SANGUE NO SANTIFICADO CHÃO



A lua, um disco perfeito em seu brilho prateado, erguia-se altiva no céu. O sol se punha no Oeste, fazendo o brilho alaranjado dar lugar ao manto azul escuro da noite, com milhares de pontos brilhantes que piscavam. Um vento forte assolava a região, que fazia rodar velozmente os cata-ventos e seus rolamentos produzir um zumbido irritante.
Nas janelas que Dorothy ainda não tinha fechado, as cortinas esvoaçam, e muitas folhas entravam dentro da casa. Essas mesmas folhas também formavam uma cobertura no telhado e um belo tapete avermelhado nos bosques da região. Na vila, pouco a pouco, as luzes se apagavam.
Dobby passava por várias luminárias, desligando uma por uma com um movimento rápido de seus dedos. Os meninos estavam em seus quartos, e Molly e Arthur acabavam de se deitar.

- Lord, eu fiz tudo que pude! – Um homem sujo e de cabelos oleosos ajoelhava-se no chão de pedra.
- Não era necessária a morte daqueles homens! – A voz rouca ecoava por todo o vão. Dezenas de fileiras de bancos mobiliavam o lugar – Agora podem nos achar!
- Eles queriam o espelho, achavam que eu era um trouxa... – O homem continuava de cabeça baixa, mas a cada palavra parecia se irritar ainda mais. – E se nos acharem, os matarei também.
- Severus, eu não digo os trouxas. Eu falo do Ministério!
- Eles jamais saberiam onde estamos... – Agora Snape olhara diretamente a sua frente, seu olhar expressava um forte rancor. – Ninguém vem nessa igreja à noite.
- Não podemos continuar fugindo assim, precisamos do garoto!
- O Potter? Não será fácil assim capturá-lo!
Uma nuvem negra invadia o local, obstruindo a visão e os sons...

- Arg! Não... não... – Harry debatia-se freneticamente em sua cama, esfregando fortemente com os dedos sua cicatriz, que ardia em chamas. – NÃO! – De um salto, o garoto colocou-se sentado, seus olhos emitiam um olhar apavorado. Suor escorria por sua face, e os cabelos estavam grudados no crânio.
- Newham – disse para si mesmo recolhendo os óculos na cabeceira e levantando-se da cama. Colocou o roupão de cetim. – Newham- Sussurrou.
Harry percorreu todo o corredor, olhando os quartos com as portas fechadas, onde os demais dormiam. As luzes estavam apagadas, e assim ficaram. Harry caminhava com passos leves, as escuras, para não chamar a atenção de ninguém. Desceu as escadas e recolheu numa mesa da sala o jornal trouxa The London Times, que havia sido deixado por Hermione horas atrás. Folheou rapidamente o jornal, passando os olhos por todas as matérias, até encontrar na página 23 aquela notícia marcada. Leu-a, absorvendo cada mínimo detalhe descrito. Rasgou a matéria, dobrou e apertou em sua mão, e em seguida voltou para seu quarto.
Despiu-se e logo vestiu suas roupas trouxas com um sobretudo negro. Guardou a varinha em um bolso das vestes e pegou sua Firebolt que decorava a parede de seu quarto.
“Sua coragem muitas vezes o salva de muitas situações perigosas, mas também o cega quanto ao limite de suas capacidades, todos temos que ter amigos e aliados. Não seja teimoso.” Pensou no que a amiga havia dito enquanto calçava os tênis.
Harry abriu a janela deixando as cortinas esvoaçarem novamente.
“Aconselhe-se conosco, peça ajuda no que precisar, e não, por favor, não.” Agora pensava nas palavras do Sr. Weasley que martelavam sua cabeça. Mirou seu quarto, encarou a foto de seus pais em cima da escrivaninha, segurou uma lágrima e sussurrou.
- Tenho que fazer isso. Aquele canalha não merece ficar aí fora. Tantas vidas inocentes acabando...
Harry encheu-se de coragem e apertou a varinha dentro da veste, sentindo novamente a textura da madeira e o poder que dela fluía. Subiu em sua Firebolt e se lançou noite adentro, indo em direção ao vilarejo com os postes ligados.
Os cabelos revoltos do garoto esvoaçavam no vento e a vassoura cortava os céus. Mesmo ainda sendo o final do verão, um vento gelado cortante assolava o rosto de Harry, que ele cobriu com a capa. Logo, aparatou e sumiu no céu escuro.

Um relógio no alto de uma torre ao longe indicava que eram três horas da manhã. Harry reapareceu em frente a uma pequena casa medieval nos subúrbios de Newham, e a rua estava muito escura. Acendeu a varinha com um feitiço mudo e olhou a matéria que havia rasgado do jornal. Realmente era o mesmo lugar. A única diferença é que na foto havia dezenas de pessoas, provavelmente curiosos que foram olhar as cenas do assassinato.
Harry não precisou se esforçar para se lembrar de seu pesadelo, e tomando-o como mapa, levantou vôo até a Igreja que ficava no final da rua principal, num monte mais elevado. Poucas luzes estavam acesas, mas eram suficientes para ver a silhueta da Igreja medieval. Havia uma torre na frente, e em sua ponta projetava-se uma cruz. No último andar da torre, era possível ver a forma do sino de metal, que tocava nos dias de missa.
Entrou pela porta principal, mas que dava para uma pequena câmara escura. As paredes eram estreitas e o teto, baixo. Seguiu e logo saiu da câmara, espantou-se. Havia apenas uma nave na Igreja, mas já era o bastante para Harry admirar toda a beleza da arquitetura gótica. Era uma Igreja sustentada por arcos e abóbadas ogivais de pedra, que se projetavam para o céu com suas pontas agulhadas. Uma bela rosácea em vários tons de azul estava na parede dos fundos, nas laterais dezenas e dezenas de vitrais multicoloridos permitiam a fraca luz da lua entrar. Muitos desses vitrais, datados de muitos séculos atrás, eram absolutamente abstratos, mas outros tantos possuíam passagens bíblicas e várias imagens de santos da religião católica. Esculpidas na própria pedra das colunas, estátuas de santos eram mostradas, e suas formas na maioria das vezes apontavam para a mesma direção dos arcos agulhados: para o céu. Havia um corredor central, ladeado por inúmeras fileiras de bancos de madeira, que dava no altar da nave. Harry estava extasiado.
Além da pouca luz natural, uma vela branca crepitava sobre o altar, lançando uma luz dourada que criava sombras compridas no chão. Harry contemplava o ambiente como se nunca tivesse visto algo tão belo. A capela que freqüentou anos antes era muito mais modesta do que essa Igreja. Observou com atenção cada pedaço do mosaico da crucificação.
Um barulho de metal vindo do outro lado da parede fez Harry voltar sua atenção para lá. Encostou a Firebolt num banco e caminhou na ponta dos pés aquele percurso que as noivas fazem ao encontro do marido, a varinha em punho, seus sentidos aguçados.
Duas portas flanqueavam o altar, mas a da esquerda foi a que mais chamou a atenção do garoto. Não pela porta, e sim pelo objeto que estava ao seu lado. Um brilho dourado emanava da moldura de um magnífico espelho encostado na parede. Harry se aproximou, observando os arabescos esculpidos no ouro, mas negou-se a olhar no fundo negro do espelho, que um dia revelara a imagem de seus pais.
- Não faça isso, pelo amor de Jesus Cristo... – Harry escutou baixo uma voz feminina suplicando do outro lado da porta – Deus te perdoará – Harry colocou a mão na maçaneta, mas aguardou – Em nome de Deus, eu suplico... NÃO ME MATE!
- Você não devia ter-nos visto, trouxa. Deveria estar dormindo! – uma voz baixa e severa abalou ainda mais o estado da mulher.
- Eu não contarei nada para ninguém – chorava – por favor!
- Agora é tarde, mulher – Harry encheu-se de coragem, apertou com força a varinha e entrou no cômodo – Avada...
- ESTUPEFAÇA! – Harry lançara o feitiço contra o homem de cabelos compridos e sebosos, que girava a varinha.
O jorro brilhante de luz cruzou o cômodo e atingiu em cheio o peito do bruxo, que cambaleou e chocou-se contra a parede. Num canto próximo, uma senhora estava paralisada, de joelhos, com um terço enrolado em suas velhas mãos.
- Levante-se, rápido! – Gritou o garoto para a mulher.
Mas a mulher não parecia escutar nada, ficava lá, sussurrando para si mesma. Harry correu até ela e a puxou pelo braço até o final do cômodo, gritando para ela se esconder. Em seguida, Harry virou-se...
- Avada Kedavra! – gritava a figura apontando a varinha no coração do garoto. Harry esquivou-se, se jogando no chão e rolando para trás dos bancos da Igreja. O feixe de luz acertou um dos vitrais, que se estilhaçou. O homem saiu do cômodo e entrou na nave da Igreja, onde Harry estava – Muito ousado, hein, Potter!
A freira tropeçou pelos bancos e caiu logo em seguida, e ali ficou, perto do altar, encolhida e tremendo, rezando incansavelmente.
- Apareça, Potter. Seja homem uma vez na vida!
- Cruciatus! – Harry reapareça, rolando para o corredor. A vela fora atingida, e despedaçou-se. Snape, agilmente, desviou-se, correndo em direção aos bancos – Expelliarmus!
- Protego! – Snape era de longe mais hábil que Potter e isso estava sendo mostrado ali – Sectusempra!
Harry voou para trás, caindo sobre um banco, que virou. Suas costelas doíam, sua testa sentia o calor de um filete de sangue que corria. Arfava.
- Não cansa de querer bancar o herói?
Harry não estava acabado. Ainda restava um fio de esperança em seu coração. Não poderia deixar Snape fazer aquilo. Não poderia suportar o fato de morrer daquele jeito. Precisava lutar, precisava da vitória. Empunhou a varinha que jazia ao seu lado e respirou fundo. Sentiu a energia de sua arma fluir pelo seu corpo, concentrou todo seu poder e ódio na ponta de sua varinha. Acabaria com tudo de uma vez, para sempre. A freira abrira os olhos, percebeu a porta aberta e se levantou, correndo em sua direção...
- RICTUMSEMPRA!
O feixe fulgurava sua chama pela Igreja, indo em direção a Snape. A freira levantou-se, ficando entre Harry e Snape... “Não!”, gritara o garoto. Mas tarde demais, o feitiço chocou-se no pescoço da freira, que jorrou sangue, profanando o santificado chão de pedra.
- Viu o que fez, Potter? – Snape correra para o lado do espelho e segurou-o. Aparatou.
Harry ainda tentou atingi-lo, mas não obteve sucesso. Apressou-se em ajudar a mulher, que ainda mexia levemente os dedos. Seus olhos estavam dispersos, olhando para nada. Do sangue que corria de seu pescoço, formou-se uma poça vermelha que brilhava. Seus sentidos haviam se apagado, mas seu coração ainda palpitava. Harry derramou uma lágrima que se dissolveu na mancha vermelha. Pegou a velha em seus braços e caminhou até sua vassoura.
- Ah, Snape – estava com um nó na garganta, e sua voz saiu chorosa. Lágrimas de culpa e ódio continuavam rolando por sua face – Ah, Snape! Não deixarei barato. Você pagará, eu juro.
Assim prometeu Potter, assim Potter iria cumprir.

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