Ilusões



Resumo do cap. anterior – Harry, McKinley e Chris, o novo assistente, se instalam numa vila escondida. É um território sagrado, protegido pela Confederação Internacional dos Bruxos. Nela vivem os últimos incas, entre eles Tupai, o líder da comunidade, e sua filha, Nina, que se apaixona pelo bruxo. Depois de passar muito tempo insensível ao mundo, Harry se reencontra. Ser tratado como igual o ajuda a superar parte de seus problemas. Enquanto isso, Rony e Mione preparam seu casamento, para o qual convidam o amigo. Ele, no entanto, se recusa a sair de onde está por temer que sua presença atraía a atenção de Comensais. E por temer rever Gina. Mesmo assim, sua paz é interrompida: um misterioso ataque coloca a segurança da cidadezinha em xeque. E Harry decide que é hora de resolver logo sua questão com Belatrix, partindo para o Labirinto.






A brisa fresca da madrugada acariciava o pêlo negro de um gato solitário. Enrolado num montinho, o animal dormia o sono dos justos. Mas de repente uma luz surgiu no meio da escuridão. O felino se colocou em alerta. Eram dois homens estranhos, usando casacos pesados. O mais jovem tirou logo a vestimenta de inverno e ficou apenas com uma camisa branca, destacando-se sob a luz da lua. O mais velho sacou um objeto das vestes e tocou o corpo, fazendo parte da indumentária desaparecer. Foi o suficiente para o gato. Com o corpo encolhido, avançou pela grama alta, dirigiu-se até um arvoredo e correu até uma casa rústica coberta de musgo. Assim que se aproximou da porta, ela se abriu por encanto. Num segundo, ele estava sobre a barriga magra de um senhor de longos cabelos brancos que, espalhados, se confundiam com a barba cor de neve. Um miado longo despertou o sujeito.

- O que é? O que é? São os ratos de novo?! Ah, eles que se atrevam a comer meu cereal...

O gato, porém, miou outra vez e disparou até a porta. O homem jogou o lençol para o lado. Pegou um velho chapéu pontudo e o enfiou na cabeça. Por cima da túnica alva que usava para dormir, colocou uma capa verde.

- Espero que seja realmente importante ou você não vai receber sua tigela de leite quando amanhecer.

Tinha dado apenas alguns passos quando se deparou com dois homens que nunca vira antes na vida. Com uma agilidade espantosa para sua idade, o senhor de chapéu pontudo envolveu os estranhos com cipós vindos das árvores que mantiveram presos os estranhos como se estes tivessem caído numa imensa teia de aranha. Varinha apontada para os invasores, o sujeito se espantou ao ver que eles não reagiam. O gato ficou parado diante da dupla, com os olhos vigilantes.

- Quem são vocês e o que querem?

- Olá, senhor. Nós somos bruxos...

- Isso eu já imaginava. Trouxas dificilmente passam pela minha barreira mágica. O que vieram fazer aqui?

- Estamos procurando o Labirinto. Pode nos dizer como chegar lá?

- Só se disser primeiro quem são vocês – rebateu o velho, desconfiado.

- Claro, claro. Prazer. Sou Thelonius McKinley, ex-professor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e atual orientador de um aprendiz de auror. Ahn, deste rapaz aqui, o Harry.

- Harry do quê??? – inquiriu, encarando o jovem.

- Apenas Harry – interrompeu o escocês.

- É surdo ou mudo, rapaz? Ou sempre deixam que os outros respondam por você? – insistiu o homem.

- Meu nome é Harry Potter – disse sem pestanejar e tão tranqüilo como se estivesse conversando com uma criança e não com um homem esquisito.

O sujeito pôs a mão no queixo, mantendo a varinha apontada para os dois. Em seguida, olhou para o gato, que se afastava de McKinley e Harry, absolutamente confiante. O animal se sentou ao seu lado e começou a se lavar, aparentemente esquecido da cena. O bruxo abaixou a varinha.

- Muito bem! Pierre, o gato, garantiu que vocês não mentem. Mas, por Joana D’Arc, pensei que Harry Potter fosse um garoto. E não este barbado. Se bem que é uma barba bem ralinha...

Harry balançou a cabeça. Abriu as mãos e agarrou os cipós. Num segundo, fez as amarras desaparecem. Não tinha necessitado pegar a varinha para executar um feitiço de sumiço. O homem do chapéu pontudo não fez muito caso de ver quão facilmente o rapaz se livrara do encantamento. Voltou a olhar para o gato.

- Não usei minha melhor magia, Pierre! – e virou-se para a dupla. –Meu nome é André Chevalier. Sou descendente de Monsieur Gustave Chevalier, o criador do Labirinto. Sou quem abre o caminho para os “corredores da ilusão”.

- Tanta pompa por causa de ilusões – afirmou Harry, divertindo-se com o ar solene do velho. – O senhor fala como se fosse apresentador de circo.

- Meu jovem, não se engane. Esses corredores de ilusão já venceram muita gente que se imaginava poderosa o suficiente para acabar com o Labirinto. Posso dizer que neste século apenas um bruxo saiu de lá. Por isso, considero meu dever alertar qualquer um que queira desafiar o Labirinto a fazê-lo assumindo todos seus riscos.

- Sei dos riscos. O Labirinto é como o Espelho de Ojesed. Mostra nossos maiores desejos.

- Não exatamente. O Labirinto penetra na consciência e descobre os sentimentos que mais afetam a vida da pessoa. Às vezes, elas temem algo, mesmo sem saber. Ou se frustram por desejar muito algo que não tem. Naquela época, queimavam-se bruxos porque achavam que éramos demônios. Embora as chamas não matassem ninguém de verdade, algumas vezes a agressão despertava ou criava dilemas que nem mesmo eles desconfiavam. Monsieur Chevalier era um medibruxo que ajudava gente com crise existencial. E, por isso, resolveu um dia inventar um meio de fazer aflorar esses sentimentos para poder tratá-los. Daí, ele usou um armário onde havia um bicho-papão e um espelho muito parecido com o de Ojesed. E fez uma magia capaz de juntar essas duas habilidades. Os desejos e medos ou ambos se materializavam, criando uma ilusão. Quem estava no armário não somente descobria seus problemas como também tentava encará-los. E quando não queriam enfrentá-lo, meu ancestral invadia o armário e derrotava o bicho-papão – explicou o bruxo de chapéu pontudo.

- Interessante. Uma versão medieval da psicoterapia trouxa. Ou quase isso. E como essa invenção se transformou em algo tão perigoso que necessite de um guardião? – estranhou McKinley.

- Bem, certa vez uma família bruxa solicitou os serviços de Monsieur Chevalier. Mas o armário era pequeno para isso. Então, ele decidiu ampliar o espaço. Ficou tão entusiasmado com a idéia que foi expandindo e expandindo e expandindo até que o armário ficou imenso e cheio de corredores tão tortuosos que apenas ele sabia o caminho para sair. Às vezes, ele parecia não estar muito bem da cabeça – brincou. – Mas de nada adiantava o esforço se não houvesse meios de projetar as emoções. Monsieur Chevalier teve a idéia de utilizar um feitiço que multiplicasse o efeito do espelho por todo o labirinto. E arrumou mais bichos-papões. O tratamento da família foi um sucesso. Logo, a fama da criação de meu ancestral se espalhou. Todos queriam experimentar o labirinto, mesmo quem não tinha problemas. Um dia, porém, um bruxo gaiato trouxe escondido numa caixa um grupo de poltergeists e o soltou nos corredores. Vocês sabem que é fácil enfrentar um bicho-papão. Eu garanto, no entanto, que é quase impossível enfrentar um bando de poltergeists num ambiente mágico como o Labirinto, nome com o qual o velho armário ficou conhecido. Esses fantasmas somaram seus poderes e passaram a aprisionar as pessoas em seus temores, prazeres, sonhos... São criaturas espertas. Às vezes, eles pegam um sentimento muito bonito e fazem com que a pessoa fique tão iludida que nunca mais deseja sair de onde se encontra. Desse modo, os bruxos foram sumindo. Monsieur Chevalier, que tinha uma alma boa e um coração forte, sempre conseguiu escapar e resgatá-los. Um dia, entretanto, ele não voltou. Foi uma perda terrível porque ele não escreveu como fazer para anular o Labirinto. Sumiu com ele o segredo da magia que inventara.

- O senhor nunca tentou entrar?

- Nenhum bruxo da minha família pode entrar! Estamos condenados a vigiar a entrada para os corredores. De tempos em tempos, somos substituídos por nossos filhos e sobrinhos. Em breve, meu turno vai vencer e será a vez de meu filho assumir o posto de guardião. Assim tem feito minha família, ao longo das gerações. E continuará fazendo enquanto o Labirinto existir.

- Obrigado por contar a história, senhor Chevalier. Agora, pode me levar até a entrada?

O homem deu um salto na cadeira, fazendo com que o chapéu caísse.

- Você?! Eu pensei que fosse o velho...

- Quem é velho? – resmungou McKinley.

- Eu vou entrar. Um dragão me disse que eu posso encontrar pistas de uma certa pessoa que eu estou procurando.

- Um dragão?! E o que um dragão sabe do Labirinto? – bufou Chevalier. – Você verá essa pessoa se deseja de verdade. Se isso afeta sua vida. Os espelhos exibirão uma espécie de retrato dela, um registro da pessoa no momento em que a magia capturar o que está impregnado em seu espírito. Inclusive se ela estiver no banho – brincou, para ficar sério na seqüência. – Mas os fantasmas vão se aproveitar disso para fazer o que bem entenderem. Ora, não é mais fácil mandar uma coruja?

- Não para essa pessoa que eu tenho em mente. Ela está fugindo de mim. E eu quero muito encontrá-la! Se o senhor puder me mostrar onde fica...

- Mas é aqui mesmo – respondeu de modo azedo o senhor, encaminhando-se para os fundos da casa. – Essa é boa. Para localizar uma pessoa, você arrisca o pescoço.

Chevalier abriu a porta de um quarto mobiliado com uma cama, uma escrivaninha e uma cadeira, todos muito gastos pelo tempo. Numa parede, duas portas de madeiras presas com uma corrente e um cadeado indicavam a entrada do malfadado lugar. McKinley virou-se para o pupilo com ar preocupado.

- Tem certeza do que quer, Harry?

O jovem fez sinal de afirmativo com a cabeça. Chevalier retirou de uma gaveta da escrivaninha uma chave antiga e pesada. Soltou o cadeado e abriu as portas. No fundo, havia uma parede cujos tijolos estavam aparentes.

- Preciso fechar para que a magia funcione. Tudo vai ficar preto, mas um portão iluminado logo vai surgir. Abra-o e você poderá entrar no Labirinto. Err, quer deixar alguma mensagem para alguém especial?

McKinley engoliu em seco. Harry o olhou por um segundo. E sorriu.

- Eu voltarei!

Chevalier fechou as portas e a escuridão tomou conta do lugar.



*****

A senhora Weasley subiu as escadas com a curiosidade no nível máximo. Bateu à porta do quarto da filha e disse para Gina que a coruja dos Malfoy estava na janela da sala com um pacote para ela.

- Tentei arrancar dela, mas a danada não deixou.

Gina suspirou e Hermione notou uma certa impaciência na garota. A jovem Weasley desceu e voltou num minuto. Entrou esbaforida no quarto e abriu o pacote rapidamente porque sua mãe aguardava para saber o que era.

- É mais um vestido, mãe! Satisfeita agora? Já, já te mostro.– gritou. E fechou a porta com uma cara de enfado. – Ela não sossega desde a noite em que o Draco fez aquele pedido de casamento. E o Draco não pára de me mandar presentes... Arre, está começando a me dar nos nervos.

- Ah, Gina, ele é lindo! – observou Hermione, estendendo o vestido azul que trazia pequenos peixes nadando suavemente, de um lado para o outro. – Você só pode usá-lo em festas bruxas. Mas é encantador. E agora, falando desse pedido, pelo visto você aceitou.

A ruiva baixou os olhos momentaneamente. Viu a aliança de noivado reluzindo em seu dedo.

- Na verdade, eu não respondi nada. Só que o Draco foi colocando o anel na minha mão. Daí, ele me levou para a casa dele e me apresentou como sua noiva para a senhora Malfoy. Eu nem tinha o que responder àquela hora e acabou ficando por isso mesmo.

- Então, você vai se casar com ele...

- Ainda não sei. O Draco realmente me ama... Só que o que eu sinto por ele não é forte como deveria ser. Quando eu te vejo com o Rony, eu percebo quanto estou longe desse brilho que está nos olhos de vocês, na pele, no sorriso. É realmente fascinante... e eu... Gosto do Draco. Ele me trata como uma rainha. É carinhoso, apaixonado, atencioso e quer sempre me agradar. Olha os presentes que ele me manda! Qualquer mulher ficaria feliz...

- Mas não você – arriscou.

- Não é bem assim, Mione. Meu sentimento é só diferente do que eu desejava. O Draco merece algo mais... mais... intenso.

- Isso me lembra uma conversa que tivemos anos atrás, quando eu falei do Vitor. Os papéis se inverteram, não é?! – sorriu a garota.

- Só que eu não tenho um Rony esperando por mim... – respondeu, mordendo os lábios. – Ahhhh, vamos esquecer isso. Vou provar o vestido!

Gina colocou o vestido que cobria parcialmente seus joelhos. Jogou as tranças para trás dos ombros. Mirou-se no espelho, girando o corpo para apreciar melhor o desenho da roupa, que revelava suas costas até a cintura. Estava bela, mas seu olhar tinha uma leve sombra de tristeza.



*****

Como o bruxo francês dissera, um portão logo se materializou. A maçaneta e o umbral resplandeciam, revelando o desenho do acesso. Harry fez com que sua varinha iluminasse o caminho. A porta do armário não era visível, mas ele imaginava que bastaria estender o braço para alcançá-la. Avançou em direção ao portão, com os músculos tensos. Pousou a mão sobre a maçaneta. “É agora”, pensou, respirando profundamente para controlar melhor a ansiedade. Um clique e o portão se abriu. O rapaz teve de intensificar a luz para ampliar seu campo de visão. Deu dois passos e, com um forte estrondo, o portão se fechou. O coração de Harry deu um salto pelo susto. Olhou atentamente por onde passara. Também não via nada. Porém percebeu uma leve passagem de ar fresco vindo de uma fresta. A atmosfera do Labirinto cheirava a mofo.

Harry começou a andar seguindo o único corredor que enxergava. Com a mão, lançou no chão um cordão que materializara para marcar o caminho. Ele saía magicamente de seu bolso sem que precisasse segurá-lo. E assim prosseguiu, com o cuidado de observar o entorno. As paredes estavam nuas e traziam marcas do tempo. O reboco caíra em algumas partes. Em outras, tijolos se esfarelavam. Olhou para o teto. Não havia teias de aranha. Nenhum sinal de vida. Quando chegou à primeira bifurcação do Labirinto, parou por um instante, indeciso. Decidiu-se pela ala da esquerda. Subitamente teve a sensação de que alguém estava por perto. As batidas do coração se aceleraram.

- Quem está aí?

A resposta foi o silêncio. Girou o corpo para todos os lados e se espantou ao perceber que o cordão sumira. “Poltergeist. Só pode ser um”, calculou. Fez o cordão se materializar de novo e o jogou mais uma vez pelo corredor de onde viera. Tomou o caminho da esquerda e continuou andando. Logo encontrou outro corredor. E outro. Porém ainda não tinha visto nada. “Vai ver peguei o lado errado”, imaginou. Quando se virou para voltar no caminho, seu sangue gelou. Ele não estava marcado. Enfiou a mão no bolso e só encontrou um monte de cinzas. “Maldito! Essa criatura não é como o Pirraça”, lamentou-se. Com um piparote da varinha, limpou o bolso e de repente percebeu que havia um vulto às suas costas. Saltou para frente e girou o corpo. Só conseguiu captar uma sombra se afastando sem fazer ruído. Então, a percepção de outro vulto o obrigou a erguer a cabeça e iluminar o teto.

- Nada?! Ok, vocês querem brincar, mas não estão a fim de aparecer, não é?! Eu prefiro brincadeiras às claras, se não se importam.

Não podia ficar parado, no entanto. Seguiu adiante, com a tensão sendo substituída por uma certa irritação. Nunca tivera medo de poltergeists. E aprendera a lidar com bicho-papão no terceiro ano de Hogwarts. Ele já era um homem! Não podia ceder tão facilmente ao medo. “Isso é ridículo”, murmurou. Entrou em mais um corredor e a luz da varinha iluminou um rosto. Quase gritara ao ver um homem barbado, tão assombrado quanto ele. “Mas sou eu”, disse, vendo-se num espelho arredondado e com uma moldura dourada. “Será que é um espelho comum?”, perguntou-se depois de perceber que não ocorria nada de excepcional. Sua imagem era sua imagem. Pela primeira vez em muito tempo, atentou para seu rosto. A cicatriz continuava como estava, a face ainda era magra e seus olhos verdes pareciam serenos. Tocou a barba cortada bem rente. “Não lembro mais o meu pai”, comentou, distraído. E fixou-se em seus olhos de novo. Sentiu-se estranho encarando suas pupilas. Era como ter consciência absoluta de si. De repente, viu a cor verde adquirir um tom castanho e seu reflexo exibir um sorriso maldoso. Espantado, tocou a superfície e imediatamente uma sombra saiu do espelho, voando e escapando de sua visão. Harry voltou a se mirar e o reflexo tinha retornado ao normal.

- Muito bem. Vocês me pegaram! Quando é que o show começa? – gritou, fazendo sua voz ecoar.

Sem resposta, Harry não teve alternativa. Seguiu em frente e percorreu outros corredores. Já estava cansado de ver sempre o mesmo cenário quando encontrou uma sala. Havia uma poltrona que estava de costas para ele, mas se via claramente a perna de um homem. Respirou fundo. Precisava ter calma. Caminhou com segurança e sem pressa. O que quer que fosse, necessitava controlar seus impulsos. Avançou, passo ante passo até que a pessoa se ergueu e ficou de frente para o rapaz. Harry tentou falar algo, mas a voz morreu em sua garganta. Seu coração foi sacudido por uma onda de emoções. Sirius Black olhava para ele com um sorriso largo. O mesmo Sirius que vira cair atrás do véu.

- Que foi, rapaz? Você costumava falar...

- Sirius...

- Que bom! Ainda se lembra de mim. Salve! – e riu.

Aquela risada. Harry jamais a esqueceria. Riu também, mas seus olhos começaram a se umedecer. Tinha sofrido tanto com a morte dele que não era fácil revê-lo. Não sabia o que fazer. Corria para dar um abraço no padrinho? Ficava parado?

- Harry, você está um homem! E que barba é essa?! Pelo menos, as mulheres gostam?

- Não sei. Nunca perguntei – respondeu com a voz trêmula. Respirou fundo mais uma vez. Tentou brincar. – Eu não paro para pensar nessas coisas. São tantas preocupações que tenho...

Sirius ficou sério. Seus olhos exibiam uma expressão benevolente.

- Eu sei. A vida tem sido dura para você, Harry. Sei o quanto você ficou abalado por causa da minha morte estúpida. Mas não se torture. E se vale de alguma coisa, saiba que eu sinto sua falta.

Harry engoliu a saliva com esforço. Parecia que sua garganta estava estreita. Fez força para espantar as lágrimas.

- Por minha culpa... se eu não tivesse ido ao Ministério... se eu não tivesse caído na armadilha de Voldemort...

- Se eu não fosse impulsivo, Harry! Morri porque não fiz o que Dumbledore tantas vezes me pediu. Ele me pediu para ter calma e não ceder aos meus impulsos. O que eu fiz? Exatamente o contrário. Ora, vamos. Você não tem culpa da nada.

O bruxo tremia de emoção. Abaixou a varinha, como se não tivesse condições de sustentá-la.

- Harry! Rapaz, isso que você tem no rosto não é barba. A minha que é – disse a voz de alguém que acabava de surgir ao seu lado. – Como vai?

- Hagrid! – espantou-se Harry, com os olhos arregalados.

Por um momento, ele quase pulou sobre o gigante. O antigo guarda-caças de Hogwarts, no entanto, ergueu as mãos num movimento que indicava que era para se conter.

- Por Merlin, Harry, você cresceu bastante desde a última vez que te vi. Ah, aquele dia foi terrível! Fiquei furioso ao te ver no estado em que Você-Sabe-Quem tinha te deixado. Eu queria ter acabado com ele.

- Eu... acabei... com ele – gaguejou.

- Sim, nós vimos – afirmaram em conjunto Sirius e Hagrid.

- Vocês viram?!

- Acompanhamos seus passos, Harry. E estamos orgulhosos de tudo que você fez até hoje. Você é um grande bruxo, tão bom quanto Dumbledore – declarou o gigante.

- Não fui bom o suficiente para evitar que Voldemort me invadisse aquele dia na Floresta Proibida, Hagrid. Se eu tivesse me protegido melhor, você não teria me visto naquele estado.

Hagrid suspirou.

- Você tem sido duro demais com você. Da mesma forma que o Sirius aqui, eu também não pensei direito no que fazia. Dumbledore viu como você estava e ele saiu desembestado para atacar aquela coisa ruim? Não. Snape também estava lá e ele agiu no impulso? Não. Vi o quanto você se culpou pela minha morte. Mas, por favor, está na hora de se livrar desse peso, rapaz. Você fez o máximo que podia.

- Você fez além do que podia. Superou seus próprios limites, meu filho. E ninguém pode te culpar por ser exatamente o que era naquela época: um jovem que ainda tinha muito a aprender.

Harry sentiu seu coração bater tanto que tinha a impressão que fazia eco na sala. Seu pai surgiu e se colocou entre Hagrid e Sirius. O bolo na garganta aumentou e a vontade de chorar, também. “Controle-se”, pensou, aflito. Não conseguiu articular nada ao ver seu pai. Ajeitou seus óculos, empurrando-os para o alto do nariz. Tiago sorriu e fez o mesmo. Os gestos eram iguais.

- Tal pai, tal filho – sussurrou uma voz doce. – Meu querido, você não tem idéia do quanto somos gratos por você ser o que é. Trouxe algumas pessoas que já sabiam disso e outras que descobriram isso só depois.

O bruxo não tinha mais condições de resistir. As lágrimas desceram assim que viu sua mãe sair de um espelho que não tinha percebido até então. O objeto era imenso, ocupando quase toda a parede. De lá, saiu Lílian com um vestido que vira num retrato que tinha. A mulher juntou as mãos à boca e seus olhos verdes estavam marejados.

- Como você está lindo, Harry! É tão bom te ver assim, forte, saudável, um adulto...

Enquanto sua mãe falava, outras pessoas surgiam no espelho e saiam de lá para ocupar um espaço na sala. A primeira a surgir foi Petúnia, que se colocou à esquerda de Lílian. As irmãs pareciam reconciliadas. Depois, Duda pulou para a sala e olhou com respeito para Hagrid. Afastou-se discretamente e ficou atrás da mãe. Não sorriu para o primo, porém fez um sinal de positivo para ele. Válter Dursley agiu com mais discrição. Balançou a cabeça, cumprimentando todos e permaneceu ao lado do filho.

- Viu, querido? Você uniu a família. Eu recebi seu tio e seu primo e eles puderam ver o quanto você tinha lutado por eles. Depois, recebi minha irmã. Eles reconhecem seu valor.

- Isso mesmo, Harry. Perdão por não ter sido uma boa tia. É que eu tinha medo. Muito medo. E o medo nos faz cometer tolices.

Trix, a garota trouxa que namorara Duda sob influência da magia Imperius, se aproximou e sorriu. Com ela vinham também homens com roupas antigas e um casal de mãos dadas.

- Oi, Harry. Conheci um amigo teu e ele nos apresentou um monte de gente legal. Não sabia que bruxos eram tão divertidos – sorriu Trix.

Um homem de rosto redondo deu risada.

- Herr Potter, é um prazer revê-lo. Quero que conheça minha Anya e meus amigos da Ordem dos Inseparáveis – declarou ao mesmo tempo em que os demais faziam mesuras com a cabeça. – Percebe agora, meu caro, como é bem aplicado esse nome. Estamos sempre juntos agora. Querida, é com muito orgulho que te apresento meu amigo Harry Potter. Um homem excelente.

Harry desabou no choro. A emoção fazia seu corpo tremer por completo.

- Entendo seu estado, Harry. Durante muito tempo você carregou a culpa por nossas mortes, mesmo com todos te dizendo o contrário. Espero que depois de ter nos ouvido você perceba que não há razão para sofrer mais com isso. A única pessoa que te condena por isso é você mesmo. Como disse o Hagrid, está na hora de aliviar esse peso, não é, rapaz?! – sorriu Sirius.

- Ele está certo, filho. Venha com a gente. Você se sentirá melhor depois de uma boa conversa. Esta sala aqui não é nada confortável.

- Você demorou a falar isso, Pontas. Este lugar é bem frio...

- Querido, nos acompanhe – convidou a mãe, dirigindo-se para o outro lado do espelho.

Mais calmo, Harry enxugou as lágrimas. Sentia-se fraco. Tudo aquilo tinha sido demais para seu coração. Porém não podia esquecer seu objetivo. Disse que precisava continuar seu caminho. Seus pais e seus amigos, no entanto, responderam que isso podia ficar para depois e começaram a comentar seus progressos e falar de histórias do passado. A conversa apaziguava o bruxo e o distraía. E Harry acompanhou aquelas pessoas tão queridas. Estava fascinado por poder ouvi-las. Uma a uma, elas passaram para o outro lado da parede até que apenas ele continuava na sala. Lílian estendeu-lhe a mão, estimulando-o a atravessar o espelho. Por um segundo, o rapaz desejou atendê-la. Entretanto, algo o fez parar. Embora estivesse inebriado por ter reencontrado seus pais, Sirius, Hagrid, o restante de sua família e os demais amigos, sentia que aquilo não estava certo.

- Estou feliz de ver vocês, só que... – hesitou. – Há algo estranho no ar. É como se eu estivesse num sonho... Um sonho do qual não quero acordar.

- Às vezes ele é tão bom que a gente quer que dure para sempre – murmurou Lílian gentilmente. – Venha, Harry.

Sem conseguir entender o que se passava com ele, o bruxo apelou para uma técnica de concentração. Fechou os olhos brevemente. Precisava buscar seu equilíbrio. Focou-se em perguntas diretas. Onde estava? “No Labirinto”, respondeu para si depois de alguns segundos. Com quem chegara? “McKinley”, lembrou-se, percebendo que seu raciocínio estava mais ágil. O que dissera mesmo para ele antes de entrar? “Eu voltarei! Foi isso”, pensou.

- Sinto muito, mas eu não posso agora – disse e se afastou de costas rapidamente, obedecendo ao que seu instinto lhe dizia.

A mente do bruxo se desanuviava. Virou a cabeça para o espelho. Ele não exibia mais as figuras que amava. “Ilusões! Por um momento, conseguiram embotar meu cérebro”, calculou. Harry abaixou a cabeça, porém sentia que de alguma forma seu coração estava mais leve. Tinha encarado um de seus problemas, o sentimento de culpa pela morte de tantas pessoas, e conseguira superá-lo. Não podia negar que a experiência o abalara. Ela se equivalia a expor a ferida para poder lançar sobre ela um remédio. Suas mãos ainda tremiam, mas tinha de prosseguir. Sentia que os vultos vagavam de um lado para o outro, acompanhando seus passos. Deu de ombros. Não tinha idéia de quanto já caminhara. No entanto, não se importava com isso. Avançava com o espírito mais tranqüilo. Até que encontrou outro cômodo. “Chegou a hora. Aqui deve estar a Belatrix”, pensou. Retesou os músculos, controlou a respiração. Entrou na sala com cuidado e rapidamente viu um espelho tão grande quanto o anterior. E, como num retrato, havia uma mulher nele. Harry jamais teria imaginado encontrar tal pessoa ali.

- Você?! – deixou escapar num fio de voz.

Estava na entrada de um quarto que conhecia muito bem. E via que a dona do aposento se mirava no espelho. A mulher usava um vestido azul com um decote nas costas. Ela afastou as tranças vermelhas para se observar melhor. Aparentemente, não notara a presença de Harry.

- Está lindo – observou, abaixando a varinha. Estava atordoado. Tinha acreditado o tempo todo que veria Belatrix. Mas finalmente percebia que não era essa a mulher que mais abalava seu estado de espírito. Não nos tempos atuais.

Gina sorriu para ele. Fez um sinal para que ele se sentasse na cama. O bruxo aquiesceu, sem falar nada. Ficaram mudos por instantes. Foi ela quem tomou a palavra.

- Gostou, então?! Este é um presente do meu namorado.

- Ah, você ainda está namorando... – comentou Harry, tentando parecer natural. – Eu já suspeitava disso. Espero que esteja tudo bem.

- Sim, está. Melhor impossível. Acho que vou me casar. Consegue me imaginar casada?

Harry não respondeu de imediato. Como podia depois de quatro anos de separação sentir-se paralisado como estava? Como podia se sentir tão fraco diante dela?

- Não me atreveria a tanto. Depois da sua carta, me obriguei a não pensar mais em você. Tratei de tocar a vida. Só agora é que você voltou aos meus pensamentos.

- Você se obrigava a não pensar em mim, mas pensava, não é?! Você está chateado comigo?

- Como se eu tivesse direito... – balbuciou. Ele a olhava como quem admira uma bela pintura e deseja tê-la só para si. Mas Gina não estava mais com ele. Isso o amargurou. – Não foi fácil assimilar aquela carta – e riu forçado. – Acho que fiquei traumatizado. Você parecia gostar de mim. E de repente não gostava mais.

- Não foi de repente e você sabe disso. Aliás, você também sabe que parte disso é sua culpa. Você não se importou comigo durante um bom tempo.

O bruxo concordou com a cabeça. A garganta voltava a se fechar.

- Tenho consciência disso. Fiquei centrado demais em mim. Na minha dor por ter perdido pessoas que amava e por me sentir culpado por isso. Agora consigo entender melhor algumas coisas... Inclusive hoje eu percebi realmente que essas pessoas não estavam me condenando. Isso estava encravado no meu peito e eu não conseguia enxergar. Agora, liberei esse peso. Já em relação a você, não tenho desculpas. Errei! Demorei a perceber que você era muito mais importante do que o meu desejo de vingança. E quando fui atrás de você já era tarde.

- Que pena, não é?! Foi ruim para nós dois – declarou, aproximando-se dele. – Diga-me o que é pior: ter me perdido ou ter sido rejeitado? O que te perturba de verdade? Ainda gostar de mim, Gina Weasley? Ou ser obcecado por alguém que recusou seu amor?

Harry sentiu um arrepio percorrer suas costas. Vinha se questionando dessa maneira desde a carta de Rony. Mas estava acabando de notar que lidar com o assunto assim era apenas uma maneira de esconder o verdadeiro problema.

- Sempre vou gostar de você, Gina. É como o McKinley com a misteriosa musa dele. A diferença é que ele nunca teve de encarar a mulher que ama com outra pessoa. Essa possibilidade me arrasa. Eu não quero ver essa cena!

- Não precisa ver. Fique aqui comigo... – disse, com doçura. – Eu continuo gostando de você, Harry.

Ele ficou de pé no mesmo segundo. A respiração estava acelerada. Tentou tocá-la, porém Gina recuou.

- Não seja precipitado. Você ainda tem de pedir perdão. Acha que vou te aceitar de volta sem ouvir um pedido de desculpas decente?

O bruxo se ajoelhou. Sua boca estava seca. Já não conseguia raciocinar direito. Faria qualquer coisa que ela pedisse. Gina sorriu, ciente do domínio que exercia sobre ele. A jovem inclinou seu rosto sobre o dele.

- Eu ainda sou um amor mal resolvido para você. Mas nós resolveremos. Acompanhe-me... – balbuciou, atraindo-o com uma voz sugestiva.

Harry se ergueu rapidamente e a viu caminhando para o espelho. Antes que ela o atravessasse, estendeu sua mão para segurar na dela. Porém não conseguiu tocá-la. Sua mão cruzou o espaço e não encontrou nada. Gina voltou-se com os olhos arregalados. E o bruxo escapou ao controle da ilusão. Seus olhos verdes brilhavam, num misto de decepção e choque.

- Claro. Não podia ser real! É muito cruel mexer assim com alguém – murmurou, retomando a firmeza da voz. – Vocês não se deixam tocar para não quebrar o encanto, não é?!

Gina fez uma cara de espanto.

- Cruel você diz. Bobagem! Você viveria feliz do outro lado do espelho... Viveria com a idéia de que somos um casal perfeito. Não é isso que você deseja? Ficar comigo? Pensei que me amasse...

- A pessoa que eu amo é verdadeira. Não você, uma farsa. E o meu desejo é ter o amor da Gina de volta – rebateu, assombrado consigo. Era isso. Harry se deu conta que não queria mais fugir dela. Precisava revê-la.

- Não seja tolo. Do outro lado do espelho, tudo é possível. Aqui, seu sonho não pode se cumprir. Além do mais, você nunca mais verá essa pessoa... “verdadeira” – replicou com desdém.

- Eu tinha determinado isso. Foi uma decisão solitária. Agora fiquei com vontade de encontrá-la – disse, pensando no casamento de Rony.

O rosto de Gina mudou de expressão, assumindo um ar de tristeza. Sua voz era terna.

- Mas você vai sofrer vendo com quem ela está. Para que se você pode ser feliz neste mundo?

Harry não se sensibilizou.

- Prefiro a dura realidade a uma felicidade irreal. Quantos bruxos vocês aprisionaram oferecendo isso?

O fantasma que assumira a imagem de Gina se irritou com a resistência do bruxo. E abandonou de vez a doçura com a qual procurava enganá-lo.

- Muitos. E nem precisamos nos esforçar para atraí-los.

- Foi assim que aprisionaram Monsieur Chevalier?

- Não. Nós criamos a ilusão de uma sala onde estava uma família inteira de bruxos desaparecidos. Ele já tinha resgatado tanta gente que entrou no lugar automaticamente. Não percebeu que éramos nós e, inadvertidamente, passou pelo espelho.

- O espelho – sussurrou Harry, olhando os contornos do gigantesco objeto com atenção e erguendo a varinha.

Gina cruzou os braços, numa atitude de desafio. Ficou cara a cara com o bruxo.

- Não adianta jogar qualquer feitiço contra o espelho. Você não pode destruí-lo. Foi o que todos tentaram – sorriu de modo desdenhoso.

- Foi o que eu deduzi. Monsieur Chevalier não iria deixar isso acontecer. Ele deve ter protegido os espelhos com algum feitiço permanente. O problema está na ilusão manipulada por vocês. Afinal, todo o horror começou quando vocês foram soltos aqui, não é?! – disse, tocando sua mão com a varinha.

- O que você está fazendo? – inquiriu Gina.

- É o que eu me pergunto em relação a você. Está me contando tudo com tanta facilidade. Está tão confiante assim que serei capturado? – interpelou Harry, caminhando lentamente em direção à porta.

Gina o seguiu com um ar de triunfo.

- Nós podemos te mostrar o que você tanto queria desde o minuto em que entrou aqui... Nós podemos te mostrar onde Belatrix está...

- Tentador – respondeu Harry, chegando ao corredor escuro, no qual pressentiu a presença de outros vultos que o cercavam. – Mas, não. Obrigado. Digam adeus a este lugar.

Não haveria tempo para piscar os olhos. Harry lançou no chão uma caixa pequenina que materializara em sua mão. Apontou a varinha para ela e a abriu, liberando um campo energético que começou a sugar os fantasmas como num redemoinho. Gina foi a primeira a ser tragada. Outros vultos também foram capturados e Harry ouvia os gritos de terror se espalharem pelos corredores. A energia era tão intensa que raios se chocavam contra as paredes do Labirinto. O bruxo se deu conta que aquela estrutura estava se decompondo também. “Preciso sair daqui”, concluiu. Esgueirando-se contra a parede, avançou pelo corredor. Passou por uma sala e viu com o canto dos olhos que havia uma figura ali. Num relance percebeu Belatrix. “Se eu entrasse poderia descobrir uma pista”, pensou. Entretanto, teve lucidez suficiente para perceber que cairia numa armadilha.

- Bravo, camarada. Você resiste. Mas eu também. Não preciso disso. O que eu mais quero é sair daqui e reencontrar a Gina. Ela vem em primeiro lugar.

Os raios estavam mais intensos. Os poltergeists lutavam contra o campo energético, criando um verdadeiro caos no Labirinto. Harry se abaixou duas vezes e teve de acionar um escudo para se proteger enquanto escapava do redemoinho. Corria, mas não encontrava a saída. Às suas costas, ouvia algumas risadas diante de seu fracasso. Os risos, no entanto, sumiam quase que imediatamente. O campo de energia avançava e estava engolindo tudo. “Por Merlin, há um desequilíbrio grande. Vou acabar sendo sugado também”, resmungou. O suor escorria de sua testa. Tentou um feitiço localizador, sem sucesso. Os corredores resistiam a esse tipo de encanto. Então, sentiu em meio à confusão uma leve corrente de ar fresco. Era muito sutil. Fechou os olhos e se concentrou ao máximo para apurar os sentidos. Por pouco não soltou um grito de alegria ao descobrir a direção. Andou mais alguns metros e viu o portão iluminado. Estava perto dele quando alguns vultos apareceram subitamente e fizeram surgir uma porção de portões semelhantes enfileirados. Novamente, os risos se fizeram ouvir. Mas também outro ruído se acentuava. Harry virou-se para trás e enxergou as ondas circulares de energia se aproximando. Não teve dúvidas. Respirou fundo, abaixou a cabeça para não se influenciar pela visão e estendeu as mãos para frente, seguindo a corrente de ar. Caminhou até o portão verdadeiro e o abriu com o coração aos pulos. A maçaneta girou e o bruxo entrou correndo. Estava de volta ao armário. Porém, o portão iluminado sofria tantos solavancos que ele deduziu que o campo energético ainda avançava. “Tenho de sair daqui também”, e tateou no escuro em busca da porta. Seus dedos tocaram as maçanetas. Harry as girou no mesmo tempo e a claridade o ofuscou por um segundo. Saiu esbaforido e voltou a trancar as portas do armário.

- Harry! – gritou McKinley, segurando o rapaz pelos ombros, com um sorriso largo no rosto.

- Mac, precisa me ajudar. Eu conjurei a caixa de Pandora e a ajustei para resgatar espíritos errantes, mas acho que ela está engolindo tudo que aparece pela frente. Por Merlin, o que faço para detê-la?

- Feche-a, ora – respondeu o escocês, com o cenho franzido. – E por que foi mexer nas minhas coisas?

O rapaz não esperou para responder. Empurrou McKinley para o lado e abriu o armário mais uma vez. Rapidamente, foi sugado. Chevalier segurou o gato Pierre pelo rabo antes que ele fosse arrastado para dentro do redemoinho e soltou um palavrão em francês até que tudo parou. O guardião francês tombou num canto e McKinley foi parar do outro lado. Harry ressurgiu com os cabelos completamente desalinhados. Abriu as portas totalmente e os bruxos viram espantados que a parede do armário desaparecera, revelando o lado externo da casa. Um tanto sem graça, o jovem se aproximou de Chevalier e o ajudou a se levantar.

- Desculpe-me. Eu não imaginei que a coisa acabaria assim. Mas os espelhos de seu ancestral estão no chão, intactos. Monsieur Chevalier gostava mesmo deles e deve ter usado algum feitiço permanente – disse, limpando o suor da testa.

Chevalier mal acreditava no que via. Passou pelo umbral do antigo armário e deu de cara com os fundos da casa, onde o matagal crescia e as aves chilreavam sob o sol da manhã. Harry e McKinley seguiram o bruxo francês. O professor deu um tapa nas costas do pupilo. Estava inflado de orgulho.

- Parabéns, Harry. Isso pode ir para o seu currículo. Agora me diga: descobriu alguma pista de Belatrix?

Harry colocou a mão no queixo, pensativo. Afagou o rosto barbado e olhou de modo intrigado para o professor.

- Sem barba ou com barba?

- O quê?

- Como devo ir ao casamento do Rony?

- Mas eu pensei...

- Mudei de idéia. Eu vou. Ah, não descobri nada a respeito de Belatrix. Não tem problema. Depois a gente descobre. Isso não é o mais importante agora. Primeiro, os amigos. Depois, quem não é amigo. Por favor, crie o portal para voltarmos. Senhor Chevalier, grato pela ajuda. E não se preocupe mais com o Labirinto. Ele está bem aqui. Esta é a caixa de Pandora, aquela que liberou as angústias do mundo. Conhece a lenda, não é?! Bom, ela pertence ao McKinley – e sabe-se lá como chegou às mãos dele. Mas, ahnn, o senhor gostaria de ficar com ela por causa do Labirinto?

- Non! Fica de lembrança para vocês – respondeu Chevalier, ainda atrapalhado e encostando os espelhos na parede do lado de fora da casa.

Harry e McKinley desapareceram assim que o portal foi aberto. E o velho bruxo francês voltou a cruzar o umbral, retornando para o quarto. Vendo mais uma vez o buraco na parede, a ficha caiu finalmente. Começou a gargalhar e a dançar. Estava livre!



*****

Tupai estava sentado comendo seu mingau, Chris se servia de chá e Nina acabava de colocar um cesto de pão sobre a mesa. Um filhote de puma dormitava num amontoado de cobertores velhos perto do fogão da cozinha. Ninguém falava. Estavam cansados, pois tinham dormido muito pouco naquela noite. O conselho de anciões se reunira para discutir o que fazer com a segurança do povoado. Ficara decidido que os incas bruxos se revezariam na guarda e os incas não-bruxos se encarregariam de vasculhar cada canto, cada arbusto e cada pedra para encontrar pistas que indicassem se havia um invasor entre eles. Um dos mais velhos fizera uma observação que ainda perturbava os pensamentos de Tupai. “Se um estrangeiro tivesse entrado aqui, alguns de nós iriam pressentir. Eu, por exemplo. Toda minha vida tive a sensibilidade para isso. Mas eu não sinto qualquer presença estranha em nossa vila. Quem quer que tenha atacado Inti e aberto o portão, voltou para seu esconderijo”, discursara o ancião. O curaca meditava a respeito disso quando seus sentidos o alertaram da chegada de duas pessoas. Ele se levantou em silêncio e caminhou calmamente para a porta.

- Pai, o que foi? – perguntou Nina.

- Eles estão voltando...

Nina largou tudo o que fazia e disparou pela cozinha. Saiu correndo e avançou pela trilha que levava até entrada. Logo encontrou a dupla. Sua vontade foi de agarrar Harry no ato, mas se conteve. Sorriu de pura felicidade.

- Oh, olá, Nina. Como vê, voltamos – comentou McKinley.

- Sim, sim. Eu estou muito... – a voz falhou. Os olhos brilhavam. – E vocês descobriram o que tanto precisavam descobrir? – perguntou, com o coração aos pulos e o rosto voltado para Harry.

- Descobri algumas coisas. Elas me ajudaram a pensar que preciso ver meus amigos. Preciso deles. Então, bem... eu... errrr... decidi que também vou ao casamento do Rony – respondeu, sem muita coragem de encarar Nina.

- O QUÊ? – gritou Chris, que viera correndo. Censurado com apenas um olhar atravessado de McKinley, ele se corrigiu. – Ah, quer dizer... Como assim você vai? E a sua segurança? E a da vila? E Belatrix?

- Pensamos nisso tudo enquanto subíamos a montanha, Chris. Você cuidará da segurança daqui. E eu me encarrego de Harry. Eu já ia mesmo à cerimônia. Falando em segurança, conte-me o que apurou até o momento.

McKinley puxou Chris para o seu lado e deixou Nina junto a Harry. Os quatro seguiram em direção à casa do curaca.

- Harry, o que isso tem a ver com o que você buscava? Eu não entendo – estranhou Nina.

- É uma história longa. Eu te conto melhor depois. Agora, gostaria de descansar um pouco.

- Certo – murmurou. – Eu... estou muito feliz de te ver de novo, Harry.

- Eu também, Nina – sorriu.

Era verdade. Entretanto, teria de falar com a jovem mais tarde a respeito de sua decisão em relação à Gina. Harry estava disposto a enfrentar o que tivesse de enfrentar. Queria de todas as formas rever a garota que amava. Depois disso, saberia o que o futuro lhe reservava. E o casamento de Rony e Hermione já era no dia seguinte.



*****

A senhora Weasley corria de um lado para o outro da casa. Faltavam duas horas para o casamento. Aflita, a mãe do noivo descera para a sala com o rosto coberto com um creme verde. Não se lembrava de ter pedido aos gêmeos para conferir a decoração da tenda montada numa área externa da Toca.

- Fred! Jorge! Vocês regaram as flores com a água encantada que Tonks enviou?

- 712 vezes, mãe.

- 713, Jorge. Eu joguei um pouco mais agora na última vez que mamãe nos perguntou isso.

- Ah, então, foi há cinco minutos!

- Engraçadinhos! Vocês vão ver se as flores murcharem antes da cerimônia terminar.

- Do jeito que obedecemos suas ordens, mãe, elas vão continuar viçosas até o nascimento do primeiro filho do Roniquinho. Ah, gostei da sua maquiagem!

Molly Weasley soltou um gritinho e voltou para seu quarto. No meio do caminho, parou diante da porta fechada do quarto da filha.

- Está tudo bem, meninas? Querem minha ajuda para algo?

Gina abriu a porta.

- Tudo segue conforme planejado, mamãe.

- Menina! Você ainda não arrumou esse cabelo.

- Isso não é problema. A Hermione terminou o banho agora. Se eu me atrasar, não vai ser mais do que ela – brincou.

A senhora Weasley fez uma careta assim que percebeu o sorrisinho da filha. Saiu resmungando e entrou em seu quarto.

- Gina, você vai acabar provocando um colapso na sua mãe – repreendeu Hermione. – Como será que o Rony está indo?

- Se bem conheço meus irmãos, eles devem estar jogando uma partida de snap explosivo lá no depósito de vassouras.

- Não sei por que eles não podiam se arrumar aqui na Toca... – começou a noiva, admirando as unhas recém-pintadas. – Finite! – bradou, apontando com o dedo para o esmalte, que se fechou sozinho.

- Manias da minha mãe. Ela quer que o Rony só te veja pronta na hora em que entrar na tenda. Mas não se preocupe. O depósito está tão bem arrumado que parece uma sala de jogos. Aliás, só podia ter ficado desse jeito. A idéia de reformar o espaço para isso foi dos gêmeos e do Carlinhos!

- Eu vi! Ficou lindo. Sei que os homens estão combinando de ficar por lá até a hora da cerimônia começar.

- Você está nervosa?

Hermione segurou as mãos de Gina.

- Estou ansiosa pela hora em que direi “sim”. Mas também sinto um aperto por não ter o Harry por perto. O Rony está sentindo muito a falta dele. Ele nem fala muito nisso, só que eu percebo. De todos os padrinhos de casamento que o Rony escolheu, o Harry era com o qual ele mais contava.

- Paciência, não é mesmo – respondeu a garota, mordendo os lábios. Em seguida, sorriu para animar a futura cunhada. – Quem sabe, Mione, ele possa aparecer quando vocês tiverem o primeiro filho?

- Então, vou tratar de ter um logo. Não quero esperar muito tempo para rever o Harry – e começou a rir.

Gina riu um pouco e, em seguida, apressou a garota. Ninguém queria, de fato, se atrasar. Principalmente porque Dumbledore, o celebrante, costumava ser pontual. E porque a senhora Weasley logo viria bater à porta mais uma vez.













Tive de desdobrar este capítulo em dois (sugestão da Miaka) para não cansar vocês. Ele está gigantesco mesmo. Demorei porque mostrei um trecho dele a um amigo (Celso) e ele apontou algumas falhas. Para corrigi-las foi um custo. Se ainda houver lacunas, por favor, pessoal, coloquem um aviso nos comentários. A boa notícia é que a segunda parte deste episódio, a que trata do casamento e do momento em que o Harry e a Gina – a verdadeira – se encontram, devo postar entre hoje e amanhã. E até sexta espero colocar no ar a parte final da fic. Obrigada. Bjs, K.

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