter.

- Nós sabemos. Mestre Lao nos avisou de sua chegada. Ficamos honrados com a sua presença. Ainda mais agora que você derrotou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. O dragão avisou Mestre Lao que tinha acontecido algo extraordinário. E o mestre procurou informações. Soubemos há pouco da novidade. Estou muito feliz com o fim da guerra. Mei também, só que parece que ela ficou um pouco decepcionada. Mei planejava desafiar Você-Sabe-Quem. Essa foi a razão de ela ter insistido para entrar aqui e aprender a ser auror com meu tio-avô. São poucos os que ele aprova como discípulos.

- Eu ainda não sei bem o que farei aqui. Pensei que seria preparado apenas por McKinley – confessou Harry.

Mestre Lao sorriu.

- Não se preocupe. Conversarei agora com sir McKinley para definir os detalhes do programa. Agora é hora de descansar. Jin e Mei, levem os rapazes para seus quartos.

Mei imediatamente se virou em direção aos dormitórios e seguiu andando sem olhar para trás.

- Parece que ela entendeu – surpreendeu-se Rony.

- E entendeu. Mei apenas não quer falar inglês. Ela sabe muitas coisas – respondeu Jin, fazendo com que os jovens seguissem a moça.

Quando ficaram a sós, Lao dirigiu-se para McKinley.

- Imagino que a batalha contra Voldemort tenha sido muito dura.

- Foi. Por pouco Alvo Dumbledore não sucumbe. Se isso tivesse acontecido, eu não sei. Talvez tivéssemos perdido Harry também.

- O rapaz não está bem. Vi a aura dele, McKinley. Há um desequilíbrio grande de energia.

- Nós... já... desconfiávamos disso – disfarçou o escocês. Tinha recomendações expressas de não revelar a segunda profecia. E não revelaria.

- Desenvolva o que tiver de desenvolver nele, meu amigo. Mas de nada vai adiantar se ele não buscar o equilíbrio. Há ódio demais em seu espírito. E todos sabemos que os sentimentos negativos intoxicam a alma. Harry teve contato forte com energias muito más. Sua aura está impregnada.

- Ele sempre foi um bom rapaz. Não pode estar tão ruim assim.

- Já pensaram em levá-lo para o Labirinto?

- Nesse estado? Seria um desastre.

- Muito bem. Eu vou ajudá-lo a buscar o equilíbrio. Mas se depois de um ano isso não melhorar, não sei o que poderei fazer.

- Tenho fé no seu método, Mestre Lao – disse, fazendo uma reverência.

- Tenha fé em seu pupilo, sir McKinley. É o que posso recomendar agora – respondeu Lao, abaixando a cabeça de modo respeitoso.







*****







Gina Weasley mordeu os lábios. Pela enésima vez sua mãe lhe dava uma bronca por não terminar o prato.

- Acho bom a senhorita voltar a se alimentar direito. Já faz um tempo que seu irmão se foi e isso não justifica essa falta de apetite, mocinha. Suas aulas em Hogwarts logo vão começar e não vou permitir que você saia daqui nesse estado.

- Mãe, não exagere. No calor, eu sempre perco a fome – rebateu, plenamente consciente de que a falta de apetite se devia ao fim de sua relação com Harry.

Desde que ele se fora, sua melancolia só aumentava. De vez em quando, olhava para o cesto de latão de seu quarto, lamentando ter lançado um fogo encantado para fazer desaparecer completamente os pingentes que tinham dividido como símbolo do amor que nutriam. Outras horas, sua atenção recaía sobre o ponteiro que mostrava antes onde Harry estava. Nada restara em sua casa que tivesse a marca dele.

- Menina, está distraída? Já te disse que é bom se apressar para comprar os livros. Há dias que venho te falando para ir logo ao Beco Diagonal pegar o material. Ou você quer que eu faça isso por você?

- Não! Eu quero comprar meus livros. Muitas colegas minhas se viram sozinhas.

- E inclusive aparatam, não é mesmo? – comentou a senhora Weasley, fazendo uma cara brava.

Gina ficou vermelha. Por ter aparatado sem autorização, recebera uma notificação do Ministério da Magia que a proibia de aparatar naquele ano, apesar de em breve a garota atingir a idade mínima necessária. Era o castigo que teria de cumprir por ter infringido a regra.

- Eu já expliquei mil vezes. Ou eu aparatava ou hoje não teríamos o Harry entre nós.

Pronunciar o nome dele causou-lhe uma certa angústia. “Preciso parar com isso. Preciso parar de pensar no Harry”, refletiu, enquanto pegava o pote de pó de flu. Já estava com um punhado na mão quando ouviu sua mãe chamá-la.

- Ah, querida. Tome este dinheiro extra. Não é muito, mas ele é suficiente para você comprar uma roupa nova. Você merece depois de tudo que fez e, ahn, agora vai começar a sobrar algum trocado para a gente fazer economia. Com o Rony bancando o curso dele, seu pai não precisa se apertar tanto – sorriu, vexada.

- Mãe, não precisa!

- Faço questão. Você é a única Weasley em gerações. Já que antes não pude te dar nada melhor, que seja a partir de agora. Escolha algo bem bonito!

A garota se sentiu feliz por alguns segundos. Mas logo suspirou. “Agora que eu posso me arrumar melhor, o Harry não está”. Jogou o pó de flu, tomando o cuidado de reservar um pouco para a volta. Rapidamente surgiu no Beco Diagonal. Com a costa das mãos, limpou o rosto da fuligem e seguiu direto para a Floreios e Borrões. Depois de ter comprado os livros, procurou o restante do material que necessitava. Não estava entusiasmada. Tinha a impressão de que o coração encolhera de tamanho e que nada mais poderia alegrá-la como no passado. Pensou em Hogwarts sem Harry, Rony e Mione. “No final, sobrei”, murmurou enquanto examinava algumas penas e tinteiros. Não havia notado que um par de olhos cinzentos seguia seus movimentos.

Finda a compra, Gina se viu parada diante de uma loja de roupas, a Novelos Encantados. Tempos atrás desejara ardentemente ter dinheiro para poder adquirir alguma peça nova naquele lugar, e não no brechó bruxo. Desta vez, sentia-se desapontada. “Esse pequeno luxo veio tarde demais”, pensou, pegando um vestido vermelho que pôs em frente do corpo para se mirar num espelho. Virou-se um lado para o outro, examinando-se. Estava indecisa se tinha aprovado o visual ou não. Verificou a etiqueta para conferir o preço e tomou um susto.

- Ficou bom. Pode levar.

Gina voltou a cabeça e deu de cara com Draco Malfoy. Ele estava apoiado numa coluna de modo displicente. Tinha cortado os cabelos platinados e usava gel para arrepiá-los, dando um ar moderno ao rosto. A garota notou que ele exibia um pequenino brinco de brilhante na orelha. Vestia uma camiseta preta simples e uma calça escura ligeiramente larga.

- Obrigada. Mas realmente não estou precisando de um vestido vermelho.

- É uma pena porque ele ficou perfeito em você.

- Não pode ter certeza. Eu nem provei a roupa – e partiu para outro lado da loja.

Pegou uma camisa branca sem grandes detalhes. Achou discreta e bonita, porém não gostou do preço. “Muita coisa para uma camisa que não tem nada”, espantou-se. Em seguida, encontrou uma calça jeans que parecia bastante confortável. “Nossa, onde estão com a cabeça para colocar um valor desses? Coitada da minha mãe. Ela acha que esse dinheiro dá para comprar roupas chiques”, refletiu depois de percorrer a loja. Discretamente, olhou para trás e se chocou de ver Draco parado quase do mesmo jeito que estava antes. “Por que ele não compra o que precisa e vai embora de uma vez”, lastimou-se. De repente, notou uma prateleira lotada de camisetas. Escolheu uma que tinha um gatinho que se lambia constantemente. Lembrou-se do Bichento e decidiu levá-la. Entrou na fila do caixa e sentiu que o rapaz veio em seu encalço.

- Quer ajuda com suas compras?

- Você está trabalhando na loja? – rebateu Gina.

- Estou falando do material de Hogwarts. Deve estar pesado.

- Sim, está. Não tinha notado – e usou a varinha para carregar os livros. – Valeu!

Gina deu as costas para Draco. Reparou que em sua frente estava uma família abarrotada de compras: a mãe carregando peças, as crianças rindo alto e o pai preocupado com o tamanho da despesa. “Pai é sempre pai”, pensou e teria comentado isso com Draco se ele fosse seu amigo. Então, recordou-se de Lúcio Malfoy caindo devido ao golpe de Zarkis. Arrependeu-se de não ter sido mais simpática com o rapaz. Compreendeu, em seguida, o motivo de o jovem estar inteiramente vestido de negro. Virou-se de novo.

- Eu... não sei o que dizer... o seu pai...

- Você viu tudo, não é?!

- Gostaria de não ter visto. Na hora, pensei em você.

- Pensou em mim?

- Sim. Imaginei o quanto você sentiria a morte dele – respondeu. Estava sendo sincera. Empalideceu um pouco lembrando dos horrores daquele dia.

- Por que você pensou em mim?

- Por causa disso que acabei de falar. A morte dele foi terrível. Ninguém merece aquilo, mesmo sendo um Comensal – disse com convicção.

Draco mergulhou fundo nos olhos de Gina, que ficou intimidada.

- Li tudo o que saiu no Profeta Diário. Ele fez mesmo que uma serpente te engolisse?

- Não quero me lembrar disso! Seu pai foi muito mau. Só que não vou ficar falando disso. Não pretendo ser indelicada.

- Não esquente. Eu apenas quero dizer que gostaria de te compensar por tudo que meu pai te fez passar.

- Isso não tem jeito, Draco. Melhor esquecer.

- Se você permitir, eu posso descobrir um jeito.

Gina ficou vermelha. Não sabia se entendera direito.

- Você está com pressa? Pode passar na minha frente. Acho que vou dar uma olhada por aí... – começou.

- Não faço compras nesta loja. Entrei aqui porque te vi entrando.

- Ah, claro. Você deve abastecer seu guarda-roupa numa loja mais bacana em Londres – brincou com uma pitada de sarcasmo.

- E também em Paris e Milão.

- Não precisa humilhar.

- Quer que eu esconda a verdade para te deixar mais à vontade? E, para ser franco, só faço compras lá porque esse é o hábito da minha família. Ultimamente, não ligo para nada disso. Ando muito ocupado.

- Espero que esteja ocupado com algo importante de verdade.

- Estou. Tenho de tocar todos os negócios da família. Minha mãe ficou arrasada com a morte do meu pai. E mais arrasada ainda porque nem o corpo dele nós pudemos enterrar. Então, ela não tem condições psicológicas de cuidar de nada. Agora, eu sou o chefe da família.

- Olha, a gente não teve meios de recuperar o corpo de ninguém mais e...

- Não foi uma crítica, Gina. Eu disse que li o Profeta Diário. E também tive a chance de ler uma cópia do relatório de Dumbledore apresentado ao Ministério da Magia. Ele foi bem detalhista. Ah, parabéns por ter se saído tão bem no trabalho de resgate.

A mulher do caixa pegou a peça de Gina e conferiu o preço em voz alta. A garota ficou sem jeito por estar perto de Draco e entregou rapidamente o dinheiro. Recolheu a sacola e tratou de se despedir.

- Quem merece os parabéns é o Harry. Ele livrou o mundo de Voldemort.

- E partiu para uma temporada de descanso, como disse o Profeta Diário, não é?! Sabe para onde ele foi?

- Não tenho idéia – respondeu, desconfiada, sentindo que a caixa estava interessada na história. - Se é isso que queria saber desde o início por que não perguntou logo?

- Estou pouco me lixando para o destino do Potter.

- Você é quem diz. Agora eu vou. Tchau.

- Até breve, Gina.

A ruiva estranhou a resposta, porém resolveu não esclarecê-la. Saiu apressada. Draco virou-se para a caixa e pediu que ela separasse as peças que Gina tinha visto antes. Levaria todas, como presente.







*****







Rony bateu à porta de Harry. E ela se abriu quase no mesmo instante. O rapaz esfregava as mãos.

- Bom dia. Hora de levantar! As manhãs são sempre frias aqui, mas já estou começando a me acostumar. Espero que você também.

- Cara, por que todos esses dias você veio até o meu quarto me acordar? Não confia em despertador?

- Não se esqueça que aqui eu sou ajudante do McKinley. Eu tenho de me assegurar que você vai se encontrar com Mestre Lao diariamente às 7h30.

- Arre, por que não larga de ser teimoso e me deixa pagar pelo programa para você? Assim, você não tinha de ser ajudante. Ok, seu orgulhoso, pára de balançar a cabeça. Não vou insistir mais. Mas vou continuar reclamando: o curso não precisava ser tão cedo. Depois que tudo acaba, a gente fica mesmo trancado aqui, sem nada para fazer.

- Como sem nada? A gente tem de praticar. O Jin e a garota muda estão muito avançados. Eu me sinto um desastre com a espada.

- Fale por você. Tenho a impressão de estar me saindo muito bem. Também não entendo esse negócio de usar espadas em vez de varinhas – resmungou Harry, enquanto trocava o pijama.

- É a tradição chinesa. Nós preferimos varinhas. Eles, espadas. E tenha dó. Não reclama. A sua varinha se transfigurou na espada mais fantástica que eu já vi na vida. Muito mais bonita do que a espada de Godric Griffindor.

Harry vestiu uma jaqueta leve. E teve de concordar. Quando transfigurou sua varinha, surgiu uma espada de lâmina tão reluzente que poderia usá-la para ofuscar um adversário num dia de muito sol. No meio dela, dois delicados veios brancos e em forma de raio se estendiam da ponta ao cabo, que era totalmente branco. A varinha de Rony se transformara numa espada mais pesada do que a de Harry e apresentava uma empunhadura com desenhos vermelhos. A lâmina era simples, sem veios, nem tracejados, nem uma simples figurinha. “Simplória, como eu”, divertira-se o ruivo no dia em que tinham aprendido a modificar o formato da varinha.

- Estou pronto.

- Vê se come um pouco desta vez. Até hoje você não se alimentou direito.

- Rony, você é o ajudante do McKinley. Não a sua mãe!

- Não comece a rir de mim. Este é o meu primeiro emprego. Quero fazer justiça ao meu salário.

Os rapazes cumprimentaram todos à mesa. Eram os últimos a chegar para o café da manhã. McKinley saudou os jovens enquanto se servia de uma fatia de pão. Lao observou que a manhã estava bonita. E Mei apenas levantou os olhos para Harry e Rony como resposta. Estavam na metade da refeição, quando Harry resolveu fazer uma pergunta ao professor chinês.

- O senhor falou no primeiro dia sobre a arte da espada. É curioso. Toda vez que uso a minha, sinto como se ela me guiasse. Estou aprendendo as técnicas somente a agora, mas é como se a espada se movesse por conta própria. Parece que ela está no automático. Se for assim, onde está a arte?

- Não se esqueça que a espada é a sua varinha. Você é um bruxo muito poderoso, Harry. Sabe tirar o melhor proveito do seu dom. Tem bons reflexos pela prática do quadribol. Sua espada não se move sozinha. Você a guia, sem perceber, seguindo seus instintos. Por isso tem se saído bem.

- Se tudo correr rápido do que jeito que está correndo, talvez eu possa sair logo atrás de Belatrix Lestrange – observou com uma expressão dura no rosto. E completou com a voz rouca. – É atrás dela que estou. Nada me interessa mais do que saber o paradeiro dessa maldita.

Mei moveu lentamente seu rosto para a direção dele. Harry sentiu-se observado e lançou um olhar desafiador para a garota.

- Deseja dizer alguma coisa?

A jovem sorriu levemente. Dirigiu-se a Jin e em seguida se levantou, sustentando o olhar desafiador de Harry.

- Hummm, isso não é bom – comentou Jin.

- O que foi? – perguntou Rony, curioso.

- Mei desafia Harry para um duelo agora, antes da aula. Ela disse que pode enfrentá-lo com uma venda nos olhos.

- Para que isso? E eu não estou pronto para desafios. Ela domina a técnica. Vocês estão acostumados com a espada – rebateu Harry.

- Mas Mei vai estar com uma venda – disse McKinley sorvendo um último gole de chá. – Creio que ela se aborreceu com o que você disse a respeito de “tudo estar correndo rápido”.

- Eu não quis ser arrogante. Por Merlin, vocês sabem que eu não sou arrogante – respondeu, olhando para McKinley e Rony.

- E quem consegue entender o que se passa na cabeça de uma garota? – emendou o ruivo.

- Engraçadinho. Você está se divertindo com isso.

- Pelo menos você vai dar um agito na manhã – riu o rapaz. E desculpou-se na seqüência. – Ahn, perdão, Mestre Lao.

- Às vezes, Mei é temperamental. Pode ser uma lição importante para ela, caso perca – afirmou o chinês, fazendo com que a louça do café da manhã desaparecesse.

Ainda relutante, Harry se levantou. Os outros fizeram o mesmo. O rapaz puxou Rony pelo braço e lhe deu uma bronca por tirar sarro numa hora tão pouco apropriada. “Foi você que bancou o bonzão. Humildade, Harry, humildade”, debochou. A conversa foi ouvida pelos dois professores.

- E se Harry perder? – perguntou McKinley em voz baixa.

- Ficará com o orgulho ferido. Mas isso também pode ser uma lição importante. Ah, em horas como essa sinto falta da minha visão. Terei de acompanhar tudo de ouvido. O que não será complicado, dado o fato de Harry fazer muitos ruídos enquanto se movimenta. Em geral, as pessoas se esquecem que temos outros sentidos. Mas Mei se lembrará disso.

- Com o tempo, Harry vai perceber que a gente tem de enxergar além do que os olhos podem ver.

Quando chegaram ao pátio, Mei terminava de amarrar a venda em seus olhos. O grosso pano negro realçou a alvura da pele da jovem. Era uma bela moça. Harry se aproximou com a mão apoiada no cabo da espada.

- Olha, se preferir, aceite minhas desculpas pelo que disse. Da próxima vez, não vou falar mais do que a boca.

Mei sacou a espada e respondeu em sua língua. Jin tratou de repassar o recado.

- Ela disse que aceitará as desculpas depois do desafio.

O primeiro movimento foi dela. Correu até Harry e desferiu o primeiro golpe que ele rebateu sem dificuldade. Com um giro do corpo, desferiu o segundo. O rapaz o conteve mais uma vez, sem grande esforço. Mei, então, moveu a lâmina fina de sua espada para cima e para baixo, tentando acertá-lo. Harry conseguiu evitar os toques, porém teve de suar a camisa. Percebeu que a velocidade dos movimentos dela aumentava. Recuou um passo. Ela parou repentinamente. E sorriu. Aquilo o irritou. “Se está pensando que me acovardei, aqui vai”, disse para si. Desceu o braço, mirando o ombro da chinesa. Mei ergueu sua espada no mesmo segundo, amparando o golpe. Quando as lâminas se chocaram, a energia dispendida pela espada de Harry foi maior do que a de Mei. A garota foi obrigada a saltar para trás e ainda assim foi atingida pelo segundo movimento do bruxo, um toque ligeiro que poderia feri-la caso as armas não estivessem sob o feitiço de treinamento, que tornava cego o fio da lâmina. Confiante, Harry avançou com um passo largo da perna direita, imaginando que atingiria a adversária no peito. Mei, entretanto, se deslocou suavemente para um lado e afastou a lâmina reluzente com sua espada num gesto que obrigou Harry a girar o braço para baixo. Ele tentou acertar as pernas da garota, mas ela pulou com agilidade. A espada do jovem passou por baixo dela como se fosse uma corda de pular. Mal tocou os pés no solo, Mei ganhou impulso, girou no ar e atingiu com a lâmina reta as costas de Harry. Usara tanta força que ele foi empurrado para frente. Assim que se virou para contra-atacar, Mei estendeu sua espada e fez com que ela deslizasse pelo peito do rapaz, fazendo a ponta subir até encontrar o queixo do bruxo. Ficaram em silêncio por tempo curto. A moça retirou a venda e, antes de se afastar, murmurou algo incompreensível para os jovens ingleses.

- Ela falou que suas desculpas foram aceitas – disse Mestre Lao, serenamente, empunhando seu cajado. – Rapazes, dentro de cinco minutos eu vejo os senhores no jardim.

Harry sentiu-se humilhado. Assim que os professores se retiraram, desabafou.

- Pelo visto, ainda tenho muito que aprender aqui.

- Mas você se saiu bem para um novato - ponderou Jin. – Provavelmente, eu não teria nem tocado nela se estivesse nas suas condições.

- Fale o que quiser, meu caro. Eu estou absolutamente impressionado com essa garota – assombrou-se Rony, arqueando as sobrancelhas. E tratou de puxar Harry para se apressarem para a aula.







*****







Luna Lovegood atravessou o salão e se sentou ao lado de Gina. O horário do almoço terminava e a garota ruiva ainda estava parada diante dos pratos.

- Você vai continuar enrolando ou vai começar a comer? Faz dias que está sem fome. O que está acontecendo?

- Falta de apetite – forçou.

- Ou falta do irmão? Se for isso, melhor se conformar. Eu sei que é a primeira vez que você fica totalmente sozinha, sem ninguém da família por perto. Mas não é ruim ficar sozinha de vez em quando. Agora, coma.

- Engraçado, né?! O Rony come muito sempre. Os elfos domésticos devem estar sentindo falta dele.

- Eu também sinto. Só que vou ter de me conformar. Como você disse que ele não quer saber de mais nada além do curso de auror, resolvi não escrever.

- É. O Rony está incomunicável – disse, disfarçando. Não podia contar às pessoas o que seu irmão e Harry estavam fazendo. Para todos os efeitos, Rony tinha entrado no curso de auror. Harry saira em viagem de férias e avaliação da vida depois do fim de Voldemort.

- Será que ele não vai escrever nem mesmo no dia do aniversário da caçulinha? – perguntou Luna, sorrindo.

- Duvido. O Rony já tinha deixado um presente para mim. Ele está obcecado mesmo com esse negócio de auror.

- O que ele te deu?

- Hum. Foi... ah! Aquela camiseta com um gatinho que gosta de tomar banho e tirar uma soneca – mentiu. “Preciso lembrar dos detalhes das histórias que fico inventando. Senão, uma hora vou me perder”, pensou.

- Sei. Aquela da Novelos. É bonitinha. Ei, tem uma coruja se aproximando. Não parece ser a da sua família.

- Não sei de quem é – respondeu, vendo uma ave de porte médio e de penas cinzentas pousando sobre a mesa e provocando uma confusão com o pacote que carregava e os pratos do almoço. Alguns alunos se levantaram para observar melhor a cena. Gina tratou de organizar a bagunça rapidamente.

- Tem um bilhetinho. Mas isso você lê depois de abrir o pacote! – falou entusiasmada.

Gina pegou o pacote, morrendo de curiosidade. Abriu a caixa e dentro viu o vestido vermelho, a blusa branca e a calça que tinha visto na Novelos. Estranhou. Quem poderia ter mandado? Uma garota do último ano da Sonserina soltou um risinho debochado.

- Eu conheço essa coruja. É a que trazia os pacotes da família Malfoy para o Draco. Ele sempre recebia doces, presentinhos. Você viu o Draco esses dias? Talvez ele não tenha gostado das suas roupas e tenha decidido fazer um ato de caridade.

- Que desagradável você é, garota! Tudo isso porque o Harry destruiu o Voldemort? Não suporta ver o triunfo de alguém da Grifinória, não? – rebateu Luna.

- Você é muito sem-noção, Loony* – provocou. – Eu não tenho nada a ver com Você-Sabe-Quem.

- E também não tem a ver com os Malfoy. Pensa que eu não sei que você andou atrás do Draco um tempão e que ele nem te deu bola?! Enquanto isso, a minha amiga recebe presentes dele – alfinetou.

Gina ficou escarlate. Puxou o bilhete preso à pata da coruja cinzenta. Era uma letra regular, masculina. “Oi, Gina. Hoje é seu aniversário. Como já sabia disso antes, comprei estas peças que te chamaram a atenção naquele dia que te encontrei. Aceite esse meu presente. E que tal um convite para tomar chá comigo nesta tarde? Descobri que vocês estão liberados para passear por Hogsmeade. Então, se estiver disposta a me acompanhar, vou te esperar na cidade. Mande a resposta pela coruja o mais cedo possível, por favor. Obrigado. Parabéns! Draco Malfoy. P.S.: ficaria feliz se usasse uma dessas roupas”.

- Não pode ser do Draco. O que ele ia querer com... ela? – perguntou em voz alta outra aluna da Sonserina.

- É dele sim. Lamento, meninas – retrucou Gina, ainda vermelha, mas com vontade de azedar o humor das sonserinas. – Mas não desaninem. O Draco apenas foi gentil porque hoje é meu aniversário. Ah, ele disse que estará em Hogsmeade. Tratem de caprichar e aí quem sabe vocês atraem a atenção dele.

- Perto de você, querida, a gente não precisa caprichar – sibilou a primeira garota.

- Claro. Com licença que eu tenho de subir para cortar os pulsos – ironizou a ruiva, recolhendo seus presentes e o bilhete.

Luna seguiu em seu encalço. E a coruja também. Piava esperando pela resposta. “O que ela quer?”, perguntou a amiga. Sem graça, Gina contou dos planos de Draco, em detalhes.

- Ora, escreve logo que você vai. Use o vestido vermelho.

- Nãoooo! Eu não quero me encontrar com ele.

- Por que? O Draco mudou de um ano para cá e, se você aparecer com ele, aquelas meninas vão ter de engolir um sapão.

- É a única parte bacana nessa história. Porque eu não estou nada interessada no Draco.

- Evidente. Ele não é o Harry.

Gina parou no meio do caminho. Encarou Luna sem conseguir achar uma resposta decente. Gaguejou um pouco até se acalmar. A coruja voava sobre sua cabeça.

- E... E... o que isso tem a ver? Vo-você tem cada idéia! Vou confirmar logo esse encontro para te fazer ficar quieta – resmungou. – Mas ai de você se me abandonar. Você vai comigo e volta comigo!







*****







Rony recolheu sua espada e a aguardou no estojo que ficava pendurado em sua cintura. Desde que tinha chegado à fazenda de Mestre Lao, alternava as roupas que trouxera com algumas vestimentas que trocara com Jin. Tivera de ajustá-las porque dos três rapazes ele era o maior e mais forte.

- E aí, Harry? Vai fazer outro passeio pela montanha com o Mestre Lao?

- Esta noite não. Sabe, todas as vezes que a gente sai para andar fico com a esperança de que ele vai me mostrar a caverna do velho dragão. Mas ele nem toca no assunto.

- Bom, então, que tal visitarmos a aldeia que fica aqui perto? O Jin já me convidou algumas vezes e eu nunca tive pique para aceitar. Vamos lá. Você está com uma cara meio desanimada hoje.

- Sério? Não tinha notado – murmurou. Sabia claramente que estava baqueado. Não tinha esquecido que dia era aquele. Mas estava se esforçando para tirar Gina da cabeça.

- A gente vai ter de ir a cavalo. Dá uma certa caminhada até lá. Tô ansioso para ver umas caras diferentes.

- Nós vamos ser as caras diferentes. Você com esse cabelo. E eu, bom, e eu como eu. Pelo menos aqui ninguém me conhece.

Rony afastou dos olhos uma mecha ruiva. A cabeleira estava comprida e ele tinha de fazer um rabo de cavalo durante as práticas com Mestre Lao. Mas alguns fios se soltavam sempre. Quando parava para arrumá-los durante o treinamento, em geral Mei deixava escapar uns risinhos. A garota tentava esconder isso de todo jeito, sem sucesso. Ao pensar nisso, Rony lembrou-se de outra garota. Uma que, provavelmente, iria repreendê-lo pelo desleixo.

- Que engraçado estarmos só nós dois aqui. Se a Mione estivesse junto com a gente, acho que teria tomado um monte de broncas por dia.

- Pode ser. Ela tem uma certa mania de pegar no seu pé. Por que será? – perguntou num tom debochado.

- Eu sei lá – respondeu com sinceridade. – Ah, vamos mudar de assunto. Uma coisa que me incomoda um pouco nesse nosso exílio é a falta de comunicação. Eu entendo que a gente precisa disso. Mas tem hora que é um saco. Hoje é aniversário da Gina e eu queria mandar uma coruja para minha irmãzinha. Cara, ela foi tão incrível naquele dia em Nephasta que eu queria poder mandar um abraço, um beijo, desejar parabéns...

- É. Mas a gente não pode – replicou com voz áspera. Não queria pensar nisso.

O amigo fez uma careta.

- Como eu queria que você parasse de ter raiva da Gina – desabafou.

- Eu?

- É, Harry. Eu já saquei que toda vez que eu começo a falar dela, você se irrita, muda de assunto. Cara, você tem de entender que a Gina não quis te atrapalhar naquele lance da Belatrix. Tenho certeza que ela seguiu a intuição dela.

- Qualquer coisa que ela tenha seguido, foi ruim. Ela agiu contra mim, mesmo sabendo dos meus planos. Eu teria vingado a morte do Sirius e a do Hagrid, minha tia ainda estaria viva, não haveria mais esse perigo dos Comensais e eu poderia levar minha vida como quisesse, sem ter de me esconder. Percebeu as conseqüências do que sua irmã fez? Se tudo tivesse acabado ali, em Nephasta, eu teria uma vida normal e hoje poderia sair com alguém, passar uma noite fantástica com essa pessoa e quem sabe até poderia pensar em casar e ter filhos. Agora, não. Todas essas possibilidades estão longe de mim. Que tal? Quero ver como você se sentiria na minha situação.

- Ok. Entendi. Vê se você se acalma. Não pretendia te irritar. Desse jeito, você nem vai querer descer até a vila...

- Engano seu. Eu topo. Até daqui a pouco – disse, guardando a espada que estivera em sua mão o tempo todo, branca e brilhante como a lua que começava a sair.







*****







Gina se sentia nervosa. “Ridículo passar por isso”, recriminou-se enquanto notava, espantada, o quanto estava tensa. Recusou-se a vestir as roupas dadas por Draco. Pelo contrário. Decidiu pegar sua calça jeans mais surrada e desbotada e usar a camiseta mais simples que tinha. Botou o tênis que costumava calçar quando treinava quadribol. Estava limpo, mas dava para imaginar que já tinha sido melhor no passado. E saiu para se encontrar com Luna no portão de Hogwarts. A amiga tinha caprichado mais. Na opinião dela mesma. Apareceu com um vestido roxo tão largo que lhe dava um ar de gravidez. Além disso, calçava sandálias douradas de tiras compridas que se cruzavam na perna.

- Que achou do meu visual Diana Caçadora?

- Err... se a deusa usasse vestidos roxos em vez de túnicas brancas, diria que está perfeito – disfarçou.

- É que eu quero que minha roupa combine com meu batom. Ei, você não passou nada no rosto. Tô vendo que não se arrumou para o encontro com o Draco! Quer meu batom emprestado?

- Não! E isso não é um encontro. É mais um cala-boca para aquelas idiotas da Sonserina.

- Se você diz...

Quando chegaram à vila, cruzaram com as garotas da Sonserina, que olharam Gina de cima a baixo com um ar de reprovação. A ruiva se divertiu com isso.

- Elas devem estar falando mal de mim. Que ótimo! Se elas falassem bem, eu me jogava no lago – e riu, fazendo Luna cair na gargalhada.

- Posso saber qual é a piada? – perguntou um rapaz que estava saindo da Dedos de Mel.

- Oi, Draco. Faz tempo que não te vejo – respondeu Luna, com a mão estendida.

Gina ficou quieta esperando a reação do rapaz de cabelos platinados. Draco apertou a mão de Luna e sorriu levemente. Em seguida, virou o rosto para a ruiva.

- Não precisa me contar a piada, mas um beijo de “feliz aniversário” você vai me permitir, não é?!

- Ahn, olha, eu agradeço os presentes...

- Gina, aquelas tontas da Sonserina estão olhando pra cá. Draco, dá logo o beijo nela. Aquelas idiotas não querem acreditar que você pode se interessar pela Gina.

- Não preciso de beijo nenhum – respondeu, sentindo o rosto pegar fogo. – Essas meninas que se explodam.

Draco riu. Abaixou o rosto e deu um beijo leve na bochecha corada de Gina, abraçando-a rapidamente. Disse “parabéns” e a soltou. Mostrou a palma fechada para a garota – que aquela altura estava parecendo um tomate de tão vermelha – e a abriu em seguida, fazendo surgir sobre ela uma pequena caixa com bombons finos na forma de botões de rosa que se abriam de tempos em tempos.

- Eu ia te dar na casa de chá, mas, já que elas estão te aborrecendo, dou agora.

As garotas da Sonserina se afastaram imediatamente, cochichando entre si.

- Obrigada. De novo – disse, meio encabulada. – Se você não se incomodar, prefiro abrir mão do chá. Nós três podíamos ficar andando pela cidade. Só isso.

- Claro – respondeu, com uma ponta de desapontamento.

Caminharam sem destino. Apenas conversando. E, na verdade, quem mais abria a boca era Luna. Draco era obrigado a tirar todas as dúvidas da loira, que fazia perguntas sem parar. De vez em quando, Gina fazia alguma observação. Apesar de parecer alheia, a ruiva estava atenta ao que o rapaz contava. Perguntado por Luna, revelou o que vinha fazendo. Desde a morte do pai, Draco ficara encarregado de cuidar dos negócios da família. Então, estava sempre se deslocando porque os Malfoy tinham propriedades em vários lugares. Inclusive em Hogsmeade. “Por isso, estarei sempre por perto”, comentou olhando discretamente para Gina. Quando a tarde estava morrendo, a garota decidiu encerrar o encontro.

- Está na hora de voltarmos. Eu... quero... agradecer a sua companhia, Draco. Foi... legal.

- A gente pode combinar outras vezes.

- Não se incomode - cortou. - Para que se deslocar para cá?

- Já disse: tenho negócios aqui. Nunca vai ser um incômodo. Mas não quero forçar nada. Um dia, talvez, você queira tomar um chá comigo. Ou jantar comigo. Ou qualquer outra coisa – sorriu. – É só me chamar. Eu vou esperar, Gina. A gente se vê.

Despediram-se. E a ruiva fez o caminho de volta, ouvindo Luna comentar a elegância de Draco, seus modos transformados e as entrelinhas de suas frases. “Olha, ele não está só interessado em você. Está muuuuito interessado. Menina, isso é uma vitória! E você nem precisou se esforçar. Aquelas bestinhas vão se morder”. E gargalhava sozinha pela estrada.







*****







Harry fechou o último botão do casaco que usava. A brisa da montanha estava gelada. Cavalgava ao lado de Jin, voltando da vila, onde tinham estado bebendo e comendo numa festa de casamento para a qual foram convidados mal chegaram à cidade.

- Esse é o primeiro casamento a que vou. O curioso é que eu não conhecia ninguém, exceto vocês.

- Na vila, eles gostam de estrangeiros. Tratam muito bem – riu Jin.

- Aparecem muitos por aqui?

- Somente turistas. Mas eles não ficam muito tempo. Para que não estranhem a presença de vocês, Mei disse aos donos da festa que vocês são aprendizes de espadachim do Mestre Lao.

- Foi muito legal da parte dela fazer isso.

Olharam para frente. Rony brincava com sua montaria. Jogava torrões de açúcar para o alto e o animal abocanhava a guloseima com destreza. Atraída pela cena, Mei emparelhara a égua que montava junto ao cavalo do ruivo. O rapaz percebeu que ela acompanhava com atenção o joguinho que inventara. Retirou do bolso um pacote com os torrões e entregou para a garota.

- Tome. Pode jogar. Esse bicho é danado.

Mei pegou o pacote e passou a atirar os torrões. Riu quando o cavalo se esticou para abocanhar mais um. A brincadeira prosseguiu e os dois animaram o retorno com as risadas. Harry sentiu falta dos momentos descontraídos com Gina, mesmo aqueles do tempo em que não estavam apaixonados. Parou por um instante e lançou um olhar para trás, pensando no passado.

- Você está longe, Harry – observou Jin, girando a lanterna que carregava para ele. A noite estava escura e eles levavam os objetos para iluminar o caminho. Não podiam usar magia enquanto não atravessassem os portões da fazenda.

- Tem horas que é difícil evitar que a mente fuja para algum lugar.

Jin concordou com a cabeça. Endireitou o corpo e manteve um olhar firme sobre Mei, intrigado com o que estava acontecendo entre a garota e Rony. Estava claro que se divirtiam.

- Eu não sei como ele aprendeu isso. Deve ser o cavalo mais inteligente do mundo. Olha, ele deu uma corridinha para pegar esse.

Mei virou o pacote de cabeça para baixo, mostrando que o açúcar acabara. Rony fez cara de pena. Afagou o pescoço do cavalo.

- Não tem mais doce para você, bonitão. Melhor assim. Você não quer se parecer com um elefante, não é?!

- Não. Ele não quer – disse a jovem, em inglês. Sorriu.

Rony também sorriu até que se deu conta do que acontecera.

- Você respondeu na minha língua!

- Eu falo mal o seu idioma. Preciso melhorar. Se quiser me ajudar, eu ficarei feliz.

- Claro que vou ajudar. Acha que gosto de ouvir vozes masculinas o tempo todo? – brincou. – Olha quem está falando, Harry.

- Seja benvinda ao mundo dos falantes, Mei – comentou Harry, sem dar os mesmos sinais de entusiasmo do amigo.

- Agora, diga-nos por que começou a falar? – perguntou Rony.

- Meu avô foi morto por um inglês e eu me recusava a usar a língua do assassino. Mas agora que conheço ingleses bons, não preciso evitar o idioma. Ele já não me causa asco.

- Bom para a gente – emendou o ruivo. – O que sabe de gírias? Eu posso atualizar algumas coisas.

Os dois conversavam animadamente e foram se distanciando de Harry e Jin sem perceber. O rapaz de Hong Kong ficou quieto, com ar pensativo.

- Agora é você que está longe – disparou Harry.

- Estou tentando usar a cabeça e não o coração – e diante do olhar perplexo de Harry, Jin tratou de se explicar. – É que gosto de Mei desde o primeiro dia em que a vi. Estou tentando me convencer a não ter ciúmes neste momento.

- A gente não sabia que você gosta dela. Eu posso falar com o Rony. Tenho certeza que ele não quer atrapalhar vocês dois.

- Não é necessário falar nada. Eu já me declarei a Mei.

- E aí? – inquiriu, analisando o jeito de Rony para descobrir se o amigo estava interessado na garota. Não atinou com a resposta.

- Não aconteceu nada. Mei gosta de mim apenas como amigo. Foi o que ela me respondeu.

- Que péssimo!

- Isso é a vida, não é?! Não tenho que esperar que ela goste de mim – sorriu, entristecido. – O Rony está de olho nela?

- Não que eu saiba. Ele gosta de uma garota que ficou na Inglaterra. Ela estudou com a gente. Nós andávamos sempre juntos. O Rony podia ter contado o que sentia, mas aquilo ali é cabeça-dura demais para isso.

- Então, ele tem alguém. Nem que seja apenas no coração – declarou Jin. – E você? Tem?

Harry meneou a cabeça.

- Naaaa. Tive uma namorada, a Cho. A família dela é chinesa. Mas a gente não se deu muito bem – acrescentou, atrapalhado. Não era o caso de falar de Gina porque a história poderia chegar aos ouvidos de Rony. – Depois, não tinha condições de ficar com nenhuma garota já que o Voldemort estava à espreita.

- Você é muito famoso. Deve ter sido bastante assediado. Não encontrou mesmo ninguém depois dessa namorada?

- Talvez tenha encontrado. Mas isso é o que menos importa hoje na minha vida – respondeu, sentindo-se mal por dizer aquilo.

Depois disso, ficaram calados e seguiram em frente, mergulhados em suas tristezas. Jin, atento ao desenrolar da conversa entre Rony e Mei. Harry, sentindo que o frio aumentava e que não podia haver na terra alguém mais solitário do que ele. Nem mesmo Jin. Afinal, ele tinha diante de si o objeto de seu afeto. Abaixou a cabeça e lembrou-se, subitamente, de algo que o aproximava de Gina. Tocou o peito com a mão e sentiu sob as roupas a presença de uma medalhinha. Aquela que ainda guardava as mechas vermelhas da garota. Desejou “feliz aniversário” em silêncio, enquanto subia a montanha. Mas a solidão não passou.


















*Loony é o apelido dado pelos estudantes à Luna. É uma forma abreviada de chamar alguém de lunático. Não gosto da versão em português. Bom, este foi mais um capítulo longo. Talvez o próximo não seja tão longo. Obrigada. K.

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