Capítulo 9



Capítulo 9

Não foi para o apartamento. Estava em um beco em Londres. Aquele beco lhe era familiar. O cheiro de sangue no ar. Lembrou-se. Fora ali que ele a encontrara. Fora ali que ele encontrara o anjo, sua queda consumada. Mas de que adiantava ficar trazendo o passado à tona? Ele, apesar de o fazê-lo freqüentemente, sabia que de nada adiantava.

Saiu do beco. A cidade começava a ser reconstruída. Sua primeira queda. Ele notou que o número de pessoas nas ruas era maior. A cidade voltava à vida. As lojas estavam cheias. Então, se deu conta. Era Natal. Ele não sabia o que era o Natal por trás dos presentes. Ele achava que isso era algo sem sentido. Não entendia a alegria que o Natal trazia.

As ruas estavam ficando cheias de gente. Decidiu voltar ao apartamento. Mergulhou na escuridão do primeiro beco que viu. Um estalo e se fora.

O que era aquilo? O que era aquilo cheio de bolas vermelhas e prateadas na sala?

-Gostou da árvore de Natal?

Então era uma árvore de Natal? Mas qual a função daquilo? Deu de ombros. Não se importava. Era apenas mais um símbolo de um feriado ridículo. Mas o anjo a seu lado queria uma resposta. Ele tinha gostado? O objeto não se encaixava nos padrões de beleza dele. Era acolhedor demais. Pessoal demais.

-Ah, esqueça. Você não deve saber o que é Natal. Você não deve saber qual é o significado real por trás dos presentes. Afinal de contas, é um Malfoy.

Aquele maldito sobrenome de novo. Não suportava mais ouvir aquele sobrenome. Aquele sobrenome o condenara. O condenara ao inferno. Até aquele anjo o chamava de Malfoy.

-Não me chame de Malfoy.

-Então, te chamo do quê?

-Simples. Não chame. Ou de qualquer coisa.

-Doninha, quem sabe?

Ao ouvir isso, o ódio e o rancor o invadiram. Um enfeite vermelho explodiu. Odiava que o lembrassem daquilo. Odiava mais do que ser chamado de Malfoy.

-Tudo bem, tudo bem, doninha não, já entendi. Mas o que, então?

-Não me interessa.

-Que mau humor! Onde foram parar as suas tiradas sarcásticas?

-Que tiradas sarcásticas?- ele estava ficando irritado. Seu tom era gelado. Os olhos da cor da prata também.

-As da escola, obviamente.

-Aquelas? Tem certeza que quer saber?

-Claro. Não vejo por que não. Além do mais, qualquer coisa é melhor do que esse seu humor.

-Pois bem. Aquelas tiradas sarcásticas, como você chama, estão no inferno.- ele disse sem emoção.

-Que dramático. Se bem que você sempre teve um talento para o melodrama. Me lembro claramente quando o Bicuço te deu um arranhão e você ficou fazendo drama durante semanas. Eu estava no segundo ano.

Ele não respondeu. Pelo menos agora sabia que ela fizera Hogwarts. Sabia também que ela era um ano mais nova que ele. Mas não conseguia se lembrar dela. Decidiu mudar de assunto. Aquilo o incomodava. Ele não sabia nada sobre ela, ao contrário dela. Parecia que ela fazia questão de lhe lembrar os momentos mais desagradáveis da escola.

-Você ainda tem dinheiro?

-Sobrou um pouco. Dá para mais umas duas semanas.

-Um pouco quanto?- ele gastava aquela quantia em dois dias.

-Uns 20 galeões, acho. Preciso ir ver o jantar. Antes que queime.

Ele deu de ombros enquanto ela se encaminhava para a cozinha. Decidiu ir tomar um banho.

A água quase fria lhe escorria pelos cabelos. Ele tinha cenas de batalha na mente. Imaginava como seria a batalha mencionada pelo Mestre. Quem venceria? Não lhe importava. Continuaria em um inferno de qualquer jeito. Mas pelo menos não iria para Azkaban. Afinal, não tinham provas concretas com ele. Nunca fora ligado a nenhuma morte. Nunca fora visto trajando as vestes negras e as máscaras que os outros usavam. A única coisa que poderia denunciá-lo era o antebraço esquerdo. Algo facilmente contornável. Nada que alguns galeões não resolvessem.

Foi arrancado de seus devaneios. Alguém esmurrava a porta. Era ela. O jantar estava pronto. Desligou o chuveiro. Conjurou novas roupas. Negras. Uma calça e uma camisa de mangas compridas. Apenas isso.

Saiu do banheiro. Os cabelos pingavam e encharcavam a gola de sua camisa. Foi para a cozinha.

-Você enlouqueceu? Estamos em pleno inverno e você com esse cabelo ensopado?

Ele ficou levemente desconcertado. Ninguém nunca se mostrara realmente preocupado com ele. Mas ele via a preocupação nos olhos dela.

-Pelo menos não está descalço.

Ela fez uma série de movimentos suaves com a varinha. Os cabelos agora estavam secos. Algumas mechas finas lhe caíram sobre os olhos. As ignorou. Sentou-se em uma das duas cadeiras. O que era aquilo? Pudim de carne com rins? Era o que parecia. Nunca comera aquilo na vida. Em Hogwarts às vezes era servido, mas ele nunca comera. Na Mansão Malfoy só era servida comida francesa. Aquilo jamais chegaria perto da mesa na Mansão.

Não tinha outra opção. Ia ter de comer. Não queria deixá-la chateada. Fez com que um pedaço do pudim fosse para seu prato.

-Deus!

-O quê foi agora?

-Você é paranormal?

-Eu? Não.

-Mas então como...

-O pudim?

-Exato.

Esquecera. Ela não sabia. Mas o que tinha de mais? Era apenas magia. Não havia motivos para surpresa. Mas teria de dar uma explicação para ela. Após refletir sobre isso, percebeu. Não se importava.

-Eu apenas posso dispensar perfeitamente uma varinha.

-Qualquer feitiço?

-Qualquer um.

Ela parecia surpresa. E um pouco amedrontada. Ele via o medo rondando os olhos dela. Decidiu pôr uma garfada do pudim na boca. Apesar dos rins, estava bom. Melhor do que a comida dos elfos da Mansão Malfoy.

A refeição foi feita em silêncio. Ele a observava. Ela comia graciosamente. Absorta em seu prato. Ela terminou. Com um aceno da varinha limpou os pratos. Outro aceno e os pratos estavam no armário. Ela recostou-se na cadeira. Finalmente percebeu que era observada.

-Que foi?- ela perguntou docemente.

-Nada. Qual é o seu nome?

-Você não sabe?- ela parecia surpresa.

-Não.

-Se você não sabe, acho melhor que fique sem saber por enquanto.

-Então te chamarei do quê?

-Qualquer coisa.

-Mas você deve ter um nome.

-Eu tenho. Mas acho melhor que você não saiba por um tempo.

-Tudo bem. E o...

-O bebê?- um brilho de temor e angústia em seus olhos.- Está bem.

Ela levantou-se subitamente. Os olhos de avelã denunciavam medo. Parecia que ela tinha medo dele. De que ele pudesse fazer algo contra ela e o bebê. Ele podia ser um assassino. Mas nunca conseguiria fazer mal a ela. Nunca. Mas ela precisava de um nome. Se ela não lhe dera o dela, ele lhe daria um. Uma risada cristalina ecoou no apartamento silencioso. Um riso angelical. O riso dela. Provavelmente recebera uma coruja de casa. Angel. O nome relampejou em seus pensamentos. Sim. Seria esse o nome dela.

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