Aprendendo a amar



A volta da viagem foi cansativa porque Gregory não se permitiu parar para dormir. Queria chegar o quanto antes em casa e confirmar que tudo estava bem. Ele olhava de esgoela para os filhos, vez ou outra, e percebia a exaustão nos olhos deles, mas os rapazes continuavam mantendo a postura a todo custo, para que o pai sentisse orgulho. E Gregory estava orgulhoso, muito.
Avançaram noite adentro e chegaram a suas terras quando o sol raiava. Luc tinha encostado o peito sobre o pescoço de sua montaria, o cansaço o tomara por completo, mas quando o cavalo de Andrew bufou, o garoto ergueu a cabeça acordando. O pai havia parado e fitava a casa ao longe. Tinha algo de diferente nela.
— O que está acontecendo? - perguntou Gregory apeando e se dirigindo a Nellie, que estendia os lençóis brancos no varal.
— Pai! - ela exclamou sorridente, mas fechou a cara pouco depois ao ver a expressão zangada dele.
— O que significa isso? - tornou a perguntar ele, apontando o dedo para a casa.
— Nellie não tem nada haver com o que está acontecendo - explicou Kassandra, parada logo atrás de Gregory. Ele se virou e a encarou, estava furioso. - Eu precisava pagar de alguma forma...
— Não precisamos de favores - rosnou Gregory com os olhos colados nela.
— Não é um favor, senhor McCoy. Eu queria agradecer por tudo o que sua família têm feito por mim...
Ele a fitava com indignação, não tinha gostado nada de ver a casa sendo reformada sem sua permissão.
— Não precisamos disso - ele foi contundente.
— Não é nada demais, senhor...
— Tome, aqui está o dinheiro - ele tirou de qualquer jeito um maço de notas de dentro de uma bolsa de couro e quase o atirou em Kassandra. - Pague essas pessoas e mande-as embora!
— Mas - ela hesitou sorrindo para ele - já estão pagos, senhor. Eu...
— Então tome o seu dinheiro - e insistiu que ela o pegasse. Kassandra não se moveu. Gregory tomou a mão dela e meteu o dinheiro na palma, fechando-a em seguida.
— Escute aqui, senhor McCoy, eu achei estar fazendo uma grande surpresa para o senhor. Seus filhos estão contentes, até mesmo ajudam no que podem...
— Eu não preciso de caridade! - Gregory falou devagar, pontuando cada palavra.
Nellie tinha saído de lá, estava com medo do pai. Kassandra baixou os olhos, deu as costas a Gregory e caminhou até os homens que montavam uma estrutura no lado esquerdo da casa.
— Acho que ela não fez por mal - murmurou Andrew, parado logo atrás do pai.
Os dois viram Kassandra falar com os homens, dispensando-os e depois seguir até o estábulo, onde as crianças brincavam num cocho cheio de água.
— Eu preciso descansar - disse Gregory. - Você e Luc façam o mesmo.

Era quase noite quando Andrew apareceu na varanda. Seus irmãos tinham todos tomado banho e entravam na cozinha para jantar, Nellie já colocava tudo à mesa, mais quieta do que de costume. A senhora Crabbe vinha caminhando cabisbaixa, sacudindo o vestido azul-marinho e quando o viu sentado no degrau da entrada, parou de súbito.
— Entendo sua intenção, senhora - disse ele encarando-a.
Ela nada respondeu.
— Meu pai não é um homem de aceitar ajuda. Deus sabe que ele tem se esforçado muito para nos dar o melhor, sempre. Mas jamais iria aceitar algo de mão beijada como o que a senhora quis oferecer.
Os olhos dela pareciam distantes e brilhavam como um diamante.
— Eu vou dar uma volta, a lua cheia está tão bonita - murmurou, e dando meia volta, tornou a voltar pelo caminho que viera.
Andrew soube que ela estava tentando evitar encontrar seu pai quando todas as luzes da casa se apagaram e a cama do quarto em que ela dormia ainda estava feita.

Era cedo quando Gregory se levantou. Desceu a escadaria e viu que a porta do quarto da senhora Crabbe estava aberta. A cama estava feita, minuciosamente arrumada como somente uma mulher conseguiria organizar. Ele espiou para fora da janela e viu a varanda solitária. Franziu a testa ao perceber que nem o fogão a lenha estava aceso, o que indicava que ninguém havia levantado ainda. Onde estaria, então, a mulher? Gregory caminhou para fora de casa, passando a mão pela porta, antes danificada pelas balas dos rifles dos malditos ladrões, agora impecavelmente consertada, assim como as janelas e paredes. A estrutura de madeira contígua a casa era grande e tinha sido armada com empenho e cuidado. O piso estava completamente pronto e os cômodos podiam ser percebidos, mais três quartos, provavelmente, e parte do um cômodo que se uniria ao quarto onde a senhora Crabbe estava instalada e se transformaria em sala, um luxo que os McCoy nunca tiveram na vida.
Gregory levou os olhos ao céu, uma estrela ainda brilhava com vontade quase própria, tentando se sobre sair ao sol nascente. Um cavalo relinchou no estábulo e chamou a atenção dele para a porta semi-aberta do celeiro. Ele entrou devagar e viu a senhora Crabbe deitada sobre os fardos de feno. Respirou fundo e permaneceu parado a observá-la.
— Pai - chamou Andrew da porta do celeiro.
Gregory ergueu o dedo, pedindo silêncio, e depois apontou para a mulher que dormia logo adiante. Andrew caminhou até lá e sorriu ao perceber a senhora Crabbe num sono profundo e tranqüilo.
— Vou fazer um café - murmurou Gregory, e deixou o filho no celeiro.
Andrew andou até perto da senhora e se agachou bem próximo a ela, tão serena e introspectiva. Que será que sonhava? Relembrava da vida em seu país? Ou sonhava em terminar o trabalho começado naquele lugar?
Entretanto, um cavalo relinchou, sapateando assustado por um barulho qualquer, e acordando os demais animais, assim como a senhora Crabbe, que se surpreedeu ao ver Andrew acocorado ao seu lado.
— Desculpe, senhora - ele falou, erguendo-se.
— Já amanheceu? - quis saber Kassandra sentando, seus tornozelos apareceram por baixo da bainha do vestido, mas ela nem percebeu que o rapaz os observava. - Acho que adormeci... Vou preparar o café da manhã.
Ela se pôs de pé, calçou as botinas e somente naquele momento percebeu que Andrew observava cada movimento que fazia.
— O senhor me acompanha? - perguntou para tentar espantar o constrangimento.
— É... claro, senhora - e ele estendeu-lhe o braço, ao qual ela aceitou com um sorriso cativante.
Caminharam em silêncio até a casa. Andrew abriu a porta para que Kassandra entrasse, e depois a fechou. Gregory estava sentado à mesa, fatiara o pão e servia-se de café quando Kassandra sentou à frente dele.
— Bom-dia, senhor McCoy - disse ela em tom baixo.
— Bom-dia - respondeu ele, fitando o bule de café.
— Irei hospedar-me no hotel da cidade - ela falou sem meandros. - Se o senhor permitir, pedirei a seu filho que me leve.
Gregory McCoy não levantou os olhos.
— O senhor e sua família já fizeram o bastante por mim.
— A senhora tem certeza?
— Sim, eu tenho - respondeu recusando o café que Andrew lhe oferecia.
— Minha casa... não chega aos pés daquele hotel - confessou Gregory -, mas se a senhora desejar, posso arrumar uma banheira...
— Não, não... por favor. Já estou bem e vou seguir meu caminho.
— E para onde vai? - quis saber Andrew.
— Andrew, nos dê licença, por favor - pediu o pai. E o rapaz saiu sem responder. - Devo desculpas à senhora.
Kassandra respirou fundo, desviando os olhos dele.
— Não agi corretamente ontem. Estava com a cabeça quente, cansado...
— Não é preciso que se explique, senhor. Eu entendo perfeitamente.
— Estamos acostumados com sua presença - ele murmurou quase inaudível.
— Devo presumir que seja uma boa coisa.
— Sim, senhora, é uma boa coisa. E peço desculpas se a envergonhei ou a ofendi.
— Também lhe devo desculpas. Agi sem seu consentimento e mereci ouvir cada uma das palavras que o senhor disse.
— As... crianças... não irão gostar de sua partida.
— Elas vão se acostumar - respondeu Kassandra segura. - Mas se o senhor permitir, escreverei para elas.
Andrew tornou à cozinha, os braços na cintura e os dentes semicerrados.
— Não queremos que a senhora vá embora - disse o rapaz fitando o pai. Nellie apareceu ao lado dele e balançou positiva a cabeça.
Kassandra sorriu e, com os olhos vazando, levantou-se e abraçou a garota.

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