Pistoleiros não mentem e bruxo

Pistoleiros não mentem e bruxo



— Então você entendeu?
— Sim, senhor.
— Aqui está o colar. E não dê uma de engraçadinho, caso contrário, seu estimado rifle vai para dentro da caldeira lá na ferraria.
Vince Prado era um pistoleiro a procura de um rifle lendário, pertencente a Bloody Bill, perdido durante um cerco ao confederados, no Texas. A arma ficou em posse de índios durante alguns anos e depois um bando de ladrões a levou para o Arizona, onde um dos rapazes do bando a perdeu numa aposta. Agora, a arma aparecera em Rock Canyon, do nada, como se o fantasma de Bloody Bill a quisesse esconder para sempre do resto do mundo. Vince percorrera o rastro do rifle nos últimos meses como se sua sobrevivência dependesse disso, mas ele apenas a queria como um amuleto. Um amuleto contra quem se pusesse em seu caminho, como estava acontecendo naquele momento, naquela cidade. E tudo estava sendo tão oportuno, que ele decidiu tirar toda vantagem possível... até conhecer Kassandra Crabbe.
A delegacia era uma grande e nova construção mista, a parte da frente, onde ficava a recepção e as salas do xerife e dos ajudantes era de madeira, a parte de trás, cozinha e celas, era feita de tijolos e grossas grades de ferro. Henri Gilligan estava sentado logo ao lado do delegado. Diante deles estava Vince Prado e mais à direita, Kassandra Crabbe. Gregory e Andrew McCoy ficaram na sala de espera, mas podiam ouvir a conversa sem qualquer esforço.
— Eu gostaria de pedir que, enquanto cada um estiver depondo, ninguém se manifeste - pediu o xerife. - Todos terão a vez de se explicar. - E ele olhou de esgoela para Gilligan.
Estão mancomunados - pensou Kassandra espremendo os olhos.
— Por que não nos diz, senhor Prado, o que encontramos com o senhor esta manhã.
— A jóia que está nessa bolsa - respondeu Vince.
O xerife abriu a bolsinha de couro e tirou um belo colar de pedras. Kassandra sabia que era o verdadeiro.
— E o que é aquilo que o senhor Gilligan segura?
Os rostos se viraram para o dono de metade da cidade e nas mãos dele estava o colar falsificado, não era difícil de notar a diferença, as pedras do colar falso tinham um brilho opaco.
— É uma cópia que usamos quando fugimos da cidade.
— O QUE? - Kassandra e Gregory pronunciaram juntos, cada qual num aposento.
— Ora, querida, não se faça de desentendida - gracejou Vince. - Perdôo você por fugir de mim, sei que não fui um bom marido, mas...
— Ora, cale-se - rosnou ela, mas foi interrompida.
— Senhora, por favor, apenas responda às perguntas quando as fizermos, certo? - o xerife foi conciso. - O senhor usa a jóia como isca em seus roubos?
— O objetivo é lucrar, claro. Pessoas como o senhor Gilligan, perdoe a expressão, matariam por uma belezinha como essa! - riu Vince. - Oferecemos a jóia, pedimos certo valor e depois entramos na casa do comprador e trocamos pela falsa.
— Simples e sem deixar rastros - resumiu o xerife.
— Até agora - Vince murmurou fitando Kassandra.
— Que absurdo estão falado, homens? - Kassandra foi arrogante.
— Senhora, por favor - pediu o delegado. - Então, você disse que ela é sua esposa?
— O QUE? - exclamou Kassandra indignada. O xerife apenas a fitou.
— Sim. Tivemos uma discussão no Texas e ela se mandou. Demorei a encontrá-la, mas quando vi o Gilligan ali, pela janela, admirando o meu colar... não tive dúvidas. Mas imagine a minha decepção ao descobrir que minha mulher estava vivendo com outro homem e qe ela ainda tinha lhe dado todo o dinheiro que faturara com o meu colar de família.
Kassandra sorriu, agora queria ver aonde é que aquela palhaçada ia chegar.
— Fui até o armazém para comprar uma arma, experimentei-a e quando fui puxar o gatilho, estava realmente carregada. Só tive tempo de fugir. Eu não quis matar aquele pobre homem, mas o que eu iria fazer? Eu tinha estourado os miolos dele...
— Poupe-nos dos detalhes, senhor Prado. Agora, mostre-nos a foto de sua esposa.
— O QUE? - outra vez a indignação de Kassandra os interrompeu.
Do bolso de trás da calça, Vince Prado tirou um papel, que desdobrou com cuidado, e nele havia um perfeito desenho do rosto de Kassandra.
Aquilo estava indo longe demais. Era melhor intervir antes que ela tivesse que fazer coisa pior que estourar miolos trouxas.
— E a minha vez de falar?
— Acredito que não será preciso - disse o xerife, interrompendo Kassandra, ao pegar outro pedaço de papel das mãos de Vince. - Isto é uma certidão de casamento. Prova tudo o que o senhor Prado nos disse.
— Prova somente que ele é um grande mentiroso e os senhores dois grandes oportunistas! - berrou Kassandra de um jeito que jamais falara antes. Os três homens presentes se calaram. - Eu gostaria de saber, senhor Prado, onde é que o senhor me conheceu. Ou quando o senhor me conheceu! Sim, porque eu não estou mais do que um ano neste país. E bem se vê que o senhor é um chulo, bem diferente da minha pessoa! Deposi, a maior parte do tempo em que passei neste país, estive em companhia da família McCoy.
— A senhora foi encontrada no deserto...
— Sim. Fui - pontuou com firmeza ao xerife. - Viajei para cá fugindo de um homem e de sua vida. Dos males que ela me trouxe. Cheguei aqui e somente encontrei desprezo... Até conhecer os McCoy. - Ela pausou e engoliu em seco. - Dê-me o colar, xerife.
Mas o xerife não se mexeu. Então Kassandra se pôs de pé e abriu a bolsa de veludo bordô, da qual tirou um magnífico bracelete idêntico ao colar verdadeiro. Deu duas batidinhas em uma das pedras e ela se abriu. Dentro havia duas fotos, uma de Kassandra e outra de um homem robusto e sorridente.
— Dê-me o colar, senhor xerife - e sem se importar se ele se impusesse, Kassandra tomou o colar, bateu uma das pedras duas vezes sobre a mesa e esta se abriu, mostrando as mesmas fotografias. - Este é meu marido. - As iniciais de seus nomes estavam gravadas na parte inferior da pedra, K.C para ela e T.C para ele. - Theobald Crabbe.
O silencio pesou, mas não mais do que o olhar de Kassandra sobre eles.
— Agora me dê essa certidão de casamento - rosnou ela quase arrancando o papel das mãos do xerife. - Essa não é a minha letra. Sem desculpas, por favor, senhor Prado. Não estava doente nem machucada quando nos casamos, porque isso jamais aconteceu. O senhor é um homem deprimente, em busca de uma arma cheia de fantasia... Foi por isso que matou Jack Benning, não foi? O senhor queria a todo custo a arma. - Kassandra o encarava como se o penetrasse com seus olhos castanhos.
Então, do nada, o homem desandou a chorar e confessar que tudo não passara de uma armação planejada por Henri Gilligan para tomar as terras de Gregory McCoy.
— O senhor deve achar que somos todos uns toscos, não é mesmo, senhor xerife. Mas de que adianta uma grande reputação se o senhor se corrompeu durante o percurso? Mesmo que pouco tenha em posses, pelo menos Gregory McCoy é homem de palavra! O senhor é um covarde que teme perder o posto se não se juntar àqueles que comandam o poder monetário da cidade. - Kassandra cuspiou sobre a mesa, empurrou o colar para o colo de Gilligan e saiu do aposento, passando pela sala de espera sem olhar para quem quer que lá estivesse.
Ao ar livre, ela correu para longe da delegacia, desaparecendo atrás da loja de aviamentos e jogou-se de qualquer jeito no chão, escondendo o rosto nas mãos. Os McCoy a seguiram, mas quando estavam próximos, Gregory pediu ao filho que esperasse ali, pois queria conversar com a senhora por um instante. Estavam longe da vista de todos, atrás da construção, e, ao som dos soluços de Kassandra, Gregory ajoelhou. Ela espiou por entre os dedos e depois ergueu o rosto cheio de lágrimas.
— A senhora é bem nervosinha - brincou ele, conseguindo arrancar um sorriso daqueles olhos tristes.
— Eles me deixaram.
— Com certeza. Mas acho que está tudo resolvido. O xerife não gostou muito das palavras da senhora, mas a verdade dói, não é mesmo?
— Acha que ele não...
— Eu acho que ele suspeitava da senhora mais do que de Gilligan, que sempre foi um homem asqueroso.
— Então... terei de pedir desculpas a ele.
Gregory sorriu, pondo-se de pé e estendendo a mão para ela.
— Acho que não será preciso. A lição foi aprendida. Agora, vamos para casa.

Na manhã de domingo, depois da missa, os Stevenson prepararam um saboroso piquenique debaixo das enormes e solitárias árvores na divisa das duas propriedades. Nem Andrew nem seu pai comentaram sobre a ida repentina à cidade e a senhora Crabbe nem mesmo parecia ter passado por tudo aquilo.
— Nellie e Clark formam um lindo par, você não acha, Greig?
— Sim, formam, Prundence - confirmou ele. Troy Stevenson riu alto.
— Seu filho também parece bastante cativo - Troy apontou para Kassandra.
Gregory franziu a testa e somente então percebeu o que os amigos já haviam percebido há algum tempo: Andrew estava interessado em Kassandra.
— Ela é uma mulher muito bonita - murmurou Prudence -, mas sabe-se lá o que esconde.
— E você acha que precisamos saber seu segredo? - perguntou Gregory fitando a amiga.
Ela deu de ombros e comeu um doce.
— Acontece que ela é casada - continuou Prudence. - E Andrew é tão novo.
Gregory baixou os olhos, tinha que concordar. Talvez se Kassandra fosse uma moça sem compromisso, ele pudesse permitir o namoro e o casamento.
— Não sei como poderei chegar a ele... - Gregory iniciou a frase.
— Talvez você não precise - completou Prudence indicando com a cabeça.
Kassandra tinha dispensando um mimo que Andrew lhe oferecia: uma pequena flor colhida ali no campo.

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