Walking after you



Duas semanas de trabalho duro e a casa dos McCoy estava completamente reformada. Agora havia sete quartos e muito espaço para toda a família na nova sala de estar onde longas conversas aconteciam depois do jantar. Greig encostou-se no batente da porta da nova sala e observou todos os seus filhos sentados ao redor de Kassandra enquanto ela lhes falava sobre Londres. Era bom ver que a família continuava unida e feliz. E felicidade era o que aquelas crianças pouco tiveram na vida. Greig podia se lembrar com certeza dos dias em que os vira realmente contente. Sabia que tudo se resumia apenas a uma única pessoa, mas não queria falar dela, não queria pensar nela. Suas vidas tinham enfraquecido demais por ela.
Andrew estava perto da janela, vez ou outra tirava os olhos da paisagem e pousava-os na mulher que falava. Nellie cerzia algumas roupas, calças em sua maioria, os meninos viviam rasgando-as. Elliot, o mais interessado, estava sentado bem aos pés de Kassandra, mexendo nos laços da botina dela ao mesmo tempo em que seus ouvidos não perdiam uma palavra sequer do que ela contava.
— Acho que já é hora de irem dormir - Greig pigarreou antes de falar, chamando a atenção dos filhos. Elliot foi o único que reclamou.
— Eu coloco você na cama, querido - murmurou Kassandra sorrindo. - Amanhã continuarei a história.
Era incrível como uma mulher podia mudar toda a rotina numa casa. E tanto poderia mudá-la para pior quanto para melhor. Kassandra conseguira fazer a família toda ir aos cultos todos os domingos cedo pela manhã, mesmo ela não sendo daquela região e não sabendo cantar os hinos. Ela também reavivara a amizade com os Stevenson, antigos amigos da família, onde as crianças passavam as tardes de sábado.
Foi numa dessas visitas domingueiras, para um almoço alegre entre amigos, que Nellie conhecera Clark, sobrinho da senhora Stevenson, um jovem médico que se estabelecera a poucos meses na cidade. E Clark estava tão interessado em Nellie que não perdia uma oportunidade sequer de vê-la, trazendo-lhe sempre um agrado da cidade.
Andrew, por sua vez, tinha se revelado um grande anfitrião, sempre disposto a agradar os amigos, em especial, a senhora Crabbe, a quem acostumou convidar para um longo passeio nas noites de lua cheia.
Os bailes e festas na cidade também passaram a ser um momento novo para a família, que não estava habituada com toda aquela agitação e divertimento, entretanto, estar feliz e se divertir nunca fora algo inatingível para os McCoy, mas havia tempos que nenhum deles se permitia a tal por conta de não desrespeitar o pai. Mas Greig era outro homem naqueles dias, e fora Kassandra Crabbe quem o trouxera à vida novamente. E como ele estava grato por ela ter aparecido, mesmo sabendo que ela cometera o mesmo erro que sua esposa. Ele percebia em Kassandra um ponto forte, ela lutava pelo que achava certo e lutava a favor de quem ela gostava, mesmo que isso a levasse contra muitos de seus princípios. A vida dela tinha sido um conto de fadas, ela mesma contara sobre sua casa, sobre as grandes festas que davam em sua cidade. E contava como gastara dinheiro em supérfluos. Mas acima de tudo, ela falava sobre tudo o que aprendera com seus atos. Não era nada esplendoroso ser tão rico e gastar o dinheiro em bobagens como ela fizera, era o que ela sempre lembrava às crianças, e se pudesse voltar atrás no tempo, não tornaria a cometer os mesmos erros.
— Meus irmãos adoram a senhora - murmurou Andrew, ladeando Kassandra num dos passeios noturnos. - Vejo o brilho dos olhos deles quando a senhora está por perto.
— Eu também os adoro, Andrew. E muito - confessou igualmente num sussurro.
Andrew a fitou, um repentino entusiasmo o envolveu, e Kassandra achou que ele teria falado algo se não fosse o uivo de um coiote a interrompê-lo. Voltaram para casa em silêncio, uma luz no quarto do pai ainda podia ser vista, mas se apagou quando os dois entraram na sala. Despediram-se, mas Andrew hesitou em deixar a presença dela.
— Será que a senhora... será que...
— O que foi, Andrew? - foi direta, queria que ele terminasse a frase.
Ele sorriu com um canto da boca e olhou para o chão, envergonhado.
— Boa-noite, senhora - despediu-se perdendo a coragem, e deu as costas a ela, antes que ela pudesse lhe perguntar qualquer coisa.

A manhã do dia seguinte seria cheia de trabalho. Havia muito gado para ser marcado na fazendo vizinha, o que renderia a Gregory McCoy algumas cabeças. Dali a dois meses ele próprio teria que marcar seu gado e depois de mais algum tempo, o atravessar novamente pelo deserto até a cidade onde o venderia.
Também pela manhã, Kassandra e os meninos tinham ido até a cidade buscar mantimentos. E à tarde eles já saboreavam uma deliciosa torta de maçã feita por Nellie. As outras duas tortas estavam sobre o batente da janela, esfriando e esperando pelo pai e pelos irmãos mais velhos. Foi ao olhar para as tortas, na intenção de verificar se ainda continuavam intocadas, que Nellie viu três cavalos se aproximando. Ela e Kassandra foram até a varanda enquanto os meninos permaneciam dentro de casa.
— Tarde, senhoras - disse o homem de bigode. Era Henri Gilligan.
Nellie desviou os olhos dele, focando na barra de sua saia.
— Boa-tarde, senhores - cumprimentou Kassandra descendo o lance de escadas.
— Greig está? - quis saber o outro homem, era bem alto e vestia uma roupa escura com uma estrela prateada fixada no peito.
— Está para chegar - falou Kassandra olhando além da colina, mas nada avistando.
— É a respeito deste forasteiro - disse o homem alto, esticando o braço e entregando a Kassandra um folhetim amassado. - É um bandido procurado em cinco cidades da região. Viram-no rondando a cidade ontem.
— Bem, por aqui não o vimos. Mas se quiser dar uma olhada por aí, não faremos objeção - disse Kassandra sorrindo.
No entanto, Nellie interpôs:
— Esse aí não pode ficar aqui. O pai não vai gostar. - Nellie apontava para Henri Gilligan.
— Acredito então ser melhor esperarem pelo senhor McCoy. Ele não deve demorar - afirmou Kassandra, agora com os olhos presos no horizonte, onde quatro cavalos despontavam.
A primeira coisa que Gregory McCoy fez ao chegar foi soltar a trava de couro de seu coldre. Para não deixar precipitações desagradáveis acontecerem, o homem com a estrela prateada falou primeiro.
— Tarde, Greig - e esporreou o cavalo, que andou até bem próximo ao senhor McCoy. - Procuramos por Vince Prado, pistoleiro de mão cheia. Esteve na cidade ontem e presumimos que foi ele quem matou Jack.
— Jack Benning? - quis saber Greig.
— Sim, Greig, nosso amigo Jack, o dono do armazém. E estamos aqui justamente para dar uma olhada em sua propriedade...
— Xerife - Greig o encarou, endireitando-se na cavalgadura -, o senhor pode dar uma olhadela por aí, mas já vou lhe dizendo que ninguém permanece em minha propriedade sem minha permissão.
— Entendo, Greig, mas eu preciso...
— E o senhor até pode olhar, desde que esse aí fique esperando aqui.
— Na verdade, senhor McCoy - Gilligan era incrivelmente antipático de propósito -, não vim para vasculhar sua propriedade. Estou aqui para falar com a senhora Crabbe.
Kassandra espremeu a sobrancelha e depois de olhar para Gilligan, encarou o xerife.
— Comigo? - pediu sorrindo.
— Sim. A senhora poderia nos acompanhar até a cidade?
— Se deseja falar comigo, pode fazê-lo aqui mesmo, senhor Gilligan.
Mas o xerife entremeteu seu cavalo entre os dois.
— A senhora precisa nos acompanhar até a delegacia.
— Eu o que? - indagou indignada.
— Há algumas perguntas que queremos lhe fazer - continuou o xerife -, senhora.
A última palavra, porém, soou como uma afronta tanto para Kassandra quanto para Gregory.
— Vá para dentro, senhora - ordenou Gregory descendo do cavalo. Ela parecia indignada, mas obedeceu, assim como Nellie.
— Vejo que a tem em rédeas curtas. Se tivesse feito isso com... - alfinetou Gilligan sem terminar a frase.
— A senhora Crabbe é nossa hospede. Já lhe disse isso uma vez, Gilligan e não lhe direi a próxima - foi grosso. - Vamos dar logo essa olhada em minhas terras, que tenho mais o que fazer.
— Certo, Gregory. Mas depois, a senhora voltará conosco para a cidade.
— Por quê? - quis saber Gregory.
— Porque, meu caro - Gilligan apeou de seu cavalo - , ela é outra bandida.
Gregory quase avançou sobre o inglês, mas conteve-se porque sabia que seus filhos estariam observando-o pela janela. Ele não era homem de brigas, jamais entrara em qualquer uma por seus amigos, muito menos por mulheres, e não seria diferente agora.
— Ficarei aqui esperando os senhores - disse Gilligan cheio de soberba.

Brad Conelly era o xerife da cidade há anos. Jamais admitira qualquer desacato ou desordem, muito menos portar armas em suas ruas. Agora, chegava a ele uma morte tola e estúpida, por um rifle de cabo negro adornado e uma caixa de balas. Que homem era esse tal de Vince Prado cuja consciência não pesava ao matar um pai de família e um grande amigo de todos na cidade? Que segredo esconderia o tal rifle vendido por Jack Benning? Eram respostas necessárias, mas não faziam parte do conhecimento de Kassandra Crabbe, que estava agora sentada em uma cadeira de madeira dura, diante de uma mesa onde duas pistolas estavam deitadas, sendo observadas por Brad Conelly.
— Não admito que pensem que minhas jóias são falsas - ela bradou, batendo com o punho cerrado sobre a mesa, as armas deram um pulinho. - Eu não sou mulher de mentiras!
— A senhora já me disse isso. Cinco vezes. Mas o colar em posse de Henri Gilligan é falso. Foi avaliado por nosso banqueiro...
— Ele está mentindo! Eu lhe vendi meu colar a uma bagatela. Aquele colar valia, pelo menos, vinte vezes o valor que recebi!
— A senhora vem de longe, achando que somos otários... - o xerife acendeu o charuto e pôs as pernas sobre a mesa, cruzando-as. - Mas deixe-me dizer, seu parceiro vai ser pego.
— Meu parceiro? Agora o senhor insinua que premeditei tudo o que está inventando?
— Não estou inventando - o xerife berrou, pondo-se de pé. - Gilligan me contou o que aconteceu.
— Eu não vendi uma cópia! - ela foi grossa e tão estúpida quando o xerife. - E Gilligam soube disso no momento em que viu o colar. Os olhos dele arregalaram-se e o corpo dele tremeu todo!
O xerife franziu a testa.
— Eu sei o que está acontecendo. Sei muito bem - disse empertigando-se e erguendo o dedo indicador. - Seu querido Gilligan está querendo dar o golpe! Quer tirar o que McCoy tem já que investi o dinheiro na fazenda! Mas o senhor se engana se acha que vou deixar que tentem isso!
Espantado, o xerife sentou e deu uma tragada no charuto.
— Encontre o seu bandido, senhor xerife, e primeiro lhe provarei que não sou cúmplice dele. Depois, lhe provarei que Henri Gilligan é um velhaco! E que o senhor não passa de um capacho!
Dizendo isso, Kassandra saiu batendo a porta e quebrando um dos vidros do caixilho. Andrew McCoy a esperava ao lado de fora da delegacia com a velha e desconfortável carroça. Não trocaram uma palavra sequer até chegarem em casa. E Kassandra se trancou no quarto assim que a primeira pergunta lhe foi feita.

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