Sarah McCoy



Tudo estava pronto, a família esperava apenas a chegada de mulher que há anos não punha os pés naquela casa. Eles estavam sentados na varanda, entediados, como se nada houvesse para fazer. Mas quando uma charrete despontou logo acima da colina, se puseram de pé, exceto por Elliot, que saiu desembestado para dentro de casa.
— Ele vai ficar bem - murmurou Gregory para Kassandra, que quis ir atrás do menino.
A charrete parou diante da escada e uma mulher de longos cabelos loiros, levemente presos, saiu com um sorriso tímido nos lábios. Ela olhou em volta e deparou-se com todos a encarando. Andrew foi o primeiro a cumprimentá-la, aproximando-se e estendendo a mão.
— Andrew - murmurou Sally. - Você está um homem.
— Senhora - cumprimentou baixando os olhos e apertando fortemente a mão dela.
Então os outros filhos se aproximaram devagar, desconfiados, como se a mulher não passasse de uma miragem. Gregory fitou os pés e sentiu uma mão apertar de leve a sua, passando-lhe confiança, era Kassandra.
— Como vocês estão lindos, meus filhos. Jimmy! Randy! Cliff! E veja só você, Lucc, como estão crescidos. E olhe para Nellie - sorriu Sally, mas Nellie se afastou, não permitiu ser tocada. - Onde está Elliot? - pediu preocupada, e todos olharam para Gregory, que ainda estava no varandão, ladeado por Kassandra.
— Ele está lá dentro - respondeu Andrew, apontando para a casa. - Vamos entrar também.
O convite foi aceito por todos, e Andrew tomou a frente ao lado da mãe, deixando-a entrar primeiro, encaminhando-a até a sala de estar.
— Onde está Elliot? - pediu Sally novamente.
— Ele está lá encima - respondeu Nellie a contragosto, já que mais ninguém o fez.
— Está dormindo? - quis saber a mãe.
Gregory meneou a cabeça e Cliff subiu correndo a escadaria para buscar o irmão mais novo. Houve instantes de silêncio, até que uma gritaria abafada irrompeu no pavimento superior:
— Eu não quero descer! Eu não quero! Me solta! Ai! Não quero! - e seguiu-se um choro muito alto.
Nellie olhou furiosa para o pai e, então, Kassandra interveio.
— Deixe o menino. Daqui a pouco ele...
— Eu quero vê-lo, senhora - Sally quase rosnou, como se tivesse o direito de exigir aquilo.
Nellie subiu a escadaria e foi ter com Cliff e Elliot, mas a gritaria recomeçou ainda mais intensa.
— Não quero! Não quero! Por favor, Nellie! Eu quero a Kassie! Chama a Kassie!
Gregory e Kassandra se fitaram, mas Sally os interrompeu.
— O que está esperando? Vá buscá-lo! - falou Sally como se fosse a senhora de tudo por ali. E Kassandra fez menção de ir, no entanto, Gregory a impediu, segurando-a pelo pulso com firmeza.
— Vamos nos sentar. Assim que ele sentir o cheiro da comida vai descer com certeza.
E todos seguiram para a cozinha, assentando-se à mesa, onde tudo estava impecavelmente disposto. Sally começou enchendo seu prato e fazendo perguntas aos meninos, querendo saber da vida, dos estudos e dos passatempos. Eles respondiam inseguros e entre longas pausas, temendo que o pai os impedisse de contar o que quisessem.
Algum tempo depois, um barulho veio da sala, era Elliot espiando por trás da poltrona de tecido floral. Kassandra sorriu ao descobri-lo e viu um fiapo de sorriso nos lábios de Gregory também.
— Elliot? - chamou o pai. - Não quer comer?
O menino, lá de longe, balançou afirmativamente com a cabeça.
— Então venha cá - respondeu o pai. Elliot, contudo, sacudiu a cabeça em negação.
— Você pode sentar comigo se quiser - disse Nellie sorridente, e Elliot caminhou devagar, como se na cozinha houvesse um bicho selvagem. Contudo, ao invés de se dirigir a Nellie, Elliot correu para perto de Kassandra, agarrando-se ao vestido dela.
Gregory afagou os cabelos rebeldes do menino e afastou sua cadeira, sorrindo. Sally fitava o menino com certa repugnância.
— Você não quer dar um abraço na sua mãe? - Kassandra perguntou em tom baixo. Elliot respondeu balançando a cabeça negativamente.
— Como as coisas mudaram por aqui - balbuciou Sally ao ver que as atenções se dirigiam a Elliot. - A casa está muito bonita.
Como que sentindo agressividade vinda da mãe, Elliot se empertigou e disse sem qualquer resquício de vergonha:
— Foi a Kassie quem fez tudo.
Houve silêncio imediato, mas Kassandra logo interveio:
— Na verdade, emprestei o dinheiro ao senhor McCoy.
— E aposto que ele lhe devolveu... de alguma forma - murmurou Sally, delicada, metendo um pouco de comida na boca para evitar ter que repetir a frase.
Kassandra percebeu a ira nos olhos de Gregory, mas manteve os olhos baixos, observando Elliot batalhar com as ervilhas. O silêncio teria sido constrangedor se Andrew não tivesse intervindo categoricamente.
— Se é que posso perguntar, mãe - ele enfatizou a última palavra, fazendo os irmãos, e até mesmo o pai, arregalarem os olhos -, por onde é que a senhora andou esse tempo todo?
Sally não esperava por tal pergunta, jamais esperou que um deles fosse tão ousado, supunha que todas as crianças tivessem puxado o lado quieto e passivo de Gregory, contudo algo não tinha saído conforme suas hipóteses.
— Bem... eu... conheci o mundo - respondeu ela sorrindo, como se fosse tudo muito normal.
— E quanto desse mundo a senhora conheceu e pode nos contar? - quis saber Andrew.
— Ora, eu viajei por toda a América...
— E encontrou algum significado na vida? - Gregory se impôs, já não estava agüentando aquela pseudo-harmonia.
— Encontrei muita felicidade - respondeu ela sorrindo e bebendo um gole de água.
Gregory se pôs de pé num estrondo, a cadeira veio abaixo e estralou no chão.
— Como pode dizer isso em frente de seus filhos sem sentir remorso? - berrou Gregory.
Kassandra se levantou e segurou o braço dele. Gregory a encarou com ódio também, achando que ela estivesse passando para o lado de Sally. Kassandra, no entanto, murmurou algo ao ouvido dele e Gregory, parecendo se acalmar, voltou-se à esposa, perguntando sem se importar com as conseqüências:
— Você deixou esta casa em busca de felicidade, encontrou-a, enfim... Então, por que retornou? O que quer aqui?
— Eu vim para rever meus filhos para dizer a eles que não foi por causa deles que deixei esta casa - respondeu Sally.
— Não foi... certo. Não acha um pouco tarde para isso? - insistiu Gregory.
— Nunca é tarde... - ela iniciou a frase, mas não conseguiu terminar, os cinco filhos mais velhos se puseram de pé e postaram-se ao lado do pai.
Gregory sorriu por dentro, mas não demonstrou.
— É melhor a senhora procurar outro lugar para ficar, não é bem vinda aqui - finalizou Nellie com as mãos na cintura.
Constrangida tanto quanto Sally, Kassandra baixou os olhos e escondeu o choro. A outra, porém, antes de sair, ainda tentou discutir, dizendo que o culpado de tudo aquilo era Gregory, era o culpado por não ser um bom marido; a família toda, contudo, se retirou da presença dela, deixando Sally sem ação.
Elliot puxou o vestido de Kassandra e apontou para a mãe, Kassandra abaixou-se para ouvir o que o menino tinha a dizer e se surpreendeu com o que ouviu. Tornou a ficar de pé, segurou firmemente a mão de Elliot e deixou-se conduzir pelo menino, que parou bem diante da mãe e sorriu. Sally franziu a testa e olhou de Elliot para Kassandra seguidas vezes antes que Elliot falasse.
— Eu não me lembro da senhora, madame - iniciou ele -, mas a senhora fez uma coisa muito feia, que mãe nenhuma devia fazer.
Sally engoliu em seco e seus olhos marejaram.
— O pai chorava toda noite. Eu sei que era por causa da senhora - confessou o menino. Sally fitou Kassandra, mas esta tinha o rosto virado para a janela, os olhos fechados acusavam sobre o que ela pensava. - Só que depois que a Kassie veio para cá, ele não chorou mais.
— Elliot - Kassandra o impediu de continuar, Sally, no entanto, pediu a ele que prosseguisse.
— Eu sei que a Kassie nunca vai fazer o pai chorar. E por isso que não quero que a senhora fale mais com a gente. Não quero o pai chorando pela senhora de novo.
Quanta ironia. Que vergonha! O garoto mal sabia pronunciar as palavras e mesmo assim conhecia o significado de tudo o que estivera acontecendo durante aqueles anos. Sally baixou os olhos, estalou os dedos e deu as costas aos dois, que ainda mantinham as mãos dadas. O céu acusava a chuva por vir e as coisas naquele lugar não ficariam nada bonitas. Sally desceu os degraus fitando o horizonte e caminhou para a charrete que a trouxera. Não olhou para trás, nem mesmo depois de a condução partir e se afastar vagarosa pela planície. Kassandra sentiu sua mão se apertada com calor e depois ser puxada para trás, e antes de entrar, através da janela da sala, Kassandra viu Gregory McCoy perseguindo a charrete com olhar atento.

A manhã raio ensolarada, apesar da grossa chuva que despencou durante toda noite. O dia parecia normal aos olhos de todos, mas todos sabiam que Gregory estava abalado com o acontecimento do dia anterior. Ele saíra cedo, sem responder à pergunta de Kassandra sobre o que fariam com toda a comida que havia sobrado do jantar. Um resmungo desajeitado e grosseiro foi ouvido, mas não entendido e novamente a casa permanecia irriquieta.
Até quando aquilo duraria? Mas viver ali estava sendo melhor do que jamais fora e Kassandra não queria largar aquele lugar e aquelas pessoas por nada no mundo. Entretanto, os Potter apareciam com muito mais freqüência em sua menta agora e Kassandra precisava resolver o assunto, precisava encontrá-los e verificar se estavam a salvo. Não era algo impossível ou demorado, sabia exatamente onde estavam, eles haviam combinado cada detalhe, esquadrinhado cada possibilidade juntos. O problema era se livrar dos membros da família, um deles sempre estava em seu encalço.
— Drew, será que você poderia me dar uma carona até a cidade?
Drew sorriu para Kassandra e fitou a casa.
— Só quero comprar alguns tecidos na cidade. E sabendo que você irá se demorar na casa de...
— Claro - completou ele sem deixar que Kassandra terminasse a frase. As conversas entre os dois parecia a Andrew muito constrangedoras depois que ouvira verdades da boca de Kassandra. - O pai já sabe?
Kassandra não era mulher que comandassem, mas estando numa época muito diferente daquela a que estava acostumada, respondeu:
— Sim. Ele saiu cedo, zangado com tudo. Mas não precisamos nos preocupar com ele. Vai passar.
— Então está pronta?
— Estou. - A sorte foi sua aliada naquele momento: Andrew saindo cedo e nenhuma outra criança ou adolescente a perguntar se poderia ir junto, já que Kassandra também estava indo.

Certamente não haveria perigo de aparecer um bruxo por ali, mas mesmo assim, Kassandra tomou a precaução de trancar magicamente o quarto do hotel onde se hospedara. Um minuto depois apenas um estalido ecoava no aposento.

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