Dédalo



Aparataram num beco escuro, o barulho dos cascos dos cavalos e rodas de carruagem fizeram com que o casal se pusesse de pé num risco. Era dia, mas um dia sombrio.
― Que diabos?! Onde estamos?
― Não faço idéia alguma. Onde está Kassie?
Os dois olharam para os lados, eufóricos e amedrontados. Tudo envolta era estranho, porém, puderam deduzir que alcançaram o destino certo: a Londres do final do século XIX. A ausência da mulher que procuravam indicava que ela deveria ter se perdido pelo longo caminho.
O clima frio transformava a expiração em uma névoa esbranquiçada logo após sair da boca. O dia, costumeiramente nublado, causava um leve ar depressivo nos transeuntes.
― Estamos no lugar certo.
― Melhor nos hospedarmos em algum local.
― Ninguém irá nos reconhecer aqui. Tenha calma, Lily.
― E como posso ter? Tive que fugir com a roupa do corpo da minha própria casa para não sofrer conseqüências...
― Você preferia estar morta?
― Ah, Tiago, essa guerra...
― Sim, eu sei. Mas ouça: sorte nossa Kassie ter nos procurado!
― Verdade – e Lily baixou a cabeça, dando alguns segundos como respeito. – Ela estava tão ferida.
― Estava mesmo, mas ela sabia o risco que corria. Vamos viver e mostrar que a morte dela não foi em vão.
― Ela poderia estar viva agora, Tiago.
― Poderia, mas estaria nas mãos dele... e de seus Comensais, e tenho a certeza, minha querida, que ela preferiria estar morta ao voltar para lá.
Tiago pegou a chave de portal, enfiou-a na mochila e puxou Lillian pela mão, forçando-a a ir para longe da multidão. Chegaram a uma estalagem bruxa, depois de vinte minutos de caminhada. O dono os recebeu calorosamente, encaminhando-os ao melhor quarto. Descobriram, pouco depois, que estavam poucas quadras do Beco Diagonal, o que era uma ótima coisa, pois precisavam trocar dinheiro bruxo por trouxa para comprarem uma casa num bairro sossegado e nada suspeito.
Uma semana depois, os dois se mudaram para um antigo e decaído sobrado, contudo, nada que um toque mágico não contornasse.
Não se passava um dia no qual Lillian não pensasse em Kassie, a víbora esnobe, mulher do repugnante Comensal Crabbe. Soberba e intocável, mas que, por uma virada do destino, fora quem os auxiliara na pior hora da vida. Lillian ainda tentava compreender o que levara tal mulher a tomar uma atitude drástica e inexplicável tal qual: ajudar uma bruxa nascida trouxa a fugir do Lorde das Trevas, salvando inimigos do mestre de seu marido. Havia que existir uma explicação plausível, não era possível que uma pessoa que tanto desprezou trouxas decidisse da noite para o dia trocar de lado e ajudar aqueles que tanto repudiava.

― Pare de pensar naquela mulher, Lily. Ela serviu a um propósito, acabou e pronto.
― Eu não consigo ser fria como você, me desculpe - ela alfinetou sarcástica.
― Eu não sou frio. Só acho que você deve esquecer o que passou.
― E como posso? E se por acaso ela se soltou da chave de portal por estar muito fraca e não por ter morrido?
― Por favor, Lily.
― E se ela estiver por aí, perdida? E se ficou em algum lugar no tempo...
― Eu não quero mais ouvir você falar nisso, está bem? Esqueça, por favor. Temos nossa vida aqui, agora, e é isso o que importa, querida.
― Mas, Tiago, se ela está viva temos que encontrá-la...
― E como faríamos isso? - ele foi grosso, levantando-se da mesa onde jantavam, e abrindo os braços. - Se eu fosse vidente... mas assim como você não acredito muito nisso. Precisamos manter nosso filho a salvo. Nada mais, nada menos.
E com aquela discussão toda, um bebê acordou em prantos.

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