Capítulo 10



Capítulo 10

O feriado se aproximava. Ele não saía mais do apartamento. Não conseguia compreender aquele furor por causa de um simples feriado. Ela, no entanto, parecia compreender perfeitamente. Saía constantemente do apartamento. Voltava horas mais tarde. Carregando sacolas coloridas e farfalhantes. Os olhos brilhando. O rosto corado pelo frio. Ainda mais linda. Parecendo mais ainda ser filha do outono.

Duas semanas antes ele lhe dera mais dinheiro. O dobro da quantia anterior. Ela parecia estar fazendo um bom uso dele. Gastava-o. Em quê ele não sabia. Provavelmente com presentes para a família ou com objetos para a vida que pulsava dentro dela. Sabia que ela havia comprado um berço. Um berço em madeira avermelhada. Simples. Barato provavelmente. Mas bonito. A simplicidade era seu trunfo. A vida que crescia dentro dela tinha agora quatro meses. E se fazia notar discretamente por debaixo das roupas que ela usava.

O feriado chegara. Na manhã daquele 24 de dezembro, o apartamento fora tomado por corujas. Corujas que traziam pacotes e partiam com pacotes. Aquela agitação o perturbava. Ela estava feliz. Os olhos denunciavam isso. Ela carregava um sorriso no rosto. Ele poderia ficar horas observando o sorriso dela. Mas não conseguia. Ela não ficava quieta.

Certa hora, ela enfurnou-se na cozinha. Ele fora atrás dela. Precisava daquele sorriso. Não sabia por que. No entanto fora escorraçado da cozinha. Foi para a sala. Afundou no sofá negro. Algo em cima da mesa de centro chamou sua atenção. Um embrulho preto. Com detalhes em prateado. Inclinou-se para a frente. Havia algo escrito em tinta prateada. Malfoy. Estendeu a mão para o embrulho. Era razoavelmente pesado. Abriu o embrulho. Descuidadamente. Um livro. Sobre Poções. Ela o conhecia mais do que deixava transparecer. E ele não sabia nada sobre ela. O pensamento o perturbou. Ele abriu o livro. Correu o olhar pelo índice. Realmente. Havia muitas poções interessantes ali. Deixou-se absorver pela leitura.

A noite já caíra. Ele fechou suavemente o livro. Um cheiro delicioso e desconhecido pairava no ar. Ela ainda estava ma cozinha. Levantou-se do sofá. Foi até a janela. O céu estava estrelado. Ao longe, ouvia-se coros natalinos e sinos repicando. Ele ouviu a porta da cozinha abrindo-se. Passos leves se faziam ouvir. Aproximavam-se. Ela tocou seu ombro. Virou-se. Ela pegou sua mão e começou a conduzi-lo para a cozinha.

-Venha. É hora da ceia.

Ceia? Ceia de Natal? Então fora isso que ela ficara fazendo a tarde toda na cozinha? Estava confuso. Fazia anos que não comia uma ceia de Natal. E o toque suave e cálido dela em sua mão também o confundia.

Chegaram à cozinha. Ela soltou sua mão. Ela o observava. Um sorriso estampado em seu rosto de anjo. A mesa estava posta. Ele tentava identificar as comidas. Que ave era aquela? Era pequena demais para ser codorna. Também não podia ser marreco. Pato? Não. Não era pato. Faisão quem sabe? Também não. Achou melhor não perguntar. Sentou-se à mesa. Ela o imitou. Ela continuava olhando para ele. O que diabos ela queria?

-Você não vai cortar o peru?

Peru? Era peru? E como assim, cortar? Como se cortava um peru?

-Ah, esqueça. Deixe que eu corto.

Ele pôs-se a observar. Ela cortava a ave com destreza. Em pouco tempo, uma fatia de carne rosada jazia em seu prato. Ele estava hesitando em pôr um pedaço na boca. Poderia estar envenenado. Mas o que importava? Não se importava em partir para o verdadeiro inferno. Pôs um pedaço na boca. Estava realmente saboroso.

A refeição estava encerrada. Fez com que o prato ficasse limpo. Fez com que o prato fosse para o armário. Ela fez o mesmo. Ela novamente pegou sua mão. Levou-o para a sala. Havia uma pilha de presentes no chão.

Ela soltou sua mão. Ela sentou-se no chão. Em frente à pilha de presentes. Ele sentou-se no sofá. Ela começou a abrir os presentes. Rasgava os papéis. Parecia uma criança.

Euforia. Era o estado em que ela se encontrava. Ele se perdera em torpor. Um torpor povoado por lembranças. Lembranças frias. Das ceias na Mansão. Meras formalidades. Apenas para passar a ilusão de família feliz. Havia também as festas de reveillon. No entanto, mesmo na virada do ano, tudo não passava de ilusão. Que esperanças haveria por parte dele? Mas ele se lembrava muito bem. Lembrava-se de Narcisa Amèlie Malfoy sempre de prata. Lembrava-se de Lúcio Edward Malfoy sempre de cinza. E se lembrava dele mesmo sempre de cinza também. Ou azul escuro. Todos se vestiam em trajes escuros. Eram festas para os mergulhados em escuridão. Eram festas para a elite. Para os que haviam escapado de Azkaban. O assunto das conversas formais era as falcatruas usadas para despistar o Ministério. Ou os planos para quando o Mestre voltasse ao poder. Ou discussões polidas sobre as Imperdoáveis. Ou comentários frios como Narcisa estava elegante. Ou comentários sobre como ele se parecia com Lúcio. O que uma vez era fora motivo de orgulho. Agora não significava nada.

Os Natais na Mansão eram algo frio e distante. Com presentes caros. Mas sem sentimentos. Não como os que Angel agora contemplava. Entre eles, um suéter vinho. Havia também tortinhas de frutas secas. Sobre o chão, Feijõezinhos de Todos os Sabores e Sapos de Chocolate. Presentes baratos. Mas com sentimentos sinceros. Não ilusões. Eram presentes mais caros. Mas sem sentimentos. Quem comprava os presentes eram os elfos. Lúcio apenas pagava.

-Eu estou indo dormir. Boa noite.

A voz doce dela soou distante. Ele apenas assentiu. Ela levara os presentes para o quarto. Deitou-se no sofá. Insônia. Sabia que não conseguiria dormir. Contemplava as estrelas. Perdeu a noção do tempo. Estava alheio ao mundo. Se alguém quisesse matá-lo aquela seria a hora.

A cor do céu denunciava a madrugada. Ele encontrava-se na mesma posição. No mesmo torpor. Ele ouvia uma voz distante o chamando.

-Malfoy!- quase um sussurro.

Era Angel. Ele virou a cabeça. Deparou-se com um par de olhos da cor da avelã. Olhos brilhantes de lágrimas não derramadas.

-Eu sei que não deveria pedir isso, mas será que você poderia dormir comigo?

Ao ouvir as palavras, o que restava de seu torpor desvaneceu-se.

-É que eu tive um pesadelo horrível.

Ela lutava contra as lágrimas. Como ele poderia negar alguma coisa a ela?

-Tudo bem.- ele ouviu-se dizendo.

Foram ao quarto. Um dos lados da cama estava desarrumado. Ele deitou-se no lado ainda intacto. Pelos movimentos do colchão ele sabia que ela estava se deitando e se cobrindo. Foi então que ele sentiu que ela se encolhia contra ele. Seu rosto estava contra o pescoço dele. Ela passara um dos braços por seu peito.

Em instantes ela dormia. Ele sentia apenas o suave perfume dos cabelos dela. Tentou impor à sua respiração o mesmo ritmo em que ela ressonava suavemente. Acabou dormindo. Sem sonhar.

Acordou com alguém enroscando os dedos em seu cabelo. Os reflexos falaram mais alto. Em instantes, ele segurara o pulso e o puxara. Agora ele conseguia ver o rosto dela. O rosto de Angel. Terrivelmente próximo. Ela ofegava, assustada.

-D-desculpe. Só estava tentando te acordar...

O hálito suave dela. O nariz delicado dela. Os lábios delicados e perfeitos. Ele agora conseguia ver o rosto dela em detalhes. Era mais angelical do que parecia. O cabelo dela roçava em sua bochecha.

Ele agora estava totalmente acordado. Ergueu a cabeça alguns centímetros. Ela não recuou. Os lábios agora se tocavam levemente. Ela não recuou. Lábios colados. Ela não recuou. Ela correspondia suave e docemente. Ele soltou o pulso dela. Sensações que ele desconhecia percorriam seus nervos. Ele aprofundou o beijo. Ela correspondeu. Ela agora corria os dedos pelos cabelos dele. Ele tinha receio de tocá-la. Fazer com que ela terminasse o contato. Ele se sentia arrancado de seu inferno. Com a mesma violência com a qual fora atirado nesse inferno. Ela era tão doce. E ele era tão amargo. Era um beijo delicado. Sem fúria. Apenas as línguas roçando-se suavemente. Sem raiva. Apenas carinho. Sem ódio. Apenas o suave contato dos dedos delicados e quentes dela em seu cabelo.

Ela afastou a cabeça lentamente. Quebrando delicadamente o beijo. Ele pôs-se a observá-la. Tão serena. Tão perdida no mundo. Ele sentia que ela também o observava. Apenas sentia. Não via nada. Estava perdido nos olhos cor de avelã dela. Ela havia começado a destruir seu inferno. Não sabia como interpretar isso. Se como algo benéfico ou não.

-Você é diferente, não é?- a voz dela baixa e doce o arrancou de seus devaneios.

Ele não respondeu. Não sabia aonde ela queria chegar.

-Você só precisa ser salvo de você mesmo, não? Você precisa de alguém que o ensine a viver novamente. Que te ensine a ver as coisas boas que a vida nos oferece.

Ele finalmente percebeu. Ela tinha razão. Angel tinha razão. Ele teria de ser apresentado a uma face da vida ignorada por ele. O que a vida teria para oferecer a ele? Mas quem o ensinaria a viver? Quem o ajudaria a salvar-se de si mesmo? Quem faria com que ele se sentisse vivo? Quem o ajudaria?

-E quem faria isso?

Ele via a dúvida nos olhos dela. E se ela dissesse não? Ele simplesmente se deixaria engolir novamente por seu inferno. Ele ainda não se encontrara em meio aos olhos dela.

-Eu.- ela suspirou.

Sua voz dizia que ela se sentia obrigada a isso. Mas seus olhos negavam. Os olhos dela gritavam que não. Os olhos de Angel diziam que com isso ela esperava reaprender a ver o lado bom da vida. Ele perguntou-se sobre que horrores existiriam no passado dela. Se eles existissem. Ou seriam apenas desilusões?

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