Capítulo 12



Capítulo 12

A escuridão o abandonava. Havia algo molhado em seu rosto. Onde estava? Só se lembrava de dor. O que acontecera? Só se lembrava dos gritos. Onde estava Angel? Abriu os olhos. A claridade o ofuscou. Ali estava o rosto dela. Ali estava ela. A seu lado. Estava no quarto dela. Ela estava sentada na cama. Do seu lado. Inclinada sobre ele. Os cabelos caindo sobre o rosto. Ela não percebera que ele estava de volta. Tirou o pano de seu rosto. Instantes depois, algo gelado entrava em contato com sua pele. Ele se contraiu levemente. O olhar doce dela caiu sobre seus olhos. Em princípio assustado. Depois incrédulo. Depois aliviado. E então feliz.

-Você acordou.- era como uma constatação.

Ele não respondeu. Não conseguia. Sua garganta estava seca. Recostou-se na cabeceira da cama. Com dificuldade. Não conseguia apoiar-se no braço esquerdo. O antebraço esquerdo doía. Ela estendeu-lhe um copo com água. Ele bebeu a água rapidamente. Não conseguia tirar os olhos dela. Sentia que ela havia ficado preocupada com ele.

-O que aconteceu?- sua voz saiu rouca.

-Bem, houve uma batalha. Os aurores venceram. Ele foi morto.

-Isso eu sei.

-Sabe como?

-Sabendo.

-Não teve nada a ver com...

-Teve.

-Você...Você é um deles!- ela se afastou. Ele a segurou pelo pulso. Delicadamente.

-Me escute. Por favor. É a única coisa que eu te peço. Depois, se você quiser me entregar para julgamento, tudo bem. Mas apenas me escute. Você disse que ia me ajudar. Eu preciso de ajuda. Eu quero ajuda.

-Tudo bem. Mas me solte.- ela ainda parecia receosa. Ele a soltou.

-Eu nunca quis isso. Eu fui atirado nesse inferno e não tinha ninguém que me motivasse a lutar contra ele. Eu fui atirado nesse universo pelo meu nome. Eu não tinha ninguém que me mostrasse o que realmente valia a pena. Eu simplesmente permiti que esse inferno me arrastasse. Além disso, a minha história não ajuda muito. Eu apenas nasci porque ele precisava de um herdeiro, de um sucessor.

-Seu pai?

-Não. Voldemort. Por causa disso, eu sempre ficava fora das missões. Sempre tinha que ficar naquele cemitério, treinando as Imperdoáveis em ratos e escorpiões. Não posso negar que torturei. Não posso negar que matei. Não posso negar que destruí famílias. Mas isso me corroia. Era como veneno me corroendo lenta e silenciosamente. Eu nunca vi o outro lado da vida. Nunca soube o que era ter alguém zelando por mim. Nunca soube o que era amar e ser amado. Dizem que o amor é a capacidade de se chorar por alguém. Aí é que está. Eu não choraria por alguém. Nem mesmo por Narcisa e Lúcio.

-Mas são seus pais.

-Eu sei. Mas nunca tive motivos para chamá-los assim. Afinal, que pai trancaria seu filho em uma masmorra? Que pai descontaria a sua frustração em cima de um filho? Que mãe chamaria seu filho de “ruína de sua beleza”? Aí é que está. Como eu poderia lutar contra as trevas sem conhecer a luz? Como poderia lutar contra o desespero se não conhecia a esperança? Foi então que te vi. Em um beco escuro em uma Londres arruinada. Sangrando. A princípio, você seria apenas um espetáculo para mim. Mas algo em você fez com que eu te levasse para o hospital. Até hoje não descobri o quê. Mas não me pareceu justo que um anjo, como você, tivesse de cair. Era o que você era para mim. Um anjo arrancado de seu paraíso. Eu ia até o hospital apenas para ver e ouvir o sofrimento de outras pessoas. Depois, percebi que era apenas por você. Por que eu tinha, perdida em algum lugar, a esperança de que você pudesse me ensinar a viver de novo. E você fez isso. Você está fazendo isso. Sabe como eu a chamo?

-Não.- ela tinha a voz embargada.

-Eu te chamo de Angel. Por que é isso o que você é. Um anjo. Um anjo que, um por um, está destruindo meus infernos. Infernos que eu mesmo criei. Por isso eu te pedi para não me chamar de Malfoy. Eu sei, é meu sobrenome. Mas foi ele que me condenou. Ele atemoriza. Ele impõe respeito na sociedade. Mas não passa de um carrasco. Não passa do meu carrasco. Não me traz orgulho. Apenas me condena. E então? O que você vai fazer? Me entregar ao Ministério?

-Não.

-Não?

-Não. Você só precisa de alguém que te salve de você mesmo. Eu disse que faria isso, não disse? Então é o que farei. Eu sempre soube que você era um deles. Era o que todos diziam pela escola. Que você nascera como um deles e que você morreria como um deles. Você teve tudo. Teve dinheiro. Teve fama. Apenas não teve a escolha. Apenas não teve o controle sobre sua vida. Mas devo lhe dizer que fiquei assustada.

-Com o quê?

-Quando estávamos em Londres. Dois dias atrás. E você simplesmente aparatou comigo para cá. Quando você caiu de joelhos na sala, trincando os dentes para não gritar. Apertando o antebraço esquerdo. Quando você tombou naquele tapete. Inconsciente. Queimando de febre. Eu não quis te levar ao Saint Mungus. Sabia que você seria preso. Então te trouxe aqui para o quarto. Não queria que você fosse preso. Quando você me beijou, eu percebi que você era diferente do que aparentava. Foi então que eu percebi que se você quisesse fazer algo comigo, já teria feito. Foi então que eu percebi que você estava em algum lugar, lutando para vir à tona. Apenas não sabia como. Só uma pergunta. O Profeta Diário disse que todos eles tiveram suas identidades apagadas quando ele foi destruído. É verdade?

-Em parte. Em todos eles sim. Menos eu. Eu ainda a tenho. Tenho certeza.

-Posso ver?

Ele deu de ombros. Ela pegou seu pulso delicadamente. Colocou-o suavemente em seu colo enquanto desabotoava o punho de sua camisa negra. Ela dobrou delicadamente a manga da camisa até o cotovelo. Ali estava ela. Negra contra a pele branca de seu antebraço. Ela passou os dedos lentamente por ela.

-Dói?- ela perguntou correndo os dedos por seu antebraço.

-Não. Apenas quando me apóio no braço.

-Não há jeito de tirá-la?

-Não. Ela só sumiria quando ele morresse.

-Mas por quê ela não sumiu no seu caso?

-Por quê a minha foi gravada muito mais a fundo.

-Como assim?

-Os outros puderam escolher se queriam entrar nesse inferno. Os outros tiveram uma escolha que nunca me foi dada.

-E qual é a diferença?

-Quando uma pessoa não tem a escolha sobre determinado assunto, as seqüelas disso são muito mais profundas do que em quem teve a escolha. As conseqüências penetram muito mais. No meu caso, essa marca.

-Bem, acho que já falamos demais nesse assunto. Você deve estar com fome, não? Eu fiz carne assada com batatas.

-Carne assada com batatas seria ótimo.

-Tudo bem. Já volto. Não pense em se levantar.

O que ele fizera? Nunca se abrira tanto a alguém. Mas nunca ninguém se dispusera a ouvi-lo. Nunca ninguém se dispusera a ajudá-lo sem esperar algo em troca. Nunca alguém demonstrara preocupação por ele. Se ainda estivesse na Mansão Malfoy, não seria uma pessoa quem estaria ali com ele. Seria um elfo doméstico.

Precisava sentar. Apoiou-se no braço esquerdo. Uma fisgada. Em seguida uma dor latejante. Esquecera. Mas manteve o peso apoiado no braço esquerdo. Trincou os dentes para que um grito não escapasse. Aquilo era pior que uma Cruciatus. Finalmente conseguiu apoiar-se totalmente na cabeceira da cama. No entanto, a dor persistia. Então entendeu. Entendeu por que fora marcado mais a fundo que os outros. Ele não era o sucessor do Mestre? Não era seu o dever de continuar um legado de terror e inferno? A dor serviria para lembrá-lo. A dor nunca o deixaria. Não enquanto ele não cumprisse seu dever. No entanto, era um dever que não pretendia cumprir. Não pretendia pôr vidas inocentes em jogo. A dor poderia diminuir com os anos. Retornando algumas vezes.

Ela estava de volta. Precedida por um delicioso cheiro de comida. No entanto, a dor no braço o impedia de prestar atenção no mundo a seu redor. Ela aproximou-se. Ao vê-lo com os dentes trincados, entendeu o que acontecera.

-Você enlouqueceu? Você está doente! Não pode ficar se esforçando!- ela ralhou com ele, enquanto ajeitava os travesseiros nas costas dele.- Agora, deixe eu ver esse braço!

Ela pegou o braço dele e pôs-se a observar a marca. Enquanto isso corria os dedos por ela. Com o toque dela, a dor sumiu.

-Não tem nada de anormal. Dói?

-Não. Agora não mais.

-Que bom. Aqui está sua comida.- ela parecia aliviada.

A carne e as batatas já estavam cortadas. Subitamente percebeu como estava faminto. Com receio de que a dor voltasse, apanhou o garfo. A comida estava deliciosa. Surpreendemente, apesar de estar usando o braço esquerdo, este não doía. Terminou. Uma pergunta latejava em sua mente. O que acontecera com os outros?

-E os outros, Angel? O que aconteceu com eles?

-Eles, ah bem, alguns morreram, outros estão em Azkaban e outros no Saint Mungus. Na verdade, só há um no Saint Mungus.

-Quem?

-Lúcio Malfoy.

O nome ecoava em sua mente. Lúcio Edward Malfoy. No Saint Mungus.

-Por quê?

-Foi considerado louco. Está na ala psiquiátrica. Em uma solitária. Vigilância constante.

-E Narcisa?

-Ela...Ah...Bem, ela acabou morrendo.

Narcisa Amèlie Malfoy. Estava morta. Não passava de lembranças e memórias. Ele deu de ombros. Ela não significava nada para ele. Era apenas parte de seu passado. Um passado amargo. Que nunca poderia esquecer. Um passado gravado a fogo. Não apenas em sua mente. A prova estava em seu antebraço esquerdo. Um passado negro. Um passado amargo. Do qual ele era a única lembrança. Do qual ele era o único representante do lado negro.

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