Civilização



Kassandra sentou na varanda empoeirada e ficou a observar a paisagem semi-árida. Enquanto isso pensava em fazer algo, não poderia ficar vivendo ali, de favor. Nunca fora mulher de pedir favores. No entanto, todo dinheiro que tinha era bruxo, e naquele fim de mundo não existia bruxo algum. Imaginava se não existiria algum na cidade próxima, mas precisava descobrir onde estava. Sabia que havia voltado no tempo, mas precisava saber detalhes, ano, dia. Duvidava estar na Europa, mas além desse continente, só conhecia a Ásia. Ouvira falar no continente do outro lado do oceano Atlântico, a América. Muitos bruxos fugiram para lá quando o Lorde das Trevas deu início a sua era de terror. Foi no último instante, pressentira isso, que se soltara da chave de portal sem querer. E aquilo a levara àquela situação desprezível.
Ao longe um cavalo despontou, aproximava-se lentamente. Era o senhor McCoy. Assim que ele viu Kassandra, desceu do cavalo, tirou o chapéu e a cumprimentou.
― Bom dia, senhora Crabbe.
― Bom dia, senhor McCoy.
― Bonita vista, não acha?
― S... sim - respondeu polidamente, hesitante, pois seu pensamento era contrário.
— Nellie me disse que a senhora gostaria de ir até a cidade.
― Sim, eu gostaria muito.
― Vamos amanhã pela manhã. Andrew está no celeiro dando uma olhadela na carroça.
“CARROÇA? Foi isso que ele pronunciou?” - pensou Kassie arregalando os olhos.
― Mas a senhora não precisa se preocupar. Vai sentar ao meu lado, na frente.
Kassandra sorriu forçado e baixou os olhos.

Se arrependimento matasse, Kassandra já estaria enterrada há dias. Aquilo não era uma condução. Era pior do que viajar via pó de Flu, balançava demais, não havia como nem onde segurar-se e por tal motivo as mãos e punhos de Kassandra estavam inchados e doloridos, quase amortecidos, tamanha a força que faziam tentando segurar-se na madeira seca do assento. Finalmente, depois de infindáveis minutos, um vale nasceu. Pequenos telhados davam margem a uma cidadela, que pouco a pouco foi ficando maior.
“Civilização”, mentalizou Kassandra. “E um bom banho!”, presumiu ao ler em grandes letras garrafais: BLUE RIVER GRAND HOTEL.
Pararam diante de uma loja de ferragens. Os meninos logo pularam da carroça e correram para dentro da loja. Nellie desceu auxiliada por Andrew, que viera a cavalo, e caminhou até o outro lado da rua, até um armarinho.
― Senhora? - a voz de Greig McCoy a chamou insistente. Ele estava parado ao lado da carroça, com o chapéu numa das mãos enquanto a outra estava estendida, esperando apenas que Kassandra a tomasse para se apoiar e descer da condução.
― Obrigada - ela respondeu, tomando a mão dele e descendo.
Mas logo a soltou e se afastou. Quase correu até o hotel, não queria perder mais um minuto longe de uma banheira. Greig McCoy ficou observando até que a mulher desaparecesse pelas grandes portas envidraçadas. Pigarreou, colocou o chapéu e andou na direção do ferreiro.
No hotel, logo que entrou, Kassandra chamou a atenção. Provavelmente por causa de suas roupas. Porém, assim que ela começou a falar com o atendente, um homem alto, de bigode, se aproximou estendendo a mão.
― Sou Henri Gilligan, o proprietário.
― Kassandra Crabbe.
― Uma conterrânea.
― Perdoe-me por estes trapos - disse ela. O sotaque não negava, ela realmente era britânica. - Estou hospedada longe da cidade...
― Posso arrumar uma ótima costureira.
― Pois bem, senhor Gilligan - disse ela abrindo a bolsa e remexendo dentro -, seria uma ótima idéia.
— Aqui está a chave de nosso melhor quarto.
— Em um minuto a costureira virá vê-la.
— Muito obrigada - disse ela, tomando o caminho escadaria acima.
Gilligan, muito interessado, seguiu com os olhos até ela sumir no andar de cima.
Os McCoy passariam o dia fazendo negócios na cidade, tempo suficiente para Kassandra tomar um belo banho e descansar numa casa de verdade.

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