O Começo da Busca



Os dias se passaram mais arrastados que o normal. Harry tinha a sensação de que o frio, que chegava com tudo agora que novembro estava quase no fim, tinha congelado as engrenagens dos relógios.
Eles passavam a maior parte do dia procurando atividades que os deixassem aquecidos. Por alguma razão que ele não sabia dizer, estava tendo novos arroubos de raiva e por vezes subia e se trancava no quarto, enrolado em cobertas, para não discutir inutilmente com ninguém.
A resposta de Héstia Jones, mandada através de Tonks só serviu para deixar Harry ainda mais enfurecido. Pelo que ela descobrira, o Ministério não guardou nenhum registro de onde o corpo de Voldemort estava enterrado. Parecia que eles temiam que seus seguidores tentassem recuperar o corpo do Lorde das Trevas, e usaram a influência sobre o Profeta Diário para espalhar o boato que o corpo de Voldemort havia evaporado quando Harry o destruiu.
Nem mesmo a presença de Gina sempre tão divertida, servia para melhorar seu humor. A única pessoa que se atrevia a ficar por perto dele quando tinha seus ataques, era Rony, que também não estava passando seus melhores dias.
Carlinhos havia acabado de receber a missão de treinar os três novos dragões que fortaleceriam a segurança do Gringotes. Isso significou uma mudança para o Largo Grimmauld, o que lhe dava oportunidade suficiente para ficar com Hermione em seu tempo livre.
Rony sentia tanto ciúme que preferia sair de perto. Não ia provocar uma briga de família, nem queria deixar Hermione constrangida. Mas agüentar os dengos entre os dois, mesmo que eles tivessem o bom senso de não se beijarem na frente de ninguém, era pedir demais para ele.
Aquela manhã ele nem acabou de tomar café e já subiu enfezado, antes mesmo de Harry ter acabado de trocar o pijama.
- Que aconteceu desta vez? – perguntou quando o amigo entrou no quarto que dividiam e bateu a porta com força.
- Hoje ele está de folga e eles vão sair para patinar! Ah, eu mereço!
- Gina vai com eles?
- Acho que não. Ela está gripada demais para fazer qualquer coisa além de soar o nariz.
Harry deixou o amigo sozinho no quarto e foi procurar a namorada. Fazia dias que eles não conversavam. Encontrou-a no quarto que dividia com Hermione, a mãe ao lado lhe servindo um chá bem quente e uma poção para a gripe.
- Bom dia! – disse batendo de leve na porta do quarto.
- Oi Harry – respondeu a Srª Weasley – Entre e faça um pouco de companhia para a Gina. Hermione vai sair e eu não quero que ela fique sozinha. Pode ter febre, sabe?
Ela saiu para a cozinha e ele se sentou na beirada da cama.
- Hoje você está mais calmo? – perguntou a garota com os olhos vermelhos e lacrimejantes e o nariz inchado.
- Sim! Por isso vim agradecer por você ter sido tão compreensiva esses dias todos.
- Não tem que agradecer. É só que... eu sei porque você está assim.
- Sabe? Sabe como se nem eu sei?
- Você está assim porque Voldemort está zangado. Foi como da outra vez! Você está sentindo as emoções que ele sente.
- Não, não deve ser isso.
- É isso, sim! Eu também sinto! É mais fraco, mas eu consigo sentir...
Harry muitas vezes se esquecia que Gina já fora possuída por um pedaço da alma de Voldemort. E isso aconteceu quando ela tinha apenas 11 anos!
- Você gostaria de ir falar com ele, não é? Com Dumbledore? – perguntou a garota em voz baixa.
- Gostaria. Queria entender essas coisas. Queria saber se não estou sendo impulsivo de ir atrás de uma visão e acabar soterrado por uma avalanche...
- Acho que vai ser quase impossível chegar até lá mais uma vez. O melhor seria escrever para ele. Ou para Hagrid.
- Edwiges está fora – disse tristemente – está procurando o Krum onde quer que ele esteja.
Quando Hermione voltou, com o rosto avermelhado, queimado pelo frio e rindo muito dos tombos que Carlinhos levou, o dia já estava no fim. Os dois almoçaram na rua, o que foi mais um motivo para Rony reclamar.
De banho tomado e muitos agasalhos, todos os moradores do Largo Grimmauld se reuniram para tomar uma caneca de caldo bem quente próximos à lareira. Estavam distraídos, ouvindo o rádio que a Srª Weasley ligara na sala quando uma batidinha seca estalou na janela.
Eles se sobressaltaram e viram parada no parapeito a enorme coruja branca de Harry. Ela tremia de frio e se deixou levar para dentro muito satisfeita, aceitando pedaços de biscoito que Gina começou a lhe oferecer.
Um envelope quadrado era tudo que Hermione queria ver. A letra de Krum estava um tanto borrada, pois Edwiges pegou uma nevasca no meio do caminho que acabou respingando na correspondência.
Ela voltou para a poltrona que dividia com Carlinhos e quando ia abrir a carta ele interrompeu:
- Vai ler sua correspondência na minha frente?
- Você se incomoda?
- Não, nem um pouco – respondeu com um sorriso.
Ela tirou o lacre do envelope e abriu o pedaço de pergaminho dobrado que havia dentro.
Não demorou muito para ler e logo sorriu vitoriosa para Harry que entendeu na mesma hora o que aquele sorriso significava. Vitor Krum aceitou ajudá-los a entrarem em Durmstrang.
Ele precisava falar com Dumbledore imediatamente. Mas Edwiges demoraria a levar uma carta e também estava muito cansada de sua última viagem. Aparatar no ponto em que Hagrid mostrou seria a única alternativa. Mas desta vez ele iria sozinho, assim ninguém poderia desconfiar.
Ele subiu para o quarto depois de algum tempo em que seu cérebro trabalhou incansavelmente imaginando todas as possibilidades que aquele pergaminho significava.
Quando percebeu que Rony já roncava, embolou alguns lençóis e outras roupas, fazendo uma imitação mal-feita de um corpo adormecido sob as cobertas. Vestiu sua capa de frio, cachecol e luvas e desceu para aparatar na sala. Não queria que ninguém ouvisse o estampido seco quando partisse.
Assim, ele aparatou no mesmo ponto da Floresta em que se despediu de Hagrid há alguns dias. Esforçou-se para lembrar do caminho e assim que conseguiu se orientar começou a caminhar.
O frio era terrível e cortava seu rosto. Ele caminhava cada vez mais rápido, chegando a correr em trechos em que a trilha se alargava, para tentar espantar o frio. Alcançou a clareira ocupada pelas três estátuas e só então se deu conta de que não sabia como passar pelo elmo.
Não havia nada que indicasse a passagem, nenhuma alavanca ou botão escondido estrategicamente. Harry tentou todos os feitiços que conhecia, mas nada funcionou.
Começou a chamar por Hagrid, torcendo para que o meio-gigante estivesse por ali. Sua voz saía baixa e sussurrada. Ele se aproximou das passagens de ar que tinham na aba e tentou produzir algum eco.
Mas nada. Nenhuma resposta. Ele estava congelando e não poderia imaginar que tinha se arriscado tanto assim pra nada. Irritado, andou mais alguns passos e jogando toda a prudência por água abaixo, berrou pelo guarda-caças.
Sua voz ecoou pela floresta, espantando alguns poucos pássaros encarrapitados nos galhos das árvores mais próximas.
Pouco depois ele ouviu passos apressados e se virou ansioso para falar a Hagrid que precisava ver Dumbledore. Mas a menos de 3 metros de distância quem apareceu não foi Hagrid.
Harry viu que alguém bem menor e mais magro se aproximava. Usava uma capa preta, típica de um comensal, totalmente esfarrapada. Os cabelos loiros quase brancos, ensebados e sujos e o rosto mais encovado que nunca. Draco Malfoy se apoiava a uma das árvores e olhava para Harry.
- Potter – disse com uma voz fraca mas ainda assim arrogante – Você é de verdade ou só outro pesadelo dessa Floresta maldita?
- Malfoy! – exclamou Harry e puxou a varinha para atacá-lo, quando percebeu que Draco mal piscava.
O garoto loiro desabou sobre o chão úmido e gelado. Estava tremendo demais, as mãos azuladas, como as pontas do nariz e das orelhas, e a boca arroxeada.
Harry se aproximou temeroso que fosse algum truque, mas logo percebeu que Draco estava doente de verdade.
Sentindo seus instintos entrarem em conflito, ele ficou parado. Se fosse qualquer outra pessoa, ele teria tirado a capa e coberto na mesma hora, procurando mantê-la aquecida até encontrar ajuda.
Mas Draco Malfoy foi o primeiro inimigo que Harry fez na vida. Antes mesmo de ter a noção exata do que Voldemort representaria para ele no futuro. Além disso, Draco tentou matar Dumbledore.
Tentou, mas não conseguiu – disse uma vozinha dentro dele.
A mesma voz ainda lhe lembrou que Draco abaixou a varinha. Não queria matar Dumbledore. Nada teria acontecido se Snape não aparecesse. Se dependesse de Draco, eles agora estariam aquecidos pelas paredes de Hogwarts.
Harry ainda não tinha esquecido a imagem do garoto chorando, assumindo para a Murta-que-Geme toda sua fragilidade e impotência para lutar contras as ordens de Voldemort, enquanto sua família era ameaçada de morte.
E se Harry estivesse nessa posição? E se ele pudesse ter a chance de salvar sua família? Não teria aceitado qualquer condição para impedir que seus pais morressem?
Esse pensamento foi decisivo para Harry, que tirou a capa e jogou sobre Draco. Depois, fazendo um grande esforço, pegou o rapaz ao colo e o levou para perto do elmo, colocando-o sobre uma superfície seca.
- Que falta faz a Hermione numa hora dessas. Ela bem poderia conjurar outra capa para esse traste! – murmurou preocupado.
E agora? O que iria fazer? Lançar fagulhas para o alto era mais que imprudente. Se a floresta ainda estivesse sendo revistada por comensais, eles iriam diretamente para lá.
O frio aumentava a cada minuto e ele sentia os dedos endurecerem. Uma idéia bastante desagradável passou por sua cabeça, mas ele não via outra alternativa.
Sentou-se ao lado de Draco e puxou uma ponta da capa para cobri-lo também. De todas as pessoas no mundo, Draco seria uma das poucas que Harry se sentiria realmente mal de ter que dividir uma capa num dia frio.
Para sua sorte, Hagrid apareceu meia-hora depois e preocupou-se de vê-los ali.
- Harry! Que é isso? Mas este é o peste do menino Malfoy.
- Ha-Hagrid – disse tremendo de frio – vamos congelar aqui. Malfoy está doente, eu o encontrei aqui perto, desmaiando de frio.
Bufando de preocupação e contrariedade, Hagrid abriu a aba do elmo e deu passagem a Harry, enquanto jogava Draco sobre os ombros.
Eles desceram os degraus com cuidado e logo alcançaram a catacumba iluminada por archotes. Harry ficou realmente feliz de ver algum fogo e pode se sentir menos gelado. Hagrid despejou um Draco ainda inconsciente no chão e foi falar com Dumbledore.
Logo o ex-diretor apareceu, mais uma vez carregado pelo meio-gigante. Harry notou que não era só a mão do diretor que estava enegrecida e parecia sem vida. A maldição contida no anel que Voldemort transformara em horcrux tinha se espalhado pelo resto do braço e agora manchas se estendiam pelo pescoço do bruxo.
- Harry, o que faz aqui tão tarde e sozinho?
- Ele não está sozinho, senhor – disse Hagrid apontando para o garoto caído ao chão.
- Draco?
- Ele não veio comigo, senhor. Só o encontrei muito mal aqui perto.
Dumbledore sorriu. Um sorriso cansado, mas muito satisfeito.
- Não sei por que ajudar gente da laia dele – resmungou Hagrid – ele quase matou o senhor.
- Você disse uma verdade, Hagrid. Ele QUASE me matou, mas não teve...
- Coragem para isso – completou Harry.
- Eu não diria coragem, Harry. Diria que o jovem Malfoy não teve maldade suficiente no coração para matar alguém que nunca fez nada contra ele.
As palavras de Dumbledore caíram sobre Harry como um saco de cimento que ele insistia em manter suspenso por um barbante. Ele também pensava aquilo. Mas temia admitir e desrespeitar a memória de Dumbledore. Mesmo sendo como Dumbledore dizia, foi Draco quem permitiu que os outros comensais entrassem no colégio e provocasse todo aquele estrago.
- E mais uma vez você não me decepciona, Harry. É muito reconfortante saber que mesmo com toda a influência que as emoções e os sentimentos de Voldemort exercem sobre você, você ainda se mantém firme e consegue ajudar alguém realmente necessitado.
O rapaz ficou ruborizado. Agradava-lhe a idéia de saber que ainda era dono do próprio coração e, assim, da própria vida.
- Hagrid – chamou o ex-diretor – cuide do jovem Malfoy. Ele deve estar muito mal. Aqueça-o, faça-o comer alguma coisa e cuide para que ele se mantenha calmo. Vamos saber o que aconteceu para que ele tenha aparecido aqui tão abandonado pelo seu exército. Enquanto isso, o Harry aqui vai me contar o que o levou a abandonar o calor de sua cama para vir me ver esta noite.
Em poucas palavras, Harry explicou ao ex-diretor o que tinha descoberto sobre Voldemort, a visão que teve sobre a caverna que deveria ficar na Montanha do Esquecimento e a idéia de ir até lá.
Dumbledore uniu as pontas dos dedos e ouviu a história em um silêncio reflexivo que permaneceu por mais um tempo que Harry jurou ser uma eternidade.
- Deite-se, Harry! – ordenou Dumbledore.
- O quê? – assustou-se Harry – O que disse, senhor?
- Mandei você deitar. De preferência aqui.
Um gesto de varinha do ex-diretor fez uma maca, parecida com as da ala hospitalar, flutuar diante dele. Sem saber o que fazer, Harry continuou só observando.
- Meu jovem, não temos todo o tempo do mundo. Vamos, deite-se, eu vou ter certeza de que suas visões são autênticas.
Ele obedeceu e logo a maca flutuou até se aproximar do rosto do diretor. A mão sadia de Dumbledore passou sobre o rosto de Harry enquanto o bruxo murmurava um encantamento.
Harry sentiu os olhos pesados e não conseguiu pensar em mais nada. Sabia-se consciente, mas seus pensamentos congelaram e ele só enxergava uma enorme escuridão sem fim.
A escuridão se dissipou algum tempo depois com um estalar de dedos de Dumbledore e Harry apenas abriu os olhos e perguntou a que conclusão o ex-diretor chegara.
- Harry, nenhuma parte de sua mente parece ter sido forçada, violentada ou adulterada. Não há nenhuma mancha característica de lembranças ou cenas implantadas. Tudo o que está na sua mente, você realmente viu. E outra coisa que me leva a entender toda a raiva que Voldemort tem sentido e que está se refletindo em você.
- O que pode ser, senhor?
- Voldemort sabe que suas horcruxes foram destruídas – informou Dumbledore mais calmo que Harry poderia imaginar.
- Como? – foi a única palavra que conseguiu mencionar.
- Pelo que conheço de Voldemort, ele sempre acredita que sua magia é mais forte e poderosa que todas as outras. A falta de comunicação com Nagini deve tê-lo despertado para tentar uma comunicação com as outras partes de sua alma. O que nos leva a teoria de que ele está deslocando sua consciência para cada um dos objetos. E como não conseguiu se comunicar com o anel e com a cobra, ele passou a se irritar.
- Então, realmente existe uma horcruxe na Montanha do Esquecimento?
- Não posso afirmar que é lá, Harry. Mas saber que Slytherin fundou Durmstrang é algo que faria os olhos de Voldemort brilharem cobiçosos. Agora que você já tem sua certeza, Harry, acho melhor voltar antes que o dia amanheça.
Harry assentiu e já estava a meio caminho da escada quando se virou.
- Pode perguntar, Harry – disse dumbledore que parecia esperar que o rapaz se virasse.
- O que vai acontecer com Draco?
- Acho que ele vai ficar conosco por um tempo. Até se sentir saudável e confiante o bastante para voltar. Mais alguma coisa?
- Professor, as estátuas...
- O que têm elas?
- Eu vi que Godric foi representado segurando aquela espada, que Helga foi representada com a taça e sei que Slytherin tinha o medalhão. Mas não consegui ver o que a Rowena carrega.
- Aquele é o maior segredo do milênio, Harry. Ninguém sabe ao certo o que é! Nem mesmo eu! – respondeu sorrindo – O que nos dá mais uma certeza, Voldemort não conseguiu o objeto dela. E isso já é um grande progresso! Agora vá.
Harry correu o máximo que pode e aparatou na sala do Largo Grimmauld. Fazendo uma figura sentada no escuro dar um grito assustado.
Rapidamente a luz da sala se acendeu e o Sr Weasley estava de pé, diante de uma poltrona, pronto para atacar.
- Sou eu, Sr° Weasley, o Harry – apressou-se a dizer para evitar um ataque.
- Harry! Céus, o que pensa que está fazendo? – perguntou assustado o bruxo ruivo.
- Desculpe, eu... eu tive... eu precisei...
- Precisou sair no meio da noite de novo! – falou mais zangado do que Harry já vira.
O Sr° Weasley não era do tipo que se zangava facilmente. Preferia uma conversa séria a se chatear antes da hora. Mas aquela noite ele estava bravo. Muito Bravo!
- Harry, nós tivemos que abandonar nossa casa, nossas coisas, por uma travessura como esta! Onde estão os outros?
- Estão todos dormindo, senhor! – respondeu de cabeça baixa – Eu fui sozinho.
Não lhe agradava a idéia de chatear o pai de sua namorada e de seu melhor amigo.
- Você foi sozinho? Para onde?
- Isso eu não posso revelar. Ainda não, mas foi bom encontrá-lo acordado. Tem uma coisa que eu preciso fazer e vou precisar de ajuda.
A voz de Harry indicava que o assunto era sério. O Sr° Weasley reavivou as chamas na lareira e sentou-se diante do rapaz esperando para ouvir atentamente tudo o que ele tinha para dizer. E não demorou muito a ficar chocado com o que o rapaz lhe relatara.
- Você está dizendo que vai viajar para destruir mais uma daquelas... daquelas coisas que “ele” fez?
- Sim! E preciso fazer isso o mais rápido possível!
- Mas não seria mais seguro você deixar essa tarefa com alguém da Ordem? A Tonks pode conseguir um grupo de aurores...
- Não! Sou eu quem precisa fazer isso. Só eu posso encontrar o lugar em que a peça está!
- Você está determinado mesmo!
- Preciso estar, afinal eu não tenho escolha!
- Como você vai fazer para viajar? Porque vai precisar levar muita coisa e...
O homem se levantou, virou de costas para o fogo e coçou a cabeça num gesto indeciso, atrapalhando o pouco cabelo que lhe restava.
- E vai precisar de companhia!
Finalmente ele tocou no assunto que mais lhe causava preocupação. Desde o primeiro momento da conversa ele sabia que nada que dissesse ou fizesse depois ia impedir o filho de acompanhar Harry. Rony e Hermione não deixariam o amigo sozinho nesta aventura, como nunca deixaram em nenhuma outra.
Harry não respondeu, mas entendeu a angústia do outro. Levantou-se e foi até a janela, olhando o céu estrelado e a mancha negra onde devia estar a lua.
- Vá dormir – falou o pai de Rony – Eu vou fazer o que for preciso para lhe ajudar, Harry! Se você tem coragem o bastante para enfrentar isso assim, eu também posso ter alguma coragem...
Harry subiu as escadas, tirou as roupas e se jogou na cama quente e fofa, sem se importar de vestir o pijama. O coração ainda estava disparado e todas as imagens e lembranças dos últimos anos afluíram em sua mente.
Mesmo fazendo força para não dormir e colocar os pensamentos em ordem, o cansaço o venceu e ele sentiu um leve torpor dominar seus músculos, suas pálpebras e caiu num sono profundo.
Parecia-lhe que não havia dormido cinco minutos quando uma mão delicada o sacudiu? Por instantes pensou se tratar de Gina, mas quando abriu os olhos não viu os cabelos vermelhos da namorada.
- Hermione? – sussurrou enquanto tateava a mesa de cabeceira a procura dos óculos.
- Não, sou eu, Tonks!
Ele pôs os óculos e todo o quarto entrou em foco, assim como a auror, que exibia cabelos castanhos bem desalinhados, olhos azuis e o rosto pálido com olheiras escuras.
- Que aconteceu? – perguntou o rapaz.
- Eu que te pergunto? O Arthur está lá embaixo fazendo a Molly se acalmar, ela está desorientada falando um monte de coisas desconexas sobre você e sobre uma viagem.
Harry se jogou sobre os travesseiros e passou as mãos pelos cabelos.
- Então é verdade? Você vai fazer uma viagem?
- Vou! Vou atrás de uma parte da alma de Voldemort.
- Vou com você!
- Não! Você precisa ficar aqui para ajudar a Ordem. Ninguém vai desconfiar do lugar para onde eu vou.
- E você vai sozinho?
- Você sabe que não. Mesmo que eu quisesse, Rony e Hermione não deixariam.
- E a Gina?
O rapaz estava se esforçando para não pensar no assunto. Gina ainda não tinha completado 17 anos e a mãe da garota poderia impedi-la de viajar com eles.
- Acho que a Srª Weasley não vai deixar...
Dito e feito. Quando os jovens desceram para o café, encontraram a mãe de Rony com os olhos inchados e muito vermelhos e uma cara nada contente. Serviu um mingau de aveia empelotado e não falou com nenhum deles.
Saiu da cozinha e voltou cinco minutos depois. Sentou-se de frente para os quatro jovens e os encarou.
- Se vocês pensam que eu estou de acordo, saibam que eu não estou! Mas não tenho como segurar três bruxos adultos debaixo das minhas asas. No entanto, Gina ainda é menor e vai ficar aqui.
A garota inflou de indignação, mas antes que retrucasse, a mãe a cortou:
- Não adianta dar chilique, fazer escândalo ou o que for. Você não vai e pronto! Quanto a vocês, só vou permitir que saiam se estiverem bem preparados. E se aceitarem que Tonks, Lupin e Gui os escoltem até o local onde Harry disse a Arthur que vão se encontrar com um guia.
Decididamente não havia o que discutir. Eles precisariam aceitar aquelas condições, mas não se mostraram insatisfeitos com a companhia dos três membros da Ordem. Só Gina parecia querer explodir.
Ela subiu e se trancou no quarto. Não quis sair para comer e ficou mais irritada quando a mãe gritou do lado de fora:
- Pode morrer de fome aí dentro que eu não ligo, pelo menos você vai morrer dentro de casa!
O clima que se abateu sobre a casa do Largo Grimmauld não era dos melhores. A Srª Weasley continuava mal humorada. Gina continuava sem falar com ninguém enquanto os outros traçavam mapas e rotas que poderiam usar.
Decidiram que não iriam aparatar sempre, mesmo porque não sabiam se Durmstrang tinha feitiços de proteção como os de Hogwarts. Gui e Fleur sempre voltavam da rua com as compras necessárias para equipar os jovens para a viagem.
Compraram capas que resistiam até 12° negativos, mochilas mágicas que sempre pesavam 5 quilos independente da carga que levassem, cantis a prova de congelamento e alguns sacos contendo uma espécie de farelo escuro e velho.
- Isso é ração de viagem – explicou Gui – Vocês só precisam acrescentar água e fica quase gostoso.
Edwiges foi mandada de volta a Krum com uma carta marcando o encontro para dali a 10 dias. Eles partiriam no penúltimo dia do mês. Tonks se encarregou de treinar Hermione para voar e no dia da viagem a levaria até o local de encontro com Krum. Mas dali para frente, ela deveria se virar sozinha.
Carlinhos tentava ajudar a garota dando-lhe algumas dicas sobre vôo e deixando bilhetinhos com palavras de incentivo sobre sua cama todos os dias.
Na véspera da partida, quando todos preparavam os últimos detalhes, Gina saiu do quarto que ocupava com Hermione e foi esperar por Harry, no quarto que ele ocupava com Rony.
O rapaz entrou com uma expressão mista de cansaço e ansiedade e quando viu a namorada sentada em sua cama, com os olhos brilhando muito, ficou feliz e foi conversar com ela.
- Olha, Gina, eu realmente queria que você fosse! Você sabe disso, não é?
- Sei... Mas acho que no fim das contas acabou acontecendo o que você temia. Voldemort conseguiu nos separar...
- Mas não vai ser por muito tempo. Nós vamos nos reencontrar logo. Eu prometo que venho passar o Natal com você!
Ele a envolveu num abraço apertado e selou sua promessa com um grande beijo. Quando a soltou, Gina rapidamente desviou o olhar dele e puxando a varinha debaixo das cobertas apontou para porta e lançou um feitiço
- O que é isso, Gina? – perguntou alarmado.
- Fica calmo! Eu não vou te prender aqui e te impedir de ir fazer essa missão estupidamente nobre. Só que...
A garota parou de falar, e sentiu as bochechas esquentarem enquanto coravam vivamente. Sabia que toda missão que envolvia Voldemort e seus seguidores era imprevisível. A viagem que Harry faria no dia seguinte poderia significar o fim de um relacionamento que ela sonhou a vida inteira. E para impedir que isso acontecesse, ela faria qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo!
Vendo que ela relutava em continuar a falar, Harry insistiu:
- Só que o quê?
- Só que você vai para a Montanha do Esquecimento, Harry. E eu preciso ter certeza, eu preciso garantir que você não vai me esquecer!
E dizendo isso, ela o puxou para um beijo apaixonado e cheio de angústia. Um beijo que durou muito. Durou o suficiente para Harry se ver sob as cobertas abraçando a namorada, deslizando as mãos pelas costas pintadas das pequenas sardas que ele tanto desejara quando as viu descobertas pela primeira vez no casamento de Gui.
Suficiente para que ele deixasse qualquer pudor de lado, esquecendo-se que havia outras pessoas na casa. Que Rony poderia entrar a qualquer momento.
Mas Rony não entrou. O corredor não fazia barulho. E dentro daquele quarto o único som que o embalava era a respiração de Gina e o seu coração batendo descompassado.
Quando a namorada adormeceu sobre seu peito, tempos depois, ele ficou olhando o teto e pensando. Por que agora? Por que justamente agora que ele teria que partir? Se pudesse ficar mais uns dias... Mas ele não podia, e na manhã seguinte, partiria sem se despedir. Não queria vê-la triste. Não depois da felicidade que compartilharam aquela noite.
Ele olhou no relógio. Passava da uma da manhã e Rony não havia aparecido. Com um sorriso, Harry entendeu que Rony não apareceria enquanto o feitiço da porta não fosse desfeito.
Levantou-se da cama, vestiu o pijama novamente, cobriu a namorada e desceu para a sala. Rony adormeceu numa poltrona segurando suas luvas de goleiro. Ele decidiu que elas eram quentes o bastante para que ele pudesse voar num lugar tão frio quanto a Estônia.
Hermione estava acordada, aparentemente lia um livro, mas seus olhos estavam desfocados e não percebeu que Harry estava ali.
- Não vai dormir? – perguntou o amigo.
- Ah, oi Harry! Quantas horas?
- Quase duas. O que está fazendo?
- Pensando que eu tive a oportunidade de encontrar meus pais e deixei passar. E agora não sei quando vamos voltar e... quando isso acontecer... como será que... Será que Dumbledore terá condições de me dizer alguma coisa?
Harry sabia que o ex-diretor estava realmente muito mal. Mas esforçava-se para não pensar que ele não agüentaria até que eles voltassem.
- Por que você não vai deitar? Depois, no caminho, você pode escrever para Hagrid e pedir a ele que fala com Dumbledore.
- Está bem! É o que vou fazer. Você acorda o Rony? Eu vou subir e ver se a Gina já está dormindo.
Harry engoliu em seco e virou-se para a amiga, tentando manter um ar descontraído:
- Ela está dormindo na minha cama. Ficou me fazendo companhia enquanto vocês não subiam e acabou pegando no sono.
Hermione fez cara de que tinha acreditado e subiu dizendo que passaria lá para chamá-la.
O rapaz chamou o amigo e eles logo estavam novamente deitados. Mas Harry não dormiu de imediato. Continuou pensando em tudo o que vive momentos antes. E quando o dia raiou, mesmo sem ter pregado os olhos a noite inteira, ele se sentiu descansado. Em paz. Pronto para encarar qualquer desafio.
De roupas trocadas e bem alimentados eles pararam à porta para se despedir. A mãe de Rony chorava num silêncio digno, com soluços abafados. Abraçou um por um, mandando que eles se cuidassem, que prestassem atenção e que se encontrassem alguma coruja no caminho, que mandassem notícias.
Depois entregou um grande saco com vários remédios para Hermione, que ela considerava como a mais ajuizada do grupo.
Rony virou o rosto quando Carlinhos se despediu de Hermione com um beijo rápido e terno, mas não se recusou a despedir-se do irmão com um aperto de mão.
- Olha, Ron... – começou Carlinhos.
- Pode deixar que eu tomo conta dela para você – interrompeu Rony.
- Eu não ia falar isso. Acho que Hermione sabe se cuidar. Só ia pedir para você SE cuidar. Sabe, a mamãe, o papai, os outros e eu precisamos de você inteiro.
Toda a raiva e ciúmes que sentia de Carlinhos passou e deu lugar a um aperto no coração. Um medo de não mais rever sua família. Puxou o irmão deu-lhe um abraço apertado, prometendo que voltaria.
- Hora de ir – avisou Tonks.
Eles procuraram um lugar seguro e, com as mochilas às costas, montaram as vassouras, deram um impulso e subiram para o céu frio e enevoado do inverno londrino.
Não partiam para a guerra. Partiam para algo muito pior, o desconhecido. Os três amigos relembravam as vezes que tiveram que encarar Voldemort ou seus seguidores. E sabiam que desta vez não seria diferente. Voldemort cuidou muito bem de manter as partes de sua alma protegidas por encantamentos e feitiços das trevas.
Harry repassava mentalmente o local em que a horcrux estava. Pensando no que poderia causar aqueles estrondos que balançavam as estalactites de vidro.
A seu lado, sem que pudesse perceber ou imaginar, Hermione e Rony pensavam a mesma coisa. Harry era o único que poderia destruir Voldemort. Era “O Eleito”. E precisava sobreviver. E eles fariam o impossível para isso acontecer!

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