Capítulo 1



Gritos. Silêncio. Soluços. Isso se repetia há horas. Por que o quarto dele tinha de ser tão perto das masmorras? Por causa disso, era obrigado a ouvir cada tortura feita por seu pai. Já tentara mudar de quarto, mas não conseguira. Não lhe fora permitido. Aparentemente seu pai queria que ele ouvisse as torturas. O quarto estava mergulhado em uma penumbra, que mal permitia que os contornos dos objetos fossem distinguidos. O dono do quarto era um jovem de 25 anos, de cabelos loiros platinados e olhos prateados, legado de uma família...Aquilo poderia se chamado de família? O pai, Lúcio Edward Malfoy, totalmente fanático por uma causa. A mãe, Narcisa Amèlie Malfoy, constantemente aparecia embriagada com vinho. E ele, Draco Alexander Malfoy, passava os dias mergulhado na penumbra de seu quarto. Draco Alexander Malfoy. Nome de conquistadores e destruidores. Dragões eram destruidores. Alexander era um conquistador. Malfoys eram destruidores. Ele, Draco Alexander Malfoy, encontrava-se jogado na cama, os lençóis de seda desarrumados. Os cabelos absolutamente desalinhados, os olhos brilhando insanamente no escuro. Erguia-se da cama apenas para ir ao banheiro ou para ir até a porta do quarto, que era violentamente escancarada, ofuscando-o, devido à claridade, enquanto ordenava que os elfos lhe trouxessem comida.


Gritos. Silêncio. Soluços. Novamente aquilo se repetia. Fora lhe ensinado, à custa de muitos dias passados trancado numa das masmorras, que o que acontecia nas masmorras não era de sua conta. No entanto, ele sabia que as masmorras comportavam um pequeno inferno. Quem sabe, o inferno fosse mais clemente. Quantas pessoas não haviam perdido a vida naquelas malditas masmorras de pedra? Mesmo após ter se tornado um deles, as masmorras continuavam sendo território de Lúcio Edward Malfoy, apenas dele. Sim. Ele havia se tornado um deles. Ele próprio fora tragado pelo inferno. Mas que escolha ele tivera? Não havia nada que o prendesse ao purgatório que era o mundo, como ele o chamava. Ele havia se deixado arrastar pelo inferno, pelo seu destino, por seu sobrenome.


Gritos. Silêncio. Soluços. Aquilo se repetia havia dias. Aquilo se repetia desde o dia em que Lúcio Edward Malfoy saíra, com a capa negra, de Comensal, de assassino. Ele lembrava-se daquele dia. Fora o último dia em que saíra daquele quarto. Lembrava-se como os olhos daquele que se dizia seu pai brilhavam de júbilo. Fora naquela noite que os gritos, silêncios e soluços haviam começado. Fazia o quê? Uma semana? Duas? Não sabia. Não se importava. O ar abafado do quarto fazia com que ele mergulhasse em um torpor sonolento, sendo arrancado desse torpor pelos gritos que ecoavam pela mansão. Porém, dessa vez foi arrancado de seu torpor por uma ardência no braço esquerdo. O Mestre chamava. Amaldiçoando seu inferno particular, ele levantou-se, passou os dedos pelos cabelos, dando uma ajeitada naquilo que um dia constituíra seu orgulho. Dies Irae. Dias de ira. Anos de inferno. Um estalo e ele se fora.








Finalmente, ele mudara o cenário de seu inferno. A mansão gelada estava mergulhada em ira. Dies Irae. Ele não sabia por que. Não se interessava. Há quantos dias fora? Não sabia. Era um dia perdido no tempo. Apenas ouvira o barulho do que lhe pareceu sendo o escritório sendo destruído por ira. Antes que a ira recaísse sobre ele, ele mudara o cenário de seu inferno. Tinha cicatrizes da ira de Lúcio Edward Malfoy.


Não havia mais gritos. Não havia mais silêncio. Não havia mais soluços. Havia apenas estrondos distantes. Estrondos de objetos sendo atirados na parede. Ao que parecia, Lúcio fora privado daquilo que o mantia encarcerado no seu inferno particular.


Ele agora caminhava pelo que reconheceu vagamente como sendo Londres. Chovia. Maldito clima. Mas o que, em sua vida, não era maldito? Agora os estrondos não estavam mais distantes. Os estrondos ecoavam por Londres. Trovejava. Ele decidiu voltar para seu quarto, seu inferno. Virou em um beco para que pudesse aparatar. Olhou para o chão alagado. Um fio de água vermelha escorria em direção ao escoadouro, o vermelho espalhando-se até quase sumir. Um cheiro acre invadia seus pulmões. Um cheiro familiar. Um cheiro que, anos antes, o inebriava. Sangue. Era esse o cheiro azedo. Sangue. Alguém estava morrendo, ali, no fundo do beco. Ele decidiu ir ver o espetáculo.


O cheiro foi se tornando cada vez mais presente, mais forte. Ele estava ficando embriagado. Chegou finalmente ao fundo do beco, as botas chapinhando na água que escorria em direção à rua. Finalmente conseguiu ver quem estava morrendo. Tomou um choque. Um anjo caído. Algo lhe invadiu o peito. Não podia deixar um anjo morrer. Mesmo que fosse um anjo caído ou arrancado de seu paraíso.


Pegou-a no colo, o sangue empapando suas roupas. Um anjo. Ele tinha um anjo nos braços. Como era possível? Não era sonho. Ele sentia o sangue empapando suas roupas, pingando no chão, maculando a água. Mas ele próprio não havia maculado um anjo ao tocar nele?


Chegou ao Hospital Saint Mungus. Viu-se imediatamente encurralado por medibruxos. Sentiu que o tiravam de seus braços. Tiravam de seus braços o anjo caído. Disseram-lhe que esperasse, sem dar tempo para protestos. Tanto fazia. O hospital era um inferno a seu modo. Gritos e soluços. Não havia silêncio entre eles. Gritos e soluços de recém-viúvas, recém-órfãos e quaisquer outros preenchiam o ar. Tempos de guerra. Tempos de ira. Dies Irae.


Foi arrancado de seu torpor por um medibruxo que o conduziu por corredores, passando por quartos onde a morte rondava. Chegaram a um quarto. Lá estava o anjo. Os medibruxos haviam lavado-o. Ele agora conseguia distinguir os traços dela. Sim, era um ela, inegavelmente.


-Você é o marido dela?- seus devaneios foram interrompidos.


-Eu? Não. Por quê?


-É a segunda vez que ela vem parar aqui hoje. Ela está grávida. Um mês.


-E o que eu tenho com isso?


-Achei que fosse gostar de saber.


-Achou errado.


-Ela está terrivelmente fraca, perdeu muito sangue. Está em choque.


-Eu percebi.


-Caso queira ficar aqui, tudo bem.


Ele teve ímpetos de dar as costas àquele inferno e voltar ao seu, mas algo o impediu. Palavras murmuradas, varinha em punho, roupas novamente limpas. Sentou em uma poltrona surrada e pôs-se a observá-la. Quem seria ela? Qual seria a sua história? Era apenas um passatempo. Não se interessava realmente. Mas estava grávida. Um novo anjo seria trazido ao mundo. Estaria destinado a cair também?


Precisava voltar. Voltar para seu próprio inferno. Mas e abandonar aquele ser angelical? Sim, por que não? Saiu do quarto, seu espírito sendo preenchido por aqueles gritos e soluços.

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