O último dos inseparáveis II

O último dos inseparáveis II



Draco se preparava para dormir quando ouviu bicadas em sua janela. Já era tarde e o rapaz não evitou um palavrão. Sabia o que aquilo significava.

- Errol! Afinal, qual é a lógica para a entrega dessas cartas malditas? Você ficou meses sem aparecer.

Suas mãos avançaram rapidamente para a mensagem que estava nas patas da coruja. Quebrou o lacre e começou a ler a carta que Gina recém havia terminado. “Ahhhh, mulherzinha teimosa!!! Depois de tudo o que fiz, você ainda está com esse idiota na cabeça!”, resmungou à medida que percorria as linhas.

“Não sei a razão do seu silêncio. Mas ele me machuca. Já estou esperando há muito tempo por você. Poderia esperar mais se eu tivesse algo em que me segurar. Só que os dias passam, a saudade aumenta e a falta de uma resposta sua me atormenta constantemente. Não quero bancar a boba. É que a situação mexe comigo de verdade. Por que você me deixa assim? Ainda está com raiva? Ou simplesmente não sente mais o que sentia? Não me faça ficar no vazio, por favor. Por tudo o que nós tivemos, eu não mereço esse tipo de tratamento. Principalmente porque o meu sentimento não mudou. Tenha, no mínimo, respeito por ele. Um beijo da sua Gina.”

Com uma expressão de desdém no rosto, Draco estendeu a carta sobre a escrivaninha. Abriu uma gaveta e retirou outro pergaminho. “Gina, Gina, você me obriga a fazer isso”, murmurou enquanto pegava uma pena de um estojo de couro.

- Ipsis literis! – bradou.

Um golpe leve da varinha fez com que a pena mergulhasse no tinteiro e, em seguida, percorresse o traçado da caligrafia da garota. Draco acompanhou o movimento do objeto com a mão apoiada no queixo. Tinha aprendido com seu pai a magia da cópia fiel do estilo da escrita. Era um encantamento que optara por usar em último caso. “Não vou permitir que essa história se prolongue. Ela vai acabar agora”, pensou, calculando qual passo deveria dar. Tomou uma decisão. Assim que a pena terminou o serviço, o bruxo apontou o pergaminho novo.

- Escreva! “Harry, desculpe por ter demorado a responder sua carta. Não foi minha intenção, mas tenho andado com a cabeça nas nuvens. Para falar a verdade, preciso te contar algo que aconteceu comigo, seu verme asqueroso”. Não! Apague o “verme asqueroso”. Isso é só a minha raiva. Continue. “O problema é que não sei como dizer. Porém, em respeito ao que tivemos, preciso ser sincera. Estou apaixonada por outra pessoa. E estou sendo correspondida. Não sei como aconteceu. Sei que agora estou namorando e não posso alimentar suas ilusões. Meus sentimentos por você mudaram, lamento. Mas podemos ser amigos. Tudo bem?” Ráá, isso vai fazer o cara explodir! Não. Não é para escrever isso que acabei de falar, pena estúpida! Prossiga. “Terei de descobrir se aceita a oferta de minha amizade qualquer dia desses. Não tenho idéia quando. É que não posso mais receber suas cartas. Isso não fica bem para uma garota que namora firme. Então, por favor, não me escreva mais. Adeus”.

Draco exultou com a mensagem. A cópia da letra de Gina estava perfeita. O rapaz executou com a varinha um feitiço que arrancou o lacre da carta verdadeira e o usou para fechar a mensagem falsa. Entregou o pergaminho para Errol.

- Tome, Errol. Esta carta vai seguir o destino final. Não se esqueça de me trazer a resposta, se houver.

O bruxo de cabelos platinados se atirou na cama depois que a coruja deixou seu quarto. Embora julgasse o golpe necessário, ficou preocupado com a possibilidade de Gina se abater mais uma vez. “Vou abandonar a estratégia de alimentar saudades com meus sumiços. Ela já está sentindo um pouco mesmo. Tenho de ficar por perto e ajudá-la a superar a tristeza, se ela tiver. Ah, é claro que a Gina vai ter! A boba ainda está ligada no miserável do Potter. Droga!” E, irritado, arremessou um travesseiro contra a parede. “Espero que depois disso, o maldito pare de escrever para minha garota. A falta de mensagens dele vai mostrar que o Potter não está nem aí para ela. Não queria que a Gina sofresse, mas paciência. No amor e na guerra, vale tudo”, matutou.



*****

Harry tinha acabado de tomar banho e se dirigia de roupão para seu quarto quando foi interpelado por um Rony tremendamente agitado. O ruivo trazia nas mãos uma carta. No rosto, uma expressão decidida.

- Você vai me achar louco depois que te contar o que eu vou fazer...

- Eu já te acho louco de todo jeito, Rony. Mas vai em frente. Enquanto isso, se não se importa, vou me vestir. Está frio! – respondeu, entrando em seu quarto seguido pelo amigo, que fechou a porta.

- Acabo de receber uma carta da Mione!

- As cartas chegaram? – perguntou, ansioso. – Onde está a Edwiges?

- Está no poleiro. Calma! Depois você pega sua correspondência. Esta aqui é super importante.

O rapaz fingiu que estava tudo bem. Mas desejava ardentemente conferir se recebera algo de Gina. Se houvesse, certamente não seria uma resposta à mensagem que enviara naquela manhã. Como o correio dos exilados ficava aberto por mais dois dias, calculava que a jovem lhe mandaria a esperada resposta depois. Mesmo assim, seria uma carta dela.

- Estou calmo. Pode falar.

- O Krum quer casar com a Mione – disse de supetão. Como Harry não conseguiu declarar nada diante da bomba, Rony prosseguiu. – É isso aí. O cara já deu até um anel de noivado para ela.

- E a Mione aceitou? – perguntou ainda espantado com a novidade.

- Aí é que está a coisa! Ela me pergunta o que eu penso disso. A Mione diz aqui... – afirmou, nervoso, sacudindo a carta. - ... que o mundo inteiro diz para ela casar. O mundo. Os amigos, os pais... Ela supõe até que você daria a benção para o casório – estrebuchou.

- Eu??? Só se eu fosse louco que nem você.

- Pois este louco aqui não está vendo a menor graça nessa história.

- Desculpa, cara. Só quis...

- Não. Não precisa se desculpar. Eu estou ficando doido de vez mesmo. Harry, a Mione não pode se casar com o Krum!

- Claro que não! Ela gosta de você.

Rony estacou. Olhou fixamente para o amigo.

- Eu ia falar que a Mione não pode casar porque escreveu que não está apaixonada por ele. Ou seja, se não está apaixonada, não tem de casar. Mas... mas... você acredita realmente que ela gosta de mim?

- Posso ver a carta?

O rapaz a entregou imediatamente. Harry se sentou na cama e leu a mensagem com atenção. Rony andava de um lado para o outro. Quando viu que o companheiro dobrou o pergaminho e estendeu o braço para devolvê-lo, engoliu em seco. Harry ergueu as sobrancelhas.

- É. Ela gosta de você e, no fundo, está perguntando se você gosta dela. Cara, é hora de falar a verdade. Senão você pode perder a Hermione.

- Não vou perder! Como eu disse, você vai me achar louco. Eu... eu vou embora.

- O QUÊ?

- Não vou correr o risco de perder a Mione. Não mesmo. Vou voltar para casa e procurar por ela.

- Não basta se declarar por carta? Tem de ir até lá? E como é que depois você vai retornar para cá? Isso pode desmontar o nosso esquema de segurança.

- Sei disso. Por isso é que não vou retornar. Harry, a Mione é o meu objetivo na vida. Tudo que tenho feito é para me considerar digno dela, para ter condições de oferecer algo de bom para ela. Sem ela, nada do que estou fazendo vai ter sentido. Eu tenho de voltar. A Mione já ficou tempo demais ao lado do Krum. Eu imaginava que ela estivesse apaixonada pelo sujeito. E isso, cara, isso me arrasava. Mas na carta a Mione diz com todas as letras que não está apaixonada. Não está!!! Pode ser loucura o que vou fazer. Não tenho certeza se vou conseguir alguma coisa. Só que se eu não tentar agora vou me arrepender até o dia da minha morte.

Harry ficou impressionado com a atitude de Rony. Ficou de pé e o abraçou, dando tapas amistosos nas costas do ruivo.

- Não posso falar mais nada. Só desejar tudo de bom para você. Vou torcer para que dê certo. E meu palpite é que vai dar.

- Valeu, cara. Eu... talvez eu esteja sendo muito egoísta. Puxa, vou largar meu primeiro emprego. Vou te deixar aí, sozinho. O McKinley é legal. O Gutmann é o que o nome diz, um bom homem... mas...

- Entendi. Err, eles não são meus companheiros como você é. Mas quem estaria sendo egoísta seria eu se não te desse apoio para essa sua empreitada. Vai nessa, Rony.

Ficaram quietos por um segundo. Rony guardou a carta no bolso.

- Quero ir embora amanhã cedo. Vou falar com o McKinley. Por Merlin, espero que ele me dê algum atestado para que eu possa prosseguir o curso de auror em Londres. Será que o homem me ajuda?

- Se ele não te ajudar, eu desisto de tudo isto aqui! É lógico que vai ajudar. Bom, enquanto você conversa com o homem, vou pegar minha correspondência. Quem sabe encontro algum motivo para te acompanhar?

Rony e Harry riram e partiram com destinos diferentes. O ruivo ia para o quarto do professor. O rapaz, para a sala. Estava ansioso para ver as cartas.



*****



Errol bateu na janela do escritório onde Draco fazia o acompanhamento dos negócios da família. O bruxo soltou um suspiro e por magia trouxe a coruja até sua mesa.

- Gostaria muito de saber qual é o esquema destas cartas. Que pacote mais pesado. Tem mensagem para um monte de gente. Ah, vou ler todas! Quero ver o que esses imbecis estão contando. Epa, aqui tem uma do Potter para a Gina – resmungou, abrindo o pergaminho no mesmo instante. Seus olhos cinzentos se contraíram.

“Gina, não agüento mais essa espera. Diga-me se ainda posso sonhar com você. Posso lembrar do carinho, dos abraços, beijos e tudo... Mas isso não me basta mais. Preciso ter a certeza de que você continua me amando. Da minha parte, não tenha dúvida. Eu te amo! Gostaria de falar pessoalmente. Pena que, por enquanto, não posso. Porém tudo pode mudar com a resposta que me der. Ansiosamente, te aguardo. Beijos nos teus cabelos, nas tuas mãos, nos teus lábios. Harry”.

Draco fez uma careta. “Meloso como sempre. Esta porcaria aqui deve ter sido escrita antes da mensagem que Errol levou nesta manhã”, resmungou. Porém não esquentou mais. Era a vez de tocar a segunda parte do plano. Conjurou a pena que utilizara para simular uma resposta de Gina. Recorreu de novo ao feitiço da cópia fiel. A pena percorreu a caligrafia de Harry, assimilando o estilo. Concluído o trabalho, Draco a segurou com as mãos, fazendo com que uma luz branca e densa surgisse entre seus dedos. “Vai ser de próprio punho”, declarou em voz alta. Queria caprichar. “Não posso poupar a Gina. Tenho de ser duro para ver se a teimosa esquece de vez esse idiota”, pensou, com um leve incômodo. A idéia de causar dor à garota ainda o perturbava. “Mas é preciso”, concluiu.

E escreveu num pergaminho que retirara da gaveta: “Gina, por favor, me esqueça. Lamento ser obrigado a ser tão direto. Vi as suas cartas e fiquei constrangido de responder porque a verdade é que o que eu sentia acabou. Não sei como foi, só que aconteceu. Como você insiste num romance que não existe mais, me vejo na desagradável situação de esclarecer os pontos. Perdão. O que houve entre a gente foi legal. Porém terminou. Esperava que com você tivesse sido a mesma coisa. Bom, nós estamos numa fase em que os interesses surgem e se vão rapidamente. Eu, por exemplo, conheci algumas garotas. Faça isso. Conheça gente nova. É melhor para nós dois. Afetuosamente, Harry”.

- Muito bem. Nenhum dos dois vai querer falar mais nisso. O orgulho deles não vai deixar – disse, observando com satisfação que a letra era idêntica à de Harry. – Os Malfoy são realmente bons nisso!

Lacrou o pergaminho exatamente como a carta verdadeira do rival. Leu rapidamente o restante das mensagens. A de Rony trazia informações que poderiam chamar a atenção de sua mãe. Matutou se deveria fazer o que pretendia. “A Gina iria me odiar. Mas ela não precisa saber do meu plano. E eu também não preciso contar tudo o que vi”, imaginou. Devolveu o pacote de pergaminhos para Errol, despachou a coruja e se dirigiu à sala, onde encontrou Narcisa.

- Mãe, você pretende fazer outra de suas viagens curtas?

- Não, filho. Por quê? Deseja alguma coisa?

- Ah, não! Nada. Estou sossegado – comentou, enquanto fingia procurar uma revista bruxa na pilha que sua mãe deixara ao lado do sofá. – Humm, soube estes dias que o maldito Potter e o Weasley ralé estão na Alemanha. Parece que foram encontrar um bruxo alquimista de lá. Ops, tinha me esquecido. Esse é um assunto que só te aborrece. Perdão.

Draco abandonou o lugar e se trancou no escritório. Narcisa esperou alguns minutos para poder escrever uma nota. Foi até a cozinha, abriu a despensa e com a varinha afastou uma caixa grande na prateleira que ficava rente ao chão. Atrás dela havia um acolchoado minúsculo e um monte de trapos cobrindo uma figura magra e pequena.

- Kreacher, tenho um recado urgente para sua senhora.

- Para a milady? Finalmente... – balbuciou o elfo doméstico.

- Já sabe! A discrição vale ouro. Não deixe que ninguém te veja. Esteja atento a aurores. Se encontrar um deles, fuja, mas não venha para cá. Minha casa seria o primeiro lugar aonde eles iriam te procurar.

- Sim, senhora – respondeu e desapareceu em seguida.

Narcisa colocou a caixa grande no lugar, fechou a despensa e se serviu de um copo de suco como se nada de excepcional tivesse ocorrido.



*****



Edwiges estava tranqüila no poleiro ao lado de Maier e Pichi quando Harry surgiu na sala. O rapaz olhou para a coruja branca como se esperasse por algum sinal de que, sim, havia uma carta de Gina para ele. O animal percebeu o que queria seu dono e soltou um piado alegre. O bruxo sorriu.

- O correio chegou!

Harry pegou seu pacote de correspondências e o levou para o quarto. Foi até a janela, ardendo de curiosidade. Desfez o pacote e viu as cartas uma a uma. Havia pergaminhos enviados por Dumbledore, Hermione, Minerva McGonagall e... Gina! Rompeu de imediato o lacre com o símbolo da família Weasley. Seus dedos nervosos abriram a mensagem. Ajeitou os óculos e começou a ler. Ao atingir a metade do texto, ficou pálido. Não quis acreditar naquelas palavras. Prosseguiu com o coração aos trancos. A palidez aumentou. Os lábios tremeram. “Não pode ser. Não pode”, disparou, entre dentes. Releu a carta. Como poderia descrever o que estava sentindo naquele momento? Seus olhos ficaram úmidos. Tenso, amassou o pergaminho. Olhou para o parque, para as árvores que pareciam encolhidas pelo frio, para o tom cinzento do dia. “Não pode ser”, repetiu, atônito. Abriu a carta de novo, alisando-a com força, uma expressão do desejo desesperado de apagar o conteúdo e trocá-lo por outro. Nada disso, entretanto, alterou o teor. Então, se entregou. Chorou. Não queria controlar emoção alguma. Queria apenas libertar a dor.



*****

McKinley soltou um longo suspiro. A noite caíra sobre Berlim e na casa de Gutmann havia velas acesas espalhadas por todos os cantos. O alquimista estava cantando pela casa velhas músicas alemãs que falavam de amor.

- Poupe-nos, Dieter. Maier canta melhor do que você – alfinetou o escocês.

- Thelonius, quem te ouve falar agora não acreditaria que algum dia você já esteve apaixonado – riu o homem, batendo nas costas do amigo com animação e retirando da mesa os pratos do jantar com um discreto movimento da varinha. Depois, olhou para Rony, que comunicara sua decisão aos professores naquela tarde. – Oh, temos de comemorar, meu jovem! Hoje é uma noite especial.

- Este jantar não é de comemoração?! Comi tão bem... – disse o rapaz, ligeiramente ruborizado.

- Nein! Eu me referia a uma boa cerveja. Vamos até um bar que fica aqui perto. A gente precisa sair para celebrar! – respondeu o alemão, animadíssimo. – Harry, arranque essa cara de tristeza e venha beber conosco.

Harry quase saltou da cadeira ao ouvir seu nome. Estava alheio à conversa.

- Hein? Beber? Por que não? – emendou, disfarçando seu estado de espírito.

- Ah, eu vou bancar o chato. Não quero beber – resmungou McKinley. – Você pode ficar pulando de felicidade, Dieter. E, no fundo, eu também estou porque desejo o melhor ao Rony. Mas perder um pupilo e um assistente não me traz essa alegria infinita que você exibe.

- McKinley, se você está aborrecido porque eu vou...

- Não, Rony. Jamais me colocaria contra sua decisão. O que eu tenho é inveja. Gostaria de ter tido a mesma chance que você. Mas não tive. Essa história está me lembrando meu fracasso amoroso... Que o diabo me carregue! Por que só eu sou um desastre no amor?

- Ach, Thelonius, não pense nisso. Venha beber com a gente para se distrair – comentou Gutmann, batendo com a varinha no pescoço para surgir uma gravata borboleta.

- Obrigado, mas não vou. Tenho de escrever uma carta para Dumbledore, contando das mudanças. E tenho de pensar no que fazer daqui para frente. Rony, você me empresta sua coruja?

Rony balançou a cabeça. Virou o rosto para o amigo, que dobrava um guardanapo metodicamente.

- Ei, cara, você não estava assim nesta manhã? O que aconteceu?

- Caiu a ficha – respondeu de pronto. – É fantástico o que você vai fazer. E eu te apóio totalmente. Mas isso não me impede de ficar triste pela companhia que vou perder.

Era verdade. Harry, no entanto, não revelara tudo o que ia por dentro. Estava arrasado pela carta de Gina. Quando Gutmann o inquiriu a respeito de uma possível resposta, optara por mentir e afirmara que ainda não tinha recebido nada. Não pretendia estragar a noite de alegria que o alemão antevia. O anfitrião, iludido, ainda tentara animá-lo. “Tenha paciência, meu jovem. Depois da carta que você enviou, ela responderá”, sorrira. Harry pensava nisso com amargura no instante em que Gutmann o estimulou a se levantar da cadeira com um empurrão amigável.

- Ande, Harry. Vou mostrar um bar realmente bom! Temos de atravessar o parque, atravessar uma rua, passar pelos escombros da igreja que sobreviveu à segunda guerra e vamos cair numa das avenidas mais movimentadas de Berlim. Enfim, uma aventura – gracejou.

Os três deixaram a casa e andaram pelo parque com cautela. Não podiam chamar a atenção dos trouxas. Sempre que faziam passeios pelo Tiergarten tomaram o cuidado de se vestir o mais próximo possível dos visitantes comuns. Gutmann falava pelos cotovelos, feliz de ver que Rony tentaria se acertar com sua musa. Harry nem abria a boca.

- Humm, tive a impressão de ouvir passos nos seguindo – observou Rony a um certo momento.

Ele e Gutmann olharam ao redor e não descobriram nada de diferente. Harry continuou andando, pouco se importando com o comentário do amigo. Estava doido para chegar ao bar. “Vou me embebedar”, pensava, deprimido. Ao entrarem no lugar, os três se instalaram numa mesa mais isolada e pediram uma rodada de cervejas. O alquimista tratou de contar episódios engraçados de sua vida e logo estavam rindo. Harry se esforçava. E bebia um caneco atrás do outro.

- Acho melhor ir devagar, Harry. Você não está acostumado – riu Gutmann assim que o rapaz pediu mais uma cerveja.

Era tarde quando o trio decidiu pedir a conta. Harry lutou para sacar o dinheiro trouxa do bolso, mas estava tão zonzo que não conseguiu. Gutmann suspirou. De sua carteira, retirou as notas e não permitiu que Rony desse as suas. O rapaz insistiu, também fazendo força para se manter firme, embora estivesse em melhor estado do que o companheiro.

- É minha última noite aqui, Gutmann. É justo que eu pague a conta.

- Guarde seu dinheiro para um presente para a famosa Hermione. E diga à moça que desejo muito conhecer a mulher que conquistou meu bom amigo Weasley.

- Eu... também... posso... pagar... – interferiu Harry.

- Desconfio que você mal possa andar, meu caro.

Os três atravessaram a avenida com cuidado. Gutmann começou a refletir que deveria ter impedido que os jovens tivessem bebido muito.

- Thelonius vai querer me matar depois disso! Ainda falta muito para vocês me acompanharem. Estou vendo que vocês ficaram ruins mesmo – riu o alemão. – Mas eu tenho a solução para isso. Sempre trago comigo meu spray estabilizador.

- Isso estabiliza o quê? – perguntou Rony, com a voz enrolada.

- Ele vai te estabilizar. Um minuto depois você está como novo. É o tempo para o efeito do álcool passar.

- Minha mãe faz um chá anti-ressaca – começou o ruivo.

- Isto aqui é muito melhor. Pelo seu estado, julgo que uma borrifada basta. Vamos até a igreja para ficar longe dos curiosos. Na praça, ficaremos muito expostos. Se bem que não estou vendo ninguém por aqui. Que estranho!

Gutmann arrastou os rapazes para a entrada da igreja em ruínas. Harry se encostou em um canto, enjoado, enquanto o alquimista aplicava uma borrifada em Rony.

- Acho... que... vou... vomitar... – gemeu o bruxo, com náuseas.

- Harry, isto aqui faz cócegas, mas vai te ajudar! Escuta, deixa aplicar em você... – disse, empunhando o spray.

- Err, Rony, é melhor que eu aplique. Eu estou bem e você, não.

O rapaz não ligou. Pegou o spray e desajeitadamente tentou borrifar o rosto de Harry. O amigo, porém, abaixou a cabeça, com a sensação de que colocaria tudo para fora.

- Ah, vamos lá, cara. Colabora!

- Humm, acho que no caso dele serão necessárias três aplicações – observou Gutmann, risonho.

Mas Rony não riu. Virou o corpo com rapidez. Olhos arregalados, buscou algo na escuridão. A embriaguez ia cessando e seus sentidos estavam voltando ao normal. Antes que pudesse identificar de onde viera o ruído de passos furtivos que captara, um jato de luz se projetou com velocidade sobre eles. O bruxo não conseguiu impedir o ataque. Harry foi lançado violentamente contra uma parede.

- O QUE É ISSO? – urrou Rony, sacando a varinha a tempo de se proteger de mais um feitiço. Das sombras, saltaram quatro pessoas encapuzadas. O rapaz gritou para que Gutmann fugisse e levasse Harry com ele.

Depois do choque, Harry tentou ficar de pé. O cérebro embotado pelo álcool não o ajudava. O enjôo voltou com força. Não agüentou mais e despejou de modo deprimente o que lhe fazia mal. Junto, expeliu sangue. Estava ferido por dentro. Gutmann correu até ele, resgatando o spray para acabar totalmente com o torpor do amigo. Não houve tempo, no entanto, de se aproximar. A porta da igreja se abriu com estrondo e do interior da construção surgiram imensos ramos verdes, cobertos de espinhos e flores estranhas que envolveram o corpo do rapaz. Harry puxou os braços, procurando se soltar. Mas apenas criava feridas na pele. Os ramos eram resistentes e o arranhavam. Além disso, porém, liberavam também um pó amarelo que saía de dentro das flores. Estava preso e sem condições físicas de resistir. Aos poucos, foi sendo arrastado para o interior da igreja. O alquimista disparou atrás dele.

- Herr Potter! Herr Potter! – gemeu, assustado com as faíscas que relampejavam às suas costas.

Rony se defendia o melhor que podia. E ainda se esforçava para se aproximar dos amigos. Disparou com a varinha um muro de magia para impedir que Gutmann fosse atingido, sem tirar os olhos de seus adversários. Tinha certeza que estava se batendo com Comensais.

- Seus malditos! Como nos descobriram? – vociferou assim que fez um de seus oponentes cair desacordado. Em seguida, conjurou um escudo que arrebentou em suas mãos com uma azaração lançada por mais um encapuzado que surgiu. – Merda!

- Perdendo a linha, rapaz? – riu uma voz feminina, a da pessoa que destruíra seu escudo. – Não vou te censurar porque a coisa vai piorar! E respondendo a sua pergunta: um passarinho nos contou que vocês tinham vindo atrás de um alquimista na Alemanha. Ora, os Comensais daqui se lembram muito bem dele. Nós só precisamos montar um esquema de vigilância no parque. Bingo!

- Herr Weasley! – gritou de longe o alemão.

Rony não podia ajudar Gutmann. Estava diante de Belatrix Lestrange.

*****

Draco arrumou o casaco antes de bater à porta. Estava um tanto ansioso. Desconfiava do que estava para acontecer. Escrevera para Gina, convidando-a para jantar. E ela lhe respondera na seqüência que se sentia muito doente. Diante do bilhete, resolvera apostar tudo num lance. Iria até ela.

- Boa noite – comentou uma espantada senhora Weasley, ao vê-lo parado na porta. – Você é o filho de Lúcio Malfoy, não é?! Você mudou um pouco, mas ainda se parece com seu pai.

- Boa noite, senhora Weasley. Sou, sim. Draco Malfoy. Prazer! Posso falar com a Gina? – perguntou, abaixando levemente a cabeça, com educação.

- Ela não me disse que você viria... – começou.

- Peço que me perdoe. Não avisei que viria porque eu mesmo não pensava nisso. Mas recebi uma carta da Gina que dizia que ela está se sentindo muito doente.

- É verdade. Minha filha não está bem. Chorou a tarde inteira com dor de cabeça. Já dei poções de todos os tipos e acho que se recuperou um pouco. Mas agora pouco fez questão de ir até o galpão das vassouras. Nós guardamos lá algumas coisas velhas. E a Gina queria ver as velharias do Rony. Eu falei do frio, que ela poderia piorar, mas quando essa menina quer... por Merlin, fica difícil mudar a cabeça dela.

- Ela está no galpão, então? Importa-se se eu for até lá?

A senhora Weasley ergueu as sobrancelhas. Não assimilara ainda a idéia de que Draco se tornara amigo de sua filha. “O que esse rapaz quer com a minha garotinha?”, perguntou-se, mordida.

- Pode ir. Contorne a casa deste lado e você vai encontrá-la. Mas eu recomendo que tenha muito jeito com ela. Gina anda sensível ultimamente. Aproveite e leve este casaco para ela. A danada não quis vestir antes de sair. Só que eu sei que a Gina não vai recusar um pedido de um... amigo – disse, sublinhando a última palavra de propósito.

- Certamente, senhora Weasley. Até outro dia! – despediu-se, apertando levemente a mão da mulher. Um perfeito cavalheiro.



*****

Dieter Gutmann não tinha idéia de como se aproximar de Harry. Toda vez que dava um passo, os ramos arrastavam o rapaz um metro para trás. E surgiam outros que iam cobrindo o corpo do jovem. O bruxo fazia força para se libertar. Mas eram gestos atrapalhados e destinados ao fracasso. Os galhos se enroscavam nele, prendendo-o do tornozelo à testa. O alemão sacou sua varinha e disparou uma série de feitiços, cortando espinhos e flores e arrancando lascas verdes das grossas ramificações. Porém mais hastes apareciam. E uma delas o arremessou para longe, com um movimento brusco.

Após gritar o nome de Rony e esperar por alguns segundos, o alquimista percebeu que não havia muito a fazer. Ergueu-se, arregaçou as mangas, empunhou o spray. Precisava despertar Harry de vez.

- Agüente aí, meu amigo. Você foi capturado pela maior trepadeira de Tsé-Tsé que já vi. Deve ter sido encantada por aqueles bruxos. Se eu não te tirar daí, você vai mergulhar num sono que pode ser eterno – e fez uma chama densa sair da ponta de sua varinha. Com ela, abriu um pouco de espaço entre os ramos. – Você necessita de três borrifadas do estabilizador. Aqui vai a primeira.

O borrifo no rosto do jovem atingiu também a planta, que reagiu de imediato. Um dos ramos se soltou do corpo de Harry e golpeou Gutmann furiosamente. O alquimista deixou escapar de seus dedos o spray e um galho fino e flexível se enrolou no tubo, arrastando-o para o tronco, uma massa verde de folhas e galhos retorcidos para onde a trepadeira tentava levar Harry. Após a borrifada, o rapaz sacudiu levemente a cabeça. Entretanto, mover-se só fazia mais pó se espalhar.

- O que é isso, herr Gutmann? – murmurou, ainda com a voz enrolada.

- É o pólen de Tsé-Tsé. As moscas do sono se abastecem desse pólen. Resista, Harry. E-e-eu vou atrás de socorro – e se apressou rumo à porta da igreja.

Gutmann desejava ardentemente desaparatar. Havia algo que o impedia. “Magia! Só pode ser magia. Eles bloquearam o campo. E eles se parecem com Comensais”, alarmava-se. Chegou à porta da igreja e abriu ainda mais seus olhos espantados. Uma cascavel gigante cercava Rony e os encapuzados disparavam mais feitiços, obrigando o rapaz a se defender com todos as armas que os treinamentos haviam lhe dado: a destreza física, a magia potencializada e os sentidos aguçados.

- Há mais um ali, senhora Lestrange – berrou um Comensal. – Parece um porco de tão gordo.

O alquimista conjurara um escudo, que repeliu o feitiço arremessado pelo Comensal. E Rony atacou o inimigo sem piedade, apagando-o assim que o notou distraído.

A cobra também aproveitou o momento e desferiu um bote. O bruxo escapou com um salto de costas que faria Mestre Lao aplaudi-lo. Belatrix, no entanto, não queria fazer com que o rapaz brilhasse.

- Estupefaça! – urrou, mirando o jovem ruivo.

Rony tinha acabado de transfigurar sua varinha na espada com a qual treinara na China. Ele a girou com rapidez, gerando um escudo encantado, que explodiu em várias partes sob o impacto da magia de Belatrix. Mas Rony se manteve firme, apesar da energia desprendida. Apontou a espada para sua adversária e lançou um jato vermelho incandescente que a feriu no ombro, produzindo um chiado de carne queimando. A Comensal gritou.

- Você vai morrer por causa disso – sibilou.

Os dois Comensais restantes saltaram para a frente, protegendo a líder do grupo e jogaram novos jatos sobre Rony. Gutmann assistia tudo isso com o coração disparado. “Anya, minha Anya, ajude-me a buscar uma saída! Rony, não pode fazer nada agora”, pensou, assustado. Lembrou-se de McKinley. Tinha de avisá-lo. Haveria tempo para correr até sua casa e voltar em condições de resgatarem Harry e salvarem Rony? O alquimista decidiu arriscar. Disparou em direção ao parque, correndo o máximo que podia. Cruzou a rua e voltou a notar que nenhum trouxa estava nos arredores. “Eles montaram uma armadilha. É óbvio. De alguma forma, afastaram todos”, gemeu. Procurou desaparatar. Não conseguiu. Já estava sem fôlego quando atingiu o parque. Avançou por entre as árvores, esbaforido. “Thelonius! Thelonius, ouça-me. Oh, inferno. Por que não treinei telepatia? Ganharia mais se soubesse isso em vez de ter estudado...”. Um barulho vindo da mata interrompeu seus pensamentos. Era o chocalho da cascavel dos Comensais. Gutmann não tinha mais saliva na boca.

- Uma cobra! Justamente o que eu mais detesto – disse, apontando a varinha para o réptil. Com um gesto trêmulo, fez o animal saltar aos ares e despencar com estrondo no chão.

A cascavel, ferida pela queda, armou o bote e saltou sobre Gutmann. O alquimista conjurou um guarda-chuva, onde as presas da cobra se fincaram. Uma idéia surgiu em sua mente.

- Imobilus – bradou, fazendo a serpente parar de se mexer. – Não é uma posição confortável. Mas eu preciso de um pouco do seu veneno para afastar a trepadeira.

O bruxo fez surgir um vidro. Com asco, Gutmann extraiu um pouco do veneno. Largou a cascavel imobilizada no solo. Hesitou em prosseguir. McKinley era mais poderoso do que ele e teria mais condições de enfrentar os Comensais. No entanto, o alemão olhou para o vidro em suas mãos e desistiu de ir até sua casa. “Vou voltar. Não deixarei que aconteça com eles o que aconteceu com Anya. Não, senhor”, pensou, aterrado. Disparou uma série de feitiços coloridos para o alto na esperança de que o amigo visse as luzes. “Se eu pegar uma punição por usar feitiçaria em campo trouxa, não vou me importar”, consolou-se, correndo de um modo atabalhoado. O suor empapava suas roupas quando chegou ao ponto de onde partira. Rony ainda duelava com os Comensais. Belatrix e mais um bruxo resistiam. E a bruxa demonstrava claramente quanto estava irritada por ver que o ruivo ainda não tombara.

- Amante-de-trouxas nojento! Só porque treinou um pouco, acha que pode se equiparar a mim?! – e disparou uma azaração sob os pés de Rony, fazendo-o tropeçar. No mesmo instante, aplicou sobre ele a maldição Cruciatus. O ruivo suportou a dor violenta sem soltar um grito, mas seus olhos se encheram de água devido à tormenta física a que estava submetido. – Peguei você, seu rato vermelho!

Gutmann sentiu um tranco no peito e se esgueirou na escuridão. “Perdão, meu amigo Rony. Primeiro vou soltar Harry. Ele pode nos ajudar”, pensou, agoniado pela dúvida mais uma vez. Avançou pela igreja e percebeu que o pânico só estava começando a se instalar. Harry praticamente tinha sido tragado pela massa de ramos espinhentos. Uma névoa amarelada envolvia a trepadeira. O alemão tremia enquanto conjurava pós e minerais para fazer um preparado capaz de libertar o rapaz.

- Pela Ordem dos Inseparáveis, não há alquimista neste mundo melhor do que eu! Feitiços podem petrificar uma pessoa por instantes. Mas nada pode petrificá-las para sempre. A menos que sejam transformadas em pedras pela alquimia!!! Você pode ser forte, plantinha do inferno, só que eu sou mais – disparou a falar, enquanto misturava os ingredientes no frasco e o sacudia com vigor.

Os espinhos da trepadeira se esticaram. A planta respondia a Gutmann. Estava pronta para enfrentá-lo. Um de seus galhos voou em direção ao rosto redondo do alquimista. Mas de suas mãos saiu um pó branco que calcinou a haste. A planta se encolheu.

- Eu sei com que elementos estou mexendo. Solte meu amigo a menos que queira virar objeto de decoração! – gritou.

Ouviu um estrondo. Não tinha idéia do que estava acontecendo. Uma imprecação de Belatrix trouxe-lhe um pouco de alívio. De algum modo, Rony escapara à maldição. Gutmann terminou de mexer sua poção alquímica e fez surgir em suas mãos uma besta e algumas flechas. Mergulhou as pontas das setas no preparado.

- Eu avisei!

As flechas atingiram ramos da trepadeira que se projetaram sobre ele. As hastes se contorceram e logo adquiriram um tom cinzento. Caíram sobre o chão por causa do peso e racharam em várias partes. A planta lançou mais galhos e ramos, mas sem a mesma força.

- O veneno se espalha rapidamente! – murmurou, satisfeito, após disparar mais flechas.

Gutmann avançou com pressa. Tinha de acelerar para libertar Harry antes que a planta inteira se transformasse em pedra. Correu até o centro da trepadeira. Não conseguia ver o amigo. Um galho finalmente o atingiu, derrubando-o. Outro ramo apareceu e se enrolou em seu pescoço, sufocando-o. O mago tateou o solo, em busca da varinha. Não a achava e imaginou que morreria. Foi salvo por Rony, que decepou o ramo com um golpe da sua espada encantada.

- Deixe comigo, herr Gutmann. Fingi que tinha desmaiado e a Belatrix me soltou. Na hora, ataquei os dois Comensais. Ela deve ter ficado cega com a nuvem de poeira que lancei. Mas é por pouco tempo. O senhor tem de fugir agora! Avise o McKinley! – declarou, enquanto cortava os ramos que voavam sobre eles.

- A tre-tre-padeira está se transformando em pedra! Temos de soltar o Harry. Ele está dentro daquela massa verde.

- Daquilo?! Por Merlin!!! Posso explodir esta coisa?!

- Não. Se você fizer isso, ela pode destruir o Harry. Ele está preso. Provavelmente, entorpecido. Cuidado com os espinhos!

Numa tentativa desesperada de sobreviver, a planta disparou os espinhos de seus ramos e lançou outros ramos sobre os dois bruxos. Rony conjurou um escudo e afastou Gutmann com as mãos.

- Eu me viro. Mas traga o McKinley! Rápido!

O mago balançou a cabeça e se retirou. Rony passou a despedaçar os ramos e notou que, aos poucos, uma cor cinzenta ia tomando conta da enorme trepadeira. Tinha de chegar ao centro da planta. A maldição que Belatrix jogara sobre ele roubara parte de sua energia, mas Rony sempre fora fiel. Não iria abandonar seu amigo naquele momento. Esforçou-se para seguir adiante. Quando chegou à massa verde de ramos retorcidos, fechados como um casulo, ergueu a espada e abriu um grosso talho na vegetação. A trepadeira estremeceu e liberou mais pó. O rapaz cobriu as narinas com a mão. Golpeou a massa de novo com a espada e com o pé forçou a abertura. Conseguiu ver Harry, coberto por galhos finos e cipós. Estava de pé e Rony se lembrou das múmias que vira em sarcófagos muitos anos atrás. Chamou o companheiro, sem sucesso. Uma camada de pó amarelado cobria seu rosto e seu corpo. Filetes de sangue escorriam por sua pele, onde os espinhos haviam se cravado. Rony exclamou um palavrão e desferiu outro golpe contra a planta. O ruído do impacto, no entanto, foi diferente. A trepadeira estava endurecida. Apenas o coração da massa verde ainda vivia.

- Você já era, sua erva-daninha!

Um grito de horror o fez recuar. Gutmann! Rony apertou os dentes. Disparou um jato que libertou Harry. O amigo caiu, inconsciente. Com um movimento da varinha, o ruivo o arrastou até a porta da igreja. Tinha de ser ligeiro.

- Fique aqui, Harry. E se recupere! Ou faça alguma coisa, por Merlin! Eu não sei mais o que fazer!

Rony saiu e se viu de novo diante de Belatrix, que agora tinha Gutmann aos seus pés, com o corpo dobrado para frente e com a mão segurando fortemente um dos ombros. Ao lado da bruxa, a cascavel gigantesca exibia pupilas brilhantes.

- Tsc, tsc. Ele não conseguiu fugir. Nem você vai escapar da minha amiguinha. VÁ! – berrou para a cobra.

A cascavel se moveu com rapidez. Rony lançou uma bola de fogo sobre ela, repelida com facilidade pela bruxa. “É só um bicho. Eu consigo lidar com bichos”, pensou, observando a cabeça formidável do réptil se elevar e se projetar para trás. “Vai ser agora”, calculou. No segundo em que a cobra deu o bote, Rony puxou a ponta do rabo do animal por magia e fez com que a cascaval cravasse as presas em sua pele.

- Isso é provar do próprio veneno – ironizou assim que viu a cobra se contorcer.

Irritada por ver que a cascavel havia caído no truque do rapaz, Belatrix jogou sobre ele toda sua fúria.

- Estupefaça!

Cansado pela luta, Rony não pode se proteger e recebeu o impacto direto no peito. Com um gemido surdo, foi derrubado. Seus olhos ainda estavam abertos quando viu Belatrix se aproximar, rilhando os dentes.

- Cansei de você – sibilou. E ergueu a varinha.



*****

Gina lustrava a Firebolt que Harry deixara em sua casa. Os olhos vermelhos e a cabeça baixa demonstravam que estava sensível. Tinha chorado a tarde inteira depois de ter lido a carta que Errol lhe entregara. Inventara a desculpa de que estava com uma dor de cabeça fortíssima, mas o que insistia em latejar era seu coração. Sentia-se como o último dos seres na Terra. E não compreendia por que Harry deixara de gostar dela. Não aceitava essa idéia. “Foi tão bom entre a gente. Como é que acabou?” Isso a machucava. Escutou leves batidas na porta do galpão. Com um movimento do dedo indicador, abriu a porta sem sair do lugar. Suspirou ao ver que era Draco.

- Você não aceita mesmo um “não” como resposta – comentou com a voz arrastada.

- E o que você imagina que eu iria fazer depois de saber que minha doce amiga não está bem?

Ela não respondeu. Com a vassoura no colo, passava um liquido num pano e depois o esfregava no cabo. Fazia isso repetidas vezes, sem atentar para o fato de que já estava polida.

- Vai me contar ou terei que adivinhar?

- Contar o quê?

- O que é que está te perturbando?

Gina balançou a cabeça como quem responde “nada”. Mas o olhar de Draco mergulhou em sua alma. Então, as lágrimas desceram silenciosas.

- Eu escrevi para ele... – murmurou.

- E? – perguntou, aproximando-se de onde a garota estava sentada.

- Ele disse que não... não gosta mais de mim. Disse para eu... conhecer... outras pessoas. Foi isso – respondeu, limpando o rosto com a costa das mãos e fazendo força para não derramar mais lágrimas.

Draco parou na frente dela sem abrir a boca. Gina continuou a polir a vassoura, mas uma lágrima caiu sobre o cabo e ela fungou.

- Ah, olha o que eu fiz! Sujei tudo – e desatou a chorar de modo convulsivo.

O rapaz pegou a vassoura e a atirou num canto. Abraçou a garota e a manteve aninhada por uns minutos para tranqüilizá-la. Deu-lhe um beijo na testa. Aos poucos, Gina se acalmou. O afago tinha sido bom. Não eliminara a dor, no entanto. Draco segurou o rosto dela.

- Gina... – falou baixinho. E deu outro beijo. Nos lábios da moça.

No início, ela não reagiu. Permitiu que Draco a atraísse mais contra seu corpo. Mas logo veio a tristeza. Não era Harry. Ela o afastou com delicadeza.

- Não posso. Não consigo.

- Você tem de esquecer esse cara. Ele não te quer mais. Eu quero! Gina, me deixa curar essa dor...

- É muito cedo – interrompeu a garota. – Não tenho condições. Ele não gosta mais de mim, mas eu ainda... – não completou.

- Eu sei! Mas não me importo de esperar. Só quero que você fique comigo. Gina, já estou nessa expectativa há muito tempo. Não seja cruel.

- Não sou cruel. Sou realista. É só que...

- Ok. Vou ser direto: ninguém te ama mais do que eu. Já te disse isso uma vez e direi quantas vezes forem necessárias. Meu maior desejo é que você seja minha. Meu destino é você! Não há outra mulher que eu queira! – e deslizou os dedos pelo rosto da moça.

Gina não evitou novas lágrimas. Draco ofereceu o casaco que levara. A garota se agasalhou e se levantou para voltar para casa. O rapaz a acompanhou até a porta e a abraçou mais uma vez antes de se despedir.

- Vou esperar por você. Mas diga logo “sim”, certo? Venho te buscar amanhã para a gente se distrair – disse. Antes de soltar a jovem, ele a beijou mais uma vez, de leve. E se foi.



*****

Harry se viu envolvido por ramos vindos de todas as partes. Lutou o que podia. Mas seus movimentos estavam lentos. Tinha bebido demais e não conseguia raciocinar direito. O borrifo que recebera melhorara seu estado, porém o pólen já fazia efeito. Perdera a vontade de lutar. Os galhos se enrolavam em seu corpo. Cipós o prendiam ainda mais ao tronco da planta. O sono vinha. E com ele o desejo de não acordar mais. Para que acordaria? O que encontraria fora dali senão a rejeição e a dor? Gina não o queria mais mesmo. Sua vida não era boa. Melhor ficar quieto, esperando o fim. Qualquer que fosse ele.

Teve a impressão de ouvir a voz de alguém. Tentou convocar sua varinha. A trepadeira se contorceu e seus espinhos se fincaram mais fundo em sua pele. Sentiu dor. E a planta liberou mais pólen, anestesiando-o. Voltou a escutar algo. Com o canto dos olhos, percebeu um galho ainda jovem trazendo consigo um spray. O spray de seu amigo Gutmann. O ar ficou enevoado com partículas amarelas. As pálpebras pesavam. Fechou os olhos.

Não tinha certeza se estava dormindo. No entanto, a voz de Rony chegara a seus ouvidos. “O que ele quer?”, pensou. Não conseguia compreendê-lo. Mexeu um pouco o corpo e se surpreendeu que a atmosfera não se enchesse de pó amarelado. Moveu a cabeça para os lados. Tinha a impressão que Rony falara mais uma vez. “Preciso entender o que foi”, esforçou-se. Subitamente, foi arrancado de onde estava. Então, compreendeu o que o amigo dizia. Ele tinha dito pra que fizesse algo.

Harry procurou ficar de pé. Mas estava realmente difícil. Seu corpo doía. A cabeça estava pesada. Lembrou-se do estabilizador de Gutmann. Conjurou o spray, mesmo sentindo-se tonto. O objeto parou em sua mão e ele o utilizou na mesma hora. Sacou a varinha e apontou para seu corpo, fazendo sumir os vestígios do pó amarelo. Começava a se sentir mais forte. A mente estava mais clara. Nesse instante, ouviu a voz de Belatriz. Arrepiou-se. Ela iria atacar Rony. Saiu da igreja com passos ainda trôpegos. O companheiro acabava de ser derrubado e sua inimiga erguera a varinha para um golpe fatal.

- Avada...

Não havia o que esperar. Harry transfigurou sua varinha na espada reforçada pela magia do velho dragão. “Proteja quem deve ser protegido”, pensou o rapaz. E correu até Rony. Ninguém jamais sobrevivera à maldição imperdoável fatal. Exceto ele. E por causa do sacrifício de sua mãe. Não se importava em se sacrificar. Seria pelo seu melhor amigo.

- ... kedavra! – bradou Belatrix, apontando a varinha contra Rony.

O jato de luz verde incidiria sobre o jovem Weasley. Harry, no entanto, chegou a tempo de se colocar entre o amigo e a maldição. Apenas moveu a espada para amparar a magia e evitar que ele atingisse Rony de alguma forma. O choque entre o feitiço de Belatrix e a proteção de Harry foi violento. Uma luz branca se desprendeu da espada. Harry gritou e sentiu que ela estava se soltando de suas mãos. Algo o queimava. Concentrou-se, firmou o punho e repeliu o encanto malévolo com uma explosão. Tão forte que a espada perdeu sua magia e voltou a ser uma varinha. Harry foi arremessado para trás, porém conseguiu pegar Rony pelas roupas e arrastá-lo com ele. Bateu com estrondo contra a parede da igreja. “Ahhh, de novo!”, gemeu, desfalecendo por segundos. Quando reabriu os olhos, empenhou-se para ficar de pé e se espantou de ver a praça varrida. Não havia sinal dos Comensais. O encontro das magias tinha sido assustador e cheio de energia. Deixou Rony deitado e o protegeu com uma magia de ilusão antes de sair à procura de Gutmann. Circundou a igreja e logo viu o corpo do alquimista encostado num banco solitário.

- Herr Gutmann! O senhor está bem? – perguntou, aflito.

O velho professor sacudiu a cabeça, exibindo um sorriso torto e cobrindo com cuidado um de seus ombros.

- MAS QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – berrou McKinley, que atravessava a avenida numa corrida inesperada para alguém de sua idade.

- Meu bom amigo, você veio. Posso saber como? – gemeu Gutmann, com os lábios brancos.

- Eu estava deitado quando tive a impressão de ver luzes coloridas no parque. Maier saiu voando e eu tive de seguir sua coruja, mas ele estava velho demais para esse esforço. Caiu no limite do parque. Maier se foi, Dieter!

- Já era tempo...

- E o que houve? Você não me parece bem. Onde está o Rony? E esses ferimentos, Harry?

- Thelonius, não há muito tempo para explicações. Mas permita dizer que acabei de ver em ação o maior bruxo que já conheci. Seu pupilo escapou da maldição imperdoável fatal e salvou Rony.

- O QUÊ?

- Foi a espada. Ela resistiu! Mas agora estou preocupado com o senhor. O que está nos escondendo? Tire a mão daí – disse, puxando o braço de Gutmann e descobrindo o ferimento que havia no ombro.

- Ah, isso?! O pior já passou. O momento em que a cascavel dá o bote é o mais terrível. Agora, nem sinto mais a dor. Não sinto meus pés, nem minhas mãos.

- Como? – espantou-se McKinley, conjurando uma maleta com elementos para fazer poções.

- Belatrix Lestrange nos atacou e ela jogou contra nós uma cascavel gigante – falou Rony, com voz cansada. O rapaz vinha da igreja, arrastando os pés. – Ela descobriu que nós estamos com herr Gutmann e ficou na tocaia.

- Meu querido Rony, fico feliz em te ver. Você foi um bravo. McKinley, deixe essa poção de lado. Não há mais tempo. O veneno já tomou conta de mim.

- Diga-me onde está a pedra filosofal, professor. Eu a trarei e o senhor poderá escapar – cortou Harry.

Gutmann abriu outro sorriso.

- Dentro da Archa. Ela está debaixo da minha cama, invisível. Basta pedir para ela aparecer, que ela vai aparecer, Harry. A magia é simples, só que sempre se esquecem dela. Mas não precisa ir, meu amigo. Já cumpri meu tempo aqui e agora quero me encontrar com Anya. Quero rever meus amigos Inseparáveis.

- Herr Gutmann, não se entregue desse jeito! – escandalizou-se Rony.

- Entregar-me? Nein. Eu lutei desta vez e sei que Anya ficará orgulhosa de mim. Ela também ficará orgulhosa de vocês, rapazes. Sua proteção, Harry, lançou Belatrix muitos metros para trás. Antes de vocês acordarem, ela se foi, levando os Comensais. Estava muito mal. Você a machucou de verdade. Ah, eu também preciso ir. Não quero retardar minha partida, caros amigos. Minha hora chegou. Assim como a de Maier. Não me incomodo de partir. Não agora que fiz a minha parte. Obrigado por terem vindo até mim. Vocês me ajudaram a me encontrar.

McKinley fechou os olhos, desolado. Quando os abriu de novo, Gutmann se fora. Tinha um sorriso nos lábios.

Chocado, Harry sacudiu Gutmann pelos ombros. Rony caiu de joelhos, esgotado e com o coração em trapos.

- Como isso foi acontecer? – soluçou o ruivo.

- Se Belatrix sabia onde nós estamos, o segredo vazou de alguma forma. Precisamos ir, Harry. O quanto antes possível. Não há mais segurança para nós. Venham – declarou o escocês, obrigando os jovens a segui-lo e carregando Gutmann pelo ar.

- Mas e Gutmann? E a Archa? – perguntou Harry, nervoso.

- Rony cuidará disso. Será seu último trabalho como meu assistente, rapaz. Não, Rony, não tente mudar nada. Estou vendo sua cara. Você voltará para casa. Está decidido. Mas antes informe ao Ministério daqui e o nosso o que aconteceu. Providencie um enterro decente para o Dieter. Ele gostaria de repousar ao lado de Anya. Coloque Maier lá também. E avise a todos da Ordem da Fênix que o correio está suspenso. Que só devem escrever quando houver algo realmente importante – falou McKinley, com a voz rouca. – E leve a Archa para o departamento de mistérios. Ela não pode ficar indefesa. Por favor, Rony, diga que fará isso por mim.

- Farei, professor. Só que eu posso acompanhá-los...

Antes que McKinley respondesse, Harry puxou o amigo pelo braço.

- Não, Rony. Você vai procurar a Mione. Faça a sua vida! Não preciso de mais ninguém exposto ao perigo.

Os rapazes abaixaram as cabeças. Rony compreendia Harry. Por isso, não insistiu mais. Abraçaram-se na porta da casa de Gutmann. McKinley conjurou os malões, com tudo dentro.

- Adeus, Rony. Vamos nos reencontrar um dia desses! Você foi o melhor assistente que eu poderia ter.

- Obrigado, professor.

- Tome. Aqui tem minha avaliação. Leve para o curso de aurores. Eles o aceitarão de imediato – disse, entregando para o rapaz um pergaminho e se afastando para que os dois amigos se despedissem.

- Cuide-se, Harry! Eu não sou ninguém para dar esse tipo de conselho, já que não consegui cuidar... – e a sua voz sumiu.

- Eu sei o que você está sentindo. É horrível lutar, lutar e lutar e ver alguém querido morrer. Mas não se culpe, Rony. Você foi fantástico. Você é. Conte a Mione que eu disse exatamente isso. E mande um beijo para ela. Adeus!

McKinley abriu um portal e os dois, mestre e aprendiz, sumiram em seguida. Em segundos estavam num local novo. Harry relanceou um olhar para o lugar onde se dirigiram. Era desolado. Quase um deserto.

- Onde estamos, McKinley?

- Jordânia, Harry. Por aqui, nas cavernas, vivem grupos bruxos nômades. Tenho um amigo. Eles nos ajudará. Ahn, sugiro que coloque uma barba. Creio que é melhor começarmos a andar disfarçados.

Harry suspirou. E caminhou com cuidado sobre a areia.



*****

Hermione fechou o jornal que lia. Não havia nenhuma linha a respeito do ataque dos Comensais no Profeta Diário. Dumbledore contara o que acontecera numa longa carta que circulara entre os integrantes da Ordem da Fênix. A mensagem, entretanto, não esclarecia o que acontecera com o trio. Apenas mencionara que todos estavam bem.

A garota deixou seu quarto e foi até a cozinha preparar um chá. Naquela noite, seus pais tinham saído. Ela preferira ficar em casa. Ainda estava aturdida com a notícia. “E isso só faz dois dias”, pensava, com o peito apertado.

A campainha tocou e a jovem largou a xícara na mesa. “Quem será a essa hora?”, estranhou. Na dúvida, colocou a varinha no bolso e se dirigiu até a porta. Pelo olho mágico, tentou identificar o visitante. Não quis acreditar! Mione abriu a porta num átimo. Na entrada estava Rony Weasley, mais magro, com expresão de cansaço, roupas ligeiramente amassadas e os cabelos desalinhados.

- Mione...

A moça não esperou mais nada. Pulou sobre ele, abraçando-o e derramando lágrimas. O termômetro apontava frio, porém Hermione tinha a sensação de que a temperatura subira e atingira uma medida agradável, acolhedora, suave.

- Rony...

Ficaram abraçados por um bom tempo, com Rony acariciando os cabelos da amiga. Em seguida, ele moveu o rosto dela em sua direção. E finalmente a beijou com todo o amor que vinha reservando desde o minuto em que se convencera que Hermione era sua alma gêmea.













Por Merlin, os capítulos estão enormes. Mas estamos na fase final. Paciência, pessoal. No capítulo seguinte, haverá um salto no tempo. O capítulo que fala do Labirinto se aproxima. E o fim também... Logo, logo vou terminar a fic. Beijos. Valeu pelo apoio, pelas mensagens, pela tolerância. Por tudo, enfim. K.

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